a preservação do patrimônio cultural indígena através da
| EPTC | 02.2022
Lorena Grechi Freitas
TRABALHO DE CONCLUSÃO
ORIENTADOR DIOGO RIBEIRO CARVALHO POR LORENA GRECHI FREITAS ARQUITETURA E URBANISMO PUC MINAS | PRAÇA DA LIBERDADE 02.2022
ESTUDOS PREPARATÓRIOS DO
DO CURSO PROFESSOR
As ilustrações desta revista são de autoria pessoal
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SUMÁRIO
IN TRODUÇÃO 07
APRESENTAÇÃO E OBJETIVOS 12 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. O turismo e a gentrificação 14
2. A Ecologia Profunda e a Arquitetura dos Trópicos 19 3. Vidas indígenas e a vernacularidade
3.1. A arquitetura vernacular 25 3.2. Os modos de vida indígena 27 3.3. Pataxó tem arquitetura vernacular? 31 4. A relação com a memória 33 CONTEXTUALIZAÇÕES HISTÓRICAS E CULTURAIS
1. Dimensão histórico-cultural
1.1. A história anterior à constituição de 1988 38 1.2. O fogo de 51 42 1.3. A redelimitação das áreas tombadas 44 1.4. Ecoturismo e desenvolvimento das cidades 46
2. Dinâmicas socio-culturais
2.2. O caso da reserva da Jaqueira 48 2.3. Os modos de vida sazonais 50
3. Dimensão físico-natural 52 ESTUDOS DE CASO
1. A Green School e sua relação com a IBUKU 57
2. Pavilhão The Arc para Green School IBUKU 60 3. Centro Cultural indígena Txondaros Tekoa Mbaé 63
MEMORIAL PATAXÓ
1. Localização 68 2. Morfologia do terreno 70 3. O projeto 72 4. Interesses sociais, econômicos e culturais 73 76DIRETRIZES 76 REFERÊNCIAS
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[Figura 1]
Ilustração de autoria pessoal, relei tura da obra 'flechas indígenas' de Jean Baptiste-Debret.
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“Antes que os homens aqui pisassem Nas ricas e férteis terraes brazilis Que eram povoadas e amadas por milhões de índios Reais donos felizes
Da terra do pau-brasil Pois todo dia, toda hora era dia de índio Mas agora eles só têm um dia O dia 19 de abril”
- Curumim chama Cunhatã que eu vou contar (todo dia era dia de índio), Jorge Ben Jor, 1982.
INTRODUÇÃO
Introdução
Em 1981, o regime militar brasileiro, notório pela repressão, opressão e tortura de artistas que tivessem o cunho de ir contra o sistema autoritário imposto em toda a nação desde 1964, o hescritor e compositor Jorge Ben Jor escreveu, cantou e criticou a glorificação da invasão europeia e a dizimação de diversas etnias indí genas. Não fosse o constante silenciamento militar, a letra possivelmente possui ria críticas mais duras à falta de proteção nacional à liberdade das diversas expres sões culturais indígenas. Em um período que antecede a criação da Constituição de 1988, muitas culturas, línguas e territórios foram perdidos em prol de um cresci mento econômico e imobiliário desenfreado de uma nova nação, fato criticado pelo cantor ao escancarar a mistificação do ‘bom selvagem’, da glorificação do homem europeu ao chegar à nova terra, anteriormente ocupada por um povo cujos modos de vida contrastavam o fanatismo religioso romano do colonizador português. No extremo sul da Bahia, a glorificação deu lugar a um modo de vida modernizado após a chegada da BR-101, em 1973. O constante crescimento econô mico e turístico da cidade de Porto Seguro forçou a cidade a um fenômeno socio lógico intenso, na qual diversas comunidades se viram forçadas a encontrar novos métodos de sobrevivência. Neste estudo, tratamos da memória e do patrimônio cultural indígena Pataxó, etnia com características muito distintas, que possibili taram sua permanência nos espaços físicos de Porto Seguro, lutando diariamente contra o esquecimento e contra sua própria mistificação, idealizada por estrangeiros através dos olhares perpetuados por séculos pelos colonizadores portugueses.
Aqui, trataremos dos diversos acontecimentos, de documentos históricos, de datas e sistemas que influenciaram diversos povos a de dispersarem pela aclamada Costa do Descobrimento, das transformações que atingiram locais específicos e marcantes dessa área, e das dores que uma simples data pode trazer às comuni dades nativas. Tratemos, portanto, de estudar a historicidade e elementos turísti cos que compõem a paisagem do litoral baiano, das diversidades culturais e arqui tetônicas que se fazem presentes de maneira avassaladora, atropelando princípios e afetividades à terra.
[Figura 2]
Abrigos indígenas, Jean Baptiste -Debret. Fonte: raphelfonseca.net
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APRESENTAÇÃO
E OBJETIVOS
[Figura 3]
Foto da orla norte de Porto Seguro, Bahia, 2022. Acervo pessoal.
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APRESENTAÇÃO E OBJETIVOS
Difícil expressar, pensando em cronologia, onde e quando o interesse no estudo pelo patrimônio cultural teve início. Fato explícito é que, como natural do Extremo Sul da Bahia, encontrava-me constantemente em um embate social por presenciar a realidade de diversas comunidades artesãs e indígenas que estão distribuídas ao longo dos distritos de Porto Seguro no cotidiano em minha infância e adolescência vividas na região. É inevitável, no meu caso, que meu interesse esti vesse voltado às causas sociais indígenas por nunca enxergar o mal que faziam ao meio ambiente e à sociedade, como diversas vezes ouvi de pessoas ao meu redor.
Felizmente, tive oportunidade de experienciar outras vivências, acesso à informação de diversas áreas antropológicas, sobretudo arquitetônicas, que me forçaram a voltar o olhar crítico para o crescimento econômico, turístico e social da minha terra natal. Ao longo dos estudos, encontrei no patrimônio histórico grande fonte de inspiração, além de duras críticas e ensinamentos dentro da lógica arqui tetônica, mas também à forma como o patrimônio histórico e cultural é tratado no interior da Bahia. Ao me deparar com a proximidade da conclusão do curso, pensei em trazer à tona toda a minha visão sobre o estado do patrimônio histórico e cultu ral de Porto Seguro, sobretudo, da perda de identidade indígena Pataxó a favor do surgimento do ecoturismo, glorificação de um passado colonizador a tratar do estigma do ‘bom selvagem’ relatado pelo colono português, ainda muito presente atualmente.
Ao presenciar Porto Seguro hoje, é possível encontrar diversos pontos turís ticos, além de uma arquitetura de espetáculo projetada somente para os olhos dos não-nativos. Uma nova paginação e um descuido para com a arquitetura edificada existente nos centros históricos e na famosa Passarela do Álcool acarreta a inda gação do que mais possa se estar escondendo sob o pretexto da economia turís tica pela qual a cidade e seus distritos reforçam ao longo das décadas. A reserva da Jaqueira, em Coroa Vermelha, e o Parque Nacional do Monte Pascoal foram os pontapés iniciais para uma caracterização do que posso chamar de ‘roubo cultural’, ainda que indiretamente, presentes na região. Ao olho treinado, é possível enxer gar os limites imaginários entre os povos nativos e moradores locais, sendo palpá vel a presença da prefeitura municipal no momento de comercializar uma cultura fragilizada pela constante espetacularização de um povo – sendo deste estudo, a cultura Pataxó.
Estudando mais profundamente a história e o processo colonizador, é possí vel compreender os processos que acarretam os modos de vida do povo indígena hoje, pelos quais são forçados a conviver sob regime capitalista em terras nem sempre delimitadas. Eles, que são povos originalmente nômades, vêem-se obriga dos a sedentarizar seu modo de vida e comercializar o que restou de suas culturas em espaços irregulares e informais, sendo constantemente expulsos pelos órgãos municipais por incitar desordem. Posteriormente, será explicado como os proces sos de comercialização da sua cultura não necessariamente se fizeram por decisão própria, mas talvez por uma coerção invisível de uma economia voltada à captação
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turística em Porto Seguro e seus distritos.
O processo civilizatório no extremo sul da Bahia desencadeou uma série de eventos que culminaram na formação de uma sociedade hostil e baseada nos ideais europeus, desconsiderando os ideais pré-existentes ao não se dar a devida compreensão de seus modos de vida. Muito foi herdado de sua cultura original, como condimentos, banhos diários, ervas, culinária e conhecimentos da natureza tropical local, entretanto, ao longo dos séculos, deu-se a preferência à hierarquia europeia lusitana, e, posteriormente, ao capitalismo exacerbado. Eventos como o ‘Fogo de 51’ podem ser considerados cruciais para o processo de estabelecimento de novas terras indígenas em locais afastados de sua matriz original, além de dar cabo ao início de outros processos característicos da posição atual das comunida des Pataxó e Pataxó Hãhãhãe, que se encontram espalhados em diferentes partes da Costa do Descobrimento.
Todo um contexto histórico e territorial de Porto Seguro traz uma problemá tica extensa sobre o turismo incidente no Extremo Sul, sobretudo da comercializa ção velada dos povos indígenas, fazendo-se fachada para os problemas presentes na sociedade ao buscar reduzir territorialmente a única forma hoje presente de unifica ção de culturas; seria esta a Reserva da Jaqueira, longe dos pontos focais turísticos e pouco anunciado para o público da região. Já que não é de interesse econômico da cidade aproveitar de sua cultura nativa, faz-se somente o uso de sua imagem para que se transmita uma mensagem de uma cidade acolhedora às causas indígenas.
Dessa forma, o tema deste estudo propõe a analisar algumas das caracte rísticas que culminaram no extermínio parcial da cultura indígena Pataxó, além de assimilar fatores econômicos, sociais e de gentrificação que causaram a migração das etnias indígenas a partir de sua Matriz aldeada em meados de 1861 no Monte Pascoal para os demais distritos de Porto Seguro e região. A princípio, traz-se um estudo antropológico do histórico dos povoamentos, da maneira como se deu a migração das etnias indígenas para o centro turístico de Porto Seguro, e um breve estudo sobre a configuração da cidade, mostrando como efeitos de gentrificação e turismo afetam povos nativos.
O objetivo, por certo, é a recuperação da memória cultural, quando possí vel, através da instalação de um Memorial Pataxó dentro da rota turística, mas ao mesmo tempo, dentro das imediações de uma das reservas indígenas, para que haja uma tentativa real de manutenção da identidade há muito perdida. A ideia é incor porar os valores da arquitetura indígena e contemporânea em um espaço sustentá vel, que possa vir ou não a atrair certo grau turístico, mas cuja iniciativa é retomar o espaço para atividades culturais voltadas às necessidades dos indígenas Pataxó.
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[Figura 3] Monte Pascoal, Porto Seguro, BA, 1970. Foto: acervo IPHAN.
[Figura 4] Rua do centro Histórico, Porto Segu ro, BA, 2022. Foto: acervo pessoal.
[Figura 5] Lateral da igreja do centro Histórico, Porto Seguro, BA, 2022. Foto: acervo pessoal.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA CAPÍTULO. 01
FU NDAM ENTAÇÃO TEÓRICA 1. O TURISMO E A GENTRIFICAÇÃO
“(...) a cidade é “a tentativa mais consistente e, em geral, a mais bem sucedida, do homem de refazer do mundo em que vive segundo os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é o mundo no qual ele está condenado a viver. Assim, indireta mente, e sem qualquer noção clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem se refez.” (PARKER, 1967 apud HARVEY, 2008, p. 272, tradução da autora).
Investigar processos sociais, sejam eles formais ou informais, comumente impli cam na observação dos fenômenos que se fazem presentes ao longo do crescimento urbano de uma cidade. Mas o que seria a cidade senão a formação de uma entidade que reúne os interesses de seus habitantes? Se considerarmos que o direito à cidade é mais do que um acesso aos recursos que a cidade oferece, podemos concordar que Harvey (2008) e Parker (1967) estão certos ao afirmar que a cidade também incor pora o direito de mudar a cidade e a nós mesmos. No lugar do direito individual encontra-se o direito coletivo, pois a cidade depende do coletivo para mudar seus processos de vida.
Segundo Harvey (2008), a liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as cidades é um dos direitos mais negligenciados dos nossos direitos humanos. Na realidade, o que de fato acontece é a reivindicação do individual a favor do cole tivo. Harvey afirma que a urbanização é um fenômeno de classe, e que, desde suas origens, as cidades surgem através da geografia e da concentração social de produ tos excedentes. Isso significa que algo foi extraído de um local e/ou de alguém, normalmente de povos já oprimidos. Em termos capitalistas, explica-se que há um investimento do capital produzido ao longo do dia de modo a produzir mais exce dentes. No capitalismo predatório, há uma necessidade de se comprar uma terra rentável para que haja mais produção. Digamos que haja uma escassez de mão de obra ou que haja um aumento significativo dos custos de produção; as possibili dades para que se atinja o mesmo resultado se dão na procura de novas forças de trabalho (geralmente acompanhadas da imigração) ou novos meios de produção, resultando na procura, também, dos recursos naturais. Isso implica uma pressão crescente no meio ambiente para que se consiga a matéria-prima desejada. Agora, digamos que não há poder de compra suficiente no mercado no cená rio citado para que consiga se manter o capital excedente através de investimen tos. O que acontece é a conseguinte expansão mercadológica, ou seja, a busca por um novo meio de produção que seja favorável ao crescimento econômico do capi tal existente. Passa-se a promover novos produtos, novos estilos de vida, criando um sistema de crédito e financiamento de débitos pelo estado e empresas privadas. Mas, se o lucro do novo empreendimento é baixo, passa a ser instaurado a mono polização (fusões e novas aquisições) que oferecem uma saída emergencial do capi tal investido. Em uma crise como essa, quando o acúmulo do capital é bloqueado,
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[Figura 6] (esquerda)
Passarela do Álcool, 1970. Foto e reprodução: Acervo IPHAN. Inter venção da autora.
[Figura 7] (direita)
Passarela do Álcool, 2022. Foto e intervenção: acervo pessoal.
quem primeiro sofre é a mão de obra através da desvalorização da força de traba lho e desemprego em massa.
Nesse processo de urbanização, há transformações de estilo de vida que dependem dos fatores citados anteriormente. A qualidade de vida urbana passa a ser tratada como um ‘commodity’ (Harvey, 2008), estando atrelado ao capital. O consumismo e o turismo, além das indústrias culturais, se transformam em aspec tos importantes para o desenvolvimento da política econômica urbana. Aqui começa o que se conhece popularmente como processo de gentrificação; a insta lação de shopping malls, redes de fast food e mercados artesanais passam a domi nar o mercado interno das cidades. Como consequência, a identidade urbana vai se perdendo, e conceitos como cidadania e senso de pertencimento são questionados e constantemente ameaçados pela proliferação da ética neoliberal.
O que Harvey descreve como ‘destruição criativa’ pode ser explicado pelos processos de urbanização iniciados por Haussman nas transformações de Paris durante o Segundo Império; ele aproveitou dos ideais de embelezamento das cida des para justificar a destruição das favelas, cortiços e bordéis no centro de Paris usando os poderes de expropriação e alegando que tal ação serviria para benefí cio público, fazendo-o em nome da renovação da cidade. Deliberadamente, Hauss man promoveu a remoção de boa parte da classe trabalhadora do Centro de Paris, afirmando que eram considerados uma ameaça à ordem pública e ao poder polí tico. Ainda hoje, é assim que se fazem propostas progressivas de direitos de proprie dade privada às populações, oferecendo-lhes bens que os permitirão sair da linha da pobreza (Harvey, 2008). O grande problema é que a classe trabalhadora, ou a classe de renda baixa, é facilmente persuadida a vender sua terra, sua casa, por um valor em dinheiro normalmente muito mais abaixo do valor de mercado, já que necessi tam desse dinheiro para sobreviver.
À medida que o turismo brasileiro cresce, assim também se faz os interes ses políticos em renovar as infraestruturas das cidades litorâneas para que atraiam mais investimento e promovam crescimento econômico. Embora a ideia principal possa não sugerir uma má conduta, projetos de revitalização e incentivo ao turismo são ameaças constantes em cidades do Extremo Sul da Bahia, sobretudo, em Porto Seguro e seus demais distritos. Enquanto se qualifica como uma forma de gentrifi cação, o boom de crescimento de Porto Seguro se deu a partir da década de 1950, tendo atingido seu maior potencial a partir de 1954 com a instalação e consequente finalização da construção da BR-101 em 1976. Os processos de crescimento turís tico e econômico de Porto Seguro tiveram uma exploração política que culminou na
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modificação dos métodos de sobrevivência e uma consequente ‘morte’ indireta de uma cultura há muito desvalorizada por sua própria nação, aquela da etnia Pataxó, presente no entorno do litoral baiano, assim como nos arredores do Parque Nacio nal do Monte Pascoal e algumas cidades do Norte de Minas Gerais.
Tendo-se em destaque a importância econômica que o Extremo Sul da Bahia traz para a nação em termos turísticos, é impossível não se distrair pela natureza exótica, praias paradisíacas e a receptividade dos baianos para com os turistas. Fora do espectro turístico, muitos são os problemas velados pela constante guerra imobiliária e ocupação de fazendas por indígenas, da constante desigualdade social entre os seus e, sobretudo, do estereótipo de um povo ‘preguiçoso’, submetido à ‘turistificação’ de seu estado natal, perdendo grande parte de sua história e cultura, fazendo-se do que restou comércio para que se tenha um método de sobrevivên cia, ainda que hostil.
Em paralelo com o que foi muito discutido por Harvey, o capitalismo atingiu o extremo sul da Bahia de maneira muito eficaz: a construção da rodovia BR-101 possibilitou uma visão etnriquecedora, promovendo aos bancos e investidores a possibilidade de construção de um paraíso litorâneo. Os processos que envol vem a criação e crescimento de Porto Seguro e de seus distritos muito vem, assim como Haussman fez em Paris, das políticas de embelezamento das cidades histó ricas brasileiras. Segundo documentos do IPHAN (1992) até poucos anos após 1900, Porto Seguro contava com menos de 10.000 habitantes, com diversas cons truções datadas de 1600 adiante. Com o desejo de trazer maior influxo econô mico, o Governo brasileiro auxiliou o financiamento ao restauro e à proteção das cidades que possuíssem qualquer valor histórico, com o intuito de atrair um polo turístico para a nação brasileira. Porto Seguro, cuja beleza natural surpreende, foi um dos alvos dessas políticas ao longo dos anos, surgindo com maior intensidade após 1980, quando a rodovia terminou de ser construída. Viu-se o grande potencial turístico que a cidade possuía, e, assim, passou-se a investir em diferentes formas de apropriação do espaço existente.
Ainda com muitas características das cidades coloniais até meados do século XXI, pouco a pouco a cidade foi tomando forma: investimentos públicos, vindas de transnacionais, grandes supermercados, lojas varejistas, construção de resorts. A orla foi tomada por grandes redes hoteleiras, e viu-se a necessidade de proteção às restingas, mangues e remanescentes da mata atlântica somente recentemente, no passar das últimas décadas. Vale citar que a cidade é um grande sítio arqueoló gico, contando com diversas áreas com tombamento pelo IPHAN ou órgãos munici pais, cujas leis de proteção buscam impedir a construção às proximidades das áreas tombadas, além de tentar proteger os monumentos presentes contra a danificação ao longo do tempo.
Pensando no método capitalista, a cidade se construiu com base nos mesmos fundamentos explicados por Harvey (2008), onde houve um crescimento exponen cial mercadológico no litoral baiano, permitindo que o capital excedente pudesse ser investido em uma nova forma, no caso, o turismo, que permitia sua renovação
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anual em períodos de alta e baixa temporada, normalmente aos finais de ano e nos reces sos escolares de junho e julho. Isso permitiu que a cidade voltasse completamente para o turismo e suas ascensões e, com o passar dos anos, novas formas de exploração foram surgindo. Antes de citar novas tipologias de exploração, é importante fazer o paralelo do novo meio de produção instaurado pelo capitalismo turístico e a compra de terras e invasão de áreas de preservação destinadas às reservas indígenas. Com o crescimento eminente da cidade, o valor comercial dos terrenos e aluguéis aumentaram incontrolavel mente, coagindo os habitantes locais a recuarem para as áreas mais distantes do comércio fervoroso do centro, agora modificado pelas políticas de embelezamento com a criação de novas avenidas e modos de apropriação, além de danificar o modo de vida preexis tente. Agora, Porto Seguro passa a vender a imagem e a fantasia de um lugar paradisíaco, com um estilo de vida litorâneo e boêmio, distante da realidade por trás dos comercian tes locais.
Por conta dessas políticas, o centro comercial passou por uma grande transição física, a ser discutido posteriormente, mas que impactou economicamente os moradores, elevando os valores dos imóveis e dando preferência às lojas comerciais que influenciam o turismo regional. Um aspecto interessante do crescimento da cidade em si é perceber as alocações territoriais dos povoamentos em geral desde os primórdios da colonização europeia, notando os fatores que eram utilizados para o parcelamento do novo territó rio. Documentado pelo Projeto de Redelimitação do Tombamento de Porto Seguro pelo IPHAN (1992), aldeias indígenas eram posicionadas nas limitações imediatas das vilas coloniais (vilas predecessoras da cidade de Porto Seguro). Segundo informações do documento, esses posicionamentos serviriam de base de proteção para a vila colonial e também estariam estrategicamente localizados nas proximidades das locações jesuítasou seja, o mais próximo possível da possibilidade da catequese. O povo pataxó, majorita riamente presentes na região do extremo sul baiano, ainda hoje podem ser localizados nas áreas marginalizadas ou distantes dos grandes centros comerciais. Não somente da etnia Pataxó, como também outras etnias da origem tupi ou aimoré.
Esses reposicionamentos das aldeias Pataxó favoreceram os fluxos do mercado, sobretudo o imobiliário, pois favorecia o crescimento da malha urbana de maneira mais eficaz segundo linhas de planejamento público, já que agora se mantém o ideal e a pers
[Figura 8] (esquerda)
Avenida principal de Porto Seguro, década de 1970. Foto e reprodução oxarope.com.br
[Figura 9] (direita)
Avenida Navegantes, Porto Seguro, BA, 2022. Foto: acervo pessoal.
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Não necessariamente um problema, mas dificultar o acesso a essas áreas representa um grande retrocesso no que se diz respeito à integração da cultura local, uma vez que o acesso só se faz através de veículos próprios e com orien tação prévia, sem qualquer sinalização de sua localização. Isso é feito, ainda que indiretamente, porque o acesso imediato a essas terras não é imediatamente lucrativo, portanto, por mais que não haja uma intervenção econômica de inves timento nas aldeias, não se é tão anunciado como centro turístico. Entretanto, o público empreendedor de Porto Seguro compreendeu que em suas vastas terras há culturas ainda a serem exploradas pelo turismo, e ao longo das últimas décadas enxergou-se nas etnias indígenas locais mais um meio de produção perfeito para a produção de mais um excedente capital. E assim se fez mais um meio de fazer a cidade de forma tortuosa: o turismo étnico apoiado deliberadamente pela prefei tura municipal e empreendedores locais.
É fato que as próprias aldeias presentes na região fazem comércio de sua cultura, principalmente do artesanato, como comumente visto em Coroa Verme lha, entretanto, é importante entender que o processo de comercialização das suas culturas não viabiliza que estrangeiros influenciem seu modo de vida. Afinal, muito antes da vila se tornar cidade, tribos indígenas estavam presentes fazendo seu próprio meio de vida e suas formas de sobrevivência hoje estão imediata mente atreladas ao sistema de produção capitalista da região. Talvez, se não houvesse tamanha segregação de espaços como é visto hoje no centro da cidade, a malha urbana estivesse organizada de maneira mais ordenada, fazendo com que o ‘fazer a cidade’ se tornasse mais inclusiva e menos excludente.
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2. A ECOLOGIA PROFUNDA E A ARQUITETURA DOS TRÓPICOS
Muito se fala do estudo da ecologia e seus fenômenos interativos com os seres humanos. Comum é que se diga que há a necessidade da proteção do meio ambiente a favor dos seres humanos, para que sua morada permaneça em condi ções favoráveis ao crescimento dos seres humanos. Nesse meio, estuda-se os impac tos ambientais entre seres humanos e o ambiente em que se vive. Nos dias atuais, o que se encontra é o antropocentrismo: o homem no centro do mundo é o que existe de maior valor, intrinsecamente ligado à posição mais alta da hierarquia ecológica. Na maior parte das vezes, tem-se o pensamento de que a necessidade da preser vação da natureza provém da necessidade de sobrevivência do homem em detri mento de seu ambiente.
Os estudos da Ecologia Profunda, inicialmente introduzidos na década de 1970 por Arne Naess e anteriormente, ainda que indiretamente, por Rachel Carson em seu livro Primavera Silenciosa (1963), demonstram que há diversas controvérsias do cres cimento econômico e suas possíveis catástrofes ecológicas. Naess muito se inspirou nas palavras de Carson para desenvolver os oito princípios da Ecologia Profunda. Em seus estudos, Carson alertou a humanidade para a ocorrência de possíveis desas tres ecológicos e buscou implementar ações e políticas de ação efetiva para chamar atenção às alterações no meio ambiente, tentando também estimular uma outra visão, voltada para o significado da vida.
Com isso em mente, Naess traz dois diferentes conceitos dentro da ecolo gia como conhecemos hoje: a Superficial e a Profunda. A ecologia Superficial é aquela tal qual é comum nos dias atuais, ações que surgem após o acontecimento de um desastre ecológico ou aquele prestes a acontecer ou provisões realizadas a curto prazo para tentar sanar algumas consequências eminentes da ação antró pica. Hoefel (1996) afirma que há um valor ‘positivo’ das crises ecológicas atuais; elas renovam o interesse, ainda que recente, por um ideal mais humanitário no que diz respeito à proteção do meio ambiente. Além disso, é explicitado em seu texto que a ecologia profunda não é sinônimo de extremismo, e os 8 pontos ditados por Naess não devem ser vistos como dogmas, mas sim como uma filosofia que influen cie a humanidade a buscar questões mais pessoais, tal qual ao que pertencemos, enquanto seres humanos, dentro do ambiente em que vivemos. Há uma honesta esperança de que essa filosofia auxilie os seres humanos a encontrar soluções para futuras crises ambientais.
Enquanto a Ecologia Superficial lida com a política atual, a Ecologia Profunda é entendida como uma ‘tentativa em processo’ (Naess, 1989), na qual “(...) qualquer ser vivo não deve ser utilizado como meio em direção a um fim, pois a vida tem um valor intrínseco e isso deveria estar presente em todas as ações da ativi dade humana” (Hoefel, 1996, p. 74). Assim, é possível compreender que a filosofia por trás da Ecologia Profunda não busca manter o imaginário da natureza sagrada e intocada, livre das mazelas e do toque do ser humano, mas sim, de que ela deve
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ria ser modificada conforme a consciência do seu valor, ou seja, conforme a neces sidade do homem, fundamentando uma possível intervenção ambiental. A ecolo gia praticada hoje ainda possui ideais fortes do antropocentrismo, diversas vezes ligado à falha do homem com ele mesmo, fonte da arrogância, ganância e destrui ção que seu conceito acarreta; portanto, Naess afirma que os 8 princípios de 1992 não são imutáveis, pelo contrário, estão abertos à discussão e modificação por dife rentes visões científicas, desde que possuam uma base ecológica ecocêntrica, do contrário da antropocêntrica.
Citando os 8 princípios da Ecologia Profunda, segundo Naess (1992):
1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e não-humana possuem valores independentes, sendo que a utilização do mundo natural é independente para os propósitos humanos.
2. Todas as formas de vida humana e não humana possuem valor intrínseco.
3. Seres humanos só devem reduzir ou afetar a riqueza do mundo não humano quando é preciso satisfazer as necessidades vitais à sua vida.
4. O florescimento da vida não humana depende diretamente do decréscimo da população humana, e com ela, a prosperidade da vida humana e suas culturas será compatível.
5. Atualmente, há uma interferência excessiva do mundo humano no mundo não humano, piorando exponencialmente.
6. Mudanças comportamentais são necessárias na forma dominante (seres humanos), sendo fundamentais para que afetem as estruturas políticas, sociais, tecnológicas e econômicas globais.
7. Mudanças ideológicas ocorrerão no formato do reconhecimento da quali dade de vida (valor intrínseco) para além de um alto padrão de vida. Prepara-se o mundo para uma consciência profunda da diferença entre o consumismo e o desen volvimento ecologicamente sustentável.
8. Aos que subscrevem os princípios anteriores, fica a obrigação de implemen tar, direta ou indiretamente, mudanças necessárias por meios não violentos.
É perceptível que países em desenvolvimento não estão tão interessa dos nos problemas ecológicos; quando em face com possíveis problemas ambien tais, governos desses países, como o Brasil, tendem a pensar superficialmente, como implementar leis que beneficiem a sociedade industrial em detrimento da sobre vivência da espécie humana, muitas das vezes com ações que não cumprem sua promessa, alcançando quase nenhum resultado prático. A palavra “sustentabilidade” é utilizada deliberadamente, sem compreensão do conceito prático que a palavra acarreta, e as mudanças que seriam necessárias para que se alcançasse uma susten tabilidade para ambos os mundos, dos seres humanos e não-humanos. Entretanto, entende-se a sustentabilidade enquanto benéfico apenas para os seres humanos. Parte da teoria da ecologia profunda baseia-se em ações locais que pensam no momento global; isso significa que ações individuais devem ser pensadas em bene fício mútuo. Implementar mudanças profundas requer uma ação global que atra
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vesse as fronteiras, e para que isso seja possível, é preciso agir individualmente. Tão perceptível o desinteresse dos países de conter possíveis desastres ecológicos que pode-se citar alguns exemplos nesse estudo. Entre Agosto de 2019 e Fevereiro de 2020, um vazamento de óleo atingiu o litoral do nordeste, chegando aos municípios de Porto Seguro em Outubro de 2019. Considerado um dos maio res crimes ambientais cometidos na costa do Brasil, o derramamento do óleo afetou fortemente o turismo local, além de em torno de 300 mil pescadores (Reportagem Brasil de Fato, 2020), assim como a população indígena e ribeirinha que dependem diretamente de produtos marinhos para sua sobrevivência. Enormes manchas de óleo foram encontradas em toda a costa nordestina, tendo o IBAMA mobilizado ações para limpeza das praias, já muito afetadas pela contaminação do vazamento.
Em reportagem publicada pela Folha Uol em Setembro de 2022, especialis tas afirmaram que o óleo derramado possuía uma alta capacidade de contamina ção para os organismos marinhos, além de afetar diretamente diversos ecossiste mas presentes na região como manguezais, estuários e campos de grama marinhos. Dados oficiais mostram que o IBAMA e voluntários retiraram cerca de 5 mil tone ladas de óleo entre Agosto de 2019 e Fevereiro de 2020, tendo um custo de cerca de 188 milhões de reais. A problemática possui ainda mais profundidade quando se entende a proporção do desastre que esse vazamento causou para os ecossiste mas existentes em toda a região da costa litorânea. Não se atendo somente a isso, como também o óleo do derramamento era espesso, de forte odor, com consistên cia semelhante ao piche e de difícil remoção. Relatos de voluntários afirmam que as luvas de EPI não duravam muitas horas por conta do índice de contaminação do óleo. Fora isso, muitos voluntários auxiliaram a retirada do óleo nas praias sem a devida proteção de EPIs e roupas que cobrissem todo o corpo. Dois anos após o crime ambiental, a PF indiciou um navio petroleiro grego como responsável pelo derramamento do óleo, tendo ele infringido os artigos 40, 54 e 68 da Lei 9.605/98 pela prática da poluição, descumprimento das obrigações ambientais e danos às unidades de conservação (G1 RN, dez. 2021).
[Figura 10] (esquerda)
Luvas de proteção cobertas com óleo das praias do nordeste, 2019. Foto: Mateus Morbeck. Fonte: folhauol.com.br
[Figura 11] (direita)
Voluntários auxiliam na retirada do óleo nas praias sem utilização de EPI's na praia de Pitinga, Arraial d'Ajuda, BA. Autoria desconhecida.
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Três anos após o crime, novas manchas de óleo estão reaparecendo no lito ral nordestino. Segundo especialista na reportagem da Folha Uol em 2022, as novas manchas são de material semelhante ao óleo do vazamento de 2019, com diferen ças em seu formato, sendo agora pequenas bolas, sem odor forte, teorizando que o novo óleo esteve na verdade no fundo do mar e agora retornou à superfície, por causa dos ventos e correntes marítimas. Dentre outros crimes ambientais que ocor rem na região, é difícil mensurar o rastro do estrago físico e emocional dos morado res que dependem diretamente do mar e do turismo para sobreviver.vesse as fron teiras, e para que isso seja possível, é preciso agir individualmente.
Em Porto Seguro, o alto padrão instalado pelo constante fluxo turístico pode impedir que mudanças radicais de pensamento consigam ser colocadas em prática. O modo de urbanização da cidade se deu por conta do boom econômico sofrido após a década de 1970, fazendo-se entender que as práticas ecológicas e devida mente sustentáveis estariam em segundo plano. Modos construtivos, para além da carência de proteção da mata atlântica remanescente, demonstram conceitos que são de efeito contrário ao empregado pelos princípios da Ecologia Profunda. O que se tem hoje é semelhante à industrialização, ainda que em fatores diminutos, da ecologia superficial, aquela que ainda dita que o meio ambiente vem em segundo plano, dando preferência à modernidade e espaço físico ao ser humano, com leis que abrangem de maneira mais eficaz a necessidade do homem em detrimento da proteção ambiental. Isso significa que, apesar de estar inserido em um contexto lito râneo de proteção patrimonial colonial, o planejamento urbano segue em mãos do poderio econômico e capitalista. Aqui pode-se afirmar que a sustentabilidade somente se mantém sustentável se for diretamente benéfica ao ser humano. Estando em um sítio arqueológico de proteção patrimonial, é preciso analisar como o contexto de colonização portuguesa afetou a tipologia arquitetô nica local e sua conversa com a fauna e flora predominante na região do extremo sul da Bahia. Por se tratar de um clima quente e extremamente úmido, as famo sas edificações de pedra e cal não se fizeram muito úteis na contenção e proteção do calor e umidade excessiva. A chamada arquitetura tropical, por assim dizer, foi então adaptada através do planejamento colonial e sua consequente arquitetura moderna, levando-se em consideração o tipo de clima quente e úmido da região. Romero (2013) define alguns aspectos importantes que auxiliam a compreensão do clima predominante no litoral baiano; o clima possui majoritariamente duas esta ções ao ano, verão e inverno, com pequenas variações de temperatura. Com peque nas amplitudes térmicas, a temperatura é elevada durante o dia e um pouco mais amena durante a noite, tendo uma radiação intensa e difusa, com ventos fracos e dominantes pelo sudeste, além de possuir um período de chuvas indefinido, com maiores precipitações predominantes no verão.
Na história da arquitetura tropical, podemos enxergar a influência do clima e da ecologia ao longo das construções seculares. A princípio, o colono portu guês obteve pouco sucesso na incorporação da arquitetura lusitana no Brasil; as paredes grossas de pedra e cal são muito resistentes às variações de tempera tura dos países europeus, porém no continente entre os trópicos de capricórnio e
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[Figura 12] Mata de restinga remanescente nas praias da Porto Seguro, 2021. Fonte: Acervo pessoal.
câncer, o balanço térmico não foi atingido de forma adequada, forçando os colo nos a buscar novas soluções. Dentre elas, o uso de varandas foi incorporado em larga escala, buscando trazer elementos orientalistas na arquitetura das Améri cas, associando-os à higiene doméstica (FREYRE, 1971). “É preciso não esquecer que sempre foi tradição na arquitetura doméstica do Brasil as casas terem varan das, terraços ou alpendres ou lugares sombrios onde o proprietário recebia visi tas ou apreciava, protegido contra o sol e o calor, do exterior.” (FREYRE, 1971, p. 219). Assim sendo, segundo as afirmações de Freyre, enquanto os balcões e terra ços eram primordialmente sociais, eles serviam também de hierarquia entre os povoados: serviam para comunicações entre os senhores e escravos e/ ou para transações comerciais.
Segundo Rita (2014), os colonos portugueses enxergaram algumas potenciais incorporações para solucionar o problema da inércia térmica dentro das edificações. Assim, passou-se a ter proteções externas às casas, criando faixas de sombreamento contra a insolação frequente, além da utilização de beirais salientes para proteção das chuvas, varandas que se estendiam ou não do pavi mento e da cobertura. Além disso, começa-se os estudos de ventilação transversal entre os pavimentos construídos; estando estes sob uma caixa de ar hoje muito comum encontrada nos telhados, além da elevação da casa do solo, permitindo que haja um fluxo de ar através do forro do telhado e do piso térreo. Outras carac terísticas muito marcantes e que podem ser observadas até hoje é a utilização de dispositivos de ventilação, como os artifícios ripados árabes, o muxarabi, auxi liando até mesmo na setorização dos espaços para além da ventilação cruzada; as varandas construídas em madeira sem união de tábuas, para que a ventilação vertical seja favorecida; coberturas agora passam a ser protegidas com lajes para reduzir a incidência solar, e, por fim, o uso abundante da flora tropical para que se consiga regular a umidade local e permitindo certo nível de drenagem no solo.
[Figura 13]
Exemplar das adaptações ao clima tropical, casa típica das regiões do nordeste e sudeste. Ilustração da autora.
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Alguns séculos depois, a arquitetura tropical sofre fortes influências do modernismo de Le Corbusier, a partir da década de 1920, trazendo em seus
conceitos as janelas largas, altas, corridas, com cerâmicas lusitanas, assim como os conceitos de arquitetura aberta, trazendo consigo uma sensação de união com a natureza, da utilização do concreto, do vidro e da madeira como fontes princi pais de construção. Quando a utilização do ar condicionado já estava bem dissemi nada, passa-se a incorporar, nos climas quentes e úmidos do nordeste, esse novo dispositivo em uma grande parcela da nova arquitetura tropical. Nos dias atuais, é possível ainda enxergar essas características nas construções dos hotéis, resorts e arquitetura no geral em Porto Seguro, agora dando-se preferência aos conceitos modernistas mas mantendo-se as ‘inovações’ dos colonos portugueses como varan das protuberantes, o telhado e o forro, a ventilação transversal e o uso da madeira apenas com encaixe, para garantir uma ventilação adequada, sobretudo, nos perío dos mais quentes na região.
Contudo, embora a arquitetura tropical tenha se tornado esteticamente agradável, seus métodos construtivos estão longe de se adequar a quaisquer prin cípios ecológicos que presumem a utilização da natureza enquanto necessidade básica do homem. Sob o ponto de vista ecológico, as construções não respeitam os limites territoriais, além de apoiar certo nível de desmatamento para construção
As edificações construídas em Porto Seguro e seus distritos, hoje, pos suem fortes influências da arquite tura adaptada pelos colonizadores, como o uso das varandas alongadas e telhados coloniais de cerâmica, do uso da pedra e do cal, abertu ras generosas e uso de madeira. Normalmente acompanhadas de um quintal com vegetações que causem sombreamento e resfriação para o interior/ exterior da casa.
[Figura 14] (superior)
O interior das casas segue a utili zação de materiais locais, dando uma flexibilidade maior no uso de materiais naturais, como a pedra, a madeira, e decoração típica da região, mas incorporando elementos como cerâmicas e porcelanatos da arquitetura atual.
Externo Casa Mar & Marta, Outei ro das Brisas, Trancoso, BA. Fonte: booking.com
[Figura 15] (inferior)
Interior Casa Mar& Marta, Outeiro das Brisas, Trancoso, BA. Fonte: booking.com
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3. VIDAS INDÍGENAS E A VERNACULARIDADE
3.1. ARQUITETURA VERNACULAR
Muito se discute, hoje, as diferenças e conceitos da arquitetura popular e da arquitetura vernacular. A princípio, pode-se mesmo ter algum grau de confusão acerca do significado de cada uma delas. A verdade é que a formação da arquite tura brasileira se deu de maneira difusa, em contato primordialmente com coloni zadores portugueses, imigrantes e posteriormente, com inspirações internacionais e pouca influência nativa. Mas então o que faz uma arquitetura se tornar popu lar, e qual seu significado quanto à arquitetura vernácula? De acordo com Oliver (2006), a arquitetura popular nada mais é do que aquela projetada para as pessoas, enquanto a arquitetura vernacular é aquela que é formada por uma série de lingua gens arquitetônicas dos povos através dos seus dialetos étnicos, regionais e locais. O termo ‘vernáculo’ vem do latim vernaculus, que significa nativo. Assim, é um pouco mais fácil compreender que a arquitetura vernacular se refere à linguagem ou dialeto de um povo, enquanto lhe é dado um status qualitativo no espaço em que se compreende sua estrutura (OLIVER, 2006, p.3, tradução da autora).
É importante notar que a arquitetura vernacular significa coisas diferen tes em países distintos. Segundo Oliver, a arquitetura pode vir marcada pelas edifi cações comerciais, podendo ou não se ater à tradição local ou à utilização das maté rias-primas locais, trazendo significados diferentes de acordo com a cultura em que se encontra. O regionalismo é um fator muito importante na formação e compreen são de uma arquitetura vernacular. É atravéts dela que arquitetos dão devida importância às pesquisas, significando que sua compreensão estará diretamente relacionada à sua disciplina de interesse, ou seja, o estudo da arquitetura verna cular está interligada com a capacidade dos profissionais de moldar seus critérios de acordo com seus preconceitos e áreas de estudo, podendo ou não envolver a inspiração no uso de materiais locais ou das construções culturais mais específicas (OLIVER, 2006, p. 23, tradução da autora).
O saber fazer, derivado de tradições e habilidades dos habitantes locais, auxiliam arquitetos e planejadores nos processos de desenvolvimento de assenta mentos. O processo de globalização impulsionou a migração em massa das popula ções de áreas rurais para áreas urbanas, favorecendo o abandono das casas e esti los de vida. Oliver (2006), afirma que os estudos sobre arquitetura vernacular se fazem necessários não apenas para preservar os métodos, habilidades e linguagens de um povo, mas indica também que seus conhecimentos podem possuir soluções para os problemas de habitação e acomodação das funções sagradas e seculares de diversas comunidades, sendo de grande importância cultural para culturas de todo o mundo. No caso do conhecimento indígena, a inclusão de soluções arquitetônicas para problemas ambientais incentivam a recuperação do conhecimento vernacular. As técnicas e tecnologias tradicionais compreendem habitações do povo; construí das em sua veracidade para atender suas necessidades específicas, acomodando valores, economias e modos de vida das culturas que as produzem (OLIVER, 2006,
[Figura 16] Moradia indígena Pataxó com fortes influências coloniais. Fonte: tripadvisor.com
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[Figura 17]
Casa colonial do Centro Histórico de Porto Seguro, BA. Ilustração da autora.
p. 30, tradução da autora).
Arquitetos, ao incorporarem os conhecimentos da sua profissão para a construção juntamente às propriedades dos materiais locais, estão subjacentes a soluções diversas. Possuem técnicas valiosas, mas muitas vezes inadequadas, para expressar algumas formas de vernaculidade, não comunicando os conceitos neces sários do espaço. Há um discurso recorrente do que enfim seria a arquitetura verna cular, mas a verdade é que essa área de estudo está sujeita a incorporações diversas e muito específicas de culturas cada vez mais reclusas. Oliver (2006) recorrentemente afirma que é essencial que se defina o que seria a arquitetura vernacular, onde se aplica, quem estaria envolvido no tema, para que se introduza um bem-estar geral da humanidade. Em tradições históricas, é comum que se tenha uma conclusão irreal ou não ideal, sobre os métodos e tipologias de ocupação que o povo de uma determinada cultura construiu. Propósitos, tecnologias e construções podem fugir muito do design, da estrutura, da funcionalidade muito empregada pela arquitetura pós-moderna, mas entender e compreender seus espaços reais podem ser enrique cedoras, já que elas se relacionam de alguma forma com a comunidade, a sociedade e a família, com o acesso aos recursos, às condições ambientais às estações do ano, aspectos naturais que influenciam a natureza dessas tradições vernáculas.
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3. VIDAS INDÍGENAS E A VERNACULARIDADE 3.2. OS MODOS DE VIDA INDÍGENAS
No que tangencia a arquitetura vernacular brasileira, o mais comum é que se tenha um apego emocional à arquitetura lusitana, visto que ela foi muito incorpo rada em toda a extensão do território nacional. Há uma certa dificuldade de enxer gar influências externas que sejam verdadeiramente brasileiras, sendo assim muito mais fácil notar as características que foram inspiradas na arquitetura europeia ou asiática. Faz-se necessário o estudo breve da arquitetura popular brasileira para que se compreenda os modos de fazer dos povos originários e como grande parte de sua cultura e conhecimento foram desdenhados pelos colonizadores portugueses. Conhecidamente por serem os maiores andarilhos mundialmente, indígenas sul-a mericanos são as populações mais próximas dentre os grupos étnicos que participa ram na formação da sociedade brasileira. Suas influências na arquitetura brasileira são quase nulas, visto que suas relações sociais com os colonizadores eram hierárqui cas e pautadas por relações de poder. De início, a porção da cultura que empreendia o cultivo de vegetais era muito aceita pelos colonizadores, demonstrando um certo nível de transgressão cultural nos costumes ibéricos, mas com grandes barreiras físi cas no que se tangencia a convivência harmônica com a natureza, além da aparência externas das construções, mantendo-se fiel às tradições lusas, ao passo que incor pora hábitos de higiene pessoal, além das etimologias de linguagem ao deparar-se com a necessidade de dar nomes a novas coisas (WEIMER, 2005, Prólogo).
O meio ambiente constantemente degradado impôs condições de vida adver sas, resultando na exterminação, quando não imposta por justificativas da colo nização, dos modos de vida indígenas originais. Grande parte dos que sobrevi veram somente o fizeram por conta da miscigenação dos povos, sua única forma de se manter vivos à constante dizimação pelo povo branco, para além das guer ras de território entre outras etnias indígenas (WEIMER, 2005, p. 7). Para além desse espectro, grande parte das paisagens litorâneas pertencem ao passado, visto que a maior parte das ocupações no litoral foram feitas por incentivos turísticos, que por fim se tornaram predatórios e, em suma, não planejados. Sem contar a dependên cia imediata dos manguezais e estuários como método de sobrevivência das popu lações ribeirinhas, constantemente ameaçadas pela invasão turística. Muitas mora dias de áreas alagadas hoje são inspiradas nas moradas sobre palafitas, ainda que se entenda que a falta de política habitacional e a constante exclusão social influen ciam essa tipologia habitacional (WEIMER, 2005, p. 21).
A respeito das contribuições indígenas, Günter Weimer faz denotações específicas sobre diversas etnias indígenas em localidades diferentes do território nacional, que, a respeito deste trabalho em específico, não vale detalhar e designar seus modos de vida específicos, visto que pode-se entender influências materiais e arquitetônicas que estão presentes na grande maioria, senão todas, das comunida des indígenas brasileiras. Dentre contribuições importantes para a formação e inte gração da arquitetura popular tem-se as praças centrais, comuns em inúmeras etnias
[Figura 18] (superior)
Indígena curumim, Reserva Indígena Pataxó, 2019. Foto: Instituto Pataxó de Ecoturismo. Fonte: facebook.com/insti tutopataxódeecoturismo. Intervenção da autora.
[Figura 19] (inferior)
Indígenas Pataxó nas proximidades das Kijemes. Autor e ano desconhecidos. Fonte: bahiaactive.iwsite.com.br. Inter venção da autora.
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indígenas; casas unitárias e unifamiliares, coberturas de duas águas, composição do fluxo interno com duas portas (entrada da casa, fundo da casa), divisões internas por meio dos biombos de folha de palmeira, da masculinização e feminilização dos espa ços (muitas etnias indígenas atribuem tarefas de acordo com o gênero, portanto vê-se essa influência na composição interna de suas moradias, que não necessaria mente significa uma hierarquia imposta). Além dessas atribuições, ainda se pode encontrar espaços familiares que são voltados a um pátio central, com construções que podem ter aberturas no teto para obter ventilação, iluminação solar, saída de fumaça (WEIMER, 2005, p. 46).
Mas o que essas contribuições significam para a arquitetura vernacular? Em tópico anterior, discutiu-se as diversas mudanças que o clima tropical infringiu na arquitetura lusitana, sobretudo, da reconformação dos espaços para adequar-se às altas temperaturas e umidade do Brasil. Nesse mesmo sentido, pode-se enten der como as construções indígenas, muitas vezes temporárias por conta dos deslo camentos realizados pelas etnias indígenas, são feitas de material biodegradável, ecologicamente, empregando materiais vegetais para sua incorporação constru tiva (WEIMER, 2005, p. 51-58). Conhecimentos indígenas podem ser mais influen tes do que se imagina; a etnia Guaicurus introduziu técnicas com toldos, painéis desmontáveis que formam nichos de proteção ao frio, ao vento, calor e radiação solar (WEIMER, 2005, p. 54), hoje incorporadas na arquitetura moderna com outros nomes e outros materiais, mas que são muito utilizadas pelos povos originários com materiais naturais e biodegradáveis. A elite lusitana - e a brasileira -, não reconhecem o valor cultural das comunidades indígenas, considerando-as selvagens, primitivas, atrasadas, mas que na verdade o problema se encontra no formato lento de desen volvimento tecnológico, os tornando submissos ao mundo dos brancos (WEIMER, 2005, p. 43.)
O extermínio, predominante no nordeste, da cultura indígena foi pautada principalmente após a convivência relativamente amistosa entre colonizadores e povos nativos, na qual colonos já não mais necessitavam dos povos indígenas para sobreviver na nova terra. Como dito anteriormente, a miscigenação que se deu resul tou em uma cultura conflituosa, já que tal ação foi vista como sua única forma de sobrevivência; mantinha-se as regras lusitanas nas conformações externas, estabe lecendo alturas de portas, janelas, peitoris, beirais, inclinação de telhados e abertu ras, enquanto a conformidade interna possuía uma liberdade quase completa; aqui, encontra-se alguns valores indígenas que foram muito aceitos: cultivo de frutos da terra, higiene pessoal, redes para dormir, valorando modos de vida em moradias unifamiliares, das refeições em volta das fornalhas, ensinamentos culinários. Entre tanto, toda essa harmonia se fez em contraste do desdém pela harmonia e convi vência com a natureza e a preservação do meio ambiente (WEIMER, 2005, p. 57). Aquelas coberturas de palha seca, o uso das varandas abertas, emprego da rede, construções em palafita, utilização de biombos trançados e construções de buriti ou carnaúba compõem elementos da arquitetura indígena que se fizeram/ fazem presentes, ainda que conceitualmente apesar de não ser implantado no pós-moder nismo, como elementos da arquitetura vernacular indígena brasileira.
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Em Porto Seguro, o que tange a arquitetura vernacular está na verdade sob espe táculo do patrimônio histórico: as casas de pedra e cal, com pinturas típicas e azulejos lusi tanos, organizados em pequenas vilas na Cidade Alta, para além da igreja matriz em seu centro, mas que também incorpora as avenidas largas da Passarela do álcool, sem a devida atenção a possível inclusão da arquitetura indígena local como vernáculo importante. Parte dessa designação se dá por causa da perda de identidade cultural pataxó ao longo dos sécu los, tendo seus conhecimentos construtivos perdidos com o passar do tempo, com pouquís simos registros ainda existentes. Percebe-se que não há intenção de conservação, portanto, incita-se a necessidade do estudo da arquitetura vernacular dentro dessas comunidades, cujas identidades culturais estão majoritariamente ausentes por características externas como economia e turismo.
[Figura 20] (superior)
Indígena Pataxó no Monte Pascoal usando a seiva da árvore como método de comunicação, 2020. Foto: Flávio Forner. Fonte: National Geographic. Intervenção da autora.
[Figura 21] (inferior)
Indígenas Pataxó no Monte Pascoal observando Jequitibá centenário, 2020. Foto: Flávio Forner. Fonte: National Geographic. Intervenção da autora.
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[Figura 22] Indígena Pataxó usando cachimbo timbero, 2020. Foto: Flávio Forner. Fonte: National Geographic. Inter venção da autora.
3. VIDAS INDÍGENAS E A VERNACULARIDADE
3.1. PATAXÓ TEM ARQUITETURA VERNACULAR?
Aprofundando um pouco mais nesse assunto e trazendo um foco mais recente à pesquisa da arquitetura vernacular brasileira no litoral baiano, é impossível não notar que dentro da cultura brasileira, entendemos a arquitetura como aquilo que provém dos clássicos, greco-romano, construída em materiais nobres, como colu nas dóricas, jônicas, corintías, em mármore (BRANCO, 1993). Nesse sentido conse gue-se compreender o por quê a estética europeia é tão mais apreciada que a nacio nal, visto que a colonização trouxe a ocidentalização dos meios de vida em um meio que já acontecia um estilo de vida único, das diversas etnias indígenas presentes na nação brasileira. Como explicitado por Branco:
“(...) a cidade é “a tentativa mais consistente e, em geral, a mais bem sucedida, de refazer do mundo em que vive segundo os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é o mundo no qual ele está condenado a viver. Assim, indiretamente, e sem qualquer noção clara da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o homem se refez.”" (PARKER, 1967 apud HARVEY, 2008, p. 272, tradução da autora).
Ao longo dos séculos, nota-se o pouco interesse na forma de moradia nativa. O padre jesuíte Fernão Cardim foi um dos primeiros, com registro escrito, a demons trar interesse na arquitetura indígena, descrevendo alguns métodos de construção e materiais utilizados nativamente; ocas/ casas compridas e estreitas, com esteios de madeira, paredes em palha ou taipa de mão, cobertas com pindobas (óleo de palma, utilizado para vedação). Entretanto, o interesse geral do colonizador era a exploração da fauna, flora e geologia dos locais, tendo suas etapas de colonização e consequentes ciclos econômicos descaracterizado e interiorizado diversas tribos indígenas (BRANCO, 1993), incluindo os Pataxó.
Etnia historicamente nômade, cuja arquitetura era predominantemente cons tituída de construções cônicas com estrutura de madeira roliça e cobertas com a borra da palmeira Piaçava, que possui grande flexibilidade de montagem e desmon tagem, chamando-as de ‘Choças’, construídas durante o período de sedentarismo dessa etnia originalmente nômade, cujas características incluíam a formação de moradas temporárias. Substituídas a partir da década de 1940, com a criação das reservas indígenas e do forçamento em aldeamentos, uma ressignificação da arqui tetura Pataxó aconteceu, na qual cria-se uma arquitetura sedentária, conhecida como Kijeme, que são construções circulares, hexagonais ou octogonais, feitas de pilares de madeira, com fechamentos de taipa de mão, sopapo sobre grade de madeira, telhado cônico coberto com palha de palmeiras, possuindo normalmente duas portas, sendo uma de entrada e uma de fuga, adicionadas após fatídico evento do Fogo de 1951 (VELAME, 2010).
As Kijemes possuem um valor intrínseco cultural dentro da construção Pataxó; é considerada um rito de passagem do indígena infantil à fase adulta.
[Figura 23] (superior)
Indígena Pataxó, Monte Pascoal. Foto: G1 BA. Reprodução: sulbahianews.com.br. Intervenção da autora.
[Figura 24] (inferior)
Indígena Pataxó fazendo pinturas para ex posição para Reserva da Jaqueira, 2020. Foto: Instituto Pataxó de etnoturismo. Fonte: facebook.com/institutopataxó deetnoturismo. Intervenção da autora.
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[Image 25] (superior)
Kijeme tradicional na Reserva da Jaqueira. Autor desconhecido. Fonte: viajadaqui.com.br
[Figura 26] (inferior)
Kijeme Pataxó da Reserva da Ja queira com adaptações, 2016. Foto: Iuri Barreto. Fonte: blog.panrotas. com.br
Segundo Velame (2010), o termo não deriva da língua Patxohã, mas sim do rito de passagem, na qual o neófito Pataxó deve passar por um ritual que consiste em três fases: apresentar uma caça de grande porte à aldeia, carregar uma tora de madeira com peso superior ao seu através da aldeia e construir seu próprio Kijeme. O nome é, então, dado após a noite de núpcias, na qual a construção gemeria. Essa tipolo gia de conhecimento foi alterada após séculos de existência visto a necessidade de se manter sedentária pelo crescimento econômico do país, sobretudo, das fortes ondas migratórias presentes no nordeste. Assim, pode-se considerar que tais cons truções, assim como os materiais utilizados para manutenção dos aspectos culturais fazem parte da arquitetura vernacular brasileira, ainda que muito se tenha perdido.
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4. A RELAÇÃO ENTRE MEMÓRIA E ARQUITETURA
Em Porto Seguro, a imagem e a memória estão imediatamente atreladas ao colonizador. Onde estaria, nesse meio, a inclusão da memória Pataxó? Até mesmo os objetos materiais de resgate ao indígena estão associados à sua submissão às violências cometidas pelo europeu. Se o resgate da memória do passado envolve a recriação das memórias em virtude do imaginário e relatos dos sobreviventes, pode mos entender o porquê, do ponto de vista da memória, as alterações incorporadas na cultura Pataxó em locais de turismo não são necessariamente algo ruim. É a forma encontrada para que se consiga resguardar suas identidades em face das constan tes transformações do espaço urbano atual. Mas afinal, o que seria a memória, e qual seu envolvimento com o espaço do patrimônio de Porto Seguro, e sobretudo, com a situação da perda da identidade Pataxó?
Segundo Pesavento (2020), a memória nada mais é do que uma luta contra o esquecimento. Nesse sentido, podemos entender os diversos contextos que confi guram a malha urbana, da ideia da passagem do tempo e das modificações espa ciais, da descaracterização das cidades e dos patrimônios existentes nelas. É impos sível falar de memória sem falar do passado, afinal, a memória também pode ser compreendida como um resultado do imaginário individual, que é capaz de perce ber e produzir ilustrações, diga-se pinturas, representações de algo que existiu um dia, mas cuja representação ainda significa um objeto diferente da realidade, visto que se torna um objeto contemplativo, pois conta com o imaginário para sua produ ção (ALMEIDA, 2015).
Aristóteles afirma que a experiência parte da formação das memórias, as quais surgem as capacidades facultativas de conservação, já que estão contidas no passado, implicando uma passagem do tempo e gerando conhecimento das expe riências sensoriais do ser humano que são transformadas em cenários pela imagina ção (ALMEIDA, 2015). Esses cenários podem ou não serem externalizados nos espa ços urbanos, fazendo com que a história seja o veículo de inscrição temporal, dando-a o poder da permanência física em um determinado local, atribuindo-lhe uma gran deza de significados. Mas o que transforma a memória em história é o testemunho, carregando as provas e o reconhecimento daqueles fatos a serem contados e imagi nados (PESAVENTO, 2020). A carta de Pero Vaz de Caminha talvez seja a primeira memória brasileira de que se tenha um testemunho próprio, tendo em suas palavras a própria imaginação e visão de quem o escreveu, passando adiante informações valiosas que posteriormente se tornaram um grande tesouro da memória brasileira; de um dos primeiros registros da nova nação.
Hoje, há uma corrida contra a passagem do tempo nas cidades urbanas, e a cidade de Porto Seguro não poderia ser diferente. Segundo Pesavento (2020), há um desafio tanto do tempo físico quanto do tempo social, no qual busca-se enxer gar o presente em visão do passado, que pode vir a se apresentar como uma ‘cidade perdida’. São tantos os momentos em que as cidades podem perder os vislumbres
[Figura 27]
Igreja Nossa Senhora da Penha, Porto Seguro, Bahia, 1957. Repro dução: IBGE.
[Figura 28] Paço municipal, Porto Seguro, Bahia, 1957. Reprodução: IBGE
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de suas memórias, tais quais as práticas consumistas e apropriações territoriais, que modificam em sua integridade a função e o uso dos espaços, desmanchando o passado daquele lugar (PESAVENTO, 2020). Ainda segundo a autora, há uma inda gação quanto a proposição de ver o modo como a história se apropria das memó rias coletivas para tentar recuperar traços passados, afirmando que a recuperação da cidade e das memórias não implica apenas nos registros dos fatos, de persona gens importantes, da reconstrução ou restauração de prédios ou da preservação dos espaços significativos à cidade.
Pesavento (2020) afirma que o resgate deve ultrapassar as barreiras físicas e adentrar os domínios simbólicos, que trazem discursos de identidade urbana àquela comunidade, por exemplo. Há uma sensação de pertencimento que é muito perdida no sentido material, tais quais os imateriais, que se traduzem nas tradições e vivên cias passadas. Em Porto Seguro, a imagem e a memória são quase sempre atrela das às tradições europeias, até mesmo objetos materiais de exposição à imagem do indígena estão vinculados à sua submissão dos portugueses. Entre as constan tes modernizações realizadas nos centros das cidades, passa-se a observar cada vez menos uma temporalidade passada, não se consegue mais produzir com exatidão o reflexo do imaginário naquele local de acordo com os registros históricos ou cultu rais, e somente quando há uma sensibilização, através do aprendizado, é que se pode reviver um espaço-tempo que já não está mais presente (PESAVENTO, 2020).
Mas afinal, a que ponto a memória individual entra em confluência com a memória coletiva? Segundo Pesavento (2020), os indivíduos estão alocados em um meio social, temporal e espacial demarcados, na qual sua memória passa a corres ponder aos modos de vida daquela comunidade, sendo este o responsável pela maneira que as comunidades externalizam seus passados. Há um momento no qual a memória se torna parte de um patrimônio, na qual a história apodera-se das lembranças coletivas e as transformam em construções materiais e imateriais que preenchem lacunas (PESAVENTO, 2020). O modo como se lida com a arquitetura antiga é a muito tempo definida por critérios que se adaptam ao mundo contempo râneo, sendo alterada de acordo com a necessidade de alteração do espaço-tempo, ou seja, quando há uma separação entre legados com interesse de conservação (ALMEIDA, 2015).
Dentre os momentos significativos para o patrimônio e a contemporanei dade, cita-se a Carta de Atenas de 1931 e a Carta de Veneza de 1964, responsáveis pelos primeiros ideais que resultaram na formação e elaboração de um documento que é mais difundido no meio arquitetônico, por incluir princípios modernistas aos ideais de conservação e restauro (ALMEIDA, 2015). A conciliação entre essas tendên cias resultam em projetos de preservação que integram os projetos contemporâ neos, mas que podem ser difíceis de se colocar em prática em Porto Seguro, já que a memória do patrimônio ali se estende a um pequeno trecho da Cidade Alta e da Cidade Baixa, ainda pouco inclusivo das outras possibilidades de existência do patri mônio, deixando-se cair em esquecimento as lutas coletivas para manutenção das memórias dos povos nativos, sobretudo, dos Pataxó, que já estavam submetidos à uma extensão de acontecimentos que favorecem a perda de uma cultura, hoje
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Em Porto Seguro, a imagem e a memória estão imediatamente atreladas ao colonizador. Onde estaria, nesse meio, a inclusão da memória Pataxó? Até mesmo os objetos materiais de resgate ao indígena estão associados à sua submissão às violências cometidas pelo europeu. Se o resgate da memória do passado envolve a recriação das memórias em virtude do imaginário e relatos dos sobreviventes, pode mos entender o porquê, do ponto de vista da memória, as alterações incorporadas na cultura Pataxó em locais de turismo não são necessariamente algo ruim. É a forma encontrada para que se consiga resguardar suas identidades em face das constan tes transformações do espaço urbano atual. Mas afinal, o que seria a memória, e qual seu envolvimento com o espaço do patrimônio de Porto Seguro, e sobretudo, com a situação da perda da identidade Pataxó?
Segundo Pesavento (2020), a memória nada mais é do que uma luta contra o esquecimento. Nesse sentido, podemos entender os diversos contextos que confi guram a malha urbana, da ideia da passagem do tempo e das modificações espa ciais, da descaracterização das cidades e dos patrimônios existentes nelas. É impos sível falar de memória sem falar do passado, afinal, a memória também pode ser compreendida como um resultado do imaginário individual, que é capaz de perce ber e produzir ilustrações, diga-se pinturas, representações de algo que existiu um dia, mas cuja representação ainda significa um objeto diferente da realidade, visto que se torna um objeto contemplativo, pois conta com o imaginário para sua produ ção (ALMEIDA, 2015).
Aristóteles afirma que a experiência parte da formação das memórias, as quais surgem as capacidades facultativas de conservação, já que estão contidas no passado, implicando uma passagem do tempo e gerando conhecimento das expe riências sensoriais do ser humano que são transformadas em cenários pela imagina ção (ALMEIDA, 2015). Esses cenários podem ou não serem externalizados nos espa ços urbanos, fazendo com que a história seja o veículo de inscrição temporal, dando-a o poder da permanência física em um determinado local, atribuindo-lhe uma gran deza de significados. Mas o que transforma a memória em história é o testemunho, carregando as provas e o reconhecimento daqueles fatos a serem contados e imagi nados (PESAVENTO, 2020). A carta de Pero Vaz de Caminha talvez seja a primeira memória brasileira de que se tenha um testemunho próprio, tendo em suas palavras a própria imaginação e visão de quem o escreveu, passando adiante informações valiosas que posteriormente se tornaram um grande tesouro da memória brasileira; de um dos primeiros registros da nova nação.
Hoje, há uma corrida contra a passagem do tempo nas cidades urbanas, e a cidade de Porto Seguro não poderia ser diferente. Segundo Pesavento (2020), há um desafio tanto do tempo físico quanto do tempo social, no qual busca-se enxer gar o presente em visão do passado, que pode vir a se apresentar como uma ‘cidade perdida’. São tantos os momentos em que as cidades podem perder os vislumbres
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[Figura 3] Av.
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E CULTURAIS CAPÍTULO .02
Passarela do Álcool, Porto Segu ro, Bahia. Ilustração da autora
CONTEXTUALIZAÇÕES HISTÓRICAS
[Figura 29] Mesa com frutas e bananeiras. Ilustração de autoria pessoal.
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1. DIMENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL
1.1. A HISTÓRIA ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988
Há um conto muito conhecido entre os moradores e nativos da região que relata a história de vida e morte de uma indígena que se apaixonou por um coloni zador português. Inaiá, como ficou conhecida a personagem do conto, é a própria imagem que retrata parte dos preconceitos gerados ao longo da história, da visão do indígena enquanto ser imaculado, que carrega o ventre que nutre a terra, cuja docilidade convida estrangeiros a conhecê-la. Dentre as inúmeras versões do conto, a versão escrita por Silveira (2019), demonstra uma realidade mais próxima do que pode ter vindo a acontecer de fato. Nessa narrativa, Silveira conta que Inaiá, indí gena da etnia de tronco tupi, na proximidade dos seus 12 a 14 anos, teria sentido curiosidade ao ter contato com Fernão, um jovem português encarregado de cortar pau-brasil para sua tripulação. Com a curiosidade aguçada, ambos jovens teriam se relacionado e Fernão teria decidido manter-se na nova terra ao invés de retornar a Portugal.
Diferente das outras versões deste conto, na qual Fernão resolve regres sar a Portugal e Inaiá, em seu desespero, morre afogada ao tentar alcançar o navio português, a versão de Silveira conta que na verdade ambos caminharam rumo a uma feitoria, chamada de feitoria de Cabo Frio, a fim de escapar da possibilidade dos marinheiros aprisionar Fernão e retorná-lo forçadamente a Portugal. E então, próximo à comunidade da feitoria de Cabo Frio, o casal teria vivido em um rancho durante alguns anos, onde tiveram uma filha, até a data de suas fatídicas mortes, após uma invasão dos Tupinambás, que, na intenção de invadir a feitoria, deu de frente com o rancho do casal. Esse conto traz uma proximidade maior com os fatos relatados em documentos históricos do IPHAN, como no documento de Redelimita ção do patrimônio tombado de Porto Seguro, escrito em 1992, redefinindo as áreas que estão nos limites da proteção governamental.
No documento, que traz também informações raras e seletivas a respeito de alguns anos dos séculos em que a cidade foi construída, há várias descrições de inva sões indígenas aos vilarejos dos brancos. Dentre os alegados invasores, têm-se os Tupinambás, e os Aimorés, duas etnias que são originárias da região do extremo sul da Bahia, e que indica a versão de Silveira como a mais possivelmente correta dentre as que são contadas. O amor considerado selvagem guiou o sentido literário brasi leiro, explorando as relações sociais que existiam entre colonos e indígenas. Talvez a história representa, também, uma forma sutil de exploração de trabalho; para além do escambo, sabe-se que existia também o cunhadismo, na qual havia uma reali zação de cerimônias de casamento para que houvesse algum tipo de aliança mili tar para uns, e o uso da mão de obra de outro. A mão de obra, claro, ficaria à cortesia dos indígenas, que cortavam e transportavam as matérias-primas cobiçadas pelos lusitanos.
Avançando alguns séculos de análise, hoje, no centro da cidade e entre as prin cipais Avenidas, encontra-se uma estátua de madeira no centro de uma praça, em nome da homenagem à indígena que ‘proliferou’ o amor mútuo entre povoações, e que provou aos colonizadores que é possível uma convivência harmoniosa entre
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[Figura 30] Estátua de Inaiá, na praça cen tral da Av. Getúlio Vargas, Porto Seguro, Bahia. Autor desconhecido. Reprodução: obaianao.com. Intervenção da autora
[Figura 31] Indígenas Pataxó, 1821. Maximiliano de Wied-Neuwied. Fonte: itaucultural.org.br
eles. A verdade é que a estátua, implantada no centro da semi-praça, e que foi insta lada no local em meados da década de 1990, parece ser mais um registro informal de que há presenças de etnias indígenas por ali, no meio da multidão. Porto Seguro hoje vive sob uma ótica de romantização do passado colonizador lusitano, glorifi cando contos e histórias que idealizaram, à mercê da necessidade dos brancos, da morte física e imaterial dos indígenas, e, principalmente, de seus territórios.
A narrativa de uma terra prometida, de um lugar repleto de riqueza e tesouros foi muito vendida ao longo dos séculos. Os colonizadores, ao se depararem com a rica e vasta terra em frente dos seus olhos, regozijaram ao concluir que aquela nova nação lhes traria a prosperidade prometida. Aqui entra o conto mais falacioso, talvez, da história da nação brasileira. O conto de uma indígena, cuja curiosidade e ingenuidade chamou atenção dos gananciosos olhos europeus, que resultou em uma visão, ainda que indiretamente, do povo nativo enquanto entidade pura, da imagem da bondade inerente de um povo que está ávido para receber os estrangei ros, invalidando suas lutas e participações na história do país em construção.
Essa imagem perpetuada ao longo dos séculos permanece até os dias atuais, mas de maneiras distintas, mas que permanecem sendo conceituadas e registradas. Dentre elas, o constante afastamento dos indígenas do centro de Porto Seguro atra vés do ideal de que o verdadeiro lugar a que pertencem é ao meio da mata, e não em convívio social aos homens modernos. Outras formas presentes dessa imagem se formam a partir da visitação às aldeias e reservas, fazendo com que o convívio seja ainda mais lúdico, reinterpretando cenas do suposto passado pacífico, glorificando a espetacularização do índio puro, imaculado, resguardado das mazelas do tempo e à espera do seu senhor salvador.
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Muito se discute hoje, no Brasil, sobre os desenvolvimentos urbanos e seus planos, mas sobretudo, de como o patrimônio cultural tem ganhado mais espaço nas últimas décadas. A constituição do IPHAN enquanto instituição se deu apenas em 1946, e, até a Constituição Federal de 1988, que, de acordo com o Art. 216 e inci sos I e II, no qual indica que o patrimônio passa a incluir formas de expressão, modos de criar, fazer e viver (Brasil, 1988), todas as manifestações e expressões culturais que não se construíssem na premissa do patrimônio em ‘pedra e cal’ – ou seja, aque les construídos de material elitista, de valor greco-romano ou lusitano - permane ciam apenas como expressões culturais, sem devida proteção ou conhecimento a respeito de sua importância para a sociedade.
Ao longo das décadas, é possível compreender um pouco a história de margi nalização e extermínio dos povos indígenas no extremo Sul da Bahia. A criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) surgiu em 1910 como um meio de proteção aos avanços de ocupação dos interiores do Brasil, mas que ainda seguiam as premissas coloniais, tais quais os ensinamentos católicos, como se portar em sociedade, envol vendo vestimentas, cultura e mão de obra. Despreparado, o órgão contava com militares e trabalhadores rurais que sequer possuíam interesse na proteção indí gena, e se faziam ali presentes para conseguir manipular os sistemas para benefício próprio. O que depois se tornaria o órgão da FUNAI, o SPI se desmantelou poucos anos após o que é chamado pelos sobreviventes do massacre de 1951.
Antes do patrimônio brasileiro envolver parte das diversas e incontáveis cultu ras indígenas no país, o povo Pataxó eram conhecidamente nômades, vivendo sazo nalmente em regiões distintas da Bahia de acordo com a necessidade de cultivo e sedentarismo provisório. Relatos do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied contam das pré-existências, das similaridades entre os Maxacali e os Pataxó, das descrições do povo que encontrou e dos métodos arquitetônicos que possuíam, tais quais as choças, e características de suas aparências, como a utilização de sacos pendura dos, prepúcios amarrados com cipó e orifícios no lábio inferior, onde poderia encon trar um pedaço de bambu, cabelo cortado com modelo Pataxó, e o uso do cauimbebida alcoólica - demonstrando que pudesse ter acontecido uma espécie de troca entre diversas etnias indígenas, tal qual é comum que aconteça, da troca de infor mações e adaptações culturais de acordo com as necessidades de um povo (CARVA LHO, 2013).
No século XVIII, com a chegada de Pombalino, houve o início do diretório para aldeamento dos indígenas, alcançado em 1861, no qual aconteceu a civilização e sedentarismo forçado das etnias nômades na região próxima ao Corumbau e o combate às diversas linguagens que poderiam estar presentes na comunidade. O povoamento da aldeia nas proximidades do Monte Pascoal (conhecida pelo nome de Aldeia de Barra Velha, ou Aldeia Bom Jardim entre os indígenas Pataxó) se deu por terem avistado indígenas pescando no rio corumbau, além da presença do que é registrado como ‘indígenas bravios’ na região, indígenas sem caracterização de hostilidade, mas que possuíam um apreço incompreensível pelos homens brancos
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[Figura 32]
Indígena cabloco, 1834. Jean Baptiste -Debret. Fonte: itaucultural.org .br
pela sua cultura,aos costumes ‘selvagens’, a sua fertilidade e afinição à terra (CARVA LHO, 2013). O processo civilizatório desfez vínculos familiares, favorecendo a separa ção e consequente esquecimento das memórias indígenas. Carvalho (2013) afirma que o processo de reterritorialização existente hoje, no qual há uma retomada das terras indígenas, acontece em momentos diferentes da história, já que há um fracio namento de aldeias e grupos por conta da relação desproporcional entre número de pessoas e recursos naturais, demonstrando o cuidado com a proteção do meio ambiente e respeito aos processos de cicatrização e recuperação dos recursos natu rais.
Importante notar também que grande parte dos Pataxó sequer tinham contato com não-indígenas, tendo o contato forçado por eles, mas que demonstra a presença dos Pataxó na região do extremo sul da Bahia desde o século XVI, pelo menos. Carvalho (2013) aponta que desde então o grupo era alvo de hostilidades e privações, ao passo que também possuíam conflitos e/ ou afinidades com outras etnias. Aqui começa o processo civilizatório forçado, no qual a promessa de paz entre indígenas através do cristianismo (CARVALHO, 2013), começa o processo indireto de aldeamentos próximos aos jesuítas, expulsão de suas terras natais em prol da ganância do branco e consequente expansão das comunidades nos distri tos próximos. Para os Pataxós, há uma compreensão de que a comunidade é o que define a aldeia, diferentemente da organização política; isso significa que, no sentido Pataxó, a aldeia só é aldeia quando há escola (CARVALHO, 2013).
O interesse econômico da região teve um crescimento nas últimas décadas, e, durante a década de 1950, uma quantidade significativa de comunidades Pataxó se dividiram pela costa litorânea da Bahia, principalmente, após acontecimentos violentos que culminaram na disruptura social atual, e na consequente mercanti lização da cultura indígena enquanto método de sobrevivência dentro do capita lismo.
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1.2. O FOGO DE 1951
Assassinatos, espancamentos, prisões, estupros e incêndios definem um período marcante da migração Pataxó. A criação do Parque Nacional do Monte Pascoal, em 1943, resultou na visita técnica ao local para reconhecimento dos limi tes territoriais, onde esbarraram com a aldeia de Barra Velha, considerada a aldeia -mãe dos Pataxó e demarcada em 1861. Em 1949, houve um pedido de auxílio à demarcação das terras indígenas Pataxó através do capitão Pataxó Honório Borges ao SPI no Rio de Janeiro, porém, passado algum tempo, nada havia sido feito e, em uma nova tentativa, o líder Pataxó retorna à aldeia de Barra Velha acompanha dos de dois supostos representantes do SPI (CARVALHO, 2013). Estes, entre tanto, desembarcam em Corumbau com outras intenções a não ser a demarcação de terras, aquelas de saquear o comércio próximo do povoado de Corumbau, que desencadeou a reação da cidade de Porto Seguro, dando o início a uma série de perseguições aos indígenas Pataxó (SAMPAIO, 2000). Os dois forasteiros teriam sido mortos durante a invasão policial, e, tendo sua aldeia praticamente dizimada e seus habitantes foragidos nas matas, a tribo-mãe se dispersou por toda a costa do descobrimento, vendo-se à mercê do crescente ecoturismo da região. Segundo relatos acompanhados por Sampaio (2000), o mal-entendido entre governo e aldeia resultou na perda do território Pataxó nas bases do Monte Pascoal.
Sampaio (2000) segue relatando que segundo os Pataxó, o Parque Nacional do Monte Pascoal estaria destinado à sua cultura, assegurando que, com suas terras, seria possível retomar o estilo e modos de vida anteriores à colonização portuguesa e aldeamentos forçados. Entretanto, fica explícito que o acontecimento concedeu um contexto para que os governadores entregassem o território do Monte Pascoal ao IBAMA, que por anos prosseguiria com a perseguição indígena até a implantação real do parque em 1960 (SAMPAIO, 2000).
As declarações feitas ao governo a respeito da invasão realizada à aldeia de Barra Velha inclui, segundo dados fornecidos por Carvalho (2013), de que have ria uma denúncia da presença de manifestantes comunistas - os dois representan tes desconhecidos estavam associados ao Partido Comunista (SAMPAIO, 2000) -, e também incluía os relatos de que o incêndio da aldeia se deu a pedido do médico da força militar, cuja justificativa se dava pelo suposto apodrecimento de bois no inte rior das casas Pataxó. A invasão resultou na prisão de 38 indígenas, incluindo o líder indígena Honório Borges, na morte de um indígena e dos dois representantes que incitaram a revolta.
Após acontecimentos, a delimitação das terras passou a acontecer, sendo primeiramente voltada a uma faixa quase intocada de mata atlântica, da base da montanha até a costa litorânea, onde também se encontrava manguezais, que correspondia ao território tradicionalmente utilizado pelos Pataxó (SAMPAIO, 2000). Segundo Sampaio (2000), a conseguinte extinção do SPI enquanto órgão indigenista atuante coagiu os indígenas a receberem ofertas de indenização se deixassem suas aldeias no Parque Nacional do Monte Pascoal; houve resistência, entretanto, os indígenas eram impedidos de plantar em suas áreas, situação que
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[Figura 33] (esquerda)
Comunidade Pataxó Hãhãhãe na antiga fazenda São Lucas, 1980. Foto: Hemano Penna. Fonte: pib.socioambiental.org
[Figura 34] (direita)
Marco fixado na TI de Barra Velha pela comissão de criação do Parque Nacio nal do Monte Pascoal, 2001. Foto: E. Almeida. Fonte: pib.socioambiental.org
perdurou anos até a implantação da FUNAI como atual órgão indigenista, implan tando assistência e tutela sobre os Pataxó.
Aqui, começa a influência dos madeireiros e da construção da rodovia BR-101, em 1973, além da construção do mercado turístico. Agora, já impedidos de plan tar e utilizar suas terras, os Pataxó passam a se envolver nas novas atividades que surgiam na região, sendo estimulados a produzir artesanato, uma alternativa muito chamativa pela capacidade de preservação de uma economia forte, baseada no turismo ascendente da região (SAMPAIO, 2000). As comunidades então passaram a se dispersar por toda a costa do descobrimento, visto que ainda não tinham a deci são concreta da FUNAI de utilização de suas terras tradicionais. Posteriormente, a FUNAI estabelece o acordo que facultava o direito ao plantio nas áreas limiares do Monte Pascoal (SAMPAIO, 2000); apesar disso, a dispersão dos Pataxó já era irreversí vel, ainda que alguns tenham retornado em novos núcleos territoriais. Segundo Carvalho (2009), o fogo de 51 foi o maior fator motivador das misturas interétnicas dos Pataxó, encarada de maneira negativa pelos residentes mais velhos, afirmando que a ação matrimonial entre Pataxós e não-Pataxós desfavorece a persis tência da nação enquanto Pataxó. Os acontecimentos posteriores ao fogo de 51 são muito discutidos entre as comunidades indígenas Pataxó, já que acarretam as deci sões e o desespero destas comunidades de se dividir, demarcando o momento no qual houve a necessidade de afastamento da sua aldeia mãe, cujo significado esteve atrelado à terra que lhes foi denominada, do forçamento ao aldeamento sedentá rio, e do apreço que se obteve ao local em que viveram de modo relativamente pací fico ao longo de muitas décadas. A aldeia de Barra Velha, ou Bom Jardim, demons tra também a dor carregada pelos Pataxó de perder, física e simbólica, a essência do seu interior.
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1.3.
A REDELIMITAÇÃO DAS TERRAS TOMBADAS
A ficha técnica constituída pelo IPHAN em 1992 traz não apenas informa ções sobre novos tombamentos e delimitações sobre as áreas de patrimônio como também contém dados históricos acerca das civilizações indígenas, processos de ocupação da cidade alta e da cidade baixa, assim como os processos de evolução econômica de Porto Seguro e seus subsequentes distritos ao longo dos séculos. Data-se desde as missões jesuítas até novas propostas de preservação vigentes até o ano de 1992. Ainda que o documento tenha 30 anos de escrito, muitas informa ções trazem um olhar mais apurado acerca dos conflitos civilizatórios da Costa do Descobrimento, trazendo esclarecimento, à luz dos pensamentos pós constituição de 1988, aos processos de evolução do manuseio para o cuidado com a demarcação de novas terras indígenas.
Historiadores, arquitetos, desenhistas e pesquisadores uniram em uma ficha técnica todos os dados e informações provenientes das capitanias hereditárias de Porto Seguro, com enxertos de cartas proferidas à Ouvidoria de Porto Seguro ou de capitães e herdeiros das terras. Esse documento surge quatro anos após a promulga ção da Constituição de 1988, já mencionada anteriormente, que traz novos concei tos e informações a respeito da preservação do Patrimônio histórico-cultural. Assim sendo, percebe-se a necessidade de redefinir as áreas de proteção e trazer novas análises a respeito do que era o patrimônio presente em Porto Seguro, datando também as presenças do patrimônio imaterial, antes não considerado tão relevante como algo a ser estudado e preservado.
Todavia, ao longo das páginas, percebe-se a insensatez e a falta do cuidado com a fala durante o percurso dos parágrafos, quando tangente às infor mações históricas das capitanias e de suas expansões, sobretudo, sobre as defi nições dos povos e aldeamentos presentes. É parafraseado, com uma certa cons tância, das invasões das etnias indígenas nas vilas coloniais, e de suas descrições. É notado que a linguagem escolhida para descrever o contato indígena-colono provém de um período cercado de preconceitos, proferidos de maneira clara ao definir os índios mais próximos à sociedade – ou seja, aqueles que não eram hostis – repleto de cunhos e expressões ainda coloniais, no que se refere ao definir os índios como ‘dóceis’ e ‘domesticados’, trazendo quase uma perspectiva do indígena enquanto bicho, dentro das novas áreas urbanas crescentes a partir de 1534.
Um tópico interessante é notar que desde a chegada dos colo nos até meados do século XX, a política pública e governamental, fosse ela portu guesa, proferida por Marquês de Pombal, ou brasileira, precede que os reassenta mentos indígenas estivessem propriamente alocados nas extremidades das antigas Vilas que formam hoje a cidade de Porto Seguro, e que sua principal força-tarefa era aquela de proteção às vilas brancas ocupadas pelos colonizadores e suas famílias. A Cidade Alta, inicialmente, era ocupada por famílias mais abastadas e a Cidade Baixa, por comerciantes, trabalhadores e demais habitantes. Os escravos, negros forros e indígenas encontravam-se mais à margem da sociedade, como ainda se pode encon trar nos assentamentos residuais, além da influência que se mantém na organização
[Figura 36] Nova área de delimi tação das áreas tombadas pelo IPHAN em Porto Seguro, BA.
Fonte: Escritório do IPHAN, Porto Seguro, BA.
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[Figura 35] Monte Pascoal, 2020. Foto: Flávio Forner, National Geographic.
da malha urbana atual. Próximo ao século XX, esse modelo se inverteu, com a instau ração do Centro Histórico como preservação e a iniciação do polo turístico que se consagrou a partir da década de 1970 com a criação das rodovias e BR-101. Antes disso, as vilas eram majoritariamente pobres, sobrevivendo de atividades agrícolas, pesca, extração madeireira (incluindo o pau-brasil) assim como alguns engenhos de açúcar.
Nesse mesmo documento, apresenta-se um anexo referente à Aldeia de Barra Velha, com informações a respeito dos grupos indígenas que ocupavam a costa lito rânea. Fala-se das aldeias missionárias jesuíticas, principalmente de Barra Velha, localizado nas proximidades de Corumbau e no Monte Pascoal. O grupo Pataxó é considerado, neste documento, como bravios, dominantes no litoral que manti nham relações comerciais com os tupiniquins e com vilas brancas. É relatado que os Pataxó não mais utilizavam sua língua original (Patxohã), incorporando apenas alguns termos; que não praticavam mais seus rituais indígenas, incorporando assim as festividades católicas, assim como também mantinham suas atividades agríco las e pecuárias e que essa etnia já ocupava a região do Monte Pascoal antes de sua consolidação enquanto Parque. Parte dessa informação é hoje tomada como equí voca, visto que as Aldeias disseminadas entre os distritos de Porto Seguro (sobre tudo a Reserva da Jaqueira) buscam o reavivamento de seus rituais religiosos, assim como incorporam nas escolas indígenas o ensinamento linguagem Patxohã como método de reviver sua cultura.
É citado, também, que os limites impostos pela demarcação do Monte Pascoal foram utilizados de maneira a impedir frentes de expansão indígena. Ainda dentro das questões de delimitação, é citado que a Constituição anterior, de 1946, afirmava que a faixa do Monte Pascoal pertencia aos Pataxó. Entretanto, eles foram impedi dos de produzir em suas terras, passando a sobreviver da pesca e coleta de maris cos, além de começar a busca por empregos em fazendas próximas para garantir sua sobrevivência. Assim, pode-se realizar um traçado da necessidade de sobrevivên cia da etnia Pataxó frente aos avanços econômicos, perdas de terra assim como sua identidade indígena visto que as missões jesuítas, ainda muito presentes no século XIX, propositalmente doaram terras aos aldeamentos indígenas em meados de 1860 (onde se encontra o Parque Nacional do Monte Pascoal hoje) para que as florestas ficassem acessíveis aos brancos e o grupo Pataxó continuasse acessível aos ensina mentos católicos. A Aldeia de Barra Velha passa a ser disseminada após os eventos fatídicos de 1951, consagrando a visão que hoje se tem de o indígena como ser não participante da sociedade.
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1.4. ECOTURISMO E DESENVOLVIMENTO DA CIDADE
À medida que o turismo brasileiro cresce, assim também se faz os interes ses políticos em renovar as infraestruturas das cidades litorâneas para que atraiam mais investimento e promovam crescimento econômico. Embora a ideia principal possa não sugerir uma má conduta, projetos de revitalização e incentivo ao turismo são ameaças constantes em cidades do Extremo Sul da Bahia, sobretudo, em Porto Seguro e seus demais distritos. Enquanto se qualifica como uma forma de gentrifi cação, o principal foco de estudo aqui trata-se dos processos de crescimento turís tico e econômico de Porto Seguro desde 1950, cuja exploração culminou na modifi cação dos métodos de sobrevivência e consequente ‘morte’ parcial de uma cultura há muito desvalorizada por sua própria nação, aquela da etnia Pataxó, presente em toda a extensão do litoral baiano, incluindo os arredores do Parque Nacional do Monte Pascoal e algumas cidades do Norte de Minas Gerais. Utilizando os estudos acerca do turismo predatório dos Pataxó na cidade de Porto Seguro de Grunewald (2001), pode-se compreender a influência da economia turística na formação dos aldeamentos indígenas atuais, presentes na região.
Tendo-se em destaque a importância econômica que o Extremo Sul da Bahia traz para a nação em termos turísticos, é impossível não se distrair pela natureza exótica, praias paradisíacas e a receptividade dos baianos para com os turistas. Fora do espectro turístico, muitos são os problemas velados pela constante guerra imobiliária e ocupação de fazendas por indígenas, da constante desigualdade social entre os seus e, sobretudo, do estereótipo de um povo preguiçoso, marcado na pele pelo sol escaldante submetido à ‘turistificação’ de seu estado natal, perdendo grande parte de sua história e cultura, fazendo-se do que restou comércio para que se tenha um método de sobrevivência, ainda que hostilizada pela própria comuni dade de Porto Seguro.
Dentre as diversas formas de opressão às quais os Pataxó estão submeti das, encontra-se arraigado àquele que se retraiu de forma subliminar, que se passa despercebido na atual configuração da sociedade, mas que é amplamente reconhe cido através do turismo étnico. No Extremo Sul da Bahia, englobando cidades como Porto Seguro, Coroa Vermelha, Santa Cruz Cabrália, Arraial d’Ajuda, Trancoso, Caraíva, Prado dentre outros, tal atividade é vista como um dos principais fenôme nos turísticos, utilizando dos falseamentos ideológicos de uma classe predominan temente branca, como forma de espetáculo. Apresenta-se as aldeias, as ocupações, fala-se do artesanato, das danças e dos ritos, mas ofusca-se o vigor de um povo ao diminuir a cultura Pataxó a um mero ideal do mito do bom selvagem brasileiro, do dócil indígena que recebeu as embarcações de Cabral de braços abertos, onde sua cultura de nada tem valor fora do aspecto turístico, tendo na comercialização de suas vivências a única forma de participação na sociedade, seja esta a partir da apre sentação espetacular de sua carne, da história, da escrita, dos ritos e cantos ou de sua hereditariedade enquanto um povo
O patrimônio histórico de Porto Seguro, há muito esquecido e muitas vezes cobrindo-se com um véu que disfarça seus defeitos estruturais eminentes, é utili
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[Figura 37] Indígena Pataxó em trilha do Parque Nacional do Monte Pascoal. Autor desconhecido. Fon te: brasil.mongabay.com.br
zado de maneira ineficaz para glorificar um passado de extermínio e embranque cimento de uma cultura pré-existente. As festividades do Descobrimento ilustram em sua essência a história contada do ponto de vista do colonizador, dando alusão a um passado manchado pela invasão de um povo europeu que disseminou doen ças e impôs sua religião e modos de vida sem precedentes e sem qualquer cuidado e respeito às culturas existentes.
A criação de resorts, parques aquáticos e passeios temáticos tem forte influência da política local, buscando maneiras diversas pelas quais pode riam extrair da região como turismo. Os indígenas agora passam a ser incentivados pela própria política pública a tornar-se parte de um objeto de comercialização, ou seja, passam a tangenciar a própria visão do indígena como mais um ponto turístico importante e de valor econômico gigantesco para a cidade. Dentro dessa lógica, até mesmo as etnias indígenas passam a enxergar que seu valor passa a ser meramente comercial. O turismo étnico predatório fez com que várias reservas fossem criadas para que se tentasse diminuir ações prejudiciais e buscassem introduzir novamente a cultura indígena afetada pelas guerras simbólicas presentes nas terras de Porto Seguro.
O que se tange aqui é a perda de identidade dos Pataxó, cujos olhares indicam a vertigem pela qual o povo sofre, indiretamente ou diretamente, pelas ações civili zatórias que ocorreram desde 1500, pelo boom turístico ocorrido em Porto Seguro desde as políticas de embelezamento de 1980, assim como do preconceito sofrido dentro de suas terras natais, além da inexistência de uma conexão com seu passado, uma vez que grande parte do conhecimento foi perdido pela falta de representati vidade patrimonial, pelas constantes invasões e guerras civis, e pela cristianização forçada séculos antes. O tal ‘dia do índio’ hoje nada mais é do que um lembrete que a constante expansão territorial da colonização culminou no extermínio de uma rica cultura local, cujas ações passaram a ser denominadas como ‘descoberta’, passando a ter uma data de grande valor nacional e comercial; enquanto os povos originá rios passam a receber apenas um único dia de celebração, marcado por festivida des de cunho glorificador europeu, rebaixando cada vez mais seu valor enquanto povo nativo.
2. DINÂMICAS SOCIOCULTURAIS
2.1. A RESERVA DA JAQUEIRA
Velame (2010) em seus estudos sobre a culturalização dos Pataxó, afirma que a Reserva da Jaqueira pode ser considerada o ápice do turismo étnico, e de certa forma podemos concordar com sua afirmação. A reserva da Jaqueira, fundada em 1998, é hoje considerada a maior aldeia turística da região, mas que sob análise de Grünewald (2000) e Velame (2010), há um resgate de uma imagem proliferada pelo imaginário europeu, aquela do ‘bom selvagem’, do indígena enquanto ser puro, imaculado, e da criação de um cenário digno do Jardim de Éden na terra. Velame (2010) ainda vai mais à frente na crítica social ao afirmar que a reserva seria uma grande invenção de um museu a céu aberto, na qual a cultura passa a ser objeto de aproveitamento turístico, podendo os estrangeiros fazerem parte, conhecer os indí genas tais quais Cabral encontrou a mais de quinhentos anos atrás.
A verdade é que de fato nenhum indígena reside na reserva hoje, sendo mais um espaço de palco, um cenário montado para garantir uma economia local e de sustentação a quem depende dele. Grünewald (2000) afirma que a constitui ção de um grupo indígena requer um território, e, tendo examinado os processos de criação das tradições indígenas, constatou que as tradições Pataxó entraram em um momento exibicionista por conta de fatores externos, sobretudo, do turismo na região. Por se tratar de uma aldeia relativamente nova, em território pautado por demarcações fortes de um turismo ecológico, é natural que a construção de novas tradições voltadas ao meio turístico, passem a incorporar expressões externas à cultura indígena, visto que não há mais uma cultura intocada por outras incorpora ções desde 1500.
Segundo Grünewald (2000), a visão entre os Pataxó é também rebaixada ao nível turístico, dando poder aos agentes sociais de aproveitarem desses fatores para benefício próprio. Dentro das comunidades indígenas presentes nos distri tos de Porto Seguro, percebe-se a alta concentração de produção artesanal, que se tornaram elementos centrais decisivos na reconstrução de sua identidade. Como discutido anteriormente, os processos de crescimento turístico e econômico de Porto Seguro desde 1973 modificou os modos de sobrevivência; aliado aos aconte cimentos no Monte Pascoal anos antes, o artesanato passa, agora, a ser um grande atrativo por ter um potencial econômico e difusor de uma cultura, que passa a ser afetado pelo turismo étnico.
Mas o que seria, então, o turismo étnico praticado dentro da reserva indí gena? Ela é a consequência do ‘regime de índio’ relatado por Grünewald (2000), na qual a constituição das relações sociais com agentes externos à área indígena assim como à situação histórica de reserva causa o rearranjo das estruturas sociais Pataxó de acordo com o interesse econômico e turístico, vide validação dos centros tomba dos pelo IPHAN de acordo com a época de visitação; é normalmente nas festivi dades próximas ao dia do índio que há uma maior procura em pontos de reserva indígena pelos estrangeiros. As festividades do Descobrimento dão alusão a um passado manchado pela invasão do povo europeu que disseminou seu colonialismo sem precedentes e sem interesse em manter as culturas pré-existentes brasileiras.
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[Figura 38] Ritual Awê performado por indígenas Pataxó na Reserva da Jaqueira. Foto: Sarah Siqueira. Fonte: pib.socioambiental.org
[Figura 39] Cabana com merca doria artesanal à venda dentro da Reserva da Jaqueira, 2021. Autor desconhecido. Fonte: viajadaqui. com.br
[Figura 40] Construções Pataxó com destinação à escola na Reserva da Jaqueira, 2021. Autor desconheci do. Fonte: viajadaqui.com.br
Embora tenha acabado, o colonialismo na verdade permanece, mas agora encontra -se escondido em termos e posicionamentos geográficos que favorecem a cultura ibérica ou de elite.
A reserva indígena encontrou um modo de ressignificar a arquitetura Pataxó após o sedentarismo imposto nas últimas décadas e substituição das choças de montagem por estruturas fixas; as Kijemes agora passam as er construções circu lares, hexagonais ou octogonais, feitas com pilares de madeira, taipa de mão, sopapo sobre grade de madeira, telhado cônico com palha de palmeiras e duas portas, uma de entrada e uma de fuga, para caso seja necessário, no pior cenário possível, fugir (VELAME, 2010). Por conta de seu significado ritualístico, a arquitetura das Kije mes passa a ser considerada também um elemento turístico dentro da reserva da Jaqueira.
O incômodo criado por essas críticas se dá por conta dos espaços de expo sição descontextualizados, uma união de fragmentos de culturas, da exibição dos corpos indígenas e seus estilos de vida como objeto mercantil, algo a ser consu mido pelo homem moderno como qualquer outro pedaço de mídia. O simulacro Kijeme da reserva da Jaqueira também é palco para encenações ritualísticas, dando margem à fetichização de um ritual sagrado, convidando estrangeiros para come morar as celebrações indígenas Pataxó juntamente à comunidade ali presente. Pode-se encontrar também a venda de mercadorias indígenas, como arcos, flechas, pilões, etc, que carregam grande valor simbólico da cultura Pataxó, mas que nem sempre são utilizados no cotidiano devido à modernização e globalização, consti tuindo mais uma fetichização da cultura em forma de mercadoria (VELAME, 2010).
[Figura 40] Interior das salas de aula da escola Patxohã na Reserva da Jaqueira, 2021. Autor desconheci do. Fonte: viajadaqui.com.br
Entretanto, é muito interessante perceber que, apesar de conter um cenário espetacular para atrair estrangeiros e convidá-los a participar do cotidiano dos Pataxó, a reserva da Jaqueira tem colaborado para que as escolas indígenas consigam integrar as culturas presentes na região, além da preservação e identi dade indígena, mostrando um pouco também da realidade da etnia através das visi tas guiadas à reserva. Há um grande esforço para recuperar e integrar os vocábu los indígenas que provêm do Patxohã, a língua do guerreiro Pataxó, que encontra-se parcialmente perdido, incorporados eventualmente em algumas palavras. Na aldeia de Coroa Vermelha, o Patxohã se tornou disciplina do ensino fundamental e ensino médio desde 2003 e 2007, respectivamente (CARVALHO, 2013).
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2.2. OS MODOS DE VIDA SAZONAIS
Antes do patrimônio brasileiro envolver parte das diversas e incontáveis cultu ras indígenas no país, as comunidades possuíam costumes próprios que foram há muito perdidos, não somente por conta da expansão de fronteiras, colonização e violência, mas também por conta das trocas culturais entre etnias. O povo Pataxó era conhecidamente nômade, vivendo sazonalmente em regiões distintas da Bahia de acordo com a necessidade de assentamento temporário para plantar, colher, nutrir. Por conta das políticas de aldeamento instauradas a partir de meados do século XVIII e XIX e, segundo descrições do, documento realizado em Porto Seguro pelo IPHAN (1992), grande parte desses aldeamentos estavam localizados nos limites entre as vilas, conferindo ordem de proteção aos pequenos vilarejos, majoritariamente bran cos.
Parte da identidade étnica Pataxó se faz, hoje, através de referências históri cas ligadas ao ‘descobrimento’ do Brasil e da linguagem Patxohã, do tronco linguís tico matxohe. O atual cenário turístico brasileiro é carregado de preceitos coloniza dores, principalmente no que diz respeito aos ideais de salvação. Indiretamente, ao longo da cidade, as pessoas são levadas a glorificar o passado, entrando sempre em contato com edificações e histórias que remetem às boas feitorias realizadas pelos colonos. Grande exemplo dessas histórias é encontrado no museu do Descobri mento, localizado na orla de Porto Seguro. Na primeira década dos anos 2000, criou -se um cenário esplêndido que imitava um navio português, ancorado na beira da praia com todas as características plausíveis de uma reconstrução de um verdadeiro. O museu, apelidado de ‘Memorial da Epopéia do Descobrimento’, nada mais é do que a imagem que reflete a sociedade brasileira; aquela que valoriza costumes ibéri cos, a cultura da elite que dominou a nação por séculos antes de sua emancipação. A própria entrada da cidade prefere dar luz a Pedro Álvares Cabral, mantendo sua está tua glorificada ao centro de uma praça na entrada da cidade. A estátua mostra sua mão apontada ao horizonte, refletindo, mais uma vez, a imagem lúdica, uma recria ção de uma possível cena do passado, da glorificação europeia e da demonização da cultura nativa.
Pouco se pode falar do centro histórico a não ser da fatídica cruz onde se reali zou a primeira missa cristã em território brasileiro, onde mantém-se as ruínas da cruz, das edificações e das histórias que permanecem no lugar, mas pouco se faz referência à cultura indígena que foi forçada a assistir, curiosos e sem entender uma palavra, uma celebração religiosa a um Deus que não era o seu. Os costumes perdi dos nessas pequenas violências forçaram os indígenas a introduzir sua cultura com a de outros de modo a permanecer vivos de alguma forma. Tomando em conta toda a história relatada aqui em capítulos anteriores, é possível traçar uma linha do tempo, contando desde as tribos de origem tupi até as remanescentes na região na atua lidade. As que permaneceram, diga-se as de etnia Pataxó, só o fizeram por meio da mistura de culturas; e, no caso deles, principalmente por conta dos aldeamen tos forçados ao longo dos séculos e de sua consequente expulsão dos aldeamen tos que viviam a pelo menos 150 anos para espalhar-se ao longo da aclamada Costa
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[Figura 41] Indígenas Pataxó. Autor desconhecido. Fonte: ufmg.br
[Figura 42] Nau do Museu da Epopeia do descobrimento. Autor desconhecido. Fonte: hoteisquinta dosol.com.br
do Descobrimento em busca de uma maneira de manter viva a sua própria nação dentro de outra predatória.
Se, antes de todos os acontecimentos ao longo dos 500 e poucos anos de histó ria brasileira, os Pataxó eram povos nômades sazonais por conta das estações de ano e necessidades físicas, hoje, as comunidade Pataxó prosseguem tendo costu mes sazonais, mas ressignificado para o turismo local. Hoje, as comunidades encon tram-se à mercê da venda e envolvimento de estrangeiros em suas vivências para garantir sua sobrevivência em meio a uma sociedade voltada aos processos turísti cos de Porto Seguro. Isso significa que alguns meses do ano grande parte das comu nidades podem passar por uma escassez econômica devido aos períodos de baixa temporada, normalmente de abril a junho e de agosto a outubro. Isso não é refletido somente nas reservas indígenas, como também em toda a cidade.
[Figura 43] Artesanato indígena Pataxó à venda em Coroa Vermelha, BA, 2012. Autor desconhecido. Fonte: bronzeletra.blogspot.com
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3. DIMENSÃO FÍSICO-NATURAL
No documento de redelimitação das áreas tombadas de Porto Seguro, pelo IPHAN (1992), os relatos da vegetação permanecem praticamente inalterados, salvo algumas observações de locais que até então não haviam tido contato com a cons trução de resorts e condomínios. O primeiro registro sobre as vegetações do litoral do extremo sul estaria, é claro, na carta de Pero Vaz de Caminha, na qual há uma cita ção de uma grande montanha com ‘arvoredos’ e terras baixas (Monte Pascoal e faixa de mata atlântica que desce a montanha em direção à costa), hoje sem grande parte dos ‘arvoredos’ mencionados por Caminha, por conta do desmatamento em favore cimento das indústrias madeireiras.
O capítulo IV do documento é a que rege a caracterização da área de estudo, trazendo análises gerais a respeito da morfologia, relevo, solo, vegetação e clima e até mesmo a capacidade do uso dos recursos naturais renováveis. No pano rama geral, Porto Seguro possui terras montanhosas, com ramificações da serra dos Aimorés, tendo seu ponto mais elevado o Monte Pascoal, com 536m de altura. Possui um sistema viário regido pela BR-101 que corta o município no sentido N/S, pela BR-367 que liga-se à BR-101 e pela BA-001, que liga Porto Seguro à Santa Cruz Cabrália. Na época datada do documento, a maioria das estradas foram marcadas como não pavimentadas, e, embora ainda haja tais estradas no território hoje, a grande maioria delas só diz respeito às que dão passagem para as Reservas Indíge nas ou ao acesso às fazendas no interior da cidade.
É dividido, no documento, o relevo de Porto Seguro em duas zonas, sendo elas os tabuleiros litorâneos e as colinas centrais; a primeira tendo as característi cas de homogeneidade, apresentando pouca declividade, com escarpas abruptas pela proximidade ao mar. Entre as falésias e o oceano tem-se as planícies litorâneas, podendo ser amplas como as de Coroa Vermelha ou estreitas quando se aden tra Arraial d’Ajuda, na qual a falésia encontra diretamente com a praia. É também perceptível, tanto em documento quanto atualmente, que as planícies litorâneas possuem um sistema hidrográfico extenso, com grandes áreas de inundação, regi das pelo regime de chuvas instável da região. Nessa planície estão localizados uma grande extensão de manguezais, sujeitos à inundação das águas marinhas.
Os tabuleiros litorâneos hoje apresentam uma grande concentração de áreas antrópicas, acentuadas nos últimos 30 anos desde a escrita do documento do IPHAN, com alguns componentes de vegetação secundária. Pastagens são comuns de avistar na faixa próxima ao litoral devido às atividades agrícolas. As áreas de formação primária, aquelas que pertencem à Mata Atlântica e as de floresta tropi cal estão ameaçadas, pouco vistas e muito reduzidas, fazendo-se um esforço, hoje, para recuperar e preservar esses espaços. O processo de desmatamento das déca das de 1980 e 1990 ainda são muito perceptíveis e presentes, ainda que reduzidas, através da extração dos espécimes vegetais sem uma fase de recuperação ou repo sição sistemática. Nas planícies litorâneas, as herbáceas e remanescentes da restinga se fazem presentes, tendo hoje a prefeitura tomado ação a respeito da recuperação das áreas restingas, promovendo as ações ambientais necessárias de proteção a essa
[Figura 44] (superior) Vista panorâmica do alto do mucu gê, Arraial d'Ajuda, BA, 2021. Fonte: acervo pessoal.
[Figura 45] (inferior)
Vista panorâmica do Outeiro da Glória, Porto Seguro, BA, 2022. Fonte: acervo pessoal.
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[Figura 46] (esquerda)
Vista panorâmica da Orla de Porto Seguro, BA, 1957. Autor desconhe cido. Fonte: IBGE.
[Figura 47] (direita)
Vista panorâmica da Orla de Porto Seguro, BA, 2022. Fonte: acervo pessoal.
mata remanescente.
Vale ressaltar que a Cidade Alta está localizada na porção montanhosa da cidade, com relevo de característica acidentada, situada num platô a cavaleiro do mar, tendo como funções primitivas a administração, religião e residência das clas ses dominantes; hoje sendo mais um polo turístico da região. O documento, por fim, ainda caracteriza a cidade em um aspecto interessante: da ocupação do litoral em momentos econômicos distintos, antes e depois da construção da BR-101. É citado que até 1973, a ocupação no litoral se dava unicamente nos núcleos urbanos, tendo entre eles espaços para atividades agrícolas, pesca e extração de madeira. A princí pio, as condições explicitadas resultaram em uma paisagem harmônica, no qual os núcleos urbanos se encaixavam à paisagem natural.
Depois da BR-101, com a facilidade de acesso à cidade, a ocupação dos centros urbanos foi intensificada em loteamentos, destinados principalmente para a população flutuante; varejistas e equipamentos turísticos passaram a ser o prin cipal elemento urbano presente nos pequenos núcleos urbanos de Porto Seguro. Como não havia, até então, um controle municipal de ocupação, ficava a critério do proprietário do loteamento a qualidade e o equilíbrio entre paisagem e arquitetura. Após a confusão do crescimento desordenado da cidade, houve o crescimento turís tico, que culminou numa migração do campo para a cidade, elevando o valor dos imóveis, aumentando também a oferta de empregos sazonais. O turismo passa a ser caracterizado, portanto, como principal fator de crescimento de Porto Seguro e seus distritos, além de auxiliar na proliferação dos loteamentos, ocupação de mangue zais, resultando num turismo que causa desrespeito às comunidades nativas e aos conjuntos urbanos históricos e culturais.
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[Figura 48] (superior) Panorama da cidade de Porto Segu ro, 1973. Foto e reprodução: IBGE.
[Figura 49] Ladeira da saudade, Porto Seguro, BA, 1970. Foto e reprodução: IBGE.
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[Figura 50] Fotografia macro de uma suculenta, Porto Seguro, BA. 2021. Fonte: acervo pessoal.
ESTUDOS DE CASO
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CAPÍTULO.
A GREEN SCHOOL E A RELAÇÃO COM A IBUKU
Em meados da década de 1970, John Hardy se mudou para Bali, na Indonésia, onde conheceu sua esposa Cynthia e teve suas quatro filhas. Em uma conferência realizada pela TedTalk em 2008, Hardy conta como sua perspectiva de vida mudou ao vislumbrar o documentário Uma Verdade Inconveniente (2008), do diretor Davis Guggenheim. Segundo seu relato, Hardy retomou sua infância e criação em escolas que seguem a mesma tipologia Fordiana de ensino há décadas, presentes na maior parte das escolas mundiais, encaixando seus alunos em fileiras com mesas quadra das, tendo uma hereditariedade clara presente em salas de aula, sem margens para a criatividade ou para atenção de pessoas com dificuldades cognitivas, neurodiver gentes, dentre outras.
Ao se deparar com as filmagens de Guggenheim, Hardy tomou a decisão de criar e transformar os métodos de ensino tradicionais, incorporando a noção de conhe cimentos locais para o desenvolvimento das crianças e adolescentes que viriam a estudar em sua escola. Por ter tido contato por anos com artesãos de Bali, muitos de seus conhecimentos foram traduzidos para o método holístico da chamada Green School, incorporando métodos de vida, recuperando modos de fazer locais e ensi nando seus estudantes a terem um espaço de produção livre para compreender a vida como um todo, já que elas são responsáveis pelo futuro do planeta. A primeira escola, fundada em Bali em 2006, traz aos estudantes as conceituações da sustenta bilidade em prática, não apenas por conta de sua magnífica estrutura com materiali dades regionais, somando-se à utilização do bambu, orquestrada por mãos de obra locais, mas também integrando, em seu currículo, a educação da sustentabilidade através da integração com a comunidade, aprendizado empresarial interligado ao ambiente natural.
É interessante notar que não apenas seu currículo e estrutura arquitetônica estão inseridos e conectados com o ambiente natural, como também seu corpo docente é diverso, dando margem para que a própria comunidade balinesa esteja presente na formação de uma comunidade integrada ao futuro. Intencionalmente, talvez, através dessa integração real e verdadeira com a comunidade local, a Green School tenha promovido uma ação de preservação da cultura local ao trazer suas vivências no cotidiano da escola. O envolvimento dos estudantes com a vida local é imensa e demonstrada por Hardy em sua fala e também em registros fotográfi cos. Arquitetos, engenheiros, designers e artesãos se unificaram para produzir a escola, de aproximadamente 7km de extensão, mantendo a preservação ecológica presente nos arredores da escola.
Tal integração com o meio pode produzir efeitos positivos na educação das crianças, sobretudo daquelas que sentem dificuldade no aprendizado Fordiano. Ambientes com ventilação e luz natural, com salas abertas e mesas não estrutura das nas famosas fileiras das salas de aula comuns promovem o bem-estar daqueles que permanecem no local, promovendo um modelo educacional que enriquece a criança, dando-as a experiência da sustentabilidade e da liberdade de criar, tendo o contato com possibilidades de um futuro que pertence somente à elas.
[Figura 52] Planta do primeiro pavimento da Green School, mostrando a forma que se trans formou na marca registrada da escola. Fonte: greenbyjohn.com
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[Figura 51] John e Cynthia Hardy. Fonte: greenbyjohn.com
Uma das filhas de John Hardy, Elora Hardy, cresceu em Bali no meio dos arte sãos e comunidades balinesos, onde obteve grande inspiração pessoal para a preser vação do meio ambiente e construção de casas sustentáveis através de materiais locais, sobretudo da utilização do bambu como principal material construtivo, dado sua longevidade e flexibilidade de formas. Após se graduar nos Estados Unidos, Elora Hardy retornou a Bali com a intenção de fundar um escritório, com seu pai, John Hardy, como co-fundador, que construísse casas e escolas com materiais ecoló gicos na Ásia. É interessante notar que são estrangeiros trabalhando com arquite tura ecológica e local na Ásia. Vale ressaltar que o primeiro projeto da Green School em Bali foi projetada pela IBUKU, ou melhor, por arquitetos e engenheiros que viriam fazer parte do futuro escritório, fundado em 2010.
A família de Hardy chegou na Indonésia nos anos 1970, onde criaram seus filhos em meio à comunidades locais. A IBUKU, como ficou conhecida mundial mente, conta com uma equipe de designers, arquitetos e engenheiros que explo ram o uso do bambu para construção de casas, hotéis, escolas e espaços de eventos em Bali, na Indonésia. O escritório utiliza as artes artesãs dos balineses combina das aos designs inovadores, auxiliando a cultura local ao valorizar a mão de obra presente, além de promover uma preservação das comunidades existentes e seus modos de vida. São um grande exemplo do que a arquitetura pode alcançar quando se promove a preservação das culturas e comunidades locais e originárias em virtude da cultura da globalização.
[Figura 53]
Planta de implantação da Green School. Fonte: archdaily.com.br
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[Figura 54] (superior)
Passagem sobre ponte, Green School. Foto: PT Bambu. Fonte: greenschool. org
[Figura 55] (inferior)
Área de plantação e colheita, Green School. Foto: PT Bambu. Fonte: greens chool.org
[Figura 56] (superior)
Estrutura interior da Green School. Foto: PT Bambu. Fonte: greenschool. org
[Figura 57] (inferior)
Salas de aula da Green School. Foto: PT Bambu. Fonte: greenschool.org
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PAVILHÃO THE ARC, IBUKU
O projeto, finalizado em 2021, foi destinado ao campus da Green School em Bali, na Indonésia. A edificação, que possui aproximadamente 720m², encontra-se nas imediações da escola, sendo um centro esportivo para seus estudantes. A prin cipal materialidade, como já se pode imaginar devido às idealizações do escritó rio que realizou o projeto, é o bambu. De dimensão espetacular, é a construção de maior complexidade da IBUKU até hoje, tendo sua edificação quatorze metros de altura, bambus curvados em direções opostas, desafiando cada vez mais a flexibi lidade do material, mantendo-se seguro através das grades anticlásticas - estrutu ras que permitem a configuração de duas curvaturas contrárias, fazendo com que os centros dos raios de curvatura proposta estejam em lados opostos da membrana.
Os arcos de bambu, curvados em duas diferentes formas, se entrelaçam garan tindo a sustentação geral da estrutura. A ironia é que o que mantém os arcos estrutu rados são as finas estruturas em grade anticlásticas tensionadas, que à primeira vista, parece ser apenas um elemento decorativo, um ‘embelezamento’, por assim dizer, da estrutura interna da quadra esportiva. Jörg Stamm, designer responsável pelo conceito por trás da The Arc, inspirado pela membrana que envolve a caixa toráxica e segura o pulmão, descreve:
“O arco opera tal qual as costelas do peito de um mamífero, estabilizadas por membranas de tração análogas aos tendões e músculos entre as costelas. Biologicamente, esses tendões microscópicos altamente tensos transferem forças de osso para osso. Em The Arc, as divisões de bambu transferem forças de arco para arco”. (Jörg Stamm, The Arc at Green School, desig ner, para Wallpaper Magazine, nov. 2021)
A geometria foi pensada e calculada de modo a manter um estado de equi líbrio entre os arcos, permitindo que a estrutura interna não necessitasse de treli ças em sua cobertura, já que a rigidez das formas forneceram à cobertura a resis tência altíssima à possíveis flambagens. A compressão dos espaços permitiu, acima de tudo, que a menor quantidade de material fosse utilizado em sua construção e também sua rápida montagem e construção, tendo uma duração completa de oito meses. Assim como no sistema de pilares e vigas da alvenaria tradicional, a rigi dez permitiu que as cargas fossem flexionadas, redistribuindo o peso da estrutura e aliviando possíveis tensões dos arcos. Mas por que utilizar o bambu para construção dessa grandiosa estrutura esportiva? A resposta vem da causa ecológica empregada pela IBUKU: o bambu possui grande força, beleza e flexibilidade, além de ter bene fícios como crescimento relativamente curto (de quatro a seis anos) e alta captação de carbono da atmosfera, se tornando um dos materiais construtivos mais conscien temente ecológicos possível atualmente.
Além disso, o bambu já era muito utilizado na Ásia em estruturas de instala ção de curto período; só não eram reutilizáveis por conta da falta de técnica para prolongar sua vida útil. Com novos métodos de tratamento disponíveis, sua vida
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[Figura 58] Detalhe de fundação aparente e bambu. Foto: Thomma so Riva. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 59] Interior do The Arc. Foto: Thomma so Riva. Fonte: archdaily.com.br
útil é prolongada, permitindo com que as construções permaneçam por anos, até mesmo décadas, utilizáveis. Inclui-se na conceituação da IBUKU a relação entre homem e natureza, da recuperação e preservação da qualidade de vida através da sustentabilidade e ecologia aplicada às construções. Fora isso, o bambu possui forças comparáveis ao concreto convencional, além de ser sustentável e de reno vação natural. A mistura de técnicas tradicionais antigas e novas fazem do projeto um excelente exemplo de como a arquitetura e o conhecimento vernacular podem atuar na pós-modernidade, ao integrar os conhecimentos milenares com as novas tecnologias introduzidas pela industrialização do mundo contemporâneo.
A integração da estrutura com o meio ambiente é notório, visto que, tal qual as outras construções do complexo da Green School, o pavilhão apresenta layout flexí vel e aberto. Percebe-se que a presença da biofilia é tanta que as estruturas curva das dão a impressão de que há um processo respiratório acontecendo, fenômeno talvez intencional no momento de construção de The Arc. A estrutura monumental é uma homenagem às culturas locais hereditárias, à prática milenar da construção e artesanato com bambu, assim como, ouso dizer, uma ode à arquitetura contemporâ nea por incorporar formas orgânicas, o conhecimento vernacular e a biofilia à estru tura rígida, mas ao mesmo tempo flexível, dos arcos de bambu. O ambiente em si cria uma sensação de grandeza e respeito à natureza próxima, incitando, ainda que indiretamente, a preservação dos modos de construir locais para gerações futuras.
[Figura 62] Estrutura externa do da construção The Arc. Foto: Thomma so Riva. Fonte: archdaily.com.br
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[Figura 60] Plano de seção trans versal do The Arc. Fonte: archdaily. com.br
[Figura 61] Plano de seção longitudi nal do The Arc. Fonte: archdaily. com.br
[Figura 63] (superior)
Implantação do The Arc em relação à Green School. Foto: Thommaso Riva. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 64] (inferior esquerda) Detalhes externos da cobertura de bambu. Foto: Thommaso Riva. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 65] (inferior direita)
Detalhes internos da cobertura e estruturas anticlásticas.. Foto: Thommaso Riva. Fonte: archdaily. com.br
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CENTRO CULTURAL INDÍGENA TXONDAROS TEKOA MBAÉ
Surgiu, na cidade de Barão de Antonina, um importante projeto que lida com as sensibilidades indígenas da comunidade de tronco tupi-guarani, os Txondaros Tekoa Mbaé, reconhecidos pela FUNAI enquanto territorialidade indígena somente em 2011. O projeto trata-se de um centro cultural cuja finalidade, segundo relatos do ArchDaily, é de ser um dos marcos mais importantes da identidade cultural Tupi -Guarani de São Paulo. Por se tratar de um projeto recente, poucas informações a respeito das medidas e áreas são fornecidas; é um projeto que se encontra em fase de construção, portanto, aqui a análise é um pouco mais cultural, do cuidado com a materialidade e respeito às tradições da cultura indígena dos Txondaros Tekoa Mbaé. O grupo responsável pelo projeto é o Tagwató Imarangatu, em união do arte são e ex-cacique da comunidade, Valdeir Candido de Lima. Como dito anterior mente, o centro cultural terá uma destinação à preservação da cultura daquela comunidade, mas que funcionará enquanto houver possibilidades de interligação entre conhecimentos distintos - no caso, da troca entre diferentes culturas. Falando do layout e espaços físicos, a estrutura é demarcada por grandes espaços de exposi ção, além das áreas destinadas às apresentações e espaços específicos para ativida des diversas. É também prevista que haja uma área comum, onde visitantes possam dar-se ao prazer da ociosidade para além dos momentos de aprendizado.
Quanto à organização estrutural, o volume muito se assemelha a estrutu ras arquitetônicas de outras culturas; a presença de uma construção central que possui uma abertura generosa em seu eixo central; estruturas curvas construídas com materiais também muito utilizados em outras etnias indígenas, como o sapé, o bambu e a madeira, construindo espaços que abrem-se a um pátio central - outra coincidência ou será digna de outras trocas indígenas, que podem ter acontecido ao longo dos séculos?
Assim como nos outros estudos de caso, as estruturas estão alocadas em quatro eixos que se interseccionam, com arcos de madeira - aqui, autoportantes, diferentemente das estruturas anticlásticas utilizadas para redirecionar o sentido das curvas de um determinado material -, de formato estreito, leves, de fácil monta gem, dispensando mão de obra qualificada, além de manter as construções rápi das e limpas. O projeto se encontra localizado em meio a uma vasta mata, incor porando seus sentidos às existências locais, enquadrando-se como uma paisagem unificada. A estrutura também conta com a passagem de um afluente no meio do seu projeto, demonstrando, além de tudo, o respeito e a integração da natureza ao redor da estrutura circular.
É importante que, em um projeto como esse, no qual se busca reviver uma memória dos antepassados e de repassar as técnicas e tradições do passado, tenha se mantido o ideal de utilização de mão de obra artesã da própria comunidade, assim como da utilização das técnicas construtivas ancestrais dos tupi-guarani, e dos materiais mais utilizados por essa etnia. Esse é o tipo de resgate que engaja as comunidades com a sociedade externa, que traz elementos possivelmente esqueci
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[Figura 66] Estrutura externa do centro Cultural. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 67] Estruturas e espaços internos do centro cultural. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 68] Pátio central descoberto. Fonte: archdaily.com.br
dos e os transformam em um espaço de ‘reabilitação’, resistindo aos esforços moder nos de ampliação territorial e morte de inúmeras culturas indígenas. Embora possua um papel de viés turístico fortíssimo, a escolha da modelagem aos moldes das cons truções indígenas da etnia em questão demonstra um cuidado com a memória pré-existente naquela comunidade.
No momento, o projeto não foi construído, constituindo a fase de captação de financiamentos para o desenvolvimento e execução das obras necessárias.
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[Figura 69] (esquerda)
Implantação do projeto em meio à mata. Fonte: archdaily.com.br
[Figura 70] (superior direita)
Implantação ortogonal do projeto.
Fonte: archdaily.com.br
[Figura 71] (inferior direita)
Corte da implantação do projeto. Fonte: archdaily.com.br
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PATAXÓ CAPÍTULO. 04
MEMORIAL
LOCALIZAÇÃO
O terreno escolhido para o estudo de viabilidade do projeto qualifica-se como terreno em área de APG (Área de Ponta Grande), com densidade média de vegeta ção a ser discutido posteriormente. A região em que se encontra também está inse rido no projeto de tombamento de Porto Seguro, configurando-se como Zona de Proteção de Mata Atlântica (ZPMAs), conforme documentação da nova delimita ção dos limites de tombamento de 1992 pelo órgão.
Imediatamente em seu entorno encontra-se a BR BA-001 que tem sentido Coroa Vermelha e centro de Porto Seguro, estando o terreno localizado pouco após a bifurcação do trevo de entrada/ saída da Reserva indígena da Jaqueira, na qual a estrada deixa de ser asfaltada e/ou pavimentada para a de chão batido. O grande espaço alocado para posição da futura intervenção possui uma mata majoritaria mente de pasto e gramínea, tendo remanescentes construtivos do que aparenta ser um galpão e um pequeno curral, abandonado, deixando-se apenas os tocos de madeira à vista no terreno.
Se percorrido o caminho da terra batida, chega-se à entrada da Reserva indí gena da Jaqueira. O principal motivo de escolha desta área se dá por motivos espe cíficos: a necessidade de se criar um espaço de memória necessita de um lotea mento com grande área, podendo ser utilizado de inúmeras formas conforme necessidade pelas etnias indígenas ali presentes; o afastamento das zonas de aden samento, visto que tais áreas são destinadas ao turismo festivo, finalidade que não convém com o produto deste trabalho; e, por fim, do contato com a natureza em um local com algum nível de poluição, para que se consiga promover a preservação da mata atlântica remanescente no local.
[Figura 72]
Mapa de Porto Seguro, BA. Fonte: Google Earth, 2022.
Situado no município de Porto Seguro, BA, o terreno encontra-se a aproximadamente 13km do centro da cidade, nas proximidades da Reserva Indígena da Jaqueira.
Área com alto índice de adensamento Reserva Indígena da Jaqueira Centro Histórico Área de intervenção
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[Figura 73]
Mapa dePorto Seguro, BA. Fonte: Google Earth, 2022.
Área de APG (Área de Ponta Grande) Área com alto índice de adensamento Reserva Indígena da Jaqueira Área de intervenção
[Figura 74]
Mapa de Porto Seguro, BA. Fonte: Google Earth, 2022.
O terreno encontra-se em área de APG (Área de Ponta Grande), impli cando a inexistência de loteamentos existentes, sendo necessária um estudo de áreas para que se possa determinar uma delimitação de lote para intervenção.
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MORFOLOGIA
O terreno possui uma quantidade vegetativa generosa, embora grande parte seja gramínea para pastagem. Há árvores em locais distintos do terreno, mas que não compõem a paisagem natural deste, por se tratarem de espécies possivelmente invasoras por conta do histórico de ocupação do lugar. Não há indícios de ocupação prévia, apesar dos mapas de satélite indicarem a presença de uma estrutura edifi cada. É possível de que houvesse um galpão, mas que foi desmontado por ordem da FUNAI/ IPHAN ou IBAMA para proteger a mata existente e promover a recupera ção da fauna e da flora local.
A área não possui declives ou depressões, sendo majoritariamente plano como praticamente toda a área que está inserida em APG (Área de Ponta Grande). Tais quais apontamentos do documento de Redelimitação das áreas tombadas de Porto Seguro pelo IPHAN (1992), há configurações vegetativas e de solo simila res às características das planícies litorâneas com manchas significativas de mata atlântica. Para realização de qualquer intervenção, é necessário aprovação prévia dos órgãos competentes, vide prefeitura municipal de Porto Seguro, IPHAN Porto Seguro, FUNAI e subsequente apoio das Reservas Indígenas que se localizam nas áreas de APG (Área de Ponta Grande).
[Figura 75] (superior esquerda) Trevo de entrada sentido Coroa Vermelha à estrada da Reserva indígena da Jaqueira, 2022. Fonte: acervo pessoal.
[Figura 76] (superior direita) Estudo abstrato sobre a mancha vegetativa presente no terreno. Ilustração da autora.
[Figura 77] (inferior) Trevo de entrada sentido Porto Se guro à estrada da Reserva indígena da Jaqueira, 2022. Fonte: acervo pessoal.
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[Figura 78] (esquerda)
Caminho na estrada de chão sen tido Reserva indígena da Jaqueira, 2022. Fonte: acervo pessoal.
[Figura 79] (direita)
Vista lateral do terreno à direita da entrada, 2022. Fonte: acervo pessoal.
Ao entrar na estrada de chão batido imediatamente após o trevo, deparamos com a fachada lateral do terreno, no qual consegue-se notar a presença de estru turas remanescentes do que parece ser um antigo curral, assim como um caminho que passa por um pedaço do terreno, também aparentes da passagem de carros no local, tendo também muita areia e pastagem. A paisagem que se forma é desuni forme, contendo pedaços largos com pastagem enquanto mescla-se algumas árvo res de espécies invasoras, palmeiras, etc. Apesar de não possuir qualquer docu mento que indique a natureza das espécies implantadas no terreno, julga-se que não são naturais da mata atlântica, ou, que foram implantadas posteriormente para reproduzir uma paisagem litorânea à beira da BA-001 que está imediatamente ao lado do tereno. No entorno do terreno também é possível encontrar algum grau de poluição visível, infelizmente comum pelo alto índice turístico da região.
A entrada em si do trevo possui uma paisagem modificada que é comum por todo o percurso que interliga a estrada à Reserva Indígena da Jaqueira, com presença de árvores altas com copas largas, pastagem, palmeiras e vegetação arbustiva que tem função decorativa.
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O PROJETO
Destinado às diversidades culturais indígenas preexistentes, o memorial Pataxó será um local de celebração do patrimônio histórico que foi recuperado, perdido e/ ou mantido pelos povos originários do Extremo Sul da Bahia, seja ele material ou imaterial, do imaginário ou do literário. O projeto, localizado a aproxi midade 10,3km do centro histórico de Porto Seguro, é uma homenagem monumen tal que traz a tona toda a diversidade cultural infligida pelas etnias Pataxó, visto as problematizações descritas anteriormente neste estudo.
A idealização do projeto parte das diretrizes ligadas à ecologia profunda, inte gração da arquitetura contemporânea e técnicas seculares indígenas para criar uma estrutura que convide e acolha aqueles que utilizarem do espaço. Tendo as críti cas e compreensões históricas discutidas e apresentadas, questiona-se que tipo logia de espaço será esse criado nas proximidades da Reserva da Jaqueira. Diante do exposto, é possível enxergar caminhos transformativos na agenda turística da cidade, incorporando os elementos dos povos originários em intervenções urbanas.
No caso do projeto, essa intervenção se dará de maneira expositiva e intera tiva, no sentido de possuir espaços de criação, convivência, ensinamentos e práti cas ritualísticas voltadas para os povos indígenas. Tendo espaços pensados para produção da sua cultura, ao invés de associá-la aos modos de vida do restante da cidade, busca-se reformar o ideal muito percorrido sobre os indígenas na região, qubrando estigmas e causando intriga, seja pela forma da edificação ou pela locali zação estratégica em um dos trechos mais movimentados pela cidade e seus distri tos, envolvendo-o à sociedade de maneira que se mantenha as incorporações atuais que modificaram o percurso indígena ao longo dos séculos no Brasil.
Aqui, a ideia não é selecionar e muito menos decidir por eles qual a melhor forma de utilização dos espaços, já que nosso conhecimento, apesar das inúmeras fontes de pesquisa, pode tanger apenas o mundo físico das aldeias indígenas. Assim sendo, as estruturas monumentais deste projeto, tulizando-se dos ideais menciona dos anteriormente, trará a busca pela memória e pela entrada do mundo espiritual, o não-tangível, que só pode ser expressado através das práticas cotidianas.
[Figura 80]
Cobertura interna da principal estrutura presente na Reserva da Jaqueira, 2016. Foto: Iuri Barreto. Fonte: blog.panrotas.com.br. Inter venção da autora.
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INTERESSES SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
A principal estratégia ao mapear e discutir os diferentes processos civiliza tórios que envolveram o Extremo Sul da Bahia é trazer compreensão dos diferen tes impactos que uma sociedade capitalista inflige constantemente sobre a cultura e preservação de aldeias indígenas, sobretudo, daquelas que circundam Porto Seguro e seus distritos, os Pataxó. Para isso, mapeia-se a densidade demográfica e sua expansão territorial ao longo das décadas, seus diversos conflitos com donos de terras, multinacionais e empresas de grande porte, além da chegada do ecotu rismo exacerbado a partir da década de 80, com a construção da Rodovia BR-101.
É imprescindível traçar a história de ocupação das terras, a evolução das línguas nativas, assim como buscar informações a respeito de objetos e ensinamen tos possivelmente perdidos e mantidos apenas na memória das diferentes etnias indígenas presentes no Extremo Sul da Bahia. Assim, tem-se o conceito da revitali zação de um patrimônio cultural perdido dentro da questão indígena, assim como o traçado da degradação do patrimônio histórico edificado em Porto Seguro para que haja prevenção de uma nova perda de contato patrimonial.
A partir do estudo das documentações e informações fornecidas pelo IPHAN Porto Seguro, FUNAI Porto Seguro e empresas adjacentes que atuam ativamente dentro do ciclo social e econômico da região, traça-se uma breve análise da perda de identidade dentro da comunidade indígena, seja ela material ou imaterial, e seu percurso territorial ao longo das últimas décadas. Há lutas recentes por delimi tações de terra, novas leis federais que dificultaram o processo iniciado em Porto Seguro pela FUNAI, causando mais revolta e insatisfação.
Através da pesquisa desses documentos e das informações patrimoniais, cruza-se os dados para analisar os dados referentes a ocupações. Assim, tem-se um traçado de ocupação urbana ao longo das décadas, cuja crítica direciona a análise para a construção de um centro de referência indígena cujo espaço arqui tetônico transmita segurança e proteção às práticas indígenas ainda muito presen tes na região. Esse espaço tem por sua função trazer um refúgio para as diversas etnias, assim como servirá de marco histórico da reinvenção da história do desco brimento sob o olhar de grupos diretamente afetados pelas ações dos colonizado res no século XIV. A estratégia principal é a alocação desse centro em uma porção de terra da BR-101, próximo a uma APP, na Ponta Grande de Porto Seguro, sentido Coroa Vermelha, com uma arquitetura tropical com traçados da arquitetura indí gena Pataxó, que sirva de monumento e prenda a atenção dos transeuntes, convi dando-os a conhecer o espaço e a cultura indígena de um modo imersivo.
Contudo, faz-se necessário observar que não necessariamente a industriali zação dos métodos construtivos pelo financiamento de empresas externas significa uma perda cultural. Pode-se sim enxergar um mal capitalista, assim como também pode-se entender uma possível forma de auxílio à manutenção de um patrimônio cultural existente e fragilizado. Apesar disso, não se pode negar que tal ação cultural promovida pelas Reservas Indígenas, sobretudo a Reserva da Jaqueira em Coroa Vermelha, é prejudicial no que se refere à manutenção do turismo étnico presente
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em Porto Seguro. É por esse fato que a escolha do terreno deste estudo encontra -se nas mediações das Reservas Indígenas, para que o espaço cumpra sua função social em benefício dos Indígenas, podendo ou não conter atrações, desde que enfocadas às problemáticas étnicas indígenas das terras de Porto Seguro.
A utilização dos métodos contemporâneos em função da manutenção das técnicas indígenas ancestrais é justamente a metáfora da corrida contra o esque cimento. Por que não auxiliar, quando condizível com a proposta, a união entre os métodos arquitetônicos paramétricos e orgânicos e os materiais regionais utiliza dos pelos povos originários daquela terra?
[Figura 81] (superior)
Indígena Pataxó no Parque Nacio nal do Monte Pascoal, 2020. Foto: Flávio Forner. Fonte: National Geo graphic. Intervenção da autora.
[Figura 82] (inferior)
Indígena Pataxó ao lado de constru ção tradicional da etnia, 2016. Foto: Iuri Barreto. Fonte: blog.panrotas. com.br. Intervenção da autora.
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[Figura 83] Indígenas Pataxó do Parque Nacio nal do Monte Pascoal, 2020. Fotos: Flávio Forner. Fonte: National Geographic.
DIRETRIZES
Tendo em vista as problemáticas e fundamentações apresentadas anterior mente, pergunta-se, então, como dar início ao processo projetual do memorial, uma vez que trata-se de uma cultura muito fragilizada e atingida fortemente pelo turismo ecológico e étnico, com perdas significativas em sua cultura? Enfim, como tratar da memória em um local sagrado, mas ao mesmo tempo que convida as vivências indí genas anteriores inserido em um contexto de desmatamento constante?
A partir das análises anteriores, podemos enfim constatar que recuperar a memória parte da comunidade; não basta que venha um estrangeiro à terra e insira seu contexto sem qualquer participação local, é preciso que a comunidade Pataxó esteja envolvida nos processos de floração do memorial, acoplando seus conheci mentos milenares às práticas da construção arquitetônica contemporânea, assim como demonstrações reais de suas vivências para a construção deliberativa dos espaços.
Portanto, a princípio, engloba-se algumas terminologias de consciên cia desta autora para constatação de espaços físicos iniciais, que posteriormente possam vir a modificar-se de acordo com a necessidade da comunidade Pataxó. Os espaços propostos aqui incluem aqueles dispostos para produção das práticas cultu rais, dos ritos, do ócio, do artesanato, assim como salas com destinação ao incen tivo à pesquisa, exposição e educação do patrimônio cultural Pataxó, contando com um pequeno acervo de matéria-prima disponibilizada pela comunidade destinada à exposição museológica.
SOBRE A LEGISLAÇÃO
Como mostrado anteriormente, o terreno escolhido para o projeto encon tra-se sob proteção da Reserva Indígena da Jaqueira, inserida em uma ZPE (Zona de Proteção Especial do Litoral) como reiterado por documento de redelimitação das terras tombadas pelo IPHAN em 1992, assim como também se encontra em ZPA (Zona de Proteção Ambiental), sob zoneamento das ZPEs, por possuir molduras vegetativas relevantes de caráter paisagístico do litoral, seja esta com ou sem refe rência histórica.
Na constituição do Plano Diretor de Porto Seguro de 2019, considera-se pertinentes os capítulos VII, VIII e IX, na qual confere a área do terreno inserida em APG (Área de Ponta Grande) e Reserva Indígena. A APG consiste em área litorânea entre a Zona Turística de baixa densidade (ZTB) e as falésias, não havendo parcela mento do solo disponibilizado previamente. Contudo, caso haja interesse constru tivo, as características tomadas, focando naquelas que são interessantes ao terreno, são:
- Um lote mín. de 1.000m², na planície litorânea, entre ZTB e falésias ou de 10.000m² na ZTB para demais usos;
- Afastamentos inexistentes pela falta de parcelamento disponível, mas dado que o terreno está no limite com a BR BA-001, compreende-se o estudo de um afas tamento mínimo a ser utilizado;
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- Índice de ocupação (I.O.): 0,15 (inclui piscina, caminhos e pergolados);
- Índice de permeabilidade (I.P.) 0,7;
- Índice de utilização (I.U.): 0,3 (inclui varandas e áreas em balanço);
- Um gabarito de 02 pavimentos, de altura máxima 8m até o ponto mais alto da edificação (incluindo caixa d’água e elementos decorativos);
Tendo em vista os apontamentos do plano diretor, vale a pena informar que, no caso do projeto, o licenciamento de programas e projetos na APG (Área de Ponta Grande) se dá sob administração da APA, cujos projetos especiais passam por análise da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Desenvolvimento para avaliar a obediência dos parâmetros necessários.
SOBRE O PROGRAMA
Assim, aponta-se as seguintes áreas propostas para a construção do memorial Pataxó, que possuem em sua integridade o objetivo de remanejar a cultura turística predatória em torno das aldeias indígenas, transformando o espaço em um local de celebração à vivência indígena Pataxó, buscando sempre a integração com o meio ambiente e a preservação da mata, além de espaços que fornecem o suporte necessário para reuniões acerca de quaisquer assuntos que sejam pertinentes às necessidades de luta, resoluções políticas, socias e afins, consistindo seus espaços em:
- Kijeme principal (taba), para que haja confraternizações e celebrações Pataxó: 300m²;
- 01 recepção: 15m²
- 04 salas de conferência: até 125m² cada;
- 04 salas de produção artesanal: até 50m² cada; - 02 espaços ritualísticos: até 150m²;
- 02 salas de museu: até 80m² cada;
- 01 centro de apoio: até 50m²;
- 02 salas de educação à linguagem Patxohã: até 40m² cada; - Sanitários: até 30m²
[Figura 84]
Indígenas Pataxó. Foto: midianinja. Fonte: conexaoplaneta.com.br
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[Figura 85]
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