A bela Rosalina

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A BELA ROSALINA

Natasha Solomons

A BELA ROSALINA

Uma Versão Subversiva e Feminista de Romeu e Julieta, de William Shakespeare

Tradução

Marcelo Barbão

Título do original: Fair Rosaline.

Copyright © 2023 Natasha Solomons.

Publicado originalmente em inglês no Reino Unido por Manilla Press, um selo da Bonnier Books UK Limited.

Design da capa e ilustração © Holly Ovenden. Foto da autora © David Solomons.

Obs.: Os direitos morais da autora foram preservados.

Copyright da edição brasileira © 2024 Editora Pensamento-Cultrix Ltda. 1a edição 2024.

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A Editora Jangada não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações e acontecimentos retratados neste romance são produtos da imaginação do autor e usados de modo fictício.

Editor: Adilson Silva Ramachandra

Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz

Preparação de originais: Marta Almeida de Sá

Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo

Editoração eletrônica: Cauê Veroneze Rosa

Revisão: Vivian Miwa Matsushita

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Solomons, Natasha

A bela Rosalina : uma versão subversiva e feminista de Romeu e Julieta, de William Shakespeare / Natasha Solomons ; tradução Marcelo Barbão. -- São Paulo : Editora Jangada, 2024.

Título original: Fair Rosaline.

ISBN 978-65-5622-083-3

1. Ficção inglesa I. Título.

24-196492

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura inglesa 823

Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

Jangada é um selo editorial da Pensamento-Cultrix Ltda.

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela

EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução.

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Foi feito o depósito legal.

CDD-823

Para minha irmã, Jo, e minha filha, Lara –que possam estar a salvo dos Romeus.

“Rosalina?... Esqueci esse nome e o infortúnio que me causou.”

Romeu e Julieta, Ato 2, Cena 3

Verona de Shakespeare

Para Mântua

A. Casa de Julieta

B. Casa de Rosalina

C. Tumba/cemitério dos Capuletos

D. Cela do Frei Lourenço

E. Basílica de São Pedro

F. Casa dos Montéquios

G. Teatro

H. Villa no campo da família de Rosalina

I. Villa no campo dos Montéquios

J. O Jardim dos Monstros

K. O Convento

O que há em um nome?

O que chamaríamos de rosa com outro nome exalaria o mesmo doce perfume.

Ato 2, Cena 2

Onde a pestilência infecciosa reinava

Ofuneral foi realizado de madrugada e, mais ou menos uma hora depois, Madonna Emília Capuleto se despediu deste mundo. Rosalina se arrastava atrás do caixão, desconsolada com a perda. Ela foi repreendida várias vezes pelo pai e pelo irmão, que ordenaram que ficasse distante, pois o cadáver — sua adorada mãe — tinha sido atacado pela peste. Os únicos carregadores que encontraram dispostos a levar o caixão eram sujeitos imundos e fedorentos, pouco melhores que mendigos, e mesmo eles tiveram de ser muito bem pagos. Rosalina tinha sido proibida de lavar o corpo. Um padre tinha vindo, segurando um ramalhete de ervas na altura da boca, e jogou água benta sobre o rosto da falecida, antes de escapulir. Não houve tempo para encontrar uma mortalha dourada ou púrpura para envolvê-la. Ninguém veio lamentar sua morte. Nenhum parente veio até a casa e ninguém seguiu a família até o túmulo. O velório foi lamentável; os outros Capuletos e os vizinhos ficaram escondidos atrás de suas portas trancadas, inspirando infusões de ervas e laranjas com cravo para afastar a praga ou rezando de um modo frenético e murmurando confissões às pressas. Por isso, ali só estavam Rosalina, o pai, que chorava muito e se apoiava no braço de Rosalina fazendo peso, e o irmão, Valêncio.

Capítulo 1
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— Você merecia mais — ela murmurou para a mãe.

Um dos carregadores parou de repente para coçar as pulgas em sua virilha, se atrapalhando e largando a alça do caixão.

— Seu idiota! Seu miserável! — berrou Masetto Capuleto, que o teria chutado se não temesse que o homem derrubasse o corpo.

Rosalina escondeu um sorriso. A mãe teria achado isso engraçado; ela adorava a perversidade. Dois vira-latas tinham começado a seguir essa tropa ridícula, talvez com a esperança de que houvesse alguma sobra. Ela os contara também. Tornava os números quase respeitáveis, ainda que os congregados fossem um pouco peculiares. Ela não se importava com os vizinhos ausentes; todos eram hipócritas e mentirosos. Mamãe tinha mandado presentes a eles, quando nasceram, enxugado suas lágrimas e limpado seus traseiros quando bebês, mas não os amava. Ela me amava. E eu estou aqui. Pensando nisso, Rosalina mordeu os lábios com força a fim de parar de chorar e sentiu o gosto de sangue.

A cerimônia no túmulo da família foi breve. O frei parecia apavorado, olhando toda hora para o caixão, então apressou as orações, tropeçando nas palavras por causa da pressa. Rosalina observou o suor entre a gordura de seu pescoço, apesar do frio do sepulcro. Não houve tempo para comprar velas de cera condizentes com o status da Madonna Emília Capuleto, e a câmara estava tomada pelas sombras. Uma cripta na parede tinha sido forçada para receber o caixão, e um odor cada vez mais forte de morte e podridão, decomposição e sujeira se uniu ao cheiro decadente de outros ossos que estavam ali dentro havia muito tempo. Na escuridão, o buraco à espera se abria negro, uma escada que levava para o submundo. Rosalina queria gritar, se agarrar à mãe, assim como havia agarrado as saias dela quando criança — como poderia deixar Emília Capuleto ser colocada naquela escuridão? Ela se afogaria, entre esses vapores venenosos, naquele poço negro que não conseguia enxergar. Sentiria medo. Ela devia ter uma vela, mas, quando rastejasse para

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a escuridão, o que aconteceria? Na verdade, Rosalina sabia que a mãe não podia mais sentir medo, nem dor, nem amor agora. Ela pertencia a este lugar, entre os fantasmas de outros Capuletos falecidos muito tempo atrás.

Rosalina percebeu que o pai estava chorando e que ele puxava seu braço, e teve uma pontada de ressentimento quando acariciou a cabeça dele para confortá-lo no instante em que ele se encostou em seu ombro. Ele não era gentil nem tinha bom coração, mas ainda assim teve de confortá-lo. O pai não se importava muito com ela, mas agora, nesse momento em que desejava ficar sozinha com sua tristeza, ele exigia seus cuidados.

Os pais tinham sido como um par de castiçais comprados juntos, usados em cada lado de uma toalha de mesa, perfeitos em sua elegante simetria. Agora, no entanto, o pai tinha ficado sozinho, e parecia errante, abatido e perdido. Rosalina agarrou a mão dele sentindo a fragilidade dos ossos por baixo de sua pele transparente como um pergaminho fino. Ele apertou os dedos dela e beijou as pontas. Tentou falar, mas saiu apenas um soluço.

— Calma... — disse Rosalina, acalmando-o como se ele fosse uma criança, consciente de que os papéis estavam invertidos, por ora.

Apesar dos defeitos dele — e pela primeira vez Rosalina não quis fazer uma lista —, o pai amava sua mãe. O casamento deles tinha sido abençoado com alegria, e sua dor era genuína e comovente. Por isso ela sentia pena dele.

O frei parecia pular de um pé para o outro como se precisasse urinar. A família olhou para ele perplexa e sem entender. Então, Valêncio enfiou a mão em sua bolsa e tirou dali algumas moedas. O frei guardou-as no bolso e murmurou uma bênção apressada.

— Desculpem-me. Tenho que enterrar outras almas infelizes.

Não almas, pensou Rosalina. Apenas suas cascas quebradas e podres. Suas almas tinham fugido desse repositório de mortos.

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