Jornal Festivais Gil Vicente | 2013

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“A NATUREZA DO TEATRO É A PROVOCAÇÃO. O ENCONTRO ENTRE OBRA E PÚBLICO DEVE SER CONFLITUOSO. SEM CONFLITO NÃO HÁ CONHECIMENTO.”. Aproprio-me desta declaração de Angélica Liddell ao jornal Folha de S. Paulo porque ela transporta em si a essência do ato de programar. É isso que procuramos ao programar mais uma edição dos Festivais Gil Vicente - a provocação conflituosa entre obra e público como ferramenta ao serviço do conhecimento. _E ao fazê-lo estamos, cremos, sintonizados com a obra Vicentina e com o Teatro nas suas mais variadas expressões. _Gil Vicente, seguindo a tradição grega, colocava em cena a História, os conflitos humanos, sociais e políticos, retirados da própria História, plenos de atualidade em cada momento da sua própria vivência. _Já Aristóteles, no seu tratado "Poética", assinala um jogo criado com o objetivo de conduzir o público à catarse através do sofrimento e transformação do protagonista. A ideia de que os personagens de uma peça devem ligar-se ao público foi uma grande contribuição do teatro grego à tradição dramatúrgica ocidental. De forma transversal, este propósito tornou-se o alicerce da expectativa convencional quanto à relação entre a ação do personagem e a experiência do público. _Também por isso, o Teatro é uma arte nobre porque permite uma vivência e porque, como tão bem diz Peter Brook, “O público vai ao teatro por uma única razão: viver uma certa experiência, que só acontece no momento da representação”. _Esta relação; este conflito; este confronto e, em suma, esta “osmose” resulta do facto de uma obra nunca se apresentar perante o público como uma absoluta novidade mas sim como ponto de partida para uma receção sempre condicionada por informações e referências mais ou menos implícitas. Cada obra evoca outras obras; cada obra coloca o público numa determinada situação emocional e cria expectativas que podem permanecer imutáveis ou transformar-se radicalmente. _Valorizar a obra teatral como algo que se dá à perceção, e que por essa razão a torna central nesse processo, é algo que surge como natural, ao mesmo tempo que, com a mesma naturalidade, se aceita que sem o público a perceção não se corporiza, não se concretiza. Numa hipótese simplista poder-se-ia dizer que para existir uma experiência estética bastaria a existência de obra e público. Se assim fosse, então qualquer obra e qualquer público seriam por si só capazes de provocar/vivenciar a experiência estética. _Facilmente se pode concluir que para a existência de uma experiência estética, para a existência de uma obra com significação própria, para a existência de um público como elemento recetor, será necessária a junção de vários fatores que proporcionarão uma presença e uma representação em função do sensível e em função da imaginação. _É esta relação que procuramos potenciar com o programa que apresentamos nesta edição dos Festivais Gil Vicente. _Esperamos que enquanto público se possa encontrar com todas ou cada uma das seguintes obras, que serão apresentadas nos diversos espaços deste novo território cultural que é GUICUL – Guimarães Arte e Cultura: Ping Pang Qiu de Angélica Liddell _Raso Como o Chão de Ana Deus e João Sousa Cardoso (a partir da obra homónima de Álvaro Lapa) _Adalberto Silva Silva de Jacinto Lucas Pires _Atabicar o Caminho de João Martins _Rosencrantz & Guildenstern Estão Mortos de Tom Stoppard _Devagar de Howard Barker _A Africana de Cão Solteiro & Vasco Araújo (a partir de libreto de José Maria Vieira Mendes) _Um Precipício no Mar de Simon Stephens _A 20 de Novembro de Lars Norén _Ensaio Sobre o Teatro de Rui Simões (a partir da adaptação do Teatro O Bando, da obra de José Saramago “Ensaio Sobre a Cegueira”) _António, Um Rapaz de Lisboa de Jorge Silva Melo. Que o Teatro provoque um confronto conflituoso rumo ao conhecimento! José Bastos


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