Revista Leetra Indígena volume 2

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permanecerão puros. Ignoram com isso, toda a experiência que esses povos têm em comércio, economia e diplomacia desde tempos imemoriais no con nente hoje chamado A m e r i c a n o . Parece mais um aliviar de consciência, dos que introjetam a culpa por alguém ter roubado a terra dos “índios” e criado a cidade onde moram e os bens de consumo de que usufruem diariamente. Notamos isso claramente quando descobrem que certos autores indígenas são cristãos ou foram morar na cidade, pois é aí que essas pessoas passam a ter certeza de que não são mais indígenas. Mesmo que tenham con nuado a defender suas culturas tradicionais, apesar de todo histórico de contato entre seus povos e a sociedade nãoindígena. Todos esses equívocos geram um outro fenômeno que a filósofa Ayn Rand⁴ chamou de “ataque às habilidades”. Esses “índios” são atacados, não por serem incompetentes no que fazem e, sim, pelo contrário disso. Por terem sido bem sucedidos junto à sociedade não-indígena, sem depender de movimentos sociais, ONGs indigenistas, FUNAI, etc. Talvez exista aí uma tenta va de fazer parecer que esse indígena bem sucedido na carreira ar s ca é necessariamente descompromissado com seu povo de origem. Elegem, então, a figura do índio espiritual e a vista, como a mais aceitável. Mesmo que essa visão, também, seja consequência de conceitos polí cos externos impostos às culturas indígenas. Em meados dos anos 1980 para cá, surgiram escritores indígenas trazendo um jeito próprio de fazer literatura, indo além da car lha escolar diferenciada. Inauguraram então a chamada “literatura indígena”. Apoiados no conceito de “oralitura” se apropriaram da linguagem escrita para jus ficar a criação de uma literatura local que representasse suas tradições, e os modos de ser indígena. Criando uma representação esté ca da resistência desses povos. Estabeleceram, através desse meio, um diálogo direto com o não-indígena, sem necessidade de intermediários. Não demorou para que outros indígenas percebessem que aquele objeto, o livro, poderia ser mais um aliado na garan a da con nuidade dos saberes tradicionais indígenas. Graças a essa linguagem comum que é a literatura hoje podemos ter um contato mais próximo com a formapensamento de diferentes sociedades indígenas, não mais exclusivamente pelos trabalhos acadêmicos ou de romances não-indígenas. E sem a necessidade de irmos em todas as aldeias dos mais de 250 povos indígenas brasileiros, para termos uma ideia sobre o que é ser “índio”. Numa conversa informal no stand do NEARIN, indaguei ao escritor Roni Wasiry, do povo Maraguá, se ele não ficava irritado com tantas projeções errôneas sobre o ser indígena. Falei de pessoas que muitas vezes não conseguiam pronunciar seu nome, mas que acreditavam saber quem ele é, só por se tratar de um “índio”. Ele me respondeu mais ou menos assim: - Meu avô me ensinou que os “brancos” querem tudo pra eles, pegam e guardam pra si, ao contrário do indígena que simplesmente deixa as coisas passar, sem reter, sem apegos. Entendi, com isso, o porquê de nunca brigarem, mas sempre brincarem com o público quando percebiam essa fragilidade. Como no caso daqueles que vão ao stand só para pedir aos “índios” que lhes façam 4. Ayn Rand, nascida Alissa Zinovievna Rosenbaum, (São Petersburgo, 2 de Fevereiro de 1905 – Nova Iorque, 6 de Março de 1982) foi uma escritora, dramaturga, roteirista e controversa filósofa norte-americana de origem judaico-russa, mais conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo. (nota do editor) Rev. LEETRA Indígena São Carlos-SP v. 1 n. 1 2012

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