Diagramação - Capa Panorama

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Poucos entendem o poder do cinema de criar universos como Wes Anderson. O cineasta texano, dono de um estilo extravagante e imediatamente identificável, exerce ao máximo sua faceta de construtor de ambientes únicos em O Grande Hotel Budapeste, seu novo filme. O longa se passa em uma realidade fictícia, inspirada na Europa do período entre guerras. O hotel do título se situa na montanhosa República de Zubrowka e é gerenciado com mão de ferro por Gustave H. (Ralph Fiennes), tido como o maior concierge do mundo. Excêntrico, amante de poesia, perfumes e senhoras mais velhas, o gerente se vê em uma conspiração quando sua adorada Madame D (Tilda Swinton, em uma impressionante maquiagem de idosa) é assassinada. Perseguido pela polícia, ele descobre no novato garoto de recados Zero Moustafa (Tony Revolori) um valioso amigo. Quase 40 anos depois, um escritor (Jude Law) se hospeda no já decadente hotel e serve de confidente para que um solitário sr. Moustafa (F. Murray Abraham) relembre suas desventuras.

Porto Alegre, terça-feira, 1 de julho de 2014 - Nº 18

O Grande Hotel Budapeste tem direção de Wes Anderson

CINEMA

Luis Felipe Abreu

FOX FILMS /DIVULGAÇÃO/JC

Durante as filmagens, Anderson deu entrevistas afirmando que sua grande inspiração para o longa foi o cineasta alemão Ernst Lubitsch, autor de clássicos farsescos como Ser ou não ser, de 1942, e Ladrão de alcova, de 1932. A trama, porém, mistura diversos gêneros, indo da comédia ao filme de prisão ao thriller de crime, em um ritmo frenético. Ainda que não adapte nenhuma história específica, o roteiro é inspirado na obra do escritor austríaco Stefan Zweig, fugido da Europa durante a Segunda Guerra Mundial. O trabalho pode ser considerado o auge da estética do cineasta. Suas marcas características (composições simétricas, paleta de cores marcantes, caracterizações histriônicas) estão por tudo. O mundo deste novo filme parece feito de brinquedo - e a fachada externa do hotel realmente o é -, com seus sets épicos e a fotografia brilhante de Robert D. Yeoman. A escolha por situar o longa no passado e em um local fictício, assim como em Moonrise Kingdom, de 2012, dá ao diretor ainda mais liberdade criativa para as ousadias visuais. Ainda que detratores apontem seus maneirismos como falta de

criatividade e preguiça de construir narrativas mais “sinceras”, O Grande Hotel Budapeste não é, em momento algum, cansativo ou falso. Pelo contrário, é um filme que transborda romantismo. A questão é que, desde sempre, a força que move o cinema de Anderson está nesse paradoxo: o cineasta lança mão de uma estética artificial e milimetricamente calculada para tratar de histórias profundamente sentimentais. Seu novo trabalho marca, assim como Moonrise Kindgom e Os excêntricos Tenenbaums, de 2001, o apogeu dessa dicotomia. São seus filmes de visual mais extravagante, e aqueles com maior investimento em relações emocionais profundas. Anderson também é conhecido por trabalhar sempre com os mesmo atores, o que volta a ocorrer com o grande elenco de Budapeste. Bill Murray, Adrien Brody, Willem Dafoe, Edward Norton e Jason Schwartzman são alguns dos rostos constantes em cena. Quem se destaca, porém, é um novo nome na trupe. Ralph Fiennes revela uma faceta cômica inesperada, construindo um Gustave hilário, ainda que muito humano. Em dado

momento, o personagem é definido como alguém que vive sustentando a ilusão de pertencer a um tempo passado. Não poderia ser mais correto. Mesmo nos anos 1930, o cavalheirismo e a inocência do concierge são anacronismos, causas de toda a confusão da trama. Apesar de toda a diversão e das gargalhadas proporcionadas ao longo de seus 100 minutos, O Grande Hotel Budapeste é, em seu cerne, um filme bastante melancólico. Perpassa todas as cenas uma sensação de que a ruína está cada vez mais próxima, com a guerra a caminho. Ainda que as desventuras de Gustave e Zero ocorram em tom de comédia, sabemos desde o princípio que o hotel está condenado e que uma implacável solidão é o saldo disso tudo. Essa desilusão está já na fonte da história e da inspiração: Zweig se matou em 1942, em seu refúgio em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Na nota de suicídio, atribuiu o ato à sua condição de apátrida, filho de uma Europa e de uma cultura em estado de autodestruição. Sua autobiografia, lançada postumamente, chama-se O mundo de ontem - título que caberia muito bem ao filme de Anderson.


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