Capítulo Extra: Fora de jogo

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SÉRIE REGRAS DO JOGO 1

Foradejogo AVERY KEELAN

TRADUÇÃO : Vanessa Thiago

Capítulo bônus 1

Oito meses depois

Los Angeles, Califórnia – maio

Fiquei nervosa quando me vi em pé, diante do espelho de corpo inteiro, no quarto principal. Em menos de três horas, eu estaria em frente a oitenta pessoas e trocaria votos de casamento. Eu estava apavorada.

Não sobre a parte do casamento, mas das oitenta pessoas. Claro, eram nossos amigos e familiares, mas isso não ajudava muito a acalmar meus nervos. Eu nunca fui fã de ser o centro das atenções.

Provavelmente estragaria meus votos falando “infidelidade” no lugar de “fidelidade”. Ou me esquecendo do nome do Chase.

Ai, meu Deus. Eu ia esquecer totalmente o nome dele. Nós deveríamos ter fugido.

Segurei a frente do meu vestido de noiva rendado com as duas mãos enquanto Siobhan puxava o zíper e fechava a fileira de botões decorativos que o escondia.

– Pronto – disse ela, me dando um tapinha no ombro. – Perfeito.

– Olha pra você! – Minha mãe correu e me segurou com o braço estendido, me inspecionando com carinho. Ela fungou e começou a chorar. – Você tá tão linda.

Olhei para ela, piscando para afastar as lágrimas.

– Não faz eu chorar, mãe.

Shiv correu para o meu lado e colocou um lenço na palma da minha mão. Sequei os olhos com cuidado. Tinha passado a maior parte da manhã sendo mimada por uma equipe de profissionais de cabelo e maquiagem. Se eu tivesse estragado alguma coisa, não saberia como consertar sozinha.

– Desculpa. É que… – Minha mãe me soltou, forçando um sorriso triste. – Minha menininha cresceu.

Seraphina, irmã do Chase, entrou no quarto e se virou para fechar a porta atrás de si. Seus cabelos escuros estavam presos em um coque perfeito e elegante. Ela conferiu seu reflexo e alisou as linhas de seu vestido de dama de honra em um tom de ameixa profundo. Então, seu olhar se encontrou com o meu através do espelho.

– Bailey! – Ela se virou, e sua mão voou para a boca. – Ai, meu Deus, esse vestido. Chase vai cair duro quando você aparecer.

Eu ri.

– Obrigada, Ser.

Embora suspeitasse que o Chase simplesmente tentaria tirar o vestido. Passamos a noite passada separados, e ele já tinha me mandado uma mensagem descrevendo seus planos detalhadíssimos e previsivelmente safados para depois da recepção.

– Já olhou lá fora? – Ela acenou para a janela do quarto atrás de mim. – O quintal parece algo saído de um conto de fadas.

Para ser sincera, tudo parecia mesmo um conto de fadas, então se encaixava bem.

Abri as cortinas de tecido transparente para revelar um quintal cheio de pessoas se movimentando. Luzes cintilantes adornavam as árvores, prontas para iluminar a recepção noturna. Cadeiras estavam enfileiradas de cada lado do corredor que levava ao arco rústico de madeira da cerimônia. Ao lado da piscina, havia sido montado um bar de coquetéis. Era simples e discreto, pelo menos para os padrões de Los Angeles.

Minha cunhada, Kim, espiou pela porta, com uma expressão de desculpas.

– Sinto muito. Tenho que ir buscar o Mateo com o Derek antes que meus seios explodam. Não quero nada vazando nesse vestido. Te vejo daqui a pouco.

– Até mais! – gritei.

Agora eu tinha um total de quatro sobrinhos e quatro sobrinhas. Minha mãe já estava bem servida de netos, e Chase e eu nem tínhamos começado a aumentar nossa família.

Shiv, Sera e minha mãe fizeram uma varredura rápida na suíte master, arrumando taças de champanhe vazias e outros itens deixados para trás depois de nossa maratona de arrumação. Tentei ajudar, mas elas me dispensaram.

Enquanto minha mãe estava de costas, a Shiv me cutucou, abaixando a voz.

– Falando em bebês, vocês conversaram mais sobre “tirar o goleiro”?

– Não sei o quanto ele tá falando sério – respondi. – Acho que só está com essa febre de bebê por causa do Mateo.

Eu meio que também. Aos três meses de idade, Mateo estava no auge da fofura. Ele tinha mãozinhas de bebê, cabelinhos macios e soltava os suspiros

mais adoráveis quando adormecia no colo de quem tivesse a sorte de segurá-lo – porque todos nós lutávamos pela honra. Meus ovários tomavam o controle do cérebro quando ele estava por perto.

– Claro, ele é adorável. – A expressão da Shiv ficou melancólica. – Além disso, esse cheiro de bebê é…

Arqueei uma sobrancelha.

– Quem é que tá com a febre do bebê agora?

– A gente não tá não tentando. Noivas grávidas estão na moda hoje em dia.

Ela deu de ombros, o enorme anel de noivado esmeralda brilhando na luz enquanto minha amiga colocava uma mecha de cabelo escuro atrás da orelha.

– Vocês dois terão bebês lindos. – Fiz uma pausa. – Conversou com o Dallas? Como tá o noivo? – Pergunta inútil. Chase não estaria nem de longe tão nervoso quanto eu.

– Dallas disse que Chase fez o melhor jogo de golfe da temporada esta manhã. Agora estão relaxando no cantinho dos meninos. – Shiv virou o restante do champanhe.

Claro que estavam. A manhã deles tinha sido cheia de descanso e lazer, enquanto eu estava sendo cutucada e arrumada. Chase tomava banho, vestia um terno e parecia ter saído de uma sessão de fotos. Sorte dele – e azar meu, por ele ser tão irritantemente bonito.

Outra batida na porta nos interrompeu. Nossa assessora de casamento, Janice, entrou na sala. Ela nos examinou, dando um aceno de aprovação.

– Faremos as fotos em meia hora – disse ela. – Devemos mandar todo mundo embora e buscar o noivo?

Janice sugeriu que fizéssemos um “first look” antes da cerimônia.

Era algo pouco ortodoxo, mas ela garantiu que muitos de seus casais achavam que isso acalmava a ansiedade, e eu precisava de toda a ajuda que pudesse obter nesse departamento. Depois que visse Chase, não tinha dúvidas de que me sentiria muito mais à vontade.

Além disso, eu meio que gostei da ideia de nos vermos a sós primeiro. Parecia mais íntimo.

– Tá – falei, meu nervosismo dando lugar à empolgação. – Pode mandar entrar.

Chase

Ajustei as mangas da minha camisa sob o paletó azul-marinho, imaginando o que a Bailey estaria fazendo naquele momento. Se estava nervosa ou se estava bem. Ou se ela já estava vestida. Estaria com a lingerie sexy de noiva, talvez?

Droga.

Toda a tradição de não passar a noite juntos antes do casamento era uma farsa. Não me entenda mal. Eu tinha ficado com meus padrinhos e foi ótimo, mas acordar ao lado de Bailey era mil vezes melhor do que em uma suíte de hotel com os caras.

Dallas e Ty se encostaram na mesa de sinuca, conversando com cervejas nas mãos. Na falta de um porão e de um verdadeiro “canto do guerreiro”, fizemos da sala de recreação e do quarto de hóspedes adjacente nossa base para nos prepararmos para a cerimônia. Os dois irmãos mais velhos da Bailey saíram para cuidar das crianças para que suas esposas pudessem terminar de se arrumar.

Olhei para o Derek.

– Acha que a Bailey tá nervosa? – Ou pior ainda, sentindo falta do pai. Mas guardei essa pergunta para mim.

– Deve estar um pouco. – Ele deu de ombros, ajustando a gravata. – Ela não é chegada a ser o centro das atenções.

Verdade. Um dos grandes motivos pelos quais minha noiva escolheu escrever em vez de fazer transmissões esportivas, mesmo sendo atraente o suficiente para aparecer na tela.

Dallas caminhou até mim e gesticulou para o celular.

– Estão te chamando, Carter.

Finalmente.

– Boa sorte. – Derek me deu um tapinha nas costas. – Já nos veremos.

– Obrigado. – Virei-me e segui pelo corredor até a escada de madeira. Um punhado de amigos e familiares andavam pela cozinha, perdidos em conversas, e eu rapidamente os contornei, tentando evitar chamar a atenção deles para não ser detido. Eu já tinha esperado o suficiente.

Os doze degraus ou mais pareciam dez vezes mais longos. Eu nunca admitiria, mas talvez estivesse um pouco nervoso.

Mas isso desapareceu assim que a vi.

Passei pela porta, e Bailey se virou para mim. Ela me olhou com expectativa, com os olhos castanhos nos quais eu ainda me perdia. Seu cabelo estava cacheado e solto em volta dos ombros, e seu vestido off-white com as costas decotadas abraçava perfeitamente seu corpo, acentuando cada declive e cada curva.

Perfeição. Não apenas por fora.

Eu poderia acordar com ela pelo resto da minha vida.

– Uau. – Eu sorri, me aproximando. – Você está… uau.

Ela me deu um sorriso tímido enquanto eu colocava minhas mãos em sua cintura.

– Você também não está tão maltrapilho.

Eu a observei por mais alguns segundos, mas não consegui encontrar as palavras para lhe fazer justiça.

– Eu sou tão sortudo.

Eu era. Eu realmente era. Não existia uma palavra para descrever como eu era sortudo por ter conquistado essa mulher.

Bailey me fazia ser uma pessoa melhor. Ela ficou comigo no meu pior momento, não se importando com o que aconteceria. E tornava cada dia mais especial só por fazer parte da minha vida.

Eu nunca imaginei encontrar alguém como ela. Algumas vezes, ainda não acreditava que tinha encontrado. E eu passaria o resto da minha vida me certificando de merecê-la.

– Eu sou a sortuda – disse ela, passando as mãos por meus ombros. – Você parece ter saído de uma revista.

– Estou limpinho. – Eu a apertei. – Eu te amo.

Seu olhar se suavizou.

– Eu te amo.

Inclinei minha cabeça, e ela fez o mesmo, nossas bocas unidas por uma força invisível. Bailey soltou um suspiro suave, separando os lábios. Deslizei minhas mãos para seu traseiro e a puxei para mim. Intensifiquei o beijo, deslizando as mãos por cima do vestido dela, explorando cada centímetro que conseguia alcançar, enquanto minha gata cravava os dedos nos meus ombros.

O beijo pode ter sido uma má ideia, porque agora eu não conseguia parar. Ela era viciante. Melhor ainda, era minha.

Finalmente, Bailey se afastou, reprimindo um sorriso.

– Tenho que tomar cuidado com a maquiagem.

Seus olhos brilharam.

Eu me inclinei, depositando uma sequência de beijos ao longo da pele lisa do pescoço dela.

– Não se preocupe – murmurei. – Tenho tempo de sobra para te desarrumar mais tarde.

– Hum – gemeu ela, arqueando o pescoço. – Mal posso esperar.

– A propósito, seu vestido é lindo. – Passei meus dedos para cima e para baixo na renda marfim que cobria seu tronco. – Mas estou particularmente animado para ver o que tem por baixo.

– Você não tem jeito mesmo, Carter.

– O quê? – Dei a ela um sorriso bobo. – Não posso nem ficar curioso sobre o traje de núpcias da minha futura esposa? Bons maridos se interessam pelas coisas, não é?

– Acho que devem se interessar pela carreira delas, não por suas calcinhas.

Segurei seu queixo.

– Você já tem a parte da carreira definida. Vou me casar com a jornalista esportiva mais sexy do ramo. Então, vamos voltar pras calcinhas.

– Não vou estragar a surpresa – disse Bailey, afastando minha mão de brincadeira. – Mas posso garantir que você vai se divertir.

Ah, Deus. Como eu sobreviveria à cerimônia e à recepção?

As pessoas perceberiam se desaparecêssemos por meia hora?

– Disso eu tenho certeza.

Houve uma batida suave na porta.

– Ei, pessoal? – Siobhan chamou. – O fotógrafo quer começar em um minutinho.

Olhei para a Bailey, arqueando minhas sobrancelhas.

– Pronta, James?

Seus lábios se curvaram em um sorriso.

– Mais do que pronta.

– Então vamos nessa – falei, estendendo a mão.

Ela se aproximou e entrelaçou os dedos nos meus. Era isso. Para sempre.

Capítulo bônus 2

Linhas rosadas

Bailey

Dois meses depois

Los Angeles, California – julho

Uma das vantagens de ter vários banheiros? Poder fazer xixi em paz e surtar como eu bem quisesse.

Coloquei a tampa de volta no teste de gravidez e o guardei no meu bolso. Tinha mais três desses no lixo ao lado da pia, mas no quarto teste eu já estava mais convencida de que estavam certos.

Lavei e sequei as mãos enquanto estudava meu reflexo no espelho. Alisei meu cabelo, respirando fundo e com calma, do mesmo jeito que fazia na aula de ioga. Era uma surpresa feliz. Na verdade, nem era uma surpresa. Era um resultado previsível, dada a sequência de eventos – sexo na lua de mel, e muito, sem nenhum método contraceptivo. Não foi o maior choque, já que eu estava passando por algo parecido com uma TPM turbinada a semana toda. Meus seios estavam tão doloridos que até uma brisa leve doía, fiquei inchada como nunca antes, e chorei em quatro comerciais diferentes e aleatórios.

A gente já tinha conversado sobre isso. Estávamos casados. Estáveis de todas as maneiras possíveis. E o Chase ficaria louco.

Mas eu não esperava que fosse tão rápido.

Pelo menos estávamos em baixa temporada, e meu marido estava em casa. Eu não conseguia imaginar descobrir enquanto ele estivesse na estrada.

Saí para o corredor, e a casa estava silenciosa, exceto pelo barulho do caminhão de lixo que descia a rua. Fui para o nosso quarto encontrar o Chase. Eu já estava acordada havia uma hora, tomando café e urinando em palitos, mas não queria incomodá-lo em um dos raros dias em que ele podia dormir até mais tarde.

A cama estava vazia; o edredom branco, esticado; e os travesseiros enormes, arrumados. Ouvi um som de água no banheiro principal. Afundei no canto do

colchão, destruindo minhas cutículas. Chase sempre me dizia para transformar o nervosismo em animação, mas agora eu estava, sem dúvida, experimentando grandes quantidades dos dois sentimentos.

Momentos depois, o som da ducha parou, e a porta de vidro bateu. Chase piscou para mim enquanto saía do banheiro, usando só uma toalha.

Eu o vi entrando no closet e o segui, parando na porta enquanto ele vestia uma boxer preta e um moletom cinza.

– Lembra da nossa lua de mel? – perguntei, um ombro apoiado no batente.

Chase vestiu uma camiseta preta e me lançou um olhar questionador enquanto ajeitava a bainha.

– De qual parte? – Ele afastou o cabelo úmido do rosto. Sua expressão ficou intrigada, um sorriso de predador emergindo enquanto se aproximava e segurava minha cintura com as mãos grandes. – Se essa é a sua maneira de me dizer que tá usando aquela cinta-liga de renda agora, estou dentro.

Era bem provável que eu não estivesse usando uma lingerie elaborada por baixo da minha calça de moletom, mas não podia culpá-lo por ser otimista.

– Aquela parte em que decidimos jogar a cautela pela janela e dissemos “o que tiver que ser, será”?

A testa de Chase franziu.

– Aquela parte… – Seus olhos se arregalaram, e sua boca formou um “O”, surpreso, a compreensão surgindo em seu rosto. – Está me falando que tá grávida?

– Sim! – Tirei o teste de gravidez do bolso e entreguei a ele.

Ele olhou boquiaberto para o bastão de plástico branco, depois me olhou por um momento antes de abrir um sorriso enorme.

– Isso é incrível pra caralho!

Chase colocou o teste de lado e me abraçou, enterrando o rosto em meu pescoço.

Sua expressão era mais do que eu poderia esperar. Era pura felicidade. O calor se espalhou por meu corpo, e o peso das minhas preocupações evaporou. A satisfação profunda e segura que eu sentia naquele momento era indescritível.

Eu o tinha, e juntos podíamos fazer qualquer coisa, até mesmo dar esse grande passo que mudaria nossa vida.

Olhamos um para o outro, em silêncio. Sua expressão se suavizou, tão cheia de amor e carinho que senti como se meu coração fosse explodir.

– Te amo, James.

– Te amo.

Chase se inclinou, depositando um beijo doce em minha boca. Separei os lábios em resposta, e ele apertou seu abraço em mim, me puxando para mais

perto, um gesto que pareceu muito mais do que um simples toque. Era gentil, mas territorial, protetor. Dizia mil coisas sem uma única palavra.

Nos separamos devagar, e ele soltou um suspiro, encostando sua testa na minha.

– Um mini-Carter. Estou muito feliz. – Ele afastou uma mecha de cabelo do meu rosto, um sorriso presunçoso brincando em seus lábios. – E de primeira.

Claro que ele ia tentar levar o mérito por isso.

– Ainda estou meio que em choque. Nós nem estávamos realmente tentando.

Ele buscou meus lábios de novo para outro beijo breve.

– Acho que eu sou o máximo.

Girando, Chase me guiou até a cama e sentou-se, me puxando para seu colo. Passei meus braços em volta de seu pescoço, me aninhando contra sua pele e inalando o aroma familiar de seu perfume. Às vezes, quando ele estava fora, eu o borrifava nos lençóis, mas misturado ao seu cheiro natural era muito mais gostoso.

– Você vai ser a grávida mais linda de todas – comentou, acariciando meu cabelo.

– Assim espero.

Eu temia que pudesse ser o oposto. Parecia um jogo de azar, e eu não estava convencida de que cairia no campo “grávida bonitinha”. Chase acharia isso do mesmo modo, porque era amorosamente tendencioso.

– Onde quer ir comemorar? – perguntou. – The Ivy? Nobu? Precisamos fazer algo realmente legal. É uma grande comemoração.

– Não sei – respondi, meu estômago dando uma cambalhota com a ideia. –A comida e eu não temos nos dado muito bem ultimamente. Pensei que estava estressada com as provas, mas acho que era mais do que isso.

Chase massageou a base das minhas costas, fazendo círculos lentos para a frente e para trás.

– Está com enjoo matinal? Foi terrível pra Sera.

– Enjoo matinal, enjoo ao meio-dia, enjoo à tarde, enjoo noturno… – Ou pelo menos náuseas. Nenhum vômito real ainda, e eu esperava que continuasse assim.

– Bem ruim, né? – disse ele, baixinho. – Sinto muito, querida. Acho que vou ter que te mimar pra compensar.

Eu ri, me inclinando para dar um beijo em sua bochecha.

– Você já me mima.

– Ah, isso não é nada. Vou mimar por dois agora.

Seis meses depois

Seattle, Washington – novembro

Algumas coisas da gravidez eram ótimas. Os chutinhos, por exemplo. A massagem nos pés que o Chase fazia também. Mas ficar sem fôlego quando eu subia alguns degraus era um saco. Eu me sentia como se estivesse escalando o Everest, e tudo o que tinha feito era subir para o segundo andar de nossa casa.

– Chase? – chamei, entrando no quarto de hóspedes que estava sendo transformado no quartinho do bebê. – Meu Deus! – Parei na porta, observando a bagunça.

Tínhamos pintado o cômodo na semana anterior depois de enfim optar por um azul-clarinho que combinasse com os móveis brancos. Eu colocaria algumas peças de destaque depois que descobrisse se era menino ou menina. Mas agora parecia uma zona de construção.

Caixas. Caixas por todo lado. Isopor de proteção. Peças de mobília. Sacolas com parafusos e peças. Pilhas de manuais de instrução. E um marido gostoso.

Chase se levantou e passou os dedos pelos cabelos escuros e desgrenhados. Já estava na hora de um corte. Estava perdendo o estilão “jogador de hóquei”. Sua atenção pousou em mim, e ele lançou um sorriso tímido.

– Você não deveria ter voltado tão cedo. – Ele se aproximou de mim e me puxou para um abraço carinhoso.

– Minha professora de ioga para gestantes faltou hoje. Mas eu posso sair se você quiser. – Cutuquei seu abdômen, lembrando vagamente de como era ter uma barriga lisa.

Agora eu conseguia equilibrar um copo na minha, balançava quando andava e usava calças com elástico vinte e quatro horas por dia, sete dias da semana. Acho que eu já usava calças de moletom antes também, mas naquela época era por escolha.

– Eu queria fazer uma surpresa.

Fofo, mas totalmente desnecessário. Chase trabalhava duro o suficiente. Além disso, depois de ser negociado para um novo time, ele estava mandando muito bem dentro e fora do gelo, treinando mais do que nunca. Na verdade, o excesso de treinos tinha causado uma leve lesão no joelho. Ainda não tinha necessidade de cirurgia, e eu esperava que continuasse assim. Isso só piorava ainda mais a situação dele.

– Agradeço, mesmo. Mas não quero você se esforçando muito nos seus dias de folga. Eu posso contratar alguém pra ajudar caso precise.

Ou poderia montar eu mesma, mas isso costumava terminar com Chase tendo que desmontar e refazer do zero. Eu tinha muitos pontos fortes. Montar móveis não era um deles.

Ele se afastou um pouco, me segurando à distância de um braço, olhando para mim com uma expressão severa.

– Primeiro de tudo, eu não vou contratar alguém pra montar móveis quando eu posso muito bem fazer isso sozinho. Segundo, e se o bebê nascer antes do tempo?

Eu nunca tinha visto aquele homem se preocupar tanto em toda a sua vida. Ele se preocupava com o que eu comia, se eu tinha dormido o suficiente e sobre os meus níveis de estresse com a mudança. Chase não me deixava levantar nem as caixas leves. E não havia como eu me esquecer das vitaminas pré-natais, porque ele me lembrava todos os dias, mesmo quando estava na estrada.

Claro que isso não impediu o Chase de continuar tão tarado quanto sempre foi. Era uma combinação explosiva com os meus hormônios enlouquecidos do segundo trimestre da gravidez. Transamos em todas as superfícies da casa nova, incluindo a maioria das paredes.

Mesmo agora, olhando para ele, fiquei tentada. Cada parte do meu corpo ansiava por ele quando estava por perto. Em minha defesa, o homem era lindo… e bom com as mãos.

– Ainda temos tempo – comentei, tentando me concentrar na conversa.

Era uma verdadeira inversão de papéis.

Seu exterior calmo vacilou, e uma pitada de pânico fora do normal surgiu.

– Sera nasceu um mês antes. Tive que ser despejado do meu próprio berço porque meus pais não estavam prontos.

Como Derek e eu, Chase e Sera tinham menos de dois anos de diferença.

– Você tá estressado, Carter? – Passei as pontas dos meus dedos pelos antebraços dele, subindo até seus bíceps e parando em seus ombros, apertando-os de leve.

Ele soltou um suspiro, e a tensão de seu corpo diminuiu.

– Só quero que tudo seja perfeito – respondeu ele. – Ainda queria saber se o bebê é menino ou menina pra podermos planejar melhor.

– Não, de jeito nenhum. A surpresa é a melhor parte.

Peguei sua mão e me arrastei até a poltrona cinza com pufe no canto do quarto.

Eu me sentei, e Chase se afundou no pufe, se virando em minha direção, com os cotovelos nos joelhos. Ele fez a cara de cachorrinho triste que quase sempre funcionava. Quase.

– Mas como vou saber que cor de patins comprar? – Tinha um tom fofo de mau humor em sua voz. Não era a primeira vez que tínhamos essa discussão. Eu era do time que preferia esperar para descobrir, e como era eu quem ia dar à luz esse bebê gigante, eu ganhei.

– Vai levar alguns anos pra isso. Outra coisa, eu odiava rosa quando era criança. Mesmo que seja uma menina, não há garantia alguma de que ela goste de cores consideradas femininas, ou coisas femininas no geral.

– Mesmo assim… – Ele franziu a testa, ainda incomodado com a impossibilidade de comprar equipamentos de hóquei para bebês. Conhecendo meu marido, Chase compraria patins de todas as cores só para garantir. Eu estava surpresa que já não tivesse feito isso.

Cutuquei seu pé com o meu dedão.

– Você não deveria estar fazendo tudo isso com seu joelho ruim.

– Hum? – Ele olhou para baixo, como se tivesse se esquecido, então de volta para mim. – Não, tá tudo bem. Meu fisioterapeuta me disse pra levantar e andar a cada hora. Uma atividade leve faz bem.

– Abaixar e levantar toda hora? Carregar objetos pesados? – Inclinei minha cabeça com ceticismo.

Chase me lançou um olhar culpado. Ali estava ele, na reserva dos lesionados e fazendo trabalho físico. Homem cabeça-dura, teimoso.

– Era eu que deveria cuidar de você – falou ele, acariciando minha barriga redonda. Ele deixou a palma da mão descansar em meu ventre e olhou pensativo –, não o contrário.

– Acho que você não conseguiria cuidar mais de mim, mesmo que tentasse. Eu tentava retribuir, mas era difícil mimar um homem que podia comprar o que quisesse, era quase autossuficiente e tinha uma confiança inabalável. Esperava que meu amor e afeição eternos fossem o bastante. E, claro, o que ele dizia serem os melhores boquetes do mundo.

– Fui ao mercado mais cedo e comprei sorvete. Morango e chocolate. – Ele fez uma pausa e me deu um meio-sorriso brincalhão. – O chocolate amargo parecia melhor do que o normal, então peguei os dois. E batata frita. Molho. Guacamole. Molho de alcachofra. Água com gás. – Ele voltou a acariciar minha barriga, observando o movimento de sua mão enquanto fazia isso. – Aquele suco que você gosta… e alguns bifes para o jantar, agora que você não enjoa mais com carne.

– Você é um ótimo dono de casa. – Com grande esforço, me ergui e deslizei para a frente da cadeira, me aconchegando em seus braços musculosos.

Ele acariciou meu cabelo e encostou o rosto no topo da minha cabeça.

– Sei disso.

– Eu me sinto mal falando isso, porque não gosto que esteja machucado… mas eu meio que estou adorando ter você em casa.

Durante a temporada, estávamos sempre tentando compensar o tempo perdido – em especial agora que eu estava grávida e estranhamente emotiva. Era

provável que fosse hormonal, mas eu queria estar com ele sempre, e isso fazia com que as noites fossem solitárias quando Chase jogava fora. Meu travesseiro de gravidez não era o bastante como substituto para me aconchegar. – Eu também gosto – disse ele, colocando o braço em volta de mim e me puxando para mais perto. – Você é meu lar.

Três meses depois

Capítulo bônus 3

Seattle, Washington – fevereiro

Após ouvir todas as piadas, histórias sobre grávidas e conselhos sobre crianças de nossos amigos e familiares, eu estava preparado para acordar sessenta vezes por noite, esperar um milhão de anos para voltar a transar e trocar mais fraldas do que já imaginei. Para lidar com hormônios pós-parto imprevisíveis, para mudanças no casamento – boas e ruins – e para muitas lágrimas de nós três. Mas ninguém me disse como eu me sentiria impotente.

Apoiei os cotovelos nos joelhos, me inclinando na direção da Bailey na cama do hospital.

– Está tudo bem?

Eram 10h30 da manhã, e nenhum de nós tinha dormido. Eu estava exausto, tanto mental quanto fisicamente, e só podia imaginar como ela estava se sentindo.

– Sim – respondeu Bailey. – Estou bem. – Ela brincou distraída com a manga da camisola azul do hospital, observando sua obstetra falar com o residente no canto mais distante da sala. Eles estavam juntos, ao lado da porta, enquanto revisavam o prontuário da Bailey.

O desconforto se instalou em meu peito quando, não pela primeira vez, sua médica balançou a cabeça para os lados, em resposta a algo que o residente perguntou.

Depois de treze horas, a Bailey concordou com uma epidural, mas seu trabalho de parto ainda não estava progredindo. Ela tinha parado em sete centímetros. Depois de chegar a algum tipo de consenso, sua obstetra se aproximou da cama e estudou o monitor de frequência cardíaca fetal com uma expressão fechada.

– Bailey – disse a dra. Harris, ajustando seus óculos de aro de metal –, se o bebê não nascer logo, teremos que discutir uma cesárea.

A julgar pelo tom de voz que ela usou, não tinha nada a discutir.

– Mas… – O olhar de Bailey se voltou para mim, sua expressão desanimada. Isso me destruiu.

Peguei a mão dela e acariciei o dorso com o polegar, desejando desesperadamente fazer algo mais útil.

Ela agarrou o lençol branco do seu colo com a outra mão.

– Isso não fazia parte do plano de parto.

Dra. Harris assentiu com simpatia, seus lábios franzidos.

– Eu entendo, mas em pouco tempo vocês estarão cansados demais para o trabalho de parto continuar. Também há uma preocupação com infecção, já que sua bolsa estourou há algum tempo. Começaremos a ministrar o hormônio pra estimular o parto para ver se ajuda as coisas a andarem, tudo bem?

Bailey mordiscou a boca.

– Tá bom.

Ela também não queria induzir, mas era um último recurso.

Momentos depois, uma enfermeira apareceu. Ela colocou uma bolsa no suporte de soro e ajustou as configurações nos monitores. Quando a porta se fechou atrás dela, a Bailey respirou fundo e soltou um longo suspiro. Ela rolou um pouco para o lado para me encarar, com uma expressão de derrota total, que fez meu estômago revirar.

– Ei. – Fiquei em de pé e me inclinei sobre a cama, afastando uma mecha loira de sua testa. – Você tá indo muito bem.

Bailey tinha sido tão forte nos últimos nove meses. Ou quarenta semanas, como ela gostava de me lembrar, enfatizando que eram mais de nove meses. Ela mal reclamou – mesmo com os enjoos que duravam o dia todo, deixando-a tão mal que, muitas vezes, ela nem conseguia terminar seus artigos.

Ela me olhou de novo, a tristeza por trás de seus olhos salpicados de ouro.

– Vou acabar fazendo uma cesárea, né?

Sempre perfeccionista, Bailey mergulhou fundo nas práticas de parto assim que o teste deu positivo. Estava determinada a evitar o que chamou de “cascata de intervenções durante o parto”. E se determinou, de uma forma especial, a não ser obrigada a fazer uma cesárea desnecessária. Infelizmente, parecia que seria necessário.

– Sei que queria que as coisas acontecessem como planejou. Mas, como a dra. Harris disse, o que mais importa é que vocês dois fiquem seguros.

A essa altura, eu não me importava nem se o bebê viesse trazido por uma cegonha. Eu só queria que ela e o bebê ficassem bem. Mas também queria

respeitar os sentimentos da minha esposa, em especial porque não era meu corpo que estava sendo cutucado e examinado.

O tempo passou devagar. Mesmo com o indutor, o trabalho de parto da Bailey não estava progredindo. Quando chegamos ao hospital, ela estava nervosa, mas eu estava bem calmo, considerando tudo. Agora, entre a privação de sono, o estresse e a preocupação, meus nervos estavam à flor da pele.

De repente, o monitor fetal apitou loucamente. Um segundo alarme soou, zumbindo de uma maneira ainda mais assustadora. A atenção da Bailey se voltou para mim, e meu coração apertou. Ainda bem que estávamos em um hospital, porque se algo desse errado, e eu tivesse um ataque cardíaco, ia precisar de atendimento também.

– Tem algo errado – disse Bailey, o pânico aumentando em sua voz. – Tem algo errado com o bebê.

Engoli em seco.

– Tenho certeza de que tá tudo bem.

A dra. Harris entrou na sala, acompanhada por um punhado de gente da equipe médica. Verificaram os monitores, examinaram a Bailey, trocando palavras rápidas em terminologia médica que não significavam quase nada para mim.

Uma fração de segundo depois, ela se virou para nós, com uma expressão solene.

– O bebê está em perigo e precisa ser tirado agora.

E, em um piscar de olhos, eu era o único que restava na sala.

Depois de me arrumar para entrar na sala de cirurgia como eles mandaram, andei de um lado para o outro na frente das portas duplas, perdendo a cabeça. Quem eu estava enganando? Eu já tinha perdido. Já fazia alguns minutos que não tinha nenhuma atualização. Cinco, dez, talvez mais. Não tinha relógio ali, então não fazia ideia. Tudo o que eu sabia era que a Bailey estava lá sem mim, e eu não tinha conhecimento do que estava rolando.

Se ela estava bem. Se o bebê estava bem.

Minha vida inteira estava do outro lado daquelas malditas portas.

Sete voltas e meia depois, a porta de vidro e metal se abriu, e um residente ruivo saiu correndo, parecendo exausto. Combinado com o fato de ele parecer ter uns 17 anos, não inspirava muita confiança.

– Sinto muito – disse ele, sem fôlego. – Eles se esqueceram de vir te buscar. Como é que é?

Devo ter parecido tão furioso quanto me sentia, porque sua expressão logo mudou para uma de terror.

– Às vezes acontece com as emergências – acrescentou ele.

É bom saber que se esquecem dos parceiros no corredor.

Ele saiu do caminho e segurou a porta aberta, acenando para mim.

– Hum… pode entrar agora.

O cheiro clínico de antisséptico me atingiu em cheio enquanto o seguia para a sala de cirurgia branca e estéril. Uma porção de médicos e enfermeiros estavam agrupados em volta da Bailey, separados por um lençol pendurado na altura da cintura. Presumi que devia ser para poupá-la da carnificina e desejei não ter visto quando entrei. Cortes e ferimentos leves não me incomodavam, mas órgãos expostos eram outra história.

No minuto em que seu rosto apareceu, tudo dentro de mim doeu.

Ela parecia tão vulnerável conectada a um milhão de máquinas, com o anestesista parado ao lado de sua cabeça.

Bailey me encarou, e o queixo dela começou a tremer.

– Tô com medo.

Eu também estava.

– Estou aqui agora. – Acariciei sua testa, esperando poder acalmá-la no meio da caótica sala de cirurgia.

– Ela tá ótima – anunciou a dra. Harris, do outro lado da cortina. – O bebê está quase saindo.

– Viu? Tá quase.

Momentos depois, um grito cortou o ar. O melhor som que eu já tinha ouvido. – É uma menina! – alguém comemorou.

Com essas três palavras, minha vida inteira mudou.

Uma filha.

– Olá, bebê Carter.

Olhei para o pequeno punho enrolado em meu dedo indicador. Até suas unhas minúsculas eram perfeitas. Cílios longos descansavam contra as bochechas gordinhas de bebê enquanto ela dormia pacificamente no berço de plástico.

Era como se alguém tivesse tirado o coração do meu corpo e o colocado naquele pacote de amor do tamanho de uma bola de futebol. Eu sabia que faria qualquer coisa por ela, assim como faria por minha esposa.

Bailey inclinou a cabeça, estudando meu rosto.

– Está surpreso que seja uma menina?

– Um pouco – admiti. – Mas nossa pequena família é perfeita.

Até agora, eu não sabia como era possível sentir o que quer que eu estivesse sentindo. Não conseguia nem colocar em palavras. Eu queria ligar para a minha mãe e me desculpar por cada vez que eu a deixei preocupada ou não apareci quando deveria. Porque agora sabia como era ter um pedaço do meu coração para fora, no mundo, separado de mim, e era assustador.

– Ela tem o seu cabelo – murmurou Bailey.

Eu ri baixinho. Ela tinha. Uma cabeça cheia de cabelos escuros e macios para todo lado, igual aos meus pela manhã. Com sorte, sua personalidade seria mais parecida com a da mãe, ou nós dois teríamos algumas dores de cabeça no futuro. Tipo, começando aos 2 e durando até pelo menos os 20 anos.

– Acho que ela tem seu nariz – comentei. – É fofo.

As cobertas farfalharam quando Bailey se mexeu na cama do hospital e se endireitou, estremecendo.

– Acho que devemos escolher um nome.

– Você já se decidiu por algum? – Nós tínhamos reduzido a lista para três principais concorrentes, mas a palavra final seria da Bailey. Parecia justo, ainda mais depois de como o parto tinha sido.

– Não. – Bailey franziu a testa, olhando para o berço portátil. – Fico mudando de ideia toda hora.

Com todo o cuidado, sentei-me na cama ao lado dela e inclinei minha cabeça contra a dela.

– Tenho certeza de que ela não se importará se esperarmos um dia ou dois. Como está?

Bailey tinha conseguido dormir por algumas horas perto da hora do jantar, mas estava quase tão pálida quanto o lençol embaixo dela. O que nós dois precisávamos era ir para casa e dormir em nossa própria cama, mas levaria mais alguns dias até que a liberassem.

– Tirando o fato de que fui cortada e grampeada esta manhã? Fantástica. Reprimi a vontade de me encolher. Uma cesárea não era brincadeira. Qualquer um que dissesse que isso não era um “parto de verdade” merecia um soco rápido na garganta. Eu ainda estava impressionado com a força que ela teve durante todo o processo. E como ainda permanecia forte.

– Eu teria feito isso por você se pudesse. – E era exatamente o que eu queria dizer. Se isso significasse que minha esposa não teria que passar por aquela situação outra vez, eu faria dez vezes mais.

Bailey olhou para mim com um sorriso irônico.

– Você nunca conseguiria lidar com o enjoo matinal.

– Provavelmente não – admiti. Vomitar era uma das coisas que eu mais odiava no mundo. Eu tinha fobia de vomitar, e a pobre da Bailey tinha feito muito disso nos últimos nove meses.

– Você fez muito por mim – disse ela, suavemente. – Eu sei que você vai ser o melhor pai que existe.

– Eu com certeza vou tentar.

Estendi a mão e alcancei o controle da luz, diminuindo sua intensidade. Ao lado da cama, nossa filha fez um pequeno barulho de choramingo e se mexeu, e aí voltou a dormir.

Bailey deslizou o braço sobre minha barriga e se aninhou contra mim. Sua respiração desacelerou, aprofundando e se tornando mais regular. Por um minuto, achei que tivesse cochilado.

– Ah, não. – Ela ergueu o queixo, os olhos arregalados. – Você vai ser desses pais que ameaça bater nos namorados que aprontarem com ela?

Eu lhe dei um olhar inocente.

– Não.

– Tem certeza?

– Claro, James. Vou ensiná-la a fazer isso sozinha.

Três anos depois

Denver, Colorado – maio

Capítulo bônus 4

Papai gostosão

Bailey

Fechei a porta da frente e a tranquei, então coloquei meu tapete de ioga no armário da entrada. Risadas ecoaram pelo corredor atrás de mim. Dias de pai e filha eram difíceis de conciliar, em termos de agenda, mas sempre eram um grande sucesso. Eu também ficava mais feliz com algum tempo livre para recarregar minhas energias.

Uma sensação de contentamento tomou conta de mim, me aquecendo por dentro. Andei pelo corredor e espiei pela porta da sala de brinquedos para investigar.

– O que temos aqui?

Tatum estava com um vestido de princesa amarelo com babados enquanto se empoleirava em uma cadeira rosa, balançando as pernas e fingindo beber em uma xícara de chá de plástico azul. As outras três cadeiras estavam ocupadas por um elefante de pelúcia, uma boneca e um dinossauro de plástico.

Chase estava sentado no chão, em frente à mesinha rosa, tentando desajeitadamente encaixar as pernas por baixo. Ele tinha laços roxos nos cabelos e esmalte rosa-choque nas unhas, e nunca fiquei mais feliz em chamá-lo de meu.

Tatum sorriu.

– Estamos numa festa do chá.

– Parece divertido – falei.

Chase se levantou, dando um tapinha na cabeça de Tatum quando passou por ela em seu caminho até mim. Inclinando o corpo, ele me deu um beijo rápido nos lábios.

– Oi, querida.

– Comendo na sala de brinquedos? – Arqueei uma sobrancelha, tentado parecer severa, e falhando. Havia migalhas de biscoito de laranja por todo o piso de madeira. Tínhamos uma regra sobre comer à mesa em nossa casa.

Ou tentávamos. Mas alguns de nós éramos melhores em impor as regras do que os outros.

– Ela pediu por favor… – Ele deslizou um braço em volta da minha cintura, dando um sorriso tímido. Como ficar brava com aquela cara? Era impossível. Não tinha nada melhor do que ver um jogador de hóquei grandalhão babando por nossa garotinha. – A tarde com a Shiv foi boa?

Meu dia só para mim tinha sido maravilhoso. Depois da aula de ioga, de almoçar e de fazer as unhas com minha amiga, eu me senti como um ser humano outra vez. Eu amava ser mãe, mas com a agenda de viagens de Chase, às vezes eu ficava cansada de ficar sozinha com nossa filha.

Chase ficava dizendo que deveríamos contratar uma babá de meio período, mas com Tatum começando na escolinha no outono, eu não via sentido. Eu tinha tudo certo, o problema era a correria. Eu trabalhava de manhã, durante os cochilos ou depois que Tatum ia dormir. Era uma boa maneira de preencher meu tempo livre sozinha enquanto Chase viajava.

Se bem que estar grávida de novo significava que meu “tempo livre” estava prestes a sumir de uma vez.

– Foi legal – respondi. – Como foi na aula de patinação?

Até agora, Tatum amava, mas eu não sabia quem estava mais animado: o pai ou a filha.

– Foi divertido! – gritou Tatum, servindo mais chá para seu elefante de pelúcia. O tule de seu vestido de princesa farfalhava enquanto ela se movimentava ao redor da mesa, como uma anfitriã ocupada cuidando de seus convidados para o jantar.

Chase assentiu.

– Ela deu um baile nas outras crianças de 3 anos. Na maioria das de 4 também.

Não é tão surpreendente, considerando que nossa filha é mais alta que a maioria das crianças de 4 anos. Nós realmente fazíamos crianças grandes.

– Então agora você tá julgando a patinação de crianças?

– É como se ela tivesse nascido pra isso.

– Olha só… se achando, Carter.

Ele cruzou os braços e se encostou na parede, apontando com o queixo para mim.

– Talvez eu quisesse dizer que ela puxou a você.

– Não quis. – Eu ri. – A propósito, belo penteado.

– O quê? – Com uma carranca, ele deu um tapinha na cabeça. Seus dedos pousaram nas fileiras de laços de cetim roxo que combinavam com os das tranças de Tatum. – Ah, isso. – Ele sorriu, tirando os laços e ajeitando os cabelos com os dedos. – A gente estava brincando de salão de beleza antes do chá.

Brincar de faz de conta era um dos pontos fortes do Chase como pai. Eu tentei brincar também, mas Tatum me informou sem rodeios que eu não era tão boa nisso quanto ele. Eu era mais adequada para coisas como ler historinhas, fazer artesanato e levá-la para passear no zoológico.

– Acho que isso explica as unhas.

– Eu gosto. – Ele examinou os dedos, segurando-os para me mostrar. –Acho que vou manter para o jogo hoje à noite. Sabe, para dar sorte.

Ao fundo, Tatum se levantou e reorganizou as cadeiras. Ela repreendeu o elefante e o dinossauro, que tinham sido travessos. Entre meu amor pelas regras e a teimosia do Chase, eu tinha certeza de que estávamos em frente a uma futura advogada. Talvez, uma juíza.

De qualquer modo, o mundo ia enfrentar uma máquina quando nossa menina ficasse mais velha.

– Ah, antes que eu me esqueça – falei –, Derek quer saber se vamos para o chalé no fim de semana do 4 de julho.

Tatum não ia querer mais nada a não ser correr com seu primo, espalhando água do lago e ficando acordada até mais tarde para ver os fogos de artifício.

– Claro, desde que sua médica te libere pra viajar.

A gravidez era um problema nesse ponto. No final, era como estar em prisão domiciliar, com medo de entrar em trabalho de parto enquanto estivesse fora da cidade. Ainda mais sabendo que eu passaria por outra cesárea, eu não queria qualquer médico, queria a minha médica.

– Eu nem vou estar no terceiro trimestre ainda… Vai ficar tudo bem, mas vou verificar. Ele quer marcar um horário no campo de golfe. Disse que o Eagle Ridge lota rápido.

– Acho que ele tá com tempo livre agora que foram eliminados. – Chase sorriu.

– Seja legal. – Cutuquei ele na costela, onde eu sabia que sentia cócegas.

Chase se encolheu e sufocou uma risada, agarrando minha mão e a beijando antes de soltar.

– Vamos lá, é só uma rivalidade amigável entre times. – Ele esfregou a linha do queixo com a barba por fazer e inclinou a cabeça, pensativo. – Se bem que isso significa que seu irmão tem mais tempo pra treinar golfe. Ele vai chutar minha bunda no campo de novo este ano.

Atrás dele, Tatum derrubou sem querer o jogo de chá, e ele se espalhou por todo o chão. Ela olhou para ele por um momento, o rosto minúsculo ameaçando uma tempestade. Seu lábio inferior se contraiu em um beicinho enquanto se ajoelhava para pegar as peças. Verifiquei meu relógio, confirmando que era hora da soneca. Na verdade, já tinha passado.

– Quer colocar ela pra dormir enquanto eu tomo banho? – murmurei.

– Tá bom. – Chase se ajoelhou para ficar mais próximo da altura de Tatum. – Vamos, minha princesa. Vamos ler e descansar um pouco.

Ela assentiu, obediente, estendendo os braços. Se eu tivesse tentado colocá-la para dormir sem um aviso prévio de cinco minutos, seria uma guerra.

Chase a ergueu com um braço só e a acomodou contra o quadril. Quando a trouxe para mim, Tatum passou as mãos em volta do meu pescoço e deu um tapinha nas minhas costas com a mãozinha. Meu coração quase explodiu com a doçura do gesto. Ela cheirava vagamente a doces com sabor de frutas, que eu suspeitei que também faziam parte dessa festa do chá que quebrava as regras. Foi uma tarde de sábado realmente agitada na casa dos Carter.

– Tchau, mamãe.

– Tchau, docinho. – Beijei o topo da sua cabeça antes que ela se virasse e se agarrasse ao pai. Ela encostou a cabeça no ombro dele, as pálpebras já ficando pesadas. As tranças dela descansavam contra sua camiseta branca, seu cabelo no mesmo tom de castanho-escuro que o do Chase.

– Cadê o Moo? – perguntou ela enquanto desapareciam pela porta.

Moo era a ridícula vaca rosa gigante que Derek tinha comprado para ela no Natal passado. Era bonitinha, mas tão grande quanto Tatum. Claro que era o brinquedo favorito dela.

Ouvi a voz do Chase, do corredor.

– Tenho certeza de que tá na sua cama. Vamos ver…

Meia hora depois, eu tinha acabado de vestir uma camisa limpa quando Chase entrou em nosso quarto.

– Tatum acabou de cair no sono. Lemos A princesa do saco de papel dez vezes, e ela desmaiou segurando o urso jogador de hóquei.

Não tive coragem de dizer a ele que começar um cochilo tão tarde significava que ela também iria para a cama tarde esta noite. Chase descobriria isso da maneira mais difícil na hora de dormir, quando brincávamos de pega-pega com nossa filha saindo da cama a cada dois minutos.

Ele franziu o cenho.

– Espera, terminou seu artigo?

– Enviei hoje de manhã. – Depois de escrever, reescrever, revisar, re-revisar mais vezes do que poderia contar. Eu não tinha bloqueios com frequência, mas, quando tinha, era um saco.

Além disso, trabalhar em um artigo sobre previsões para os playoffs era difícil quando o nome na assinatura era Bailey Carter, pois Chase Carter estava nos playoffs, então a ótica era complicada. Eu não queria parecer parcial. Mesmo que fosse. Claro que eu queria que o time dele ganhasse.

– Quem escolheu pra vencer o campeonato? – Chase sentou-se na cama, em minha frente, inclinando a cabeça.

Fechei o zíper do meu moletom cinza claro – que já estava esticando sobre minha barriga – e evitei seus olhos.

– Hum… Anaheim. – Dei uma espiada nele.

Chase arqueei as sobrancelhas, mas não disse nada.

– Sabe o que os números dizem – acrescentei. – Estatisticamente falando.

Chase sorriu.

– Fodam-se os números.

– Ainda acho que vocês vão ganhar, mas, quando escrevo para o trabalho, não posso deixar minhas opiniões pessoas influenciarem muito o que digo. Tenho que ouvir os dados também.

Eu me sentei na cama, ao lado dele, e me abriguei em seu ombro largo. Chase entrelaçou os dedos nos meus, apertando-os suavemente, e soltou um murmúrio baixo.

Nós sabíamos que, no fundo, eu achava que o Colorado venceria, mas precisava manter pessoal e profissional separados o máximo possível – especialmente por ser uma mulher em uma indústria dominada por homens. Infelizmente, eu não era ignorada por trolls on-line que assombravam a seção de comentários dos meus artigos de reportagem esportiva, me acusando de ser parcial e pouco profissional sempre que uma matéria que eu escrevia mencionava Chase ou seu time. O que eu tinha que fazer? Fingir que meu marido não existia?

– Você tá se esforçando pra evitar qualquer favoritismo. Reconheço isso. Mas sabe que a gente vai esmagá-los na próxima série. – Seus dedos pousaram no meu dedo anelar nu, traçando a pele, e seu sorriso desapareceu. – Onde estão seus anéis?

Provavelmente ele estava preocupado achando que eu tinha perdido minha aliança nova. Tecnicamente, era para ser uma aliança de aniversário, mas, quando descobrimos que estávamos grávidos de novo, ele ficou muito animado e me deu antes da hora. De qualquer forma, eu sabia exatamente onde estava aquela aliança deslumbrante de diamantes: na minha cômoda, porque não entrava mais no meu dedo de salsicha.

– Meus dedos estão muito inchados. Eu os tirei pra tomar banho ontem à noite e não consegui colocar de volta. E não queria correr o risco de ficarem presos.

Ele franziu a testa, massageando minha mão.

– Sério, isso não aconteceu até o final da outra gravidez.

– Acho que essa é a vantagem de ter gêmeos: pacote acelerado e sintomas em dobro. Que horas tem que sair para o jogo?

– Ainda tenho algumas horas. – Chase virou o corpo para me encarar. Sua boca puxou, os olhos abrindo caminho por meu corpo e dizendo mais com um único olhar do que palavras poderiam. – Por quê?

– Você sabe o porquê.

– Hum. – Ele envolveu as duas mãos em volta da minha cintura, me puxando para mais perto, e sorriu contra meus lábios. – Eu amo minha James grávida e safadinha.

Capítulo bônus 5

Para sempre

Bailey

Denver, Colorado – um mês depois

Finais da Stanley Cup – jogo sete

Jogo sete.

Eu nunca quis tanto algo para outra pessoa na minha vida.

Siobhan e eu nos sentamos nas pontas dos nossos assentos no camarote do time, observando o relógio fazer a contagem regressiva até zero. A campainha tocou, marcando o início do segundo intervalo. Os jogadores pularam para o banco e seguiram pelo corredor em direção aos vestiários. Até agora, o jogo desta noite tinha sido apertado de um modo anormal, e as apostas eram inimaginavelmente altas.

Depois de um segundo período de roer as unhas, o placar estava empatado em um a um. Não era o ideal, mas os últimos minutos do segundo tempo tinham sido meio bagunçados na defesa. Por enquanto, me sentia aliviada pelo Colorado não estar perdendo. Esperava que voltassem para o terceiro período com um novo ânimo.

No assento ao meu lado, Shiv gemeu e recostou-se na poltrona de couro preta.

– Meu Deus. Vou ter a pior azia por causa dessas asinhas apimentadas. –Ela fez uma careta e esfregou a barriga redonda sob sua camisa branca. Embora nossas datas de parto fossem próximas, não estávamos nada parecidas. Ela tinha mais ou menos metade do meu tamanho, porque era sua primeira gravidez e era só um bebê.

– O lado positivo é que, de acordo com a sabedoria popular, ter azia significa que seu bebê vai nascer com muito cabelo. Talvez a Luna tenha uma cabeça cheia de cabelos igual a Tatum quando nasceu.

Minha filha ainda era bem cabeluda. Ela insistia em deixar os cabelos compridos como uma princesa e me pedia penteados elaborados que exigiam a ajuda de vídeos do YouTube, um milhão de pentes, escovas diferentes e uma paciência infinita. Eu finalmente tinha aperfeiçoado a arte da trança francesa, pelo menos, mas meus coques não estavam do jeito que ela queria. Precisava treinar mais antes que as aulas de balé recomeçassem.

As próprias tentativas dela foram quase tão boas quanto as minhas – ou seja, também não eram ótimas. Acabava que o Chase era o melhor cabeleireiro da família. Acho que combinava com a coisa toda de ser bom com as mãos.

– Você teve azia com a Tatum? – Ela franziu a testa, como se tentasse se lembrar, então pegou outra asinha apimentada, apesar de ter reclamado dela minutos antes. Não podia culpá-la por isso, a comida tinha um gosto muito melhor quando eu estava grávida. Eu não sabia por que, apenas tinha. Era como o Chase se sentia sobre comer depois dos jogos.

Isso nos levava a uma grande vantagem por sermos esposas de jogadores: camarotes com open food. Especialmente quando se comia por dois, como a Siobhan, ou por três, como eu. E mais ainda quando eu precisava enterrar meus sentimentos sob uma pilha de comida gordurosa, porque a tensão era demais para lidar.

Se estávamos assim, eu só conseguia imaginar como o Dallas e o Chase se sentiam. Dallas já tinha chegado aos playoffs duas vezes – e vencido uma –, mas era a primeira vez do Chase. Eu queria tanto a vitória para ele que podia sentir. Por outro lado, meu marido estava confiante sobre hoje à noite. Ele me deu um beijo e saiu pela porta como se fosse qualquer outro jogo. Talvez estivesse mais nervosa do que ele.

O estresse tomou conta de mim, então fiz a única coisa razoável: peguei uma tortilla coberta com queijo derretido, mergulhei no molho e na guacamole e enfiei na boca, engolindo em seguida.

– Talvez eu tivesse tido mais azia da última vez se eu conseguisse manter a comida no estômago.

– Nem me fale. – Shiv me lançou um olhar solidário. – Fiquei enjoada por cerca de um mês, e foi uma tortura. E nem vomitei. Mas desta vez você não está tão mal, né?

Por um milagre, não estava. Depois da hiperêmese gravídica na primeira vez – que era o termo técnico para não parar de vomitar a gravidez toda –, eu tinha um risco maior de ter de novo. Uma gravidez de gêmeos já era complicada o suficiente, então estava grata por poder comer.

– Isso – respondi. – Agora estou comendo tudo o que temos em casa. –Eu jurava que estava consumindo quase tanta comida quanto o Chase. Tudo

o que fazia ultimamente era comer, tirar uma soneca e brincar de boneca com Tatum. Talvez eu fosse a criança nessa relação.

– Ah, para. – Os lábios vermelho-cereja da Shiv se contraíram em um sorriso. – Você tá linda. É alta e fica bem grávida. Eu vou parecer que engoli uma melancia daqui um mês ou mais.

Eu ri.

– Duvido muito.

Ao contrário dos protestos, já estava na cara que a Shiv seria daquelas mulheres grávidas que eram só barriga e mal precisavam de roupas de maternidade até o fim. Ou seja, diferente de mim.

Depois de mais de uma pausa de banheiro para nós duas, o jogo recomeçou com Dallas pulando no gelo para o primeiro turno. Apesar do que eu esperava, Denver não esmagou Anaheim desde o início. Anaheim também não estava muito melhor. Ambos os times estavam cansados, e isso era visível.

Nos primeiros dez minutos do terceiro período, o jogo continuou equilibrado, com muitas oportunidades de gol para ambos os lados, mas sem sucesso em passar o disco pelos goleiros.

Assistimos com a respiração suspensa enquanto o Dallas retomava a posse do disco, patinando pela lateral e girando para a posição de arremesso. Svenson, um dos melhores jogadores da defesa do Anaheim, ganhou velocidade e foi direto para ele. Meu aperto no apoio do braço aumentou quando Svenson se agachou e foi direto contra o Dallas, lhe dando uma joelhada no estômago.

Dallas girou para a borda do rinque, agarrando-se à lateral para se firmar.

Shiv se engasgou, levando a mão à boca.

– Que porra foi essa?

– Golpe baixo – respondi, balançando a cabeça em negação.

Dallas levou um segundo para se recompor antes de deslizar de volta para sua posição, embora seus movimentos estivessem mais lentos do que o normal. Ele provavelmente estava sem fôlego, no mínimo, se não estivesse com as costelas machucadas. Parecia uma penalidade óbvia, mas o jogo seguiu sem nem um apito.

Do banco, Chase murmurou uma série de palavrões e gesticulou para os árbitros, apontando com raiva para Dallas. Chase estava se perguntando a mesma coisa que Shiv, só que de um jeito muito mais explosivo. Sem obter resposta, ele se levantou e se inclinou sobre as bordas, continuando seu protesto.

Quando não teve o retorno que esperava, caiu de volta no banco e balançou a cabeça, nervoso, apoiando os cotovelos nos joelhos. Mesmo à distância, eu podia ver a raiva em seu rosto.

– E nenhuma penalidade? Nada? – Siobhan se virou para mim, boquiaberta.

– Deveria ser uma penalidade grave de cinco minutos, no mínimo.

Ela soltou um rosnado, jogando a cabeça para trás.

– A arbitragem deste jogo é uma piada.

– Sim. Eles estão apitando de forma nem um pouco justa.

Embora, com frequência, os fãs pensassem que seus times estavam sendo injustamente punidos, desta vez não era o caso. Não foi apenas o golpe solitário e isolado. Havia um padrão: o Anaheim escapando de punições por comportamento questionável, enquanto o Colorado acumulava penalidades por qualquer coisa, mesmo as mínimas.

Os árbitros precisavam escolher entre guardar os apitos e liberar um vale-tudo, ou manter os jogadores na linha. De ambos os lados.

Eu queria que o Colorado vencesse, muito por esse motivo.

Os turnos mudaram, e Dallas saiu do gelo, enquanto Chase entrava e patinava como um louco para a zona do Anaheim. O fogo que eu esperava ver estava aceso, pelo menos nele.

Se a intenção de Svenson era ativar o modo Carter irritado, ele tinha conseguido. E provavelmente descobriria da maneira mais difícil em breve, porque algumas coisas não mudavam. Chase ainda era uma força reconhecida no gelo. Ninguém queria ser pego por um de seus golpes.

Shiv e eu fizemos uma careta quando Chase jogou outro jogador do Anaheim nas bordas, fazendo um barulho tão alto pela arena que podíamos ouvir dos assentos do camarote no segundo andar. Uma ovação irrompeu da multidão, salpicada de vaias furiosas de um punhado de fãs do time adversário. Dessa vez, pelo menos, não teve nenhum apito contra o Colorado. Shiv drenou seu segundo copo de refrigerante e passou, nervosa, os dedos por seus cabelos escuros e brilhantes.

– Isso é tão estressante. Seria muito mais fácil se pudéssemos beber.

– Com certeza – respondi.

Na maioria das vezes, eu não me incomodava por não poder beber durante a gravidez, mas uma – ou três – bebidas para aliviar a tensão teriam sido úteis esta noite. Mais cedo no jogo, Siobhan quase jogou o refrigerante longe após uma marcação absurda que mandou Dallas para a área de penalidade por uma infração menor. O outro time cometeu erros muito mais graves sem qualquer advertência.

– Esqueci de contar – acrescentou Shiv. – Dal comprou cerveja sem álcool pra mim semana passada. Ele estava tentando ser legal, e não tive coragem de dizer que era horrível, mas agora estou com medo de que ele continue comprando. Tinha gosto de capim seco. – Ela fez uma careta.

– Capim? – provoquei. – Quando você comeu capim?

– Ah, você entendeu o que eu quis dizer. O relógio continuou a contagem regressiva, cada segundo se arrastando como uma eternidade. Faltavam menos de cinco minutos para o terceiro período, e ainda estava empatado. Nós nos sentamos nas beiradas de nossos assentos, rezando em silêncio. Tudo o que o Colorado precisava era de um gol. Um bendito gol, e o jogo seria deles.

– Espero que não vá pra prorrogação – disse ela. – Pelo bem deles e do nosso. Infelizmente para todos os envolvidos, foi o que aconteceu. Prorrogação com morte súbita – vinte minutos de cinco contra cinco. O primeiro time a marcar venceria.

Minha frequência cardíaca disparou para um pico histórico ao ver os jogadores se aglomerarem perto da rede do Colorado. Anaheim rodou o disco, ganhando vantagem na jogada, e uma sensação de desgraça iminente tomou conta de mim. A noite toda, eu tive a certeza de que o Colorado venceria, mas sua defesa estava cansada, ficando para trás e lutando para acompanhar o ritmo. Se as coisas continuassem assim, havia uma boa chance de Anaheim marcar e levar o jogo.

Antes que eu pudesse entrar em uma espiral de lamentos, um apito soou. Um dos jogadores do Anaheim tinha acertado alguém do nosso lado com o taco, e os árbitros enfim marcaram uma penalidade há muito esperada contra eles, garantindo ao Colorado uma vantagem muito necessária.

– Já era hora – murmurou Shiv, soltando um suspiro de alívio.

– Eles vão conseguir – eu disse, para me tranquilizar tanto quanto a ela. Chase e Dallas pularam no jogo para o turno em vantagem, ambos rasgando o gelo com um nível de energia incrível. Shiv e eu ficamos em silêncio, nós duas tensas demais para falar. Era isso. A oportunidade de ouro de marcar. Oito minutos na prorrogação, cinco contra quatro.

O lateral direita do Colorado dominou o disco, voando pelos lados para levá-lo até a zona do Anaheim. Chase estava na posição perfeita para receber o passe e patinou alguns metros, passando o disco para o Dallas, que estava em frente à rede. Antes que a defesa do Anaheim pudesse cobrir a distância, Dallas lançou o disco além do goleiro, afundando-o no canto inferior direito.

Os jogadores congelaram, como se não acreditassem.

A campainha soou, marcando o momento de definição de carreira para todo o time do Colorado e chutando os jogadores no gelo de volta ao movimento. Shiv e eu soltamos gritos de alegria, pulando. Ou, mais precisamente, deslizamos desajeitadas de nossos assentos devido a nossas barrigas.

– Ai, meu Deus! – gritou Shiv e me envolveu em um abraço tão forte quanto nossas barrigas permitiram. Eu a apertei de volta, com os olhos úmidos.

Nós nos separamos e voltamos nossa atenção para o gelo, onde os jogadores do Colorado estavam amontoados, se abraçando e dando tapinhas nos capacetes. Uma onda de orgulho me atingiu enquanto eu observava Chase comemorar com seus colegas de time.

Eu estava lá em seu primeiro jogo da NHL, em seu primeiro jogo de playoff e, agora, em sua primeira vitória na Copa Stanley. Depois de anos de trabalho duro – incluindo várias trocas, além de uma lesão no joelho e uma cirurgia que o afastou por meses –, ele finalmente alcançou seu objetivo.

– Eles conseguiram – murmurou Shiv, ao meu lado.

Eu sorri enquanto lutava contra as lágrimas.

– Com certeza conseguiram.

Depois de lutar contra a multidão para chegar ao nível do gelo, passamos pelas pessoas que saíam da pista e pisamos na superfície para nos reunir com Chase e Dallas, junto com os outros jogadores e suas famílias.

Meu coração se encheu de orgulho assim que coloquei os olhos em meu marido, que sorria, abraçado a um colega de time. Seu olhar pousou em mim e se arregalou, a alegria se transformando em descrença.

Em alguns passos rápidos, ele já estava diante de mim, a expressão severa em seu rosto bonito. De patins, ele ficava quase trinta centímetros mais alto do que eu.

– Tire sua bunda adorável do gelo, sra. Carter. Olhei para baixo, percebendo meu erro tarde demais.

– Hum… eu consigo me equilibrar muito bem.

Na verdade, eu estava tão envolvida pela empolgação que tinha me esquecido completamente do fator segurança. Por mais que Chase tivesse a tendência de ser superprotetor, desta vez meu marido estava certo – estar grávida de quatro meses de gêmeos significava que eu não deveria me arrastar sobre uma camada de gelo.

Especialmente alguém tão desajeitada quanto eu – embora eu nunca fosse admitir isso para ele.

– Talvez se estivesse sozinha. – Ele arqueou as sobrancelhas, lutando contra um sorriso. – Mas você precisa ficar em terra firme até que esses bebês nasçam. Ele deslizou a mão pela minha cintura, me guiando com cuidado por entre seus colegas de equipe e suas famílias de volta para os bancos. Na minha visão periférica, avistei Dallas e Shiv, que pareciam estar tento uma troca semelhante enquanto ele também a escoltava para fora do gelo.

Pelo menos eu não fui a única que teve um lapso momentâneo de sanidade.

Eu culparia o cérebro de grávida, que é uma coisa real. Na semana passada, meu celular ficou na geladeira por mais de uma hora antes de eu perceber onde o tinha deixado. E talvez ter gêmeos significava que era duas vezes pior. De qualquer modo, essa era minha desculpa, e eu ia me apegar a ela.

Assim que eu saí do gelo em segurança, Chase apoiou os cotovelos nas bordas e se inclinou. Tirou as luvas e acenou com os dedos para que eu me aproximasse.

– Agora que está segura, venha aqui pra comemorarmos.

Enrolei meus braços em seu pescoço, e ele abaixou a cabeça, buscando meus lábios. Chase estava desgrenhado, suado, e, por mais que isso me deixasse enjoada, de alguma forma eu o amava ainda mais. Ajudava o fato de estar acostumada com ele suado, pós-hóquei.

Suas mãos descansaram em minha cintura, e ele me olhou, com um sorriso.

– Como foi lá no camarote?

– Um pouco estressante – respondi. – Mas você jogou bem.

– Joguei, não é? Aquela última assistência que dei pro Ward… – Ele afastou o cabelo escuro do rosto, soltando um assovio baixo. – Foi uma beleza.

– Sabe o que eu amo em você?

Chase me deu um sorriso de canto.

– Tudo?

– Tudo – concordei. – Principalmente a modéstia.

– Modéstia é superestimada.

Chase se inclinou novamente, me dando outro beijo rápido nos lábios. Aplausos e assovios ecoavam por toda a arena, o volume quase ensurdecedor.

Ao nosso redor, os fãs estavam enlouquecidos. Foi uma grande vitória, não só para o time, mas para o clube como um todo.

– Estou tão orgulhosa de você – falei. – Você merece.

– Não teria conseguido sem você.

Chase

Já passava das 3 horas da manhã, e a casa estava silenciosa. Minha mãe, que foi nossa babá por uma noite, estava dormindo no quarto de hóspedes em frente ao de Tatum. Bailey estava apagada na cama. Adormeceu tão logo chegamos em casa, pouco depois da meia-noite. E eu estava sentado ereto na cama da Tatum, onde tinha acabado de fazê-la dormir depois de um pesadelo.

Às vezes eu caía no sono na cama dela em momentos como este, mas não esta noite. Acontece que vencer a Copa Stanley pode deixar a pessoa meio

elétrica. Uma descarga de adrenalina ainda corria em minhas veias, tornando o sono impossível.

Tatum estava esparramada no meu colo, sua respiração lenta agora que seus medos de morcegos assustadores que espreitavam seu quarto tinham se acalmado. Eu gentilmente ergui sua cabeça e me levantei, colocando um travesseiro embaixo dela como apoio enquanto deslizava para fora da cama. Abaixando-me, dei um beijo rápido em sua testa antes de sair do quarto.

Como tive tanta sorte? Uma família incrível – que logo aumentaria. Uma carreira que eu amava. A melhor parceira que eu poderia ter pedido.

As coisas não eram perfeitas, mas estavam bem perto.

Depois de lavar o rosto e escovar os dentes no banheiro da suíte, voltei ao nosso quarto o mais silenciosamente possível para não acordar a Bailey. Eu quase consegui, mas a porta do banheiro rangeu atrás de mim quando a fechei, e ela gemeu, mexendo-se sob as cobertas. Desde que teve a Tatum, a Bailey tinha um sono muito leve, embora nossa menina já dormisse a noite toda.

– Está tudo bem? – Bailey rolou sobre um cotovelo, no escuro, e olhou para mim. – Por que tá acordado?

– Tatum teve um pesadelo e fiquei lá com ela até que voltasse a dormir. –Puxei as cobertas e deslizei para o seu lado, colocando um braço ao longo de suas costas para puxá-la para mais perto.

– Ah – disse ela, se mexendo. – Agora estou acordada e preciso fazer xixi. Já volto.

Eu me senti mal por ela. Fazer xixi era quase um trabalho de meio período nesse momento.

Um minuto depois, Bailey voltou e se aninhou sob o edredom, sua barriga roçando meu torso nu. Passei a mão por ela, ainda maravilhado com o fato de haver dois bebês ali.

Estaríamos em menor número quando eles chegassem. Três crianças para dois adultos. Seria um caos da melhor maneira possível. Eu mal podia esperar.

– O bebê A estava terrível hoje mais cedo – sussurrou Bailey, no escuro. – Não parou de chutar durante o jogo.

Eu ri, beijando o topo de sua cabeça e inalando o cheiro familiar de alecrim e menta do xampu.

– Como sabe que é o bebê A?

– É o que não para de se mexer no ultrassom. Claramente um espevitado. Com certeza puxou a você. Genes Carter de cabo a rabo.

– Hum, parece muito mais com você.

Bailey riu baixinho.

– De jeito nenhum. O bebê B é muito mais calmo. Esse, com certeza, puxou a mim.

Por mais que eu tentasse protestar, ambos sabíamos que ela estava cem por cento certa. Agora me sentia pior por acordá-la. Se estava tagarela assim, significava que estava tão acordada quanto eu.

– Podia ter me acordado pra ficar com a Tatum – murmurou, acariciando meu braço com a ponta dos dedos. Parte da tensão que eu carregava se dissipou com o toque dela. – Eu não me importaria.

Acordar minha esposa grávida? Nem pensar. Já era ruim o suficiente eu viajar tanto, deixando-a sozinha para lidar com tudo. Quando eu estava por perto, fazia questão de compensar, para minhas duas meninas.

– Eu estava acordado. Além disso, você precisa descansar. Parecia exausta no caminho pra casa. – Ela quase adormeceu encostada na janela.

Meu melhor amigo e eu tínhamos esposas grávidas a tiracolo, então a comemoração pós-campeonato não foi tão louca como sempre imaginei. Mas foi perfeita, mesmo assim. Vencer com Dallas foi a cereja do bolo.

Ela deu um grunhido de discordância.

– Depois de um jogo como esse, você é que tinha que descansar.

– Foi tenso – admiti. No ritmo que eu estava, poderia nunca mais dormir.

– Mas é um feito. – Bailey se ergueu alguns centímetros. Ela trouxe seu rosto perto do meu no escuro e beijou minha bochecha, sorrindo contra minha pele. – Acho que vai levar alguns dias para entender o tamanho.

– Acho que sim.

Se é que isso aconteceria. Eu suspeitava que era uma daquelas coisas que sempre iam parecer um pouco surreais.

Nossos lábios se juntaram em um beijo suave e casto. Por um momento, pensei em forçar a sorte para mais, mas ela provavelmente estava cansada demais. Era a fase da vida em que estávamos, e eu estava bem com isso. Tínhamos muito tempo para fazer todas essas outras coisas… com frequência.

Eu me aninhei perto da sua orelha.

– Eu te amo.

– Eu te amo. – Bailey bocejou e pressionou sua testa em meu ombro, os cabelos fazendo cócegas em meu braço.

– Chame de intuição de grávida, mas tive um pressentimento de que vocês venceriam. Também tinham essa impressão? Pareciam bem confiantes indo para o jogo.

– Pelo jeito que a série tinha se desenrolado, imaginei que seria pau a pau. Mas, no fundo, eu sabia que sairia ganhando, independentemente de como o jogo terminasse.

Ela fez uma pausa e se virou para mim.

– O que quer dizer?

Embora chegar às finais da Copa Stanley tenha sido uma conquista impressionante por si só, não era bem um cenário em que todo mundo saía ganhando – especialmente para alguém como eu, que tem uma veia competitiva do tamanho do rio Amazonas.

No entanto, havia muitas maneiras de vencer, algumas importavam mais do que outras.

Deslizei uma mão para suas costas e a puxei para perto mais uma vez. Ela se enrolou em mim, encaixando-se perfeitamente em meu corpo, como de hábito.

– Um troféu é por uma temporada. Eu tenho você para sempre.

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