O realismo impossível

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A obra inteira de Renoir é uma moral da sensualidade, a afirmação não de uma ditadura anárquica dos sentidos, de um hedonismo sem freio, mas a certeza de que toda beleza evidentemente, toda sabedoria seguramente, toda inteligência mesma não valem senão através do testemunho de nossos sentidos e garantidos por seu prazer. Compreender o mundo é primeiramente saber olhá-lo e fazê-lo abandonar-se a seu amor, sob a carícia deste olhar.

ANDRÉ BAZIN

André Bazin

Não contem comigo para apresentar este livro com pudor, discrição e medida. André Bazin e Jean Renoir foram importantes demais na minha vida para que eu possa falar deles sem paixão. O livro Jean Renoir por André Bazin [aqui incluído] é então, para mim, simplesmente o melhor livro de cinema, escrito pelo melhor crítico sobre o melhor diretor.

O realismo impossível

No cinema, a realidade é aquilo em que acreditamos, e não o que “de fato é, ou foi”, crença criada por regras do jogo (do discurso) articuladas como sistema internamente referido e supostamente coerente, propostas implicitamente pelo filme e inferidas pelo espectador. Devemos sempre falar de efeitos de realidade, em vez de reprodução do real. No filme ficcional, como os de Renoir, o dispositivo está fora do mundo filmado, como um deus ou um espírito que veem sem serem vistos. Uma barreira tão invisível quanto intransponível nos separa dos seres e das coisas que vemos – a tela. Este é o encanto e o fascínio da ficção, seu poder e seu limite. No filme de ficção, nós espectadores somos como deuses. No filme documentário, somos apenas humanos. Renoir foi um dos precursores do neorrealismo italiano, como se sabe. Zavattini e Rossellini, sobre cujos filmes e ideias Bazin tanto escreveu, não faziam documentários, mas neorrealismo. Eles disseram, respectivamente: “o cinema deve procurar a verdade” e “o cinema primeiro como uma questão de ética e só depois como uma questão de estética”. Bazin disse que Renoir não se interessava senão pelas mesmas verdades morais, “pois o realismo social é para ele uma maneira de experimentar e provar a permanência do homem e das suas questões. Renoir é um moralista”. Mas Welles, que Bazin amava também, mostrou como dizer a verdade com meios mentirosos e como mentir com meios verdadeiros... Ronaldo Noronha

François Truffaut

ISBN 978-85-8217-854-6

9 788582 178546

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O

R E A L I S M O

I M P O S S Í V E L

André Bazin nos mostra como ver, ouvir, sentir, compreender filmes e escrever sobre eles. Lições de coisas e de estilo. Ensina que filmes não “falam” disto ou daquilo, nem “abordam” este ou aquele tema. Filmes se “fazem com”: sobreimpressões, panorâmicas, reflexos em vitrinas, o barulho de uma descarga sanitária, posições de corpos no espaço, músicas, profundidades de campo, as peculiaridades dos sotaques das pessoas, reenquadramentos para a esquerda e para a direita, luzes e sombras. Os recursos da cozinha e do gosto cinematográficos. Leiam este livro e verão. Para Bazin, Jean Renoir descobriu, reinventou, estendeu e exemplificou as muitas possibilidades do realismo no cinema, para que este fosse fiel à sua vocação. O filho de Auguste Renoir se afirmou como homem do futuro, que nenhum progresso técnico incomodou, e foi um dos mestres do realismo cinematográfico. Sabemos que o cinema, mesmo o de fantasia, é documentário: decorre do seu caráter indéxico. A câmera sempre registra algo que já está ali e que não poderia ser de outro modo. Mas o rótulo documentário é atribuído apenas aos filmes que revelam a intenção objetiva de fazer deste registro um documento do real. O documentário é um gênero e um conjunto específico de práticas de fazer, ver e pensar: um regime discursivo e um feixe de tradições. É uma das maneiras de fazer crer que o que está na tela é real, ou verdadeiro. Já a ficção é um outro gênero, que também nos faz crer no que vemos e ouvimos. Qual dos dois é mais “real”?


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