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INCÊNDIOS FLORESTAIS - 5 ANOS APÓS 2003
Intervenção: António Salgueiro – Autoridade Florestal Nacional No que respeita aos potenciais autores, a capacidade que estes têm para delinquir ou reincidir naquele tipo de
Algumas considerações sobre o que aqui foi dito. Uma delas é sobre o estudo que fez a Liga para a Protecção
actuação e crime, maioritariamente com motivações fúteis, que os levam a colocar incêndios, resulta da sua
da Natureza: antes de mais, o mérito é todo vosso por terem feito já em 2003 e agora terem voltado a fazer.
desinserção social. O conhecimento dos perfis dos incendiários deveria também ser utilizado na perspectiva
No entanto, uma coisa que não posso deixar de reparar é que a Liga fez o estudo com um pendor negativo,
da prevenção dirigida a indivíduos em concreto que estão desinseridos do meio social.
de tudo o que falta fazer.
Também inserimos numa base de dados a identificação desses incendiários, de forma a fazer-lhes um acom-
Não nos interessa só analisar aquilo que falta fazer, antes disso é importante analisar o que foi feito e o que
panhamento na época estival.
resultou. Devemos dar o benefício ao que foi feito e que resultou, para que isso seja incrementado, pois esse é o aspecto mais positivo de uma análise, e só depois fazer a avaliação do que correu mal e que deve ser alterado.
Em relação à aplicação do código penal, actualmente o que se verifica é que os incêndios que ocorram fora das áreas onde esteja inserida floresta, mata, arvoredo ou seara não são puníveis pelo código penal. Logo, a
Neste estudo vi muito pouca coisa sobre combate. Como o próprio estudo refere, o combate continua a
transferência da penalização deste tipo de crimes poderá recair no Decreto-Lei n.º 124/2006, o que nos leva a
ter um peso bastante elevado na política e no financiamento das acções ligadas à defesa da floresta contra
pensar se a reestruturação deste diploma não deveria ter outro alcance, de modo a compensar condutas que
incêndios. Se tem um peso tão grande, a avaliação também deve ser proporcional.
não se encontrem previstas no código penal. No que refere à lei e à dificuldade da sua aplicação, eu vejo várias razões pelas quais é difícil aplicar as leis em Outra conclusão a tirar é o número mais reduzido que existe de autores identificados, porque a maior parte
Portugal. Uma delas é a frequência com que são feitas alterações à lei, incorrecções, novos regulamentos, ou
das situações de ocorrências, com combustões descontroladas, incêndios ou fogachos, não cabem dentro do
seja, é difícil para qualquer instituição acompanhar este ritmo; nota-se também que existe algum autismo da
código penal como incêndio florestal, nomeadamente os incêndios em matos, incultos e terrenos agrícolas.
parte dos legisladores, muitas leis são desadequadas à nossa realidade e logo muito difíceis de aplicar. No caso do Decreto-Lei n.º 124/2006, um aspecto muito positivo que se realça da aplicação da lei, foi a diminuição do número de ocorrências. Penso que existiu um aspecto muito positivo nos últimos dois anos, que foi o controlo do número de ocorrências, ou seja, da aplicação do Decreto-Lei n.º 124/2006, que é a principal razão pela qual temos tido tão poucas ocorrências nos últimos 2 anos. Existe algo de assustador na associação entre a meteorologia e o número de ocorrências, porque se constata que quanto mais elevado é o índice de risco de incêndios, maior é o número de ocorrências. Esta relação não pode apenas ser explicada pela maior probabilidade de uma ignição dar origem a uma ocorrência nas situações mais extremas, mas sobretudo pela evidência de uma forte intencionalidade no uso do fogo. Não digo intencionalidade no incêndio, porque muitas pessoas fazem fogo e não querem provocar incêndio mas usam o fogo para diversos fins e alguns deles dão origem a um incêndio. Fazemos sensibilização há muitos anos, e este é outro aspecto referido no estudo da Liga, que é a sensibilização do público em geral. Eu pessoalmente estou convencido que a sensibilização do público em geral é muito bonita, é agradável mas tem muito poucos resultados. O problema dos incêndios é um problema rural, e é aí que nós temos que focar as nossas actividades, para que tenham algum impacto no número de ocorrências. A desadequação da lei tem a ver com o facto de Portugal ser um país de clima mediterrânico e porque durante milhares de anos sempre se utilizou o fogo. Durante muitos anos considerou-se que era preciso impedir o
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