A Filha Esquecida

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ARMANDO LUCAS CORREA

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Tradução Denise de Carvalho Rocha

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Título do original: The Daughter’s Tale. Copyright © 2019 by emanaluC Production Corp. Tradução inglesa © 2019 by emanaluC Production Corp. Edição espanhola publicada em 2019 pela Atria Español as La hija olvidada. Publicado mediante acordo com Atria Books, uma divisão da Simon & Schuster, Inc. Copyright da edição brasileira © 2019 Editora Pensamento-Cultrix.com 1a edição 2019. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Jangada não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro. Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações e acontecimentos retratados neste romance são produtos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Editor: Adilson Silva Ramachandra Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz Produção editorial: Indiara Faria Kayo Editoração eletrônica: Join Bureau Revisão: Vivian Miwa Matsushita Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Correa, Armando Lucas A filha esquecida / Armando Lucas Correa; tradução Denise de Carvalho Rocha. – São Paulo: Jangada, 2019. Título original: The daughter’s tale. ISBN 978-85-5539-148-4 1. Ficção espanhola 2. Ficção histórica 3. Judeus – Alemanha I. Rocha, Denise de Carvalho. II. Título. 19-30448

CDD-863 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura espanhola 863 Iolanda Rodrigues Biode – Bibliotecária – CRB-8/10014

Jangada é um selo editorial da Pensamento-Cultrix Ltda. Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução. Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP Fone: (11) 2066-9000 http://www.editorajangada.com.br E-mail: atendimento@editorajangada.com.br Foi feito o depósito legal.

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Para Judith, a garota perdida do St. Louis. Para minha mãe, minha primeira leitora. Para meus filhos, Emma, Anna e Lucas, mais uma vez. Para Gonzalo, sempre.

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Sumário

UM: A Visita ..........................................................................

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A Fuga........................................................................

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DOIS:

TRÊS: O

Refúgio ...................................................................

QUATRO: O CINCO: O SEIS: O

99

Retorno............................................................. 163

Abandono ............................................................ 231

Adeus ....................................................................... 365

Nota do Autor ....................................................................... 379

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“A meta é o esquecimento. Eu cheguei antes.” – Jorge Luis Borges

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UM

A Visita Nova York, abril, 2015

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“É

a senhora Duval? Elise Duval?” A voz ao telefone repe-

tia o nome dela, enquanto Elise permanecia em silêncio. “Estivemos em Cuba faz pouco tempo. Minha filha e eu queremos entregar pessoalmente algumas cartas em alemão que pertencem à senhora.” Elise sempre tivera a capacidade de prever o futuro. Mas hoje não. Esse dia ela nunca previra. Por um instante, achou que o telefonema era engano. Afinal de contas, ela era francesa e tinha morado em Nova York nos últimos setenta anos, desde que um tio materno a adotara no final da Segunda 13

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Guerra. Agora, seus únicos parentes vivos eram sua filha, Adèle, e seu neto, Étienne. Eles eram seu mundo e tudo que viera antes disso tinha ficado envolto nas sombras. “Senhora Duval?”, repetiu a mulher, insistindo com delicadeza. Paralisada de terror, Elise procurou um apoio, sentindo que estava prestes a desmaiar. “Podem vir me ver esta tarde”, foi tudo que ela conseguiu dizer antes de desligar, esquecendo-se de verificar se tinha algum compromisso ou se deveria ter consultado a filha primeiro. Ela ouviu o nome da mulher, Ida Rosen, e da filha dela, Anna, mas sua memória estava em branco, fechada para o passado. Só tinha certeza de que, no momento, não tinha vontade nenhuma de verificar a procedência da mulher e da filha. Nem precisara dar a elas seu endereço, porque já o tinham. O telefonema não fora engano, ela sabia. Elise passou as horas seguintes tentando decifrar o significado da breve conversa. Rosen, ela repetia para si mesma, enquanto reavivava as vagas lembranças das pessoas que tinham cruzado o Atlântico com ela, depois da guerra. Só algumas horas haviam se passado e o telefonema já começava a se desvanecer em sua memória limitada e seletiva. “Não há tempo para lembranças”, ela costumava dizer ao marido, e depois para a filha, e agora para o neto. Ela se sentia um pouco culpada por não ter feito nenhuma objeção à visita da desconhecida. Podia ter perguntado quem tinha escrito as cartas, por que tinham ido parar em Cuba, o que a senhora Rosen e a filha dela tinham ido fazer lá. Em vez disso, ela se calara. Quando a campainha finalmente tocou, seu coração parecia querer saltar pela boca. Ela tentou fechar os olhos, respirar fundo e contar 14

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os batimentos – um, dois, três, quatro, cinco, seis –, para conseguir se acalmar. Essa era a única lembrança mais clara que tinha da sua infância. Não fazia ideia de quanto tempo tinha ficado no quarto, vestida com o seu terninho azul-marinho, esperando. Ao ouvir a campainha, sentiu como se os seus sentidos tivessem ficado mais aguçados. Agora podia até perceber a respiração das duas desconhecidas, do outro lado da porta, aguardando por ela, uma viúva cansada e decrépita. Mas por quê? Colocou a mão na maçaneta e se deteve, com a esperança de que a visita não passasse de uma ilusão, algo com que sonhara, um dos tantos delírios provocados pela idade. Fechou os olhos uma vez mais e tentou vislumbrar o que aconteceria, mas nada lhe ocorreu. Ficou claro para Elise que o encontro não dizia respeito ao futuro. Significava uma volta ao passado, do qual não podia fugir. Uma sombra que a acompanhava desde o dia em que desembarcara no porto de Nova York, quando a mão de um tio, que se convertera em pai, a resgatara do abandono. Mas não podia trazer de volta as lembranças, apagadas por pura necessidade, para que pudesse sobreviver. Ela abriu a porta com determinação e um feixe de luz lhe ofuscou os olhos. O barulho do elevador, um vizinho que descia as escadas, um cachorro latindo e a sirene de uma ambulância a distraíram por um segundo. O sorriso da mulher a trouxe de volta à realidade. Acenou com a mão, convidando-as a entrar. Sem dizer nada ainda, evitou fazer qualquer outro gesto, por mínimo que fosse, para não denunciar seu terror. A garota, Anna, que parecia ter uns 12 anos, aproximou-se e a abraçou pela cintura. Elise não soube como reagir. Talvez devesse pousar as mãos sobre os ombros da menininha ou

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acariciar seus cabelos, como costumava fazer com sua filha quando ela era pequena. “Você tem olhos azuis”, aventurou-se a dizer, com timidez. Que coisa mais ridícula para se dizer! Devia ter dito que tinha belos olhos, pensou Elise, tentando não reparar que a menina tinha olhos azuis amendoados e caídos como os dela, que seu perfil... Não, melhor não pensar no perfil, disse, temerosa, aos seus botões, vendo em si mesma o rosto daquela menina desconhecida. Com esforço, Elisa as conduziu até a sala de estar. Justo quando ia pedir que se sentassem, Anna estendeu para ela uma pequena caixa de ébano, sem lustro. Elise abriu a caixa com cuidado. Quando terminou de desdobrar a primeira carta, escrita com tinta desbotada numa página de um livro de botânica, seus olhos se encheram de lágrimas. “Isso me pertence?”, perguntou em voz baixa, agarrando o crucifixo pendurado no pescoço. “Seus olhos...”, ela repetiu, fitando Anna com uma angústia infinita. Elise tentou se recompor, mas sentia que o coração a impedia. Ela perdia o domínio sobre si, sobre a vida que tão cuidadosamente tinha construído. Podia ver seu próprio rosto a distância, como se admirasse a cena de longe, como outra testemunha na sala. Suas palmas começaram a ficar pegajosas e a caixa escorregou das suas mãos, fazendo as cartas se espalharem pelo tapete. A foto de uma família com duas garotinhas de olhares assustados jazia entre papéis amarelados. Elise fechou os olhos e sentiu uma punhalada no peito que a fez se desequilibrar. Quando desabou sobre o tapete desbotado, achou que estava acontecendo por fim: o último ato de esquecimento.

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