Antonio Flavio Barbosa Moreira - Pesquisador em Currículo

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O professor e pesquisador Antonio Flavio Barbosa Moreira é referência quando se discutem conceitos, práticas e questões centrais do campo curricular. Com reconhecida capacidade para dialogar e propor reflexões aos pesquisadores que se enveredam nas diferentes vertentes teóricas da área, ele contribuiu para que as investigações curriculares fossem revigoradas e problematizadas devidamente. Este livro traz uma introdução em que se abordam as ações e a importância do pesquisador para a Educação, uma entrevista na qual são reveladas as suas principais preocupações ao longo dessa trajetória, além de textos fundamentais escritos por ele em diferentes momentos de sua vida.

antonio flavio barbosa moreira

Marlucy Alves Paraíso é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com atividades docentes e de orientação na graduação e na pós-graduação. No Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG, orienta dissertações e teses que articulam os estudos de currículo com as teorizações sociais e culturais contemporâneas. É coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas (GECC) e pesquisadora do CNPq. É graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutora pela Universidad de Valencia, Espanha.

Perfis da Educação

CARLOS ROBERTO JAMIL CURY

Capa Antonio Flavio051110.indd 1

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Perfis da Educação

antonio flavio barbosa moreira Pesquisador em Currículo

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flavio

Antonio Flavio Moreira é um dos intelectuais que mais têm contribuído para as questões relativas ao currículo e à educação no nosso país. Sua experiência como pesquisador, docente e administrador se destaca tanto por sua produção intelectual quanto por seu compromisso com as políticas públicas na educação. Pensador inquieto e sempre aberto a ressignificações e ampliação de seus interesses e referenciais, é considerado por muitos – entre os quais me situo – como pioneiro na perspectiva analítica e crítica dos estudos de currículo no Brasil. Ao longo do tempo, instado por novas questões do sistema educacional brasileiro e por novas teorias, Antonio Flavio revê suas posições, incorpora outras e dialoga com os Estudos Culturais e demais correntes. Esse diálogo, entretanto, mantém convicções fundamentais, como o compromisso com a educação dos grupos marginalizados, a centralidade das questões sobre o conhecimento escolar para os estudos sobre currículo, a promoção de uma escola pública de qualidade e a preocupação com a realidade concreta dos sistemas educacionais e das escolas. Ultimamente incorpora preocupações do multiculturalismo e articula questões relativas à promoção da igualdade com as diferenças culturais e as políticas de reconhecimento. Na produção de Antonio Flavio, rigor acadêmico e compromisso com uma educação de qualidade se interpenetram, instigante e consistentemente. Esta obra apresenta, de modo significativo e provocativo, seu itinerário intelectual.

Vera Maria Candau

16/11/2010 17:46:41


antonio flavio barbosa moreira Pesquisador em CurrĂ­culo



perfis da educação

Organização e Introdução

Marlucy Alves Paraíso Textos selecionados de

Antonio Flavio Barbosa Moreira

Antonio flavio barbosa moreira Pesquisador em Currículo


Copyright © 2010 Antonio Flavio Barbosa Moreira e Marlucy Alves Paraíso coordenador da coleção perfis da educação

Luciano Mendes de Faria Filho capa

Alberto Bittencourt (sobre foto de Vândiner Ribeiro) revisão

Ana Carolina Lins Lira Córdova projeto gráfico

Tales Leon de Marco editoração eletrônica

Christiane Morais de Oliveira editora responsável

Rejane Dias Revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico. Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia da editora.

Autêntica Editora Ltda. Rua Aimorés, 981, 8º andar . Funcionários 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel.: (55 31) 3222 68 19 Televendas: 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moreira, Antonio Flavio Barbosa Antonio Flavio Barbosa Moreira, pesquisador em currículo / organização e Introdução Marlucy Alves Paraíso. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2010. – (Coleção Perfis da Educação ; 2) Bibliografia. ISBN 978-85-7526-500-0 1. Educação - Brasil 2. Educadores - Brasil 3. Moreira, Antonio Flavio Barbosa I. Paraíso, Marlucy Alves. II. Série. 10-09078

CDD-370.92 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Educadores 370.92


Sumário 7

Cronologia

9

Introdução Currículo: o campo escolhido por Antonio Flavio Barbosa Moreira para aprender da tradição, subverter o possível e participar da transformação

29

Entrevista O constituir-se de um pesquisador em currículo no espaço entre a crítica e a luta por possibilidades

Textos selecionados

Parte 1: O crítico 59

A constituição e os rumos iniciais dos estudos de currículo no Brasil

19

Currículo e controle social

95

A configuração atual dos estudos curriculares: a crise da teoria crítica

Parte 2: O político 119 Os Parâmetros Curriculares Nacionais em questão 133 Propostas curriculares alternativas: limites e avanços 159 Estudos de currículo: avanços e desafios no processo de internacionalização Parte 3: O multiculturalista 175 A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões 199 Currículo e Estudos Culturais: tensões e desafios em torno das identidades 217 A qualidade e o currículo na escola básica brasileira 237

Produção bibliográfica



Cronologia

Período

Atividade

1945

Nasce Antonio Flavio Barbosa Moreira em Petrópolis (RJ)

1951

Inicia sua escolarização na Escola Francisco Cabrita, no Rio de Janeiro (RJ)

1955

Faz o curso de admissão no Instituto Guanabara (RJ)

1956-1962

Cursa o ginásio e o científico no Colégio Militar do Rio de Janeiro

1964-1967

Cursa Química Industrial na Escola de Química da Universidade do Brasil

1969-1971

Cursa licenciatura em Química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

1971-1974

Cursa licenciatura plena em Pedagogia na Sociedade Universitária Augusto Motta (RJ)

1974-1978

Cursa o mestrado em Educação na Faculdade de Educação da UFRJ (FE/UFRJ)

1980

Inicia sua carreira de professor no Departamento de Didática na FE/UFRJ, lecionando, inicialmente, Didática e Prática de Ensino

1980-1990

Leciona Currículos e Programas na Federação das Faculdades Celso Lisboa

1984-1988

Cursa o doutorado no Instituto de Educação da Universidade de Londres

1990-1997

Professor adjunto da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

1992-1995

Coordenador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) na área de Educação

7


1995-1999

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da FE/UFRJ

1996-1998

Membro da Comissão da área de Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

1997-2003

Professor titular da FE/UFRJ

2002-2003

Membro do Comitê Assessor da Área de Educação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

2003

Aposentadoria na FE/UFRJ

2003-atual

Colaboração no mestrado em Desenvolvimento Curricular do Instituto de Educação da Universidade do Minho

2003-atual

Professor titular da Universidade Católica de Petrópolis (UCP)

2006-atual

Coordenador do curso de mestrado em Educação da UCP

2004-2007

Professor Visitante da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da UERJ

2006-2009

Vice-Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Educação (ANPEd)

2010-atual

Secretário-Geral da ANPEd

8


Introdução Currículo: o campo escolhido por Antonio Flavio Barbosa Moreira para aprender da tradição, subverter o possível e participar da transformação Marlucy Alves Paraíso

Este pesquisador chamado Antonio Flavio Barbosa Moreira Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. Clarice Lispector, A hora da estrela

Evocar Clarice Lispector em epígrafe para este texto – que tem por objetivo apresentar o professor pesquisador Antonio Flavio Barbosa Moreira e mostrar como vejo, sinto e significo sua obra – implica um ponto de partida desta escrita. Significa um início para apresentar os traçados de um caminho que percorri com Antonio Flavio Barbosa Moreira, seja lendo “de longe” e aos poucos aquilo que esse pesquisador ia produzindo ao longo dos anos em sua trajetória acadêmica, seja convivendo de perto com ele, como sua aluna e orientanda de doutorado e como colega do Grupo de Trabalho de Currículo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), seja ainda me debruçando sobre sua vasta produção para eleger, junto com ele, um conjunto de textos para compor este livro. Trata-se de uma obra que traz ao público da Educação, em geral, e do currículo, em particular, uma síntese daquilo que esse professor pesquisador enfrentou, pensou, problematizou, escreveu e divulgou em seu percurso acadêmico. A frase de Clarice Lispector é usada neste início de texto, então, porque aborda um tema que sempre vi presente na trajetória desse professor 9


pesquisador de notório reconhecimento no âmbito da educação e do currículo: o trabalho árduo pela simplicidade. Como sua aluna e orientanda de doutorado, presenciei o seu trabalho sobre si mesmo na busca pela simplicidade. Também escutei dele inúmeras vezes este conselho: “procure ser simples, falar e escrever com simplicidade. Um acadêmico precisa ser, antes de tudo, compreensível!”. Escutei, aprendi e repasso hoje essa aprendizagem para meus(minhas) orientandos(as), participando também do “jogo de receber e entregar” tão importante na educação. Preocupado com um tipo de escrita de difícil compreensão que às vezes encontramos na área da Educação, Antonio Flavio insistiu na simplicidade e na clareza tanto da escrita como da forma de falar com nossos interlocutores e nossas interlocutoras. Ao resgatar os escritos desse pesquisador para compor este livro, espero tornar evidente que ele colheu os frutos do seu trabalho consigo mesmo: conseguiu abordar e discutir polêmicas do campo do currículo, teorias de currículo, políticas curriculares e práticas curriculares das escolas de forma clara, precisa e com muita simplicidade. Seus argumentos, seu modo de pesquisar, os conceitos com os quais trabalha, suas contestações e reivindicações políticas, teóricas e práticas para o currículo são facilmente vistos e compreendidos em toda a sua produção. Antonio Flavio perseguiu e produziu um estilo simples que faz com que suas palavras logo se conectem com quem ele se dirige: colegas acadêmicos(as), estudantes, professores(as), gestores(as), formuladores de políticas curriculares, participantes de movimentos sociais, etc. Antonio Flavio nunca se negou a discutir questões centrais sobre o currículo com quem quer que fosse, sempre de forma simples, paciente, elegante, crítica e politizada. Mesmo quando muitas dessas questões eram delicadas, porque suas argumentações seguiam na contramão das “verdades” do que se dizia e fazia no espaço-tempo em que estava inserido, era possível vê-lo e escutá-lo em sua simplicidade e elegância. Vi esse pesquisador discutir e apresentar suas formulações, indagações e argumentações com públicos os mais variados e em diferentes espaços – congressos (grandes e pequenos), universidades, secretarias de educação estaduais e municipais, sindicatos, associações e escolas – sem jamais vê-lo perder essa simplicidade por ele cultivada e conquistada. Trata-se, portanto, de um pesquisador-professor que produz admiração por muitos motivos. Como professor, priorizou sempre a clareza para ensinar e para conectar-se com os(as) estudantes. Como acadêmico, demonstrou sempre capacidade para dialogar com quem pesquisa e faz a Educação e com as diferentes vertentes teóricas que circulam e às vezes se enfrentam no campo curricular. Como pesquisador, procurou juntar, somar – nunca subtrair – e construir parcerias com diferentes pesquisadores(as) para problematizar e revigorar o pensamento e as investigações em currículo. O viver e o trabalhar 10


desse professor pesquisador na educação produziram marcas no campo do currículo brasileiro pela sua ação problematizadora, dedicada, solidária e comprometida com a luta pela conquista da qualidade da educação em diversas frentes da ação em que se situou e se situa no cenário educacional brasileiro. Espero que tudo isso possa ser visto nas próximas páginas deste texto, na entrevista com ele realizada e que aqui se encontra e no conjunto de nove textos de sua autoria, escritos em diferentes momentos de sua trajetória acadêmica, que escolhemos para compor este livro. Os nove textos estão organizados em três partes que denominamos: (I) O crítico; (II) O político; e (III) O multiculturalista, para explicitar as frentes de ação, as perspectivas teóricas e algumas das principais preocupações desse pesquisador ao longo de sua trajetória acadêmica no campo do currículo.

Ocupar-se da tradição para lidar com os dilemas do campo do currículo Ocupar-se do já conhecido e realizado para interrogar; nunca ficar de fora; ocupar-se da tradição para encontrar outros caminhos; tradição de rever, analisar e problematizar os percursos trilhados por outros que nos deixaram as suas propostas, suas experiências e os seus escritos; tradição de educar as novas gerações e de pensar e se posicionar sobre que conhecimentos lhes ensinar. O trabalho árduo pela simplicidade foi feito pelo pesquisador Antonio Flavio sem deixar de ocupar-se da tradição, daquilo que disseram, propuseram e fizeram em currículo. Sem ficar “por fora” do legado deixado por outros que o antecederam – progressivistas, pragmatistas, tecnicistas, humanistas, liberais – e sempre se ocupando com os grandes desafios do “aqui e agora” do currículo, Antonio Flavio soube ser pesquisador híbrido, em metamorfose. Participou, assim, do jogo de receber e entregar de modo problematizado, modificando o que disseram e fizeram em currículo, como o faz um educador atento aos dilemas do seu tempo, que aceita as dores e as delícias de ser partícipe da construção da história, dos acúmulos de um campo e da luta para produzir o que ainda não existe. Híbrido porque recebeu diferentes influências teóricas ao longo da sua trajetória, constituindo um perfil diferenciado das influências recebidas. Em metamorfose porque se deixou contagiar pelos novos mapas culturais que foram se formando na contemporaneidade e que contestam os currículos existentes; porque se deixa modificar, quando, por exemplo, introduz em suas discussões e preocupações as reivindicações dos grupos culturais que lutam por representação nos currículos escolares. Híbrido é também como Antonio Flavio caracteriza o campo do currículo no primeiro texto que escolhemos para compor este livro – “A 11


constituição e os rumos iniciais dos estudos de currículo no Brasil”. Mas isso só é possível porque ele se ocupou do que já havia sido experimentado no campo. Afinal, somente se dedicando ao já dito e feito é possível interrogar o já fabricado: o campo do currículo emerge no Brasil nos anos 1920 e 1930 como cópia do que se passou nos Estados Unidos? A disciplina Currículos e Programas, ensinada nos cursos de formação de professores na década de 1970, se constituiria em cópia do tecnicismo forjado nos Estados Unidos? Há realmente total falta de autonomia no campo curricular brasileiro quando esse “novo campo” garante espaço em nossas universidades e quando as pesquisas especializadas se intensificam? As teorias e as práticas curriculares desenvolvidas no Brasil ilustrariam um caso de cópia acrítica? Se a influência norte-americana no campo do currículo no Brasil foi marcante tanto na emergência como na consolidação do discurso sobre currículo entre nós, e se isso foi anunciado nos anos 1980 por inúmeros estudiosos do campo curricular, Antonio Flavio já inicia seus trabalhos, que o fazem conhecido como um importante pesquisador em currículo no Brasil, problematizando os termos usados para falar dessa influência (ver Moreira, 1990a). Recebe e entrega modificando o recebido. Afinal, para falar dessa influência americana na emergência e na consolidação do discurso curricular brasileiro, inicialmente rejeita a metáfora da cópia e adota a categoria transferência educacional, que é por ele reconceptualizada para levar em conta tanto as interações entre os contextos culturais, políticos, sociais e institucionais dos países centrais e periféricos como as resistências, adaptações, combinações, rejeições e substituições que ocorrem no processo. Recusa-se, também, a pensar esse processo como evidência de um “neocolonialismo” ou de um “imperialismo cultural” para defender que a “recepção de um material estrangeiro implica interações e resistências” e mostrar que nossas primeiras teorizações sobre currículo constituem, de fato, combinações de diferentes ideias, tendências e interesses, mais que submissão a essa ou aquela corrente do pensamento americano. Como é pesquisador em metamorfose, conectado com as mudanças e demandas de seu tempo, na continuidade de seus trabalhos, problematiza depois a categoria transferência educacional e opera com os conceitos de hibridização e cosmopolitismo (ver Moreira, 1999, 2009a). Considera que a hibridização propicia uma melhor compreensão da conformação do campo do currículo no Brasil porque, ao resgatar a produção bibliográfica sobre currículo no país, verifica que a recepção de materiais estrangeiros entre nós envolveu trocas, leituras, confrontos e resistências, cuja intensidade e cujo potencial subversivo variaram de acordo com circunstâncias sociais, políticas e econômicas locais e internacionais. Os discursos curriculares, nesse sentido, são compreendidos 12


como resultantes de diferentes tradições e movimentos pedagógicos e como correspondendo a configurações transitórias. O currículo, por sua vez, passa a ser entendido como um híbrido, resultado de seleções de parcela da cultura mais ampla, sempre envolvendo disputas e interesses. Em seus modos de lidar com os dilemas do campo, portanto, os discursos curriculares brasileiros são, então, mapeados e analisados desde sua emergência no país como “discursos híbridos no qual discursos de origens distintas e hierarquizados de diferentes modos se desterritorializam e reterritorializam” (Moreira, 2003, p. 172). O contexto brasileiro em que esses discursos chegam, se juntam e articulam é, portanto, absolutamente central para compreendermos os significados e as funções que eles adquirem. Todo esse contexto social, econômico, político e cultural em que o campo do currículo emerge e se consolida no Brasil é detalhadamente resgatado e mapeado por Antonio Flavio em sua obra, e encontra-se uma excelente síntese desse minucioso trabalho por ele realizado no primeiro texto deste livro. É, portanto, resgatando o já dito e feito em currículo, ocupando-se da tradição e interrogando o já fabricado, que o pesquisador em currículo Antonio Flavio se torna conhecido entre nós como o precursor da vertente teórica crítica de currículo no Brasil. “O crítico” foi, desse modo, o nome dado para o primeiro conjunto de três textos que escolhemos para compor este livro. O pesquisador em currículo, que usa a tradição para construir outros percursos, é claramente crítico, de estilo simples, e passa a fazer parte de uma outra tradição: a de teóricos críticos de currículo. Ocupa-se de toda uma história construída para introduzir diferentes vertentes críticas de currículo entre nós, divulgar os conceitos produtivos para pensarmos currículos em outras bases, fazer a história da disciplina Currículos e Programas no Brasil e fazer a sua história na educação brasileira como pesquisador em currículo.

Receber e entregar subvertendo o possível no campo curricular Conquistar e reconquistar o que se herdou para rever a história do currículo; divulgar outras categorias e outros conceitos, especialmente oriundos das análises sociológicas do currículo, para proliferar outro pensamento curricular no Brasil; fazer outra coisa com o que se herdou para, mais uma vez, deixar àqueles que virão; fazer outra história com e no currículo: é isso que foi feito por Antonio Flavio e que chamo de receber e entregar subvertendo o possível. Esse pesquisador em currículo de perspectiva crítica elege definitivamente o campo do currículo como objeto de estudo em diferentes pesquisas que se 13


seguem em sua trajetória acadêmica. Sem desconsiderar aqueles(as) que o precederam – e que tanto se empenharam em escrever sobre a elaboração, a organização, o planejamento e o desenvolvimento dos currículos –, suas produções teóricas refletem influências de toda a teorização crítica em Educação e especialmente da teorização crítica em currículo. As categorias usadas em seus estudos dos anos 1980 e 1990 são aquelas usadas também em estudos críticos de currículo de diferentes países: poder, ideologia, conflitos de classe, emancipação, resistência, controle social. Sua preocupação é tornar as nossas produções curriculares mais críticas, problematizadoras e articuladas com o projeto de emancipação das classes populares. Além disso, Antonio Flavio sintetiza e divulga, em diferentes trabalhos, o modo como estudiosos importantes da Sociologia do Currículo de outros países compreendem e trabalham com esses conceitos, com o desejo explícito de “contribuir para o desenvolvimento de uma teoria crítica de currículo no Brasil” (ver Moreira, 1989, 1990a, 1990b, 1992, 1994). Cabe registrar que o curriculista crítico Antonio Flavio trabalha com currículo observando e analisando as tensões, as contradições e as convergências de perspectivas e de categorias usadas no campo. Em consonância com outros pesquisadores críticos do período, seus escritos defendem a construção de currículos que contribuam para “o desenvolvimento da consciência crítica”, da “consciência de classe”, que “favoreçam resistências” e incorporem “interesses das camadas populares”. Dialogando, portanto, com a tradição já acumulada no campo do currículo, sempre usando seu estilo simples, recebendo dos que o precederam e entregando a nós que viemos depois, e com uma perspectiva extremamente político-crítica, Antonio Flavio examina, no segundo texto escolhido para compor este livro – “Currículo e controle social” –, as teorias de controle social que permeavam as diferentes tendências do pensamento curricular. Contudo o curriculista crítico problematiza as perspectivas de controle social usadas por estudiosos de currículo subvertendo o dito e o mais comumente aceito no campo sobre o controle social no currículo. Ao trabalhar com o legado deixado por outros estudiosos críticos do currículo que associaram a emergência do campo curricular nos Estados Unidos a propósitos mais ou menos explícitos de controle social, Antonio Flavio revoluciona as discussões usuais sobre controle social e currículo e defende que “a concepção de controle social não envolve necessariamente intenções conservadoras e coercitivas e que, subjacente ao discurso curricular crítico, se encontra, e precisa encontrar-se, uma noção de controle social orientada para a emancipação e para os interesses dos setores populares” (Moreira, 1992, p. 21). A discussão feita sobre controle social é para reivindicar uma teoria crítica que inclua um redimensionamento da questão de conteúdo escolar e evidencie a 14


trama de poder envolvida na determinação unidirecional de um currículo e de um saber que são usados para reforçar desigualdades existentes. O curriculista crítico, em toda a sua produção, declara, explicitamente, sua preocupação com as grandes abstrações das teorias críticas, com sua ausência de sugestões para a prática curricular crítica e com seu pouco uso nas diferentes instâncias das políticas e práticas curriculares. É por esses e outros motivos que ele considera que a teoria curricular crítica se encontra em crise. Isso é detalhadamente discutido por Antonio Flavio no terceiro texto da primeira parte deste livro – “A configuração atual dos estudos curriculares: a crise da teoria crítica”. Mas o pesquisador em currículo, mesmo reconhecendo a crise da teoria crítica de currículo, se mantém fiel a essa corrente teórica. Mais uma vez, o minucioso resgate feito dos seus aportes, dos dilemas que a teoria crítica de currículo vivencia e de suas dificuldades teóricas e práticas é feito com o objetivo explícito de encontrar caminhos possíveis para resolver problemas dessa teoria e torná-la mais produtiva para o campo do currículo (ver Moreira, 1998). Nesse texto, escrito inicialmente para sua aula no concurso de titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Flavio explicita, uma vez mais, sua posição teórica no campo: sua perspectiva para pensar e pesquisar currículo é crítica; é nela que ele se insere; é essa teoria que ele trabalha para potencializá-la; e é ela que ele considera adequada para subverter os currículos existentes, fazendo-os trabalhar a favor da “emancipação” das classes populares. O curriculista crítico, ao resgatar os embates entre as vertentes teóricas neomarxistas e pós-modernistas no campo do currículo, aceita uma apropriação crítica do pós-modernismo desde que esse trabalho intelectual assuma “o compromisso com a emancipação” (Moreira, 1998, p. 29). As associações com as vertentes pós-modernas em uso no campo curricular só são pensadas e aceitas caso fortaleçam o compromisso com a emancipação de grupos oprimidos da sociedade. Como o próprio Antonio Flavio explicita: “importa buscar redimensionar concepções, categorias e ações de modo a associar pós-modernismo e projetos emancipatórios. Trata-se de trabalho em desenvolvimento, no qual o foco deve ser a promoção de interações, para que os elementos críticos das duas tradições se reforcem mutuamente” (Moreira, 1998, p. 29). Isso tudo é pensado, claramente, então, para tirar a teoria crítica de currículo do seu estado de crise, que ele tão bem caracteriza e analisa. Nesse sentido, a intensificação da preocupação com a prática curricular, caracterizada como “o motor da inovação”, é apresentada como uma importante contribuição para a superação da crise da teoria crítica de currículo. Antonio Flavio esclarece que teorizar sobre currículo implica teorizar sobre 15


a prática escolar, o que “não precisa se reduzir à prescrição”, podendo “configurar-se em uma abordagem contextualizada”. Suas sugestões para os(as) pesquisadores(as) em currículo são claras: desenvolvimento de investigações da prática curricular, em diferentes espaços, de modo a favorecer a renovação da prática e promover o avanço da teoria; participação na elaboração de políticas públicas de currículo; acompanhamento da implementação de propostas curriculares e realização de estudos nas escolas que avaliem essa implementação (ver Moreira, 1998). O pesquisador em currículo – que é claramente crítico e simples, que sabe receber e entregar, conquistar e reconquistar e rever o que herdou, subvertendo o possível – deixa-nos, então, um legado: é importante continuar compreendendo o currículo como uma construção social! É necessário não perder de vista as complexas conexões entre currículo, cultura e poder! As teorias curriculares não podem perder de vista as análises das práticas curriculares nem mesmo os projetos de emancipação! É necessário trabalhar para politizar radicalmente o currículo e fazê-lo trabalhar contra a exclusão e a reprodução de privilégios! Legado importante esse deixado por Antonio Flavio. Contudo, cabe a nós, curriculistas, que herdamos esse legado, sabermos receber e, mais uma vez, entregar aos que virão de modo transformado, levando sempre em consideração os desafios curriculares e educacionais do tempo em que vivemos, como o próprio Antonio Flavio soube fazer.

Desaprender o aprendido, transgredir o existente e fazer outras políticas de currículo Politizar radicalmente o currículo, a Pedagogia, a Educação; desconfiar das explicações, dos métodos e dos projetos tradicionalmente aceitos; examinar as relações entre currículo e a estrutura de poder na sociedade mais ampla; ter clareza da função política que um currículo exerce e pode exercer em uma sociedade; suspeitar de todas as propostas de currículos feitas “em gabinetes fechados”, sem a participação daqueles(as) que verdadeiramente lidam com as práticas pedagógicas; abrir possibilidades para a construção de propostas curriculares informadas por interesses emancipatórios; fazê-lo trabalhar a favor das lutas contra as desigualdades sociais; tornar o currículo sempre e cada vez mais político: foi necessário que Antonio Flávio se ocupasse do aprendido e do já existente em currículo, entendendo e analisando suas propostas de educação das novas gerações, para que, como pesquisador crítico-político, pudesse escolher adequadamente as suas ferramentas teóricas a fim de politizar o currículo e transgredir o existente. Denominamos “O político” o segundo conjunto composto de outros três textos exatamente porque sintetiza essa preocupação do pesquisador 16


Antonio Flavio em politizar radicalmente o currículo ao mesmo tempo que passa a analisar as políticas curriculares brasileiras. Os efeitos dessa politização podem ser vistos em suas análises críticas das políticas curriculares – tanto as oficiais como as chamadas alternativas –, nas discussões feitas sobre os resultados políticos e culturais do processo de internacionalização do campo e nas relações que estabelece em seus estudos entre essas políticas de currículo e as práticas curriculares das escolas brasileiras. Nas análises das políticas de currículo que encontramos no conjunto da obra de Antonio Flavio, há discussões tanto do processo de elaboração como dos próprios textos oriundos dessas políticas e também dos efeitos dessas políticas nos currículos das escolas (ver Moreira, 1996, 2006, 2007, 2008, 2009a, 2009b). Nesses estudos, o professor pesquisador se manifesta crítico contundente das políticas de currículo nacional, de avaliação nacional e das reformas curriculares empreendidas por governos neoliberais (ver Moreira, 1995a, 1995b, 1996). Dentre sua produção sobre essa temática, escolhemos dois artigos que consideramos exemplares das análises efetuadas sobre as políticas curriculares: “Os Parâmetros Curriculares Nacionais em questão” – quarto texto deste livro – e “Propostas curriculares alternativas: limites e avanços” – quinto texto. O último texto da segunda parte, sexto texto escolhido para compor este livro – “Estudos de currículo: avanços e desafios no processo de internacionalização” –, movimenta-se politicamente sobre o campo do currículo discutindo o processo de internacionalização e seus efeitos para o campo curricular brasileiro. As análises críticas das reformas curriculares realizadas por Antonio Flavio são trabalhos de grande importância para o campo curricular brasileiro. Afinal, ele foi testemunha de todo o processo de construção dessas políticas naquele momento histórico e, além disso, analisou propostas curriculares oficiais e alternativas empreendidas no Brasil em diferentes momentos: nos anos 1980, após a abertura política; no início dos anos 1990, quando diferentes municípios e alguns estados brasileiros resolveram elaborar propostas curriculares alternativas; e no final dos anos 1990, quando foram definidos, elaborados e implementados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) brasileiros. No quarto texto deste livro, portanto, o pesquisador analisa o processo de definição e elaboração dos PCN para o ensino fundamental, ocorrido no governo do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, antes mesmo de sua divulgação oficial em outubro de 1997 (ver Moreira, 1996). Nesse trabalho são sistematizadas as principais críticas feitas, por diferentes estudiosos, ao processo de definição de Currículo Nacional ocorrido em outros países, especialmente na Inglaterra e na Espanha, a fim de encontrar subsídios para pensar os possíveis efeitos de um currículo 17


nacional no Brasil. Analisam-se também a concepção e a elaboração desses Parâmetros, assim como o enfoque de multiculturalismo que informa os PCN. Além disso, há uma defesa explícita feita pelo curriculista crítico-político de que se valorizem e se considerem, no currículo escolar, as expressões e as vivências dos grupos oprimidos, que são desconsideradas nos PCN por ele analisados. O curriculista crítico-político toma partido pela construção de currículos mais locais e com a maior participação de professores(as) e pesquisadores(as). A convocação dos(as) professores(as) das escolas para resistirem à instituição de um Currículo Nacional no Brasil é feita explicitamente, ainda que antecipasse as dificuldades que todos(as) nós enfrentaríamos nessa resistência. Afinal, como Antonio Flavio previa e anunciava, tal política viria acompanhada de várias outras políticas e medidas que objetivariam assegurar a implementação dos PCN nas escolas, tais como: avaliação nacional, livros didáticos, materiais de apoio, formação dos docentes a distância, etc. (ver Moreira, 1996).Trabalhos como esse de Antonio Flavio nos possibilitaram ferramentas críticas de análise do que vinha ocorrendo em nosso país, ao se instituir uma política curricular oficial para a nação. Podemos aprender com as críticas feitas por curriculistas de outros países e ficar mais atentos(as) àquilo que se estava instituindo entre nós. Ainda hoje esse trabalho é uma das poucas referências que temos, no campo do currículo, para conhecermos como se deu o processo de elaboração dos PCN no Brasil. Trata-se, portanto, de referência importante para todos(as) aqueles(as) que ficam com a tarefa de continuar transgredindo no intuito de construir outras políticas curriculares. No quinto texto escolhido para este livro, a análise crítica recai sobre as propostas curriculares que o pesquisador considera terem caminhado “na contramão do discurso oficial hegemônico”, desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990, em alguns estados e municípios brasileiros. São analisadas tanto as propostas curriculares elaboradas nos estados de Minas Gerais e São Paulo, nos anos 1980, como aquelas realizadas nos municípios de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, nos anos 1990. Resgatam-se, na análise, as opções teóricas que subjazem a essas propostas e os enfrentamentos políticos, culturais, sociais e pedagógicos que estas se propõem a encarar. Encontramos nesse texto uma das poucas análises de um conjunto de propostas curriculares chamadas “alternativas” no campo do currículo brasileiro. Trata-se, portanto, de mais uma importante referência ao campo curricular no Brasil e àqueles(as) que desejam subsídios para compreender os processos de produção dessas políticas curriculares. Trata-se de contribuição significativa para a análise das estratégias adotadas em cada uma dessas propostas, das preferências, dos focos, dos acertos ou erros dessas propostas de 18


currículo produzidas nos anos 1980 e 1990 no Brasil. As reformas curriculares estudadas são, nesse seu trabalho, caracterizadas, comparadas e analisadas, destacando suas conquistas e enfatizando as alternativas que, na perspectiva do autor, são possíveis, desejáveis e merecedoras de divulgação e estudo. Esse trabalho de análise dessas reformas alternativas é feito devido ao fato de o pesquisador em currículo Antonio Flavio, crítico-político, explicitar que faz parte de um grupo de pesquisadores em currículo que estão convictos de que outras experiências, diferentes das reformulações curriculares oficiais realizadas em diversos países sob a ótica neoliberal, são possíveis. Considera também que, em muitos países, educadores críticos têm buscado maneiras de enfrentar as dificuldades e “praticar suas convicções democráticas”, seja na construção de outras políticas de currículo, seja na construção de práticas curriculares inovadoras. Para ele, é tarefa importante das pesquisas críticas em currículo estudar e dar visibilidade a essas propostas alternativas. Assim, nesse seu estudo das propostas curriculares alternativas, Antonio Flavio destaca os aspectos referentes ao caráter “claramente político das reformas examinadas”. Afinal, considera que há um esforço nessas reformas, “por atenuar as dificuldades sofridas pelas camadas mais desfavorecidas da população, dentre as quais se inclui a vivência de uma escola ainda pouco democrática” (Moreira, 2000, p. 112). Exatamente por isso, sua análise é feita em uma direção oposta àqueles estudos curriculares que consideram existir muitas similaridades entre as propostas alternativas e as propostas oficiais de currículo produzidas no Brasil nos anos 1990 (ver Corazza, 2001). Para ele, perspectivas desse tipo secundarizam as “expressivas diferenças envolvidas nas condições de produção dos dois discursos e nos fins sociais e políticos que as norteiam” (Moreira, 2000, p. 110). Outra frente de análise que considero de grande importância nesse estudo das reformas alternativas dos anos 1980 e 1990, introduzida por Antonio Flavio, é a explicitação das tendências pedagógicas que ampararam essas reformas – a proposta de educação popular de Paulo Freire e a pedagogia críticosocial dos conteúdos de Dermeval Saviani –, assim como das divergências dessas propostas em seus modos de lidar com o conhecimento escolar. As duas tendências que subsidiaram essas propostas curriculares, ainda que “concordando com a necessidade de se teorizar a partir da situação específica da realidade educacional brasileira, bem como com a urgência de se construir uma escola de qualidade para os alunos das classes populares”, divergiam radicalmente “em relação ao conteúdo a ser ensinado nessa escola” (Moreira, 2000, p. 111). Antonio Flavio traz, assim, mais uma importante contribuição para o campo ao explicitar como essas propostas curriculares alternativas lidaram 19


com as culturas populares quando se empenharam em realizar todo esse movimento de renovação curricular. Aliás, a questão de como lidar com a cultura popular nos currículos escolares perpassa toda a obra do pesquisador em currículo Antonio Flavio. Trata-se de um tema frequente e polêmico que já foi objeto de discussões e debates contundentes no campo curricular brasileiro (Paraíso, 1994). Foi tema dos debates realizados nos anos 1980 entre os adeptos da proposta de educação popular de Paulo Freire e os adeptos da pedagogia crítico-social dos conteúdos de Dermeval Saviani. Esse debate; e suas implicações para o currículo, foi resgatado com maestria pelo próprio Antonio Flavio em sua obra (ver Moreira, 1990), que defende explicitamente “a necessidade de se abrir espaço nas escolas para a cultura popular”. Mas ele mesmo explicita que “não deseja romantizar a cultura popular, nem fazer dela o único conteúdo do currículo”. A escola precisa “criticá-la, para que seus aspectos restritivos e repressivos sejam superados, assim como precisa identificar e eliminar os componentes ideológicos que têm tornado o saber dominante um instrumento de manutenção de privilégios” (Moreira, 1992, p. 23). Quando Antonio Flavio discute o processo de internacionalização dos estudos de currículo – o que pode ser visto no sexto texto deste livro –, a perspectiva é, também, claramente crítico-política. Afinal, ele explicita que estuda a internacionalização do campo porque acredita que isso pode contribuir para sua maior sofisticação teórica, assim como para “consolidar o compromisso dos pesquisadores com justiça social”. Embora reafirme que a recepção de material estrangeiro no Brasil envolveu sempre “trocas, leituras, confrontos e resistências”, considera necessário analisar como se têm dado as trocas culturais no contato com a produção científica de outros países. Isso porque acredita ser de grande importância que, nesses intercâmbios que temos feito, cada vez de modo mais contundente, nós, pesquisadores(as) em currículo, preservemos nossa autonomia e capacidade crítica, “de modo a evitar absorções apressadas de teorias e de idéias estranhas aos propósitos e aos interesses locais e específicos” (Moreira, 2009a, p. 369). Antonio Flavio problematiza o processo de hibridização vivenciado no campo curricular no atual momento histórico em que “diferentes discursos têm sido incorporados, em certas situações, com grande velocidade, o que acaba por provocar a perda de seus marcadores originais”. A apropriação de reformas curriculares estrangeiras, pautada pela absorção de variadas influências, é citada como exemplo dessa dinâmica. Esse processo, para o autor, “diluiu as características dos contextos originais, disseminando-as em uma profusão de textos cujas fontes deixaram de ser reconhecíveis”. Por isso é que o autor considera que “não faz sentido partir do pressuposto de que as trocas culturais se inspiram sempre por posturas como tolerância e 20


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