Misterioso Selvagem Irresistível # 3

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CHRISTINA LAUREN

Misterioso SELVAGEM IRRESISTÍVEL


Dark Wild Night Copyright © 2015 by Christina Hobbs and Lauren Billings All rights reserved, including the right to reproduce this book or portions thereof in any form whatsoever. Copyright © 2015 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Diretor editorial: Luis Matos Editora-chefe: Marcia Batista Assistentes editoriais: Aline Graça, Letícia Nakamura e Rodolfo Santana Tradução: Maurício Tamboni Preparação: Guilherme Summa Revisão: Nestor Turano Jr. Arte e adaptação de capa: Francine C. Silva e Valdinei Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 L412m Lauren, Christina Misterioso / Christina Lauren ; tradução de Maurício Tamboni. – São Paulo : Universo dos Livros, 2015. (Selvagem Irresistível ; 3) 336 p. ISBN: 978-85-7930-941-0 Título original: Dark wild night 1. Literatura americana 2. Literatura erótica 3. Ficção I. Título II. Tamboni, Maurício 15-1177

CDD 813.6


Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj. 603/606 CEP: 01136-001 – Barra Funda – São Paulo/SP Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: editor@universodoslivros.com.br Siga-nos no Twitter: @univdoslivros


A Eddie, nosso Superman


Capítulo 1

Lola Desenho mentalmente o painel da cena à minha frente enquanto seguimos a recepcionista pelo corredor de mármore: ela usa sapatos pretos de salto 15, suas pernas são enormes e seu quadril se movimenta a cada passo. O quadril vai pra esquerda. O quadril vai pra direita. O quadril vai pra esquerda. Benny, meu agente, se aproxima e sussurra: – Não fique tensa. – Estou bem – minto. Mas, ajeitando o corpo, ele bufa em resposta: – O contrato já foi redigido, Lola. Você está aqui para assinar e não para impressionar ninguém. Sorria! Hoje é o dia da parte divertida. Concordo com a cabeça, tentando enganar meus pensamentos para que aceitem o que ele disse – Veja este escritório! Olhe para estas pessoas! Luzes fortes! Cidade grande! –, mas o esforço é em vão. Venho escrevendo e trabalhando nas ilustrações de Razor Fish desde que tinha 12 anos e, para mim, a parte divertida foi a criação da obra. A parte aterrorizante é andar por um corredor estéril, cercado por cubículos com paredes frontais de vidro e pôsteres de filmes em molduras finas, para assinar o contrato da adaptação para um filme. Meu estômago parece ter se instalado em algum ponto da traqueia, então retorno ao meu lugar seguro. O quadril vai pra direita. O quadril vai pra esquerda. As pernas dela parecem ir da terra até as nuvens. A recepcionista para diante da porta e a abre. – Chegamos. Os escritórios dos estúdios são quase obscenamente refinados; todo o prédio parece o equivalente moderno de um castelo. Todas as paredes são de alumínio escovado e mármore; todas as portas, de


vidro. Cada peça da mobília é ou de mármore, ou de couro preto. Benny nos guia com confiança, atravessando a sala para trocar apertos de mão com executivos do outro lado da mesa. Eu o sigo, mas, quando solto a porta, ela bate com força e o barulho estridente do vidro encontrando-se abruptamente com o metal ecoa pela sala – um barulho quebrado apenas por duas arfadas assustadas vindas do outro lado da mesa. Puta que pariu! Já vi muitas fotos minhas em situações estressantes nos últimos três meses para saber que, neste exato momento, não pareço agitada. Não baixo a cabeça ou peço desculpas; não solto o corpo ou estremeço, muito embora eu esteja, assim que o barulho dissonante da porta cessa, com cem mil nós dentro de mim. Aparentemente sou muito boa em esconder esse tipo de coisa. O New York Times publicou uma crítica excelente de Razor Fish, mas me acusou de ser “indiferente” durante uma entrevista em que eu acreditava ter sido bem-humorada e envolvente. O Los Angeles Times descreveu nossa conversa por telefone como “uma série de pausas longas e pensativas seguidas por respostas lacônicas”. E eu tinha dito a meu amigo Oliver que estava preocupada por ter cansado os ouvidos do jornalista. Quando me viro para olhar para os executivos, não me surpreendo ao descobrir que eles parecem tão polidos quanto a arquitetura. Nenhuma das mulheres do outro lado da mesa diz nada sobre minha entrada nada sutil, mas juro que ouço o reverberar do bater da porta ecoando pela sala durante todo o tempo enquanto caminho até a mesa. Benny pisca com um olho e acena para que eu me sente. Encontro uma cadeira de couro macio, ajeito o vestido sobre as coxas e cuidadosamente me sento. Minhas mãos estão suando; meu coração, acelerado. Conto até vinte várias e várias vezes para não entrar em pânico. O painel mostra a garota de queixo erguido e com uma bola de fogo em seus pulmões. – Lorelei, é maravilhoso conhecê-la pessoalmente. Olho para a mulher que falou e aceito seu aperto de mão. Seus cabelos são loiros e sedosos, a maquiagem é perfeita, as roupas também. A expressão é perfeitamente inexistente. Com base na pesquisa que fiz no IMDb no início da manhã, posso afirmar que ela é Angela Marshall, a produtora executiva que, com Austin Adams, seu colaborador frequente, lutou para conseguir os direitos de Razor Fish na guerra de apostas que eu sequer sabia que estava acontecendo na semana passada. Mas, na foto, seus cabelos estavam ruivos. Meus olhos desviam para a mulher à sua esquerda, mas ela tem uma pele morena suave, cabelos negros e olhos castanhos enormes. Definitivamente não é Angela Marshall. A única pessoa que já vi várias vezes em revistas e fotografias é Austin, mas não há outro homem além de Benny na sala. – Por favor, me chame de Lola. É um prazer conhecê-la…? Deixo a pergunta no ar porque, em situações normais, acho que é neste momento que as pessoas dizem seus nomes. Em vez disso, porém, o aperto de mãos parece seguir eternamente e agora não sei a quem direcionar minha gratidão efusiva. Por que não estamos todos nos apresentando? Espera-se que eu sabia os nomes de todos aqui? Ao soltar minha mão, a mulher finalmente diz: – Angela Marshall. Sinto que aquilo foi uma espécie de teste. – É um prazer conhecê-la – digo outra vez. – Não consigo acreditar que… Meu pensamento termina aí e todos estão me olhando, esperando para ouvir o que tenho a dizer. Na verdade, eu poderia passar dias falando sobre todas as coisas nas quais não consigo acreditar.


Não consigo acreditar que Razor Fish foi publicado. Não consigo acreditar que as pessoas estão comprando esse livro. E realmente não consigo acreditar que as pessoas refinadas que trabalham neste estúdio enorme vão transformar meus quadrinhos em filme. – Não conseguimos acreditar em nada disso. – Benny vem ao meu resgate, mas rio desajeitadamente. – Só estamos muito felizes por tudo isso estar acontecendo. Muito felizes. A mulher ao lado de Angela oferece um olhar que, na verdade, diz: “Ah, tenho certeza de que estão”. Afinal, todos nós sabemos que Benny se saiu muito bem no acordo: 20% de muito dinheiro. Mas perceber isso também me faz perceber outra coisa: eu me saí ainda melhor do que ele. Minha vida transformou-se para sempre com essa única transação. Estamos aqui para assinar um contrato, discutir o elenco, acertar o cronograma. O painel mostra a garota, acordando assustada enquanto uma barra de aço é enfiada em sua espinha dorsal. Estendo a mão para a outra mulher. – Oi. Perdão, mas não sei o seu nome. Sou Lola Castle. Ela se apresenta como Roya Lajani e olha para algumas páginas à sua frente enquanto respira fundo para começar uma conversa do tipo das que acontecem em momentos assim. Porém, antes que consiga começar a falar, a porta se abre e o homem que reconheço como sendo Austin Adams entra, deixando passar o barulho de telefones tocando, saltos batendo pelo corredor e vozes vindas das salas adjacentes. – Lola! – ele me diz com uma voz calorosa e alegre. Em seguida, estremece ao ouvir a porta bater. Olha para Ângela e diz: – Odeio a porra dessa porta! Quando Julie vai mandar consertá-la? Angela faz um gesto com a mão de modo a dizer “não se preocupe com isso” e assiste enquanto Austin ignora a cadeira ao seu lado e puxa outra à minha direita. Sentando-se, ele estuda meu rosto e sorri abertamente para mim. – Sou um grande fã! – diz sem mais preâmbulos, sem nem se apresentar. – Sério! Tenho uma admiração enorme por você. – Eu… Uau! – digo, rindo por dentro. – Obrigada! – Por favor, diga que você está trabalhando em algum material novo. Sou viciado na sua arte, nas suas histórias, em tudo. – Meu próximo graphic novel sai no outono. O título é Junebug. – Percebo Austin se aproximando animado. Instintivamente acrescento: – Ainda estou trabalhando na obra. Quando o olho outra vez, ele está sacudindo a cabeça para mim, maravilhado. – Isso é um sonho? – Seu olhar fica caloroso enquanto seu sorriso se suaviza. – Você já se deu conta de que é a mente por trás desse enorme filme de ação? Essa frase, esta situação – na qual me preocupo por saber que ouvirei muitos elogios vazios –, normalmente me fariam segurar a respiração para conter uma reação cética, mas, apesar de ser um grande produtor e diretor, Austin parecia tão sincero. Ele tinha boa aparência, mas andava desgrenhado: seus cabelos loiros avermelhados pareciam ter sido penteados com os dedos, sua barba não estava feita, ele usava calça jeans e uma camisa de botão desalinhada, deixando a bainha mais baixa do lado direito do que do lado esquerdo. O colarinho engomado estava torto para um lado. Austin é uma bagunça muito cara. – Obrigada – digo, unindo as mãos para não começar a esfregá-las na orelha ou nos cabelos. – Estou falando sério – ele acrescenta, apoiando os cotovelos nas coxas, ainda totalmente concentrado em mim. Não sei se ele percebeu que Benny está na sala. Os nós dos meus dedos estão


pálidos. – Sei que é nosso papel dizer coisas assim, mas, neste caso, é mesmo verdade. Fiquei vidrado desde a primeira página, então disse a Angela e a Roya que precisávamos produzir esse material. – E nós concordamos – intromete-se Roya, desnecessariamente. – Bem – digo, esforçando-me para encontrar algo além de “obrigada” para dizer. – Que ótimo! Fico feliz que o livro aparentemente tenha conquistado um pequeno público. – Pequeno? – ele caçoa, recostando-se na cadeira e olhando para a camisa antes de dissimular: – Puta que pariu! Eu nem consigo me vestir! Puxo o lábio inferior para dentro da boca para segurar o riso que ameaça explodir por minha garganta. Toda a situação estava me deixando em uma espécie de pânico mudo, até ele entrar. Cresci fazendo compras na Goodwill, passamos alguns anos trocando cupons por comida e ainda dirijo um Chevy 1989. Sequer consigo processar como tudo isso vai mudar a minha vida e as Irmãs Stepford1 do outro lado da mesa só fazem a atmosfera da sala se tornar ainda mais estranha. Mas Austin parece ser alguém com quem consigo me imaginar trabalhando. – Sei que já perguntaram isso para você – ele diz. – Afinal, já li suas entrevistas. Mas quero ouvir diretamente de você, a versão verdadeira, com informações privilegiadas. O que a levou a começar a escrever esse livro? O que serviu realmente de inspiração? De fato, já haviam me perguntado aquilo antes. Aliás, tantas vezes que eu já tinha uma resposta padrão preparada: Adoro a heroína do dia a dia porque ela nos dá a oportunidade de enfrentar diretamente os complicados desequilíbrios sociais e políticos, na cultura popular e na arte. Criei Quinn Stone como uma garota comum, com o espírito de Clarisse Starling ou Sarah Connor: ela se torna uma heroína por esforço próprio. Quinn é encontrada por um homem estranho, que se parece com um peixe e que é de outra dimensão temporal. Essa criatura, Razor, a ajuda a encontrar a coragem necessária para lutar por si mesma e por sua comunidade. E, ao fazer isso, ele percebe que não quer deixá-la ir para casa, mesmo quando já pode fazer isso. A ideia me surgiu em um sonho no qual um homem grande, musculoso e coberto de escamas apareceu em meu quarto e me disse para arrumar meu armário. Passei o resto do dia me perguntando como seria se aquela criatura realmente aparecesse em meu quarto. Dei a ele o nome de Razor Fish. Acredito que meu Razor estaria pouco se fodendo para o meu armário bagunçado. Ele me diria para me levantar e ir lutar por alguma coisa. Mas não foi essa resposta que me veio à mente hoje. – Eu estava puta da vida – admito. – Achava que os adultos eram ou cuzões, ou uns filhos da puta. – Vejo os olhos de Austin se arregalarem um pouco antes de ele expirar e assentir sutilmente, compreendendo. Então, continuo: – Eu estava nervosa com meu pai por ele ser um perturbado e com minha mãe por ser tão covarde. Tenho certeza de que foi por isso que sonhei com Razor Fish: ele é grosseirão e nem sempre entende Quinn, mas, no fundo, ele a ama e quer que alguém cuide dela. Desenhá-lo e ver como num primeiro momento ele não entende o lado humano dela, mas depois a treina para lutar e depois quer ficar com ela… poder me permitir perder-me na história deles era um prazer ao qual eu me entregava depois de terminar de lavar as louças e fazer minhas tarefas quando eu estava sozinha à noite. A sala está silenciosa e sinto uma necessidade nada familiar de preencher esse espaço. – Gostei de ver Razor começar a apreciar as forças de Quinn que não são clássicas. Ela é magricela, é quieta. Não foi criada como uma amazona. Suas forças são mais sutis: ela sabe observar. Confia em si mesma, sem dúvida. Quero ter certeza de que isso será capturado no filme. Há muita violência e ação na história, mas Razor não tem nenhuma revelação sobre Quinn quando ela


aprende a dar um soco. Ele tem uma revelação quando ela descobre como enfrentá-lo. Olho para Benny. Eu nunca tinha sido tão transparente sobre minha vida e meu livro e agora vejo a surpresa estampada em seu rosto. – Quantos anos você tinha quando sua mãe foi embora? – Austin quer saber. Ele age como se não houvesse mais ninguém conosco na sala. E é fácil fingir que não há, pois todos estão completamente paralisados. – Doze. Foi logo depois que meu pai voltou do Afeganistão. A sala parece engolida pelo silêncio depois que digo isso e Austin finalmente solta um suspiro. – Caramba, isso é uma merda! Finalmente dou risada. Ele se aproxima outra vez; seus olhos são insistentes quando ele diz: – Eu amo essa história, Lola. Adoro esses personagens. Temos um roteirista que vai fazer um trabalho fabuloso. Você conhece Langdon McAfee? Nego com a cabeça, constrangida porque a forma como ele fala faz parecer que eu devesse conhecê-lo. Mas Austin não dá muita importância a isso. – Ele é ótimo. Tranquilo, inteligente, organizado. Quer coescrever o roteiro com você. Fico boquiaberta com essa revelação inesperada – eu, coescrevendo um roteiro – e nada além de um barulho engasgado sai pela minha boca. Austin continua falando, mesmo com minha reação atordoada. – Quero conversar muito, está bem? – Ele já acena com a cabeça como que para me estimular. E prossegue: – Quero que o filme seja tudo o que você espera. – Ele inclina o corpo para a frente, sorri e diz: – Quero que você veja seu sonho se transformar em realidade.

– Conte os detalhes outra vez para mim – pede Oliver. – Não sei se você estava falando em nosso idioma da primeira vez. Ele está certo. Eu mal conseguia tomar fôlego – menos ainda lembrar como articular as palavras – desde que entrei em sua loja de livros em quadrinhos, a Downtown Graffick, já balbuciando. Oliver observou enquanto eu entrava, seu doce sorriso lentamente se transformando em confusão enquanto eu cuspia mil palavras incoerentes e todas as minhas emoções pelo chão. Passei duas horas no caminho de volta de Los Angeles com meu pai ao telefone, esforçando-me para processar o restante da reunião. Não que isso importasse; afinal, aqui, contar tudo em voz alta a uma das minhas pessoas favoritas fazia tudo parecer surreal outra vez. Nos oito meses em que somos amigos, acho que Oliver nunca me viu assim: gaguejando e sem ar e quase chorando de tão exasperada. Eu me orgulho de ser estável e serena, mesmo com meus amigos, então estou tentando me recompor, mas, cacete, é difícil! Eles vão fazer um filme com as ideias da minha infância! – Está bem – recomeço, respirando profundamente e expirando lentamente. – Na semana passada, Benny telefonou e disse que talvez o livro virasse filme. – Pensei que ele tivesse enviado para análise…


– Meses atrás – interrompi. – É verdade. Sempre existe um silêncio antes da explosão, imagino. Porque esta manhã, no caminho do escritório dele até o escritório do estúdio, ele me disse que a história foi vendida em um leilão insano… – Levo a mão à testa antes de continuar: – Estou suando. Olhe para mim, estou suando! Ele de fato olha, seu olhar suavizando enquanto ele ri. Então, sacode a cabeça e desliza novamente o olhar para a caixa que está abrindo. – É incrível, Lola! Continue. – A Columbia & Touchstone venceu – revelo. – Fomos até o escritório e conheci algumas pessoas hoje. – E aí? – Ele ergue o olhar na minha direção e puxa uma pilha de livros da caixa. – Eles causaram uma boa impressão? – Quero dizer… – Chego a bambear enquanto me lembro da sensação de ver Austin voltar sua atenção a todos na sala e a reunião se transformar em uma mistura de acrônimos e instruções ininteligíveis para “tomar nota da programação de Langdon para o início do roteiro” e “ver se conseguimos enviar um balanço para Mitchell antes do meio-dia”. Então prossigo: – Sim? Havia algumas pessoas muito quietas e duras lá, mas o produtor executivo, Austin Adams, é realmente gentil. Fiquei tão impressionada que não sei o quanto eu consegui processar. – Passei as duas mãos pelos cabelos e inclinei a cabeça na direção do teto. – Isso é tão louco! Um filme! – Um filme – repete Oliver e, quando olho para ele, vejo-o me observando com seus olhos azuis calorosos e misteriosos. Ele corre a língua pelos lábios e então preciso desviar o olhar. Oliver é tanto meu ex-marido quanto minha paixão atual, mas sempre será não correspondida; nosso casamento nunca foi um casamento de verdade. Foi “aquela coisa que fizemos em Vegas”. É claro que os outros dois casais que se casaram em Vegas – nossos amigos Mia e Ansel e Harlow e Finn – vivem casamentos felizes. Mas Oliver e eu (em especial quando estamos bêbados) gostamos de celebrar o fato de sermos os únicos que se casaram em Vegas como pessoas comuns: com nada além de arrependimento, uma anulação do casamento e uma ressaca. Considerando o distanciamento emocional que ele sempre manteve, tenho certeza de que realmente fala sério quando elogia nossa escolha. – E não é só algo do tipo: “Gostamos da ideia, vamos comprar os direitos e engavetá-los” – explico. – Eles compraram os direitos e já têm um diretor em mente. Hoje conversamos sobre possíveis escolhas para o elenco. Eles têm um nome grande dos efeitos especiais que quer fazer parte do projeto. – Inacreditável – ele murmura, inclinando-se para a frente para oferecer atenção exclusivamente para mim. E, se eu não conhecesse Oliver muito bem, acharia que ele acabou de olhar para minha boca. Mas eu o conheço muito bem: ele simplesmente olha para todas as partes do meu rosto quando estou falando. É o melhor ouvinte do mundo. – E… Eu vou coescrever o roteiro – conto, um pouco sem fôlego, e seus olhos se arregalam. – Lola, Lola! Puta que pariu! Enquanto repasso toda a reunião desta manhã, Oliver volta a desembrulhar o mais recente lote de quadrinhos, olhando ocasionalmente para mim enquanto ostenta seu sorrisinho pensativo. Pensei que com o tempo eu conseguiria saber o que ele estava pensando, como está reagindo a alguma coisa. Mas ele continua bastante indecifrável para mim. O apartamento que divido com minha amiga London fica a apenas duas quadras da loja de Oliver e, muito embora eu o veja quase todos os dias,


ainda sinto que dedico metade do tempo que passamos juntos a tentar descobrir o que ele queria dizer com essa ou aquela resposta monossilábica ou esse ou aquele sorriso. Se eu fosse mais como Harlow, eu simplesmente perguntaria. – Então, está animada pra ver sua obra na telona? – ele pergunta. – Ainda não conversamos sobre isso porque tudo aconteceu muito rápido. Sei que alguns artistas não são muito fãs da ideia de fazer adaptações. – Você está brincando comigo? – pergunto. Como ele poderia estar sério ao fazer essa pergunta? A única coisa que amo mais do que quadrinhos são filmes baseados em quadrinhos. – É assustador, mas maravilhoso. E então me lembro de que há um e-mail com dezessete roteiros como anexos na minha caixa de entrada, para que eu leia “como referência”. E uma onda de náusea se espalha por meu torso. – Mas é mais ou menos como construir uma casa – digo a ele. – Eu só queria chegar na hora de mudar e não ter que lidar com aquela parte chata de escolher luminárias e fechaduras. – Vamos esperar que eles não George-Clooneyzem seu Batman – ele diz. Franzo as sobrancelhas para ele. – Eles podem George-Clooneyzar qualquer coisa minha que quiserem, senhor. Joe, o Grosseirão e o único funcionário de Oliver, um maconheiro de moicano pelo qual temos o carinho que se tem por um animalzinho de estimação, surgiu por detrás das prateleiras. – Clooney é gay. Vocês sabem disso, não sabem? Oliver e eu ignoramos o comentário. – Aliás – acrescento. – Se George Clooney entrar no Oxford English Dictionary como verbo de ação, essa ação imediatamente vai para a minha lista de coisas para fazer antes de morrer. – Como em: “Você já foi George-Clooneyzado?” – pergunta Oliver. – Exatamente. “Saímos para dar uma volta e depois George-Clooneyzamos até por volta das duas horas. Foi uma boa noite. Oliver assente enquanto guarda algumas canetas em uma gaveta. – Eu também teria que acrescentar isso à minha lista de coisas para fazer antes de morrer. – Está vendo? É por isso que somos amigos – digo a ele. Estar perto de Oliver é como uma dose de Xanax. Não consigo não ficar calma. – Você entende que ter George Clooney como verbo seria algo tão monumental que, gay ou hétero, você iria querer algo assim. – Ele é totalmente gay – insiste o Grosseirão, dessa vez falando mais alto. Oliver emite um ruído que demonstra seu ceticismo, finalmente olhando para o Grosseirão. – Acho que não. Ele é casado. – Sério? – pergunta o Grosseirão, descansando os cotovelos no balcão. – Mas, se ele fosse, você iria? Ergo a mão. – Sim. Com toda a certeza. – Eu não estava perguntando para você – rebate o Grosseirão, dispensando-me com um gesto. – Quem fica na frente e quem fica atrás? – questiona Oliver. – Tipo, eu vou ser GeorgeClooneyzado por George Clooney ou sou eu quem vai George-Clooneyzá-lo? – Oliver – chama o Grosseirão. – Ele é a porra do George Clooney. Ele não é Clooneyzado! – Estamos nos transformando em perfeitos idiotas – resmungo. Ambos me ignoram e Oliver finalmente dá de ombros. – Sim, claro. Por que não? – Tipo, realmente perdendo pontos de QI – insisto.


Grosseirão finge estar segurando um traseiro e movimenta o corpo para a frente e para trás. – Isso. Você o deixaria fazer isso? Dando de ombros defensivamente, Oliver diz: – Joe, sei do que estamos falando aqui. Também imagino como seria uma cena de um homem com outro homem. O que estou dizendo é que, se eu vou ficar com um cara, por que não o Batman Ruim? Aceno com a mão diante do rosto dele. – Acho que poderíamos voltar a falar sobre meus quadrinhos serem transformados em filme. Oliver vira-se para mim e relaxa. E seu sorriso é tão doce que faz tudo dentro de mim derreter. – Sim, sem dúvida. Isso é totalmente brilhante, Lola! – Ele inclina a cabeça, seus olhos azuis presos aos meus. – Porra, estou muito orgulhoso de você! Abro um sorriso e mordisco meu lábio inferior porque, quando Oliver me olha daquele jeito, não consigo não ficar nervosa. Mas ele ficaria aterrorizado se me visse babando por ele; não é o tipo de coisa que fazemos. – E então, como vamos comemorar? – ele pergunta. Deslizo o olhar pela loja, como se a resposta estivesse bem à minha frente. – Ficar aqui? Não sei… Talvez eu devesse trabalhar um pouco. – Nem… Você anda viajando constantemente e, mesmo quando está em casa, passa o tempo todo trabalhando – ele diz. Bufando, rebato: – … disse o cara que passa todas as horas do dia em sua loja. Oliver me analisa. – Eles vão fazer o seu filme, Lola Love. – E esse apelido faz meu coração girar no peito. – Você precisa fazer algo grande esta noite. – Então, tipo… Fred’s? – proponho. O Fred’s é parte da nossa rotina. – Para que fingir que somos refinados? Oliver nega com a cabeça. – Vamos a algum lugar no centro para que você não tenha que se preocupar em dirigir. – Mas aí você terá de dirigir até Pacific Beach na volta – explico. Grosseirão finge tocar violino atrás de nós. – Eu não me importo – diz Oliver. – Acho que Finn e Ansel não estão em casa, mas vou chamar as garotas. – Ele coça a barba por fazer no queixo. – Eu queria poder levá-la para jantar ou algo assim, mas… – Ah, meu Deus! Não se preocupe com isso! – A ideia de Oliver deixar a loja para me levar para jantar me fez sentir ao mesmo tempo vertigem e pânico. Não quer dizer que o prédio fosse pegar fogo se ele saísse antes do anoitecer, mas isso também não significa que meu corpo não sentisse aquele pânico instintivo. – Vou para casa e pirar no meu quarto um tempinho, e mais tarde ficarei muito bêbada. O sorriso dele me fez derreter. – Parece ótimo. – Pensei que você tivesse um encontro romântico esta noite – Grosseirão diz a Oliver ao sair de trás de uma pilha gigante de livros. Oliver fica pálido. – Não, eu não tenho… Quero dizer, não é verdade. Nós não vamos… – Um encontro romântico? – Sinto minhas sobrancelhas arqueando enquanto tento ignorar o crescente nó em meu estômago.


– Não, não é isso – ele insiste. – É que a garota do outro lado da rua, que trabalha… – Hard Rock Allison – cantarola Grosseirão. Meu coração se afunda… Não é apenas “a garota do outro lado da rua”, mas alguém sobre quem comentamos uma ou duas vezes justamente por ela se interessar por Oliver. Mas me esforço para demonstrar uma reação positiva. – Cale a boca! – grito, batendo no ombro de Oliver e acrescentando com um sotaque francês dramático: – Um encontrrrrrô muito quente. Oliver resmunga comigo, esfregando a mão no ponto atingido e fingindo que a dor é muito maior do que realmente é. Ele assente para Grosseirão: – Ela queria trazer o jantar para nós dois aqui na loja… – Sim, para poder transar com você – Grosseirão o interrompe. – Ou talvez porque ela é gentil – rebate Oliver com um tom bem-humorado na voz. – De qualquer forma, eu preferiria sair e comemorar o filme de Lola. Vou enviar uma mensagem de texto para comunicar Allison. Tenho certeza de que Hard Rock Allison é uma mulher gentil, mas neste momento, sabendo que Oliver tem o número do celular dela, sabendo que ele pode casualmente enviar uma mensagem de texto pra ela e mudar os planos que eles fizeram, eu quero que ela seja atingida por um trem. E é um desejo que vem daquela parte negra da nossa alma, de onde brotam os desejos de coisas terríveis que a gente quer que aconteça com a nova namorada. Allison é bonita e extrovertida e tão pequena que caberia em minha bolsa carteiro. É a primeira vez que sou confrontada com a possibilidade de Oliver estar saindo com outra, a primeira vez que nossa amizade se depara com isso, ao menos que eu saiba. Nós nos casamos e nos divorciamos em menos de 24 horas e é claro que ele nunca se interessou por mim, mas nunca discutimos namoros com outras pessoas. Como eu devo reagir? Na boa, concluo antes de avaliar minha opinião sincera. Fico feliz por ele. – Você definitivamente deve reagendar – digo, oferecendo a Oliver o sorriso mais sincero que consigo formar. – Ela é bonita. Leve-a ao Bali Hai, é lindo lá. Ele ergue o olhar para me encarar. – Faz muito tempo que estou com vontade de ir lá. Você deveria vir com a gente. – Oliver, você não pode me levar junto com você a um encontro romântico. Atrás dos óculos, seus olhos arregalam. – Não é um encontro romântico. Eu não… Eu jamais… – ele diz, acrescentando rapidamente: – Lola, não estamos falando de um maldito encontro romântico. Certo. Então ele claramente não está interessado em Allison. O nó em meu estômago se desfaz e preciso olhar fixamente para o balcão para não sorrir. Depois de algumas respirações, consigo. Olhei de volta para ele, que continuava me observando com uma expressão tão calma quanto a superfície de um lago em um cânion. Em que você está pensando?, sinto vontade de perguntar. Mas definitivamente não pergunto. – Lola… – ele começa. Engulo em seco, sem conseguir evitar deslizar o olhar para a boca dele – mas só por um segundo. Amo aquela boca. Ela é grande, os lábios superior e inferior são do mesmo tamanho. Carnudos, mas não afeminados. Eu já os desenhei pelo menos cem vezes: entreabertos, fechados, curvados em um pequeno sorriso ou arqueados em um franzir pensativo, debaixo de dentes afiados ou, em certa


ocasião, suavemente abertos em um suspiro obsceno. Só consigo contar até dois antes de deslizar novamente o olhar para os olhos dele. – Sim? Um ano se passa antes de ele responder. E, quando finalmente responde, já pensei em um milhão de possibilidades do que ele dirá a seguir. Você já pensou em me beijar? Acha que podemos dar uns amassos no quarto dos fundos? Você faria cosplay da Zatanna? Mas ele apenas pergunta: – O que Harlow disse quando você contou a ela sobre o livro? Respiro fundo, afastando a imagem dele se inclinando para a frente e colocando a boca contra a minha. – Ah, eu ia telefonar para ela daqui a pouco. E então me dou conta do que acabei de dizer. As sobrancelhas de Oliver saltam até a linha do cabelo e, ao lado dele, Grosseirão solta um ruído de pânico que me diz que ou a polícia está na porta da loja ou todos nós seremos mortos por Harlow e será por culpa minha. – Ah, meeeeerda! Por que eu fiz isso? – pergunto, levando a mão à boca. Harlow é sempre a pessoa a quem conto as coisas logo depois de contar a meu pai. Ela me mataria se soubesse que vim aqui. – Onde é que eu estava com a cabeça quando decidi contar primeiro para vocês? – Eu me aproximo mais um pouco e lanço minha expressão mais ameaçadora para os dois. – Vocês não podem dizer a ela que souberam antes e que estou aqui há… – Meia hora – interrompe Grosseirão para me ajudar. – Meia hora! – berro. – Ela vai nos esquartejar e nos enterrar no deserto! – Caralho, ligue agora mesmo para ela, então – ordena Oliver, apontando o dedo para mim. – Não estou pronto para me deparar com Harlow segurando um machado. Personagens da saga X-Men, da Marvel. (N. E.)


Capítulo 2

Oliver – Quando você soube, Oliver? Olho para o outro lado da mesa e esboço um sorriso. – Soube o quê, Harlow? – Deixe de gracinhas. – Ela olha para o lado para ter certeza de que Lola ainda está no bar. – Quando você soube que os direitos do filme foram comprados e que o sinal verde foi dado imediatamente? Ela desliza o olhar entre Joe e mim, esperando, mas Joe apenas inclina o corpo para dar uma enorme mordida em seu hambúrguer, deixando que eu dê um jeito de responder. – Hoje – respondo para me safar. É uma resposta ridícula, afinal, até mesmo Lola só descobriu esta manhã. Harlow quer que eu lhe informe a hora exata. Ela estreita os olhos para mim, mas engole sua resposta atravessada quando Lola retorna trazendo uma bandeja de shots. Lola olha para mim e oferece seu sorrisinho secreto. Nem sei se ela se dá conta de que está fazendo isso. Começa com os cantos dos lábios se erguendo para cima, o olhar descendo ligeiramente. E então ela pisca devagar, como se tivesse acabado de me capturar em uma fotografia. E, se tivesse feito isso, a imagem mostraria um homem profundamente, perdidamente apaixonado. Tem uma cena em O espetacular Homem-Aranha, número 25, na qual Mary Jane Watson é apresentada. Seu rosto não é visível nem para o leitor, nem para Peter Parker. Até então, Peter só a conhecia como a garota com a qual sua tia queria que ele saísse, “aquela Watson graciosa da vizinhança”. Peter não está interessado. Embora sua tia goste dela, Mary Jane não faz o tipo dele. Então, na edição de número 42 o rosto de Mary Jane é revelado e Peter percebe como ela é maravilhosa. Esse momento é um soco no estômago: até aquele momento, Peter fora um idiota. Essa é uma boa analogia para descrever meu relacionamento com Lorelei Castle. Fui casado com Lola por exatas treze horas e meia. E, se eu fosse mais inteligente, talvez tivesse aproveitado a oportunidade enquanto ela estava em minhas mãos em vez de supor – só porque Lola estava usando


um vestido curto e bêbada em Vegas – que ela não fazia o meu tipo. Mas, algumas horas depois, todos estávamos bêbados… E, impulsivamente, todos estávamos casados. Enquanto nossos amigos faziam perversões em quartos de hotel – e uns com os outros –, Lola e eu andávamos quilômetros e conversávamos sobre tudo. É fácil dividir segredos com estranhos, ainda mais fácil quando estamos bêbados. Então, no meio da noite, já me sentia muito íntimo dela. Em algum momento, a Strip ficou escura, insinuando o submundo que a cidade tem a oferecer, e Lola parou para olhar para mim. O pequeno diamante no piercing em seu lábio superior – imitando a pinta de Marilyn Monroe – refletiu a luz e eu me vi hipnotizado pela cor rosa suave de sua boca, há muito tempo livre de batom. Eu tinha perdido a excitação e já pensava em como enfrentaríamos a anulação do casamento no dia seguinte. E ela perguntou discretamente se eu queria arrumar um quarto para ficarmos. Juntos. Mas… eu não quis. Não quis porque, quando Lola tornou isso uma opção, ficou claro para mim que ela não era uma mulher para passar uma noite e nada mais. Lola era o tipo de garota pela qual eu ficaria louco. Porém, assim que ela retornou a San Diego, sua vida explodiu em um furacão. Primeiro, sua obra Razor Fish foi publicada e rapidamente passou a figurar em todas as listas de top 10 do cenário dos quadrinhos. E depois chegou ao mainstream, aparecendo nas grandes redes de loja enquanto o New York Times chamava a obra de “a próxima queridinha das franquias de ação”. Os direitos do livro tinham acabado de ser vendidos a um grande estúdio cinematográfico e hoje ela conheceu os executivos que estão investindo milhões no projeto. Não sei se ela tem um milissegundo de tempo para pensar em romance, mas tudo bem. Eu penso em romance o suficiente para nós dois. – Não sei quem foi que começou com essa tradição de que a aniversariante é quem corta o bolo – anuncia Lola, deslizando um copo com um shot questionavelmente verde à minha frente –, ou, nesta nova versão, a garota cujo livro vai virar filme paga pelos shots. De qualquer forma, não gosto dessa história. – Não – Mia contesta. – É a garota que está prestes a fugir para Hollywood que paga pelos shots. – Como uma penitência – anuncia Harlow. – Adiantada. Todos se viram para lançar o mais cético dos olhares a Harlow. Comparada ao restante de nós, toda a vida dela tem suas raízes em Hollywood. Harlow é filha de uma atriz e de um diretor de fotografia vencedor do Oscar e casada com um homem que está prestes a se tornar um astro do Adventure Channel, então sei que todos estamos pensando a mesma coisa: se o entrincheiramento de Hollywood define quem vai pagar a conta, Harlow deveria estar pagando pelos shots. Como se percebesse isso, ela acena com a mão e diz: – Calem a boca. Eu pago a próxima rodada. Todos levam seus copos ao centro da mesa e Harlow faz o brinde: – À garota mais foda que já existiu, Lorelei Louise Castle. Conquiste seu espaço, garota! – É isso aí – eu digo e Lola me olha nos olhos, lançando mais um sorriso secreto. Tocamos nossos copos – Harlow, Mia, Joe, Lola, London e eu – e engolimos os shots antes de arrepiarmos com uma sincronia estranha. A colega de quarto de Lola, London, arrisca: – Chartreuse verde. Ela tosse; seus cabelos loiros estão presos em um coque bagunçado no topo da cabeça. Eles sacodem precariamente conforme ela mexe a cabeça. – Isso aqui deveria ser proibido por lei – continua London.


– É mesmo horrível – concordo. – Pedi para o cara do bar preparar algo chamado “Celebration” – explica Lola com uma careta, limpando a boca com as costas da mão. – Foi mal, mas sinto que preciso de um banho agora. Mia também tosse. – Aquele cara deve comparar celebração a dor. Ela rouba minha cerveja e toma um gole antes de virar-se outra vez para Lola. É tão raro poder sair com Mia sem Ansel preso a alguma parte de seu corpo; na verdade, é bem legal sair com ela sozinha e animada para socializar. Ela é delicada e doce, como uma irmã mais nova seria. – Então… conte para a gente, senhorita Chique. Conte tudo sobre esta manhã. Lola suspira, tomando um gole de água antes de dar de ombros enquanto arregala os olhos. – Sério, como é essa vida, pessoal? Recosto o corpo na cadeira e ouço afetuosamente enquanto Lola conta muitas coisas que já ouvi. Na verdade, acho que eu poderia ouvi-las outras cem vezes e ainda assim não conseguiria processar. Então imagino como ela deve estar se sentindo. Lola é mesmo brilhante. Como ela própria admite, passa mais tempo conversando com as pessoas em sua cabeça do que com as pessoas à sua volta. Sempre que possível, tento equilibrar minhas reações ao seu trabalho, pois sei que, em parte, essas reações são influenciadas pela afeição que sinto por ela. E, de qualquer forma, não posso tagarelar constantemente com ela sobre como a criadora é supergenial e uma das pessoas mais inteligentes e sensuais que conheço. Mas sempre que posso eu enfatizo aos clientes que o livro é inovador e diferente de qualquer coisa que já li antes e, ainda assim, traz aquela sensação de familiaridade. Razor Fish me faz sentir a mesma emoção que senti ainda jovem, quando escolhi minha primeira revista em quadrinhos na banca de jornal perto de casa. Fiquei obcecado com a força, as batalhas, o poder de uma história contatada com palavras e cores. Aos onze anos, eu era o jovem mais alto e mais magro da sétima série, e acabei propiciamente apelidado de “menino-vara” pelos valentões da sala. Mesmo no colegial, o apelido ainda me perseguia. Porém, àquela altura eu era mais alto do que os outros rapazes há muito tempo e andava de bicicleta por toda parte. Já não era tão magro, mas forte e dominante nos esportes no colégio. “Menino-vara” era o nome de um super-herói, e não de um covarde. Olho para Lola e fico impressionado com o fato de sermos tão parecidos – infâncias solitárias que deram origem a adultos introvertidos, mas ambiciosos – e como os quadrinhos desempenharam um papel central em nossas vidas. Mas, enquanto ela flutua na nuvem de sua nova empreitada, cambaleando em escritórios surreais, rindo do início rígido da reunião e da explosão de Austin na sala, preciso de um tempinho, então seguro minha cerveja e tomo um gole. Preciso acalmar meus sentidos para processar parte disso. Na verdade, a vida de Lola está prestes a se transformar. O que até agora tem sido em grande parte uma paixão para ela está rapidamente se tornando um negócio – o que vai trazer tensões e problemas com os quais eu me identifico talvez até mais do que ela possa imaginar. Ademais, Lola é extremamente talentosa, mas ainda está, de certa forma, “protegida”: Hollywood pode fazer sonhos se tornarem realidade, mas também pode ser dura e implacável. Quero conter um pouco do reflexo desconfortável que quer tomar conta dela, que preocupa, que acha que isso pode acabar com ela ou, no mínimo, deturpar seu lado criativo – o lado que criou tudo isso. E não sei se vale a pena sacrificar tudo por algo como uma mansão dos sonhos. Isso me faz querer protegê-la, aconselhá-la a ouvir as vozes em sua mente. Porque, para Lola, essas vozes são, desde a infância, mais verdadeiras do que a maioria das outras em sua vida. A


mesma coisa aconteceu comigo. Cresci sem irmãos e com pais ausentes. Meus avós tinham minha custódia durante a infância, mas, aos oito anos, eu estava mais interessado no Super-Homem e no Batman do que no que minha avó tinha visto na TV naquele dia ou nas pessoas que entravam e saíam da loja do meu avô. Quando ela está se aproximando do fim da narração dos eventos do dia – a parte em que parece chover detalhes e tudo se torna uma mancha repleta de jargões –, seu telefone acende sobre a mesa e ela abaixa o olhar. Em seguida, seus olhos prendem-se aos meus. – É Austin. O fato de ela olhar para mim agora – e não para Harlow, London ou Mia – faz meu coração se iluminar; é uma chama acesa lançada na caverna do meu peito. – Atenda! – incito, assentindo para o telefone. Ela apalpa o aparelho, quase o derrubando da mesa, antes de atender no último segundo e dizer um “alô” apressado. Não tenho como ouvir o outro lado da conversa, então não sei o que a faz enrubescer e sorrir antes de dizer: – Oi, Austin. Sinto muito. Não. Quase não consegui atender a tempo. Ela ouve atentamente e todos nós observamos atentamente, tendo acesso a apenas a um lado da troca de palavras. – Ainda estou um pouco em choque – ela diz. – Mas estou bem. – Agora ergue o olhar para analisar a mesa, dizendo: – Sim, saí com alguns amigos… Num bar aqui do bairro… Em San Diego! – Ela ri antes de continuar: – É muito tempo dirigindo, Austin! Que porra é essa?! Olho para Harlow, que no mesmo instante vira-se para mim e parece estar pensando a mesma coisa. Ele não vai vir aqui, vai? Olho para o meu relógio; são quase dez da noite, e o caminho levaria duas horas. – Também estou animada – ela diz, levando a mão à orelha para manusear o brinco. – Bem, nunca escrevi um roteiro antes, então meu objetivo é apenas ser útil… – Ela gargalha com a resposta dele. Gargalha. Meu olhar segue violentamente para o de Harlow, outra vez. Lola gargalha com a gente. Ela não gargalha com pessoas que conheceu há apenas poucas horas. A não ser que essa pessoa seja eu, em Vegas. E porra! Prefiro pensar que aquela situação foi única. – Mal posso esperar para ouvir o que eles têm a dizer… Não, não vou. Opiniões são boas… Eu sei, sinto muito. Tem muito barulho aqui… Sim, pode deixar. – Ela assente. – Sim, farei isso. Prometo! – Mais uma porra de uma gargalhada. – Está bem… Certo… Tchau. Ela desliga a ligação e expira antes de deslizar os olhos na minha direção. – Era Austin. Dou risada e digo: – Sim, eu ouvi. Mesmo sentindo um objeto estranho e desconfortável subitamente alojado em meu peito, posso apreciar quão animador tudo isso deve ser, sentir-se imediatamente à vontade com a pessoa que está no comando do trabalho criativo mais importante de sua vida até agora. – Ele não está vindo de Los Angeles para cá, está? – pergunta London. Se percebo corretamente, há um tom de suspense em sua voz. Sempre gostei de London. – Não, não – explica Lola, descendo o olhar para a mesa. – Foi só uma brincadeira que ele fez.


Por alguns momentos, ficamos apenas sentados ali, olhando para ela. Harlow é a primeira a falar: – Bem, por que diabos ele telefonou? Surpresa, Lola ergue o olhar. – Ah… Hum, ele só queria saber se eu estava bem depois da reunião… E disse que está organizando algumas ideias sobre como traduzir a primeira parte para filme. – A primeira parte? – repito. Ela nega com a cabeça em um gesto exagerado, sem jeito, e uma mecha de seus cabelos longos e lisos prendem-se ao batom. Não consigo evitar; estendo a mão para afastar aqueles fios. Mas ela também faz isso e seus dedos chegam antes dos meus. Rapidamente solto a mão e sinto a forma como Harlow se vira para mim, mas não posso desviar o olhar de Lola, que está me encarando, seus olhos tomados por um frenesi silencioso. – Puta merda, Oliver! Ao nosso lado, London pega o telefone. – Vou dar um Google nesse tal de Austin Adams. Eu sempre gostei mesmo de London. – “A primeira parte?” – repito para Lola, agora em um tom mais gentil. – Ele estava dizendo que o estúdio vê três filmes – ela praticamente chia. – E ele tem algumas ideias e gostaria de discuti-las comigo. Harlow diz um palavrão, Mia dá um berro, Joe lança um sorriso enorme para ela, mas Lola cobre o rosto com um leve grito de pânico. – Puta merda! – grita London. – Esse cara é uma delícia! Ela vira o telefone para podermos ver. Certo. Talvez eu não goste tanto quanto achava que gostava de London. Ignorando-a, prossigo falando com Lola: – Isso é bom. – E tento baixar seus braços. Sem conseguir evitar, acrescento: – Ele quer conversar com você sobre isso agora? Você precisa ir a Los Angeles outra vez amanhã? Ela acena uma negação com a cabeça. – Imagino que por telefone em algum momento. Tipo… Mal consigo me imaginar coescrevendo um roteiro, imagine então três roteiros – ela disse antes de levar a ponta do dedo aos lábios. – Esse trabalho envolverá muita colaboração – lembro a ela. – Não foi isso que Austin lhe disse mais cedo? – Vê-la se preocupar cada vez mais me ajuda a manter minha trepidação sob controle. Então prossigo: – Talvez no segundo e no terceiro filmes você possa comandar mais o processo, mas assim está bom, certo? Lola assente com urgência, absorvendo minha confiança, mas logo seus ombros se soltam e ela dá um risinho autodepreciativo. – Não sei fazer isso. Sinto sua mão pousar sobre a minha, trêmula e suada. – Isso pede mais álcool – sugere Harlow, triunfantemente imperturbável. De canto de olho, vejo-a se levantar para buscar mais alguns shots. Joe estende a mão para massagear a nuca de Lola. – Lola, você é uma estrela no meio de uma pilha de cascalho. Você vai reinar. Concordo com a cabeça. – Você conquistou isso. Ninguém conhece a história melhor do que você. Estará lá para guiá-los. Eles são especialistas em fazer filmes.


Ela exala, arredondando docemente os lábios e mantendo seu olhar fixo ao meu, como se aquilo evitasse que ela derretesse. Ela tem ideia de quanto eu quero ser sua coragem? – Certo – ela diz. E repete: – Certo.

Por fim, conseguimos tomar cinco drinques cada um e deixar de lado o dia insano de Lola para debater calorosamente como seria o fim do mundo. Como de costume, devemos agradecer a Joe por isso, mas Lola está esperançosa e se dissolvendo em suas gargalhadas adoráveis com cada sugestão acalorada – zumbis, ondas eletromagnéticas, invasões alienígenas – e pelo menos parece completamente, felizmente distraída. – Estou dizendo, vai ser uma porra de um rebanho! – Joe nos diz, por pouco não derrubando a taça de vinho de Harlow quando desliza a mão em um gesto de total destruição. – Alguma espécie de gripe bovina ou suína. Talvez alguma coisa com as aves. – Raiva – sugere Mia, assentindo lentamente, já sentindo os efeitos do álcool. – Não, não é raiva – ele diz, negando com a cabeça. – Vai ser alguma coisa que ainda não conhecemos. – Você é um raio de sol – diz London, cutucando-o nos olhos. E ele se vira para olhar para ela. – Isso é um fato – ele afirma. – As malditas galinhas serão a nossa ruína. Lola faz um gesto como se atirasse na própria cabeça e finge cair sobre mim, simulando uma convulsão e a própria morte. Seus cabelos se esfregam em meu braço, em minha pele nua além da manga curta da camiseta e, pela primeira vez, não combato a necessidade de tocar aqueles fios. Coloco a mão em forma de concha sobre sua cabeça e a deslizo para baixo, arrastando meus dedos por seus cabelos. Ela inclina a cabeça e olha para mim. – Oliver só pode estar bêbado – anuncia com uma pronúncia arrastada, embora pareça que eu seja o único a ouvi-la. – Por quê? – pergunto. Meu sorriso para ela é subconsciente, um instinto que surge em resposta à sua proximidade. – Porque você está me tocando – ela disse com a voz um pouco mais baixa. Inclino meu corpo um pouco para trás para enxergar melhor seu rosto. – Eu toco muito em você. Ela nega com a cabeça, que lentamente se apoia em meu braço. – Como um amigo. Dessa vez foi como um amante. Meu sangue se transforma em mercúrio. Ah, se ela soubesse… – Foi? – A-hã. – Lola parece cansada, suas pálpebras demandam descanso. – Sinto muito, então, Lola Love – digo, empurrando sua franja para as laterais da testa. Ela sacode dramaticamente a cabeça, de um lado para o outro. – Não se desculpe. Você é meu herói. Dou risada, mas ela se senta em um movimento surpreendente e repentino para continuar: – Estou falando sério. O que seria de mim agora sem você? – E aponta para Harlow: – Ela é casada. – E aponta para Mia: – Ela também é casada. Aparentemente em sintonia com a conversa, London se inclina para a frente:


– Eu não sou casada. – Não – concorda Lola, oferecendo um sorriso enorme, embriagado, para a amiga. – Mas você está sempre surfando. Ou trabalhando no bar. Ou ocupada rejeitando homens. Joe assente e London dá um tapa de brincadeira em seu peito. – Então, Oliver é meu herói – ela diz, virando-se de volta para mim. – Minha rocha, minha vara da salvação. – Ela repuxa as sobrancelhas. – Vara da salvação? – Tábua de salvação – sussurro. – Isso! – ela diz. – Isso mesmo. Lola baixa a voz e se aproxima. Chega tão perto que meu coração salta na garganta. – Nunca me deixe – ela continua. – Não deixarei – confirmo para ela. Caralho. Eu não conseguiria deixá-la. Quero evolvê-la em meus braços e levá-la comigo, protegê-la de todas as pessoas hipócritas e gananciosas que ela está prestes a conhecer. – Não deixe – ela insiste, mantendo um dedo trêmulo, ameaçador e embriagado diante do meu rosto. Eu me aproximo, mordiscando a ponta daquele dedo, e seus olhos arregalam. – Não vou deixá-la – digo. E porra, como eu quero me aproximar mais e mordiscar também seus lábios.


Capítulo 3

Lola Sou um zumbi antes do café, especialmente depois de uma noite de drinks e comemoração e sabe Deus o que mais. Nem me lembro de ter vindo do bar para casa, então não acredito totalmente no que meus olhos veem quando acordo às sete da manhã e encontro Oliver dormindo no meu sofá. Ele está espalhado desajeitadamente, tão longo e angular. Um de seus pés se apoia no chão enquanto o outro se dependura pela beirada do sofá. Sua blusa está erguida até as costelas, expondo uma barriga reta, cortada por uma linha de pelos escuros. Com as pernas soltas, os braços de lado e o pescoço em um ângulo que certamente vai causar dor quando ele acordar… Ele está mesmo aqui, e está lindo. Não é a primeira vez que vem parar em minha casa. O apartamento fica a poucas quadras da loja, então demos uma chave a Oliver para o caso de ele precisar trazer uma de nós até aqui, consertar uma torneira pingando ou fazer um sanduíche rápido durante uma pausa. Nos oito meses desde que o conheci, ele dormiu aqui duas vezes: em uma delas, trabalhou até tão tarde antes da inauguração da loja que mal conseguiu andar até nossa casa (menos ainda dirigir até a sua). Ele foi embora antes de eu acordar. Em outra noite, saímos depois que ele fechou a loja e bebemos demais para operar qualquer veículo em movimento. Mas, nessa segunda ocasião, estávamos em várias pessoas, com corpos aleatórios espalhados em qualquer superfície onde coubessem. London já se levantou e saiu – para surfar mais, provavelmente –, e eu jamais tive a alegria de acordar e encontrá-lo aqui, sozinho. Admito que estou sendo muito intrusa, encarando-o enquanto ele ainda dorme – e farei todos os esforços para me sentir mal por isso mais tarde. Mas, por enquanto, eu simplesmente adoro vê-lo como a primeira imagem da minha manhã. Saboreio cada segundo. Sei que é apenas uma questão de tempo antes que o estresse de Oliver por causa da abertura da loja diminua e ele possa se concentrar em outras áreas da vida… Tipo namorar. Tipo Hard Rock Allison. Só Deus sabe quantas garotas andam por aquela loja na esperança de o dono gostosão notar sua presença. Não gosto da ideia, mas sei que em algum momento vai acontecer. A distração da carreira também existe para mim e todas as viagens recentes me permitiram manter a cabeça enfiada na areia sobre o quanto eu realmente gosto dele. E me permitiram ficar feliz tendo o que eu conseguisse ter.


Porém, nas últimas semanas, mesmo com as coisas parecendo mais loucas do que nunca, emergi dessa cerração. Tive que admitir para mim mesma que eu o desejava. E, ontem à noite, flertamos mais do que nunca. A memória faz brotar uma batida oscilante e ansiosa em meu peito. Quando nos conhecemos em Vegas, ele estava lindo e se mostrou interessante e tinha o sotaque mais sensual que já ouvi, mas eu não o conhecia. Ele não me quis? Não tem problema nenhum nisso. Mas passar tempo o com ele – quase todo o meu tempo livre, se eu for sincera – e tê-lo como um acessório na minha vida fez o pequeno tormento do desejo se transformar em uma dor muito dolorida. Agora eu o conheço, mas não conheço seu coração. Não desse jeito. E ultimamente… Ultimamente eu quero conhecer. Quero dizer a ele: “Apenas me dê uma semana. Uma semana de você e dos seus lábios e da sua risada na minha cama. Só uma semana e aí tudo vai ficar bem”. É mentira, obviamente. Mesmo sem jamais tê-lo beijado – além do selinho rápido em nosso casamento fake –, sei que eu ficaria pior se o tivesse por uma semana e depois o perdesse. Meu coração ficaria deformado, mais ou menos como um suéter de lã que é colocado em um corpo grande demais e fica disforme até deixar de servir. Mas vai saber… Talvez eu seja e tenha sido disforme para Oliver desde o início. Mas, diferentemente de todos os outros namorados que tive – algumas semanas aqui, um mês acolá –, Oliver parece nunca tocar nos pontos sensíveis ou precisar conhecer todos os detalhes. Em vez disso, ele coleta meus detalhes conforme eles são oferecidos. Talvez por isso ele continue tão próximo de mim. Ainda não tive a chance de arruinar tudo ao me calar justamente quando a intimidade é necessária. Na nossa primeira noite, enquanto nossos amigos quebravam a cama do hotel em Vegas com sua libido, Oliver e eu caminhamos pela Strip conversando sobre trabalho. Sobre escrever e ilustrar, sobre como a mulher é retratada nos quadrinhos, sobre os livros que estávamos lendo naquela época. Falamos vagamente sobre Razor Fish, sobre sua loja… A essa altura, eu nem sabia que ele se mudaria para San Diego. Era tão simples estar com ele, como saborear rapidamente algo delicioso que quero continuar comendo até explodir. Em algum ponto da parte final do caos da Strip, tornei-me corajosa o suficiente a ponto de pará-lo de repente e, com uma mão atrevida em seu braço, virá-lo para me encarar. – Nossos quartos devem estar sendo usados – comecei, observando seu queixo antes de forçar meus olhos na direção de seus olhos. E ele sorriu, e foi quando percebi como seus dentes são perfeitos – brancos e regulares, com caninos tão afiados a ponto de fazê-lo parecer um lobo. E como seus lábios são suaves, como seus olhos são azuis atrás dos óculos. – Provavelmente. – Mas nós poderíamos… – desviei, piscando e olhando para o lado. Ele esperou, me observando, seus olhos jamais entregando que ele sabia exatamente o que eu estava prestes a dizer. Olhei novamente para o seu rosto enquanto reunia minha coragem: – Poderíamos arrumar um quarto para passar a noite, se você quiser. Juntos. A expressão dele continuou exatamente a mesma – a fisionomia inexpressiva incrível de Oliver ostentava aquele sorriso gentil, aquele olhar suave, sem julgamentos. E ele muito educadamente rejeitou. Fiquei envergonhada, mas por fim superei. E nunca mais falamos sobre o assunto. Depois, quando descobri que ele tinha se mudado para cá e que tínhamos em comum não apenas amigos, mas também essa paixão pelos quadrinhos, passamos a nos ver o tempo todo, e o desconforto


daquela rejeição se desfez. Em seu lugar, surgiu uma espécie de amizade perfeita. Oliver não julga, não zomba, não força. Não se importa com meus silêncios, quando tudo o que quero fazer é me lançar sobre uma folha de papel e desenhar. Não se importa quando me empolgo com alguma coisa e tagarelo por uma hora inteira. Oliver é sincero dessa forma fácil de lidar quando lhe mostro ideias novas. Toca músicas estranhas para mim e me faz sentar e ouvir porque, mesmo se eu odiá-las, ele quer que eu entenda por que ele gosta delas. Pode falar de tudo, de Veronica Mars a Gen13, da National Public Radio até reparos em carros. Ou pode simplesmente não falar de nada, o que também adoro. Ele sabe ouvir, é divertido, é gentil. É uma pessoa única e essa confiança simples é apenas parte do que o torna irresistível. O fato de ele ser alto, lindo e ter o mais perfeito dos sorrisos também não atrapalha. Dois meses depois do nosso casamento e de sua anulação, levei-o para conhecer meu pai, Greg. Naquela noite, em algum momento durante o churrasco de frango e um saco de chips com salsa – e enquanto eu estava no quintal tentando capturar o pôr do sol com minhas tintas a óleo –, Oliver ouviu o resto da minha história. Meu pai chegou de sua terceira viagem ao Afeganistão quando eu tinha doze anos, e ele estava arrasado: foi transformado de um enfermeiro de triagem celebrado em um honrável veterano dispensado, incapaz de dormir e escondendo OxyContin na cozinha. Minha mãe não conseguiu aceitar aquilo e não demorou um mês para ir embora no meio da noite, sem se importar em oferecer algo tão formal quanto um adeus. A nenhum de nós. Tentei reunir os cacos de meu pai, meu pai tentou reunir os meus cacos e empurramos a vida assim por alguns anos, até percebermos que cada um tinha de recolher seus próprios cacos. Não foi bom, mas as coisas melhoraram, e minha relação com meu pai é uma das coisas que mais celebro na vida. Conto a ele todos os mesmo pensamentos, mesmo os mais insignificantes. É isso que me permite mantê-los dentro da cabeça o restante do tempo. Preferiria perder o sol a perdê-lo. Jamais soube o que exatamente meu pai disse a Oliver, mas, depois daquela noite, em vez de perguntar qualquer coisa, Oliver simplesmente deixou o assunto de lado. Pequenos detalhes surgiam em conversas – informações que até agora eu só havia debatido com Harlow e Mia –, demonstrandome que ele sabia mais do que eu havia lhe contato. Mia e Harlow já faziam parte da minha vida quando tudo aconteceu, então não tive que contar tudo a elas em uma única sentada. Mas se havia alguém a mais que eu queria que me conhecesse tão bem, esse alguém era Oliver. Depois de algumas cervejas, quase um mês atrás, finalmente perguntei: – E então, quanto da minha história e da minha origem meu pai contou a você? Ele parou enquanto levava a garrafa de cerveja aos lábios e lentamente apoiou a garrafa de volta sobre a mesa. – Ele me contou a versão dele. De quando você era criança até agora. – Você quer ouvir a minha versão? Oliver virou-se para mim e assentiu. – É claro que sim. Um dia. Quando e da forma como acontecer. Quase o beijei naquela noite, quase fui corajosa o suficiente. Porque quando lhe disse que eu também queria ouvir sua história, ele pareceu tão grato, tão cheio do que para mim significava amor, que foi a primeira e última vez que achei que ele estivesse tão envolvido quanto eu. E eu arruinei tudo descendo o olhar outra vez para a mesa. Quando ergui outra vez o olhar, o semblante inexpressivo havia se instalado outra vez e ele havia mudado de assunto. Estou pensando em tudo isso agora, enquanto o vejo dormir. Também desejo que ele acorde para


que eu possa moer um punhado de grãos de café. Mas meu telefone faz o serviço e começa a latir em volume máximo sobre o balcão. Esse toque é a marca registrada de Benny. – Alô? – atendo o mais rapidamente que posso, quase derrubando o aparelho. Oliver ergue a cabeça rapidamente com o barulho; olha ferozmente em volta. Aceno da cozinha até ele me ver e finalmente relaxar. Ele passa a mão no rosto e me olha daquele jeito transparente e suave. É a mesma forma como ele me olhou naquela noite, um mês atrás, no bar. Seus lábios ficam entreabertos, os olhos arregalados para que consiga me ver mesmo sem o benefício dos óculos. Seu sorriso é o sol saindo de trás de uma nuvem. – E aí? – ele cumprimenta, sua voz ainda rouca e instável após o sono. – Lola, é Benny – a voz vem pelo telefone. – Estou com Angela na linha. – Ah? – murmuro, mantendo o olhar fixo ao rosto de Oliver. Enquanto observo, aquele rosto passa de aliviado e feliz a ligeiramente confuso enquanto ele corre o olhar pela sala. Ele se senta e apoia os cotovelos nas coxas, levando a cabeça às mãos e gemendo: – Porra! Minha cabeça! Harlow certa vez disse que o jeito como alguém olha para você quando você é a primeira pessoa que ele vê de manhã é a melhor forma de avaliar como ele se sente. Pisco os olhos para o balcão e arrasto uma unha entre dois azulejos para tentar não interpretar as primeiras expressões matinais de Oliver. – Sei que é cedo, me desculpe – diz Angela. – Você está bem? – Ainda não tomei café – admito. – Ainda não estou nada. Oliver ergue o olhar e, ainda no sofá, dá risada. Angela lança um riso menos genuíno do outro lado da linha. Coloco no viva-voz para ele também ouvir. – Bem – continua Angela. – Ontem foi um grande dia e o comunicado à imprensa será divulgado hoje. – Você precisa que eu faça algo? – pergunto. – Nada. Apenas esteja preparada – ela diz. – Hoje você não precisa responder nada. Esse é o nosso trabalho. Podemos enviar algumas informações das mídias sociais para serem usadas depois. Agendaremos algumas entrevistas. Só preciso que você esteja ciente do que isso significa. Oliver me observa da sala de estar. Seus olhos estão dramaticamente arregalados. – Está bem…? – respondo, sorrindo apenas por ele estar aqui e vendo tudo isso em primeira mão. Angela parece extremamente séria agora. Sinto que preciso de uma testemunha. – Isso significa que você será reconhecida. Brincando, Oliver faz uma expressão de escandalizado e eu tenho que engolir o riso. O livro já está no top 3 de melhores quadrinhos da lista do New York Times há dez semanas e minha vida nem mudou tanto assim, exceto por eu estar viajando mais para sessões de autógrafos e algumas convenções. Claramente nós dois duvidamos de que nosso bairro vai se tornar o marco zero dos paparazzi. – Isso significa que você será fotografada e seguida – continua Angela. – Quer dizer que vão fazer a mesma pergunta cem vezes e você vai ter que transmitir a impressão, toda vez, de que é a primeira vez que responde àquele questionamento. Significa que você não pode controlar o que é escrito a seu respeito. Fui clara? Faço que sim com a cabeça, presa ao olhar bem-humorado de Oliver, mas eles não conseguem me ver, então me forço a dizer:


– Sim. – Você vai se sair bem – diz Benny com sua voz tranquilizadora. – Isso é fantástico, Lola. – É, sim – concordo em um gemido. Sei que Harlow jamais entenderia essa minha inclinação, mas só quero me esconder na caverna onde escrevo até tudo chegar ao fim e eu poder ir ver o filme usando peruca e óculos de sol. Eu estou bem. Eu estou bem. – Que bom – diz Angela. – As informações devem aparecer na Variety em menos de uma hora. Aproveite o momento, Lola. Ele é todo seu. Percebo que a ligação está prestes a terminar, mas ouço a pancada familiar da temida porta de vidro aos fundos e uma voz masculina abafada gritando: – Puta que pariu! Angela limpa a garganta. – Ah, parece que Austin quer dizer alguma coisa. – Tudo bem – concordo. Oliver se levantou do sofá e agora entra na cozinha. – Lola! – grita Austin. E fico feliz por estar no viva-voz; caso contrário, eu teria ficado surda. – Bom dia – digo, estendendo a mão para apertar o nariz de Oliver e afastar sua atenção, já que ele está olhando severamente para o telefone. – Ouça, tenho uma reunião em cinco minutos – diz Austin. – Então eu só queria dizer oi, mas ontem à noite estive pensando: e se Razor não fosse de um time loop paralelo, e sim de outro planeta? Pisco os olhos e meu cérebro começa a derreter. Os olhos de Oliver se arregalam e ele murmura: – Que porra é essa? – Desculpa – digo, sacudindo a cabeça para limpá-la. Pensei que Austin realmente tivesse se identificado com o livro. – Um alienígena? Tipo, de Marte? – Bem, os detalhes podem ser decididos mais adiante – diz Austin casualmente. – Só acho que o público americano teria mais facilidade de entender alienígenas do que a ideia de vários time loops paralelos. – Mas o Doctor Who funciona – é tudo que consigo pensar e dizer. – Isso é na BBC. – Então os ingleses são mais inteligentes? Ele dá risada, achando que estou sendo retórica. – Certo? Bem, apenas pense no assunto. Acho que seria uma mudança que podemos fazer e que não vai influenciar muito a história, só torná-la mais acessível. Concordo com a cabeça, mas então lembro que ele não consegue me ver. – Está bem. Pensarei no assunto. – Ótimo! – ele gralha. – Falo com você mais tarde, Loles. Meu telefone emite três bipes, indicando que o telefonema chegou ao fim. Cuidadosamente, deslizo-o de volta sobre o balcão. Oliver cruza os braços sobre o peito e se inclina. – “Loles”? Minhas sobrancelhas arqueiam até o teto. – Vamos começar assim? Ele dá risada, sacudindo lentamente a cabeça.


– Não sei se algum de nós quer começar com Marte. Vou até a geladeira e pego um saco de grãos de café. – Eu… Dou meia-volta, despejando os grãos no moedor, e olho indefesa para ele enquanto ouço o barulho do café caindo. Meu cérebro está derretido, meu coração afunda, meus pulmões parecem ter desistido e simplesmente se desligado. Desligando o moedor, falo: – Nem sei o que dizer. Um marciano. Sério, um marciano. Isso não pode ser uma sugestão séria, ou é? Quero dizer, Razor e todos os outros Bichir se desenvolveram, no quarto loop, dos mesmos materiais terrenos que nós, mas… de forma diferente. Em um tempo alternativo, sob condições diferentes. – Descanso as mãos na cabeça, tentando não entrar em pânico. – A razão de ser quem ele é, é uma evolução alternativa. – Olho para os olhos azuis profundos dele. – Aqui, na Terra. O único motivo que o leva inicialmente a se interessar por Quinn e pelo que ela está fazendo é o fato de a Terra ser também o planeta dele. Só que em uma versão diferente. Sei que Oliver sabe disso, mas falar em voz alta vai desatar alguns nós dentro de mim. Ou isso, ou me lançar em uma espiral. – Você pode rejeitar essa ideia, Lola – ele diz. – Da minha parte, não concordo quando Austin diz que o enredo é complicado demais. – Pensei que fôssemos discutir mudanças mais ligadas a nuances – exponho. – Como fazer Quinn enfrentar apenas um agressor na primeira luta ou fazer Razor vir resgatá-la um pouco mais cedo com Andemys. Oliver encolhe os ombros, girando uma colher sobre o azulejo do balcão. – É, eu também. – E um comunicado à imprensa? – Sacudo a cabeça, derrubando os grãos moídos na cafeteira. – Hoje vou passar o dia escondida na loja, se isso não for um problema para você. – Acho que a loja seria o último lugar para se esconder, Lola Love. Concordo com a cabeça, adorando a forma como ele pronuncia meu nome. Seus “os” são sempre tão sinuosos, nada faz meu espírito se animar tanto quanto ouvir a voz dele. – Está com fome? Ele leva a mão abaixo da camiseta para coçar a barriga, e meu coração desce até os pés. – Morrendo de fome – responde, dando de ombros. Aponto para uma pilha de frutas em uma bandeja e pego o cereal sobre a geladeira. Rice Krispies, porque sei que é o que ele quer. Oliver já está ao meu lado, na frente da geladeira, pegando o leite. – Estou em um mundo onde as pessoas planejam postagens nas redes sociais – falo. – Talvez eu devesse entrar para as redes sociais, não é? Ele dá risada enquanto descasca uma banana. – Deixe Joe cuidar do seu Twitter. Ele vai ser bom nisso. Fico boquiaberta para ele. – Joe postaria fotos de paus. Oliver dá de ombros, como se quisesse dizer “foi exatamente o que eu falei”. Então, faz uma pausa e me encara. – O que foi? – pergunto. – Nada. – Ele assente para a fruta em sua mão. – Só não sei para onde olhar enquanto como a banana. Fiquei encabulado por um instante. Não queria ser sugestivo. – Especialmente depois de falarmos sobre fotos do pau do Grosseirão.


Fazendo uma careta, Oliver coloca a banana sobre o balcão e prepara o cereal. – Me passa uma faca? Dou risada enquanto pego uma faca; ele vira os olhos. Toda vez que Oliver fala “faca”, não consigo evitar. Ele tem todo um jeito de Paul Hogan. – Você acha mesmo que as pessoas vão me reconhecer? – pergunto, roendo a unha. Neste momento, não consigo encarar a ideia de Razor ser um alienígena de Marte; é estranhamente mais fácil me concentrar no lado da publicidade de tudo isso. Oliver olha para mim, estuda meu rosto. Sei o que está pensando quando seus olhos pousam no piercing na minha boca: não sou exatamente uma desconhecida. – Eles já não a reconhecem às vezes? – Só os geeks. E só aconteceu duas vezes. – Bem, agora acontecerá com mais pessoas. – Ele fala com uma calma enorme. Às vezes, sinto vontade de colocá-lo em uma jaula com um leão e medir sua pressão arterial. – Isso me faz querer vomitar, Oliver. Tipo, como se eu devesse carregar um balde comigo. Ele nega com a cabeça, rindo. – Qual é, Lola?! Você está sendo dramática. Costuma sempre ser elegante, por que acha que vai ser tão difícil? – Isso não é verdade – sussurro. Ele olha para mim e sacode discretamente a cabeça. – Às vezes, eu queria poder conhecê-la outra vez – anuncia enquanto corta a banana sobre o cereal. – E prestar mais atenção. Meu coração salta na garganta. – O que você está querendo dizer com isso? – Significa exatamente o que acabei de dizer. – Ele mexe as bananas na tigela. – Você é muito incrível. Quero conhecê-la pela primeira vez outra vez. E quero que seja diferente, que seja apenas nós dois nos divertindo desse jeito. – Com Rice Krispies e café em vez da Strip de Vegas? Ele arrasta os olhos na direção dos meus e então percebo – eu simplesmente sei – que ele está se lembrando do meu pedido desajeitado de casamento. Observo enquanto ele busca as palavras certas. – Só estou falando de uma situação na qual ninguém se sente pressionado a… – Eu não o culpo pelo que fez naquela noite – afirmo. Preciso fazer aquele momento deixar de ser infeliz. – Foi o jeito certo de agir. Ele me olha nos olhos por mais um instante antes de sorrir ligeiramente, enterrando a colher na tigela. Apoio-me contra o balcão e tomo um gole do néctar dos deuses enquanto o vejo comer. De algumas formas, ele tem o corpo de uma figura durona: tão alto, tão sarado, passos e braços fortes, nada além de ângulos agudos. Mas também é forte. Há músculos marcados em seus bíceps, nos ombros. Seu peito é largo, afinando em uma cintura reta. Eu poderia desenhá-lo, penso. Poderia desenhá-lo e talvez até me surpreender com o que vejo. – Em que você está pensando? – ele pergunta entre uma bocada e outra de cereal. – Está me olhando como se se sentisse surpresa por eu ter braços. – Estava pensando em como seria o resultado se eu o desenhasse. Sinto meus olhos arregalarem. Eu definitivamente não queria dizer isso em voz alta, nós dois sabemos. Oliver ficou paralisado. Tão paralisado quanto o sangue em minhas veias. Ele me olha como se esperasse que eu elaborasse, mas não consigo. Alguma coisa entra em pane em meu cérebro


quando estou nervosa, algumas portas se fecham. Minutos se passam e só consigo ouvir meu próprio coração batendo e o som de Oliver comendo. O silêncio não é estranho para nós, mas dessa vez ele parece muito pesado. – Bem, você quer? Pisco os olhos para ele. – Se eu quero o quê? Ele pega mais uma colherada de Rice Krispies, mastiga e engole. – Me desenhar. Meu coração infla infla infla explode. – Não tem nada de mais nisso, Lola. Você é artista. E eu sei que sou uma espécie de semideus. – Ele pisca com um olho antes de pegar mais uma colherada do cereal com leite. Se eu quero desenhá-lo? E como quero! E enquanto conversamos. Faço isso o tempo todo. Mas em geral uso a memória, ou pelo menos faço isso quando ele não sabe que estou desenhando. A ideia de ter acesso ilimitado àquele rosto, àquelas mãos, àqueles braços musculosos e ombros largos… – Tudo bem – digo em um chiado. Ele me encara, arqueando ligeiramente a sobrancelha de modo a dizer “e então?”. Antes que eu possa pensar duas vezes, já estou correndo para o quarto e procurando em minha mesa um bloco de desenho maior e carvões. Consigo ouvi-lo na cozinha, colocando a tigela na pia, abrindo a torneira para lavá-la. Minha mente é um liquidificador: os pensamentos coerentes são liquidificados e mortos. Não tenho ideia do que estou fazendo agora, mas, se Oliver quer que eu o desenhe… Ah, porra! Vou encher esse maldito caderno com esboços. Correndo de volta para a sala de estar, quase escorrego no chão de madeira, mas consigo me agarrar à parede justamente no momento certo para ver Oliver de costas para mim, olhando para as enormes janelas do apartamento. Ele leva a mão até a nuca e tira a camiseta. Ah. Ah. – Ah – gemo. Ele dá meia-volta e olha para mim, a timidez se espalhando por seu rosto. – Não era para fazer isso? Ah, Deus, não era para fazer isso. Só vamos fazer o rosto e tal, não é? – Segurando a camiseta junto ao corpo, ele diz: – Porra! – Tudo bem – consigo pronunciar enquanto olho para o lápis na mão, como se inspecionasse a qualidade da ponta fina. Estou olhando para a ponta com tanto afinco que poderia quebrá-la apenas com a força dos meus olhos. Oliver está sem camisa. Na minha sala de estar. – Está ótimo – continuo. – Quero dizer, é muito bom desenhá-lo sem camisa porque assim posso me concentrar mais nos detalhes dos músculos e nos cabelos e nos mami… – limpo a garganta. – Em algumas coisas. Ele solta a camiseta, ainda me olhando para ver se estou bem. – Está certo. Sento-me no sofá, olhando para onde ele está, perto da janela. Oliver analisa a paisagem, completamente à vontade. Em contraste, meu coração cava um caminho para sair do meu corpo, passando pela garganta. Passo mais tempo do que deveria em seu peito, na geometria: mamilos pequenos, perfeitamente arredondados. Um mapa de músculos criado com quadrados, retângulos,


linhas e ângulos agudos. A inclinação triangular onde o osso do quadril se encontra com músculos. Sinto-o me observando enquanto desenho os pelos mais abaixo, próximos ao umbigo. – Quer que eu tire a calça? – Sim – respondo antes de pensar e gritar rapidamente: – Não! Não… Meu Deus. Ah, meu Deus, está tudo bem assim. Meu coração não poderia bater mais forte. Metade de sua boca forma um sorriso incerto; a outra metade, uma linha reta. Quero passar um ano desenhando a forma exata de seus lábios neste momento. – Eu não me importo – ele diz discretamente. O diabo em meu ombro me diz: Vá em frente. Vá em frente. Seu estilo geométrico nunca funciona para desenhar pernas. Isso ajudaria. O anjo em meu outro ombro apenas dá de ombros e desvia o olhar. – Se você se sentir bem assim – digo antes de limpar a garganta para explicar: – Você sabe que eu não sou muito boa para desenhar pernas e… Ele já está desabotoando a calça, passando as mãos pelo jeans leve, abrindo os botões um de cada vez. Para nossa amizade, seria bom se eu desviasse o olhar. Mas não consigo. – Lola? Com um esforço hercúleo, arrasto meus olhos até seu rosto. – Sim? Ele não diz mais nada, mas mantém o olhar preso ao meu enquanto baixa a calça e a chuta para o lado. – Sim? – repito. Minha respiração está ofegante demais. Deve ser perceptível. Isso é algo totalmente diferente. Alguma coisa está acontecendo esta manhã, alguma coisa que não o habitual Oliver + Lola. Sinto que estamos passando pela porta que dá acesso ao País das Maravilhas. – Onde você me quer? – Quero você…? – Que eu fique. – Ah… – Limpo a garganta. – Ali está bom. – Não estou na contraluz? Ele está, mas não confio em mim mesma para direcioná-lo agora. – Eu não me importo em sentar… – ele começa. – Talvez você pudesse apenas se deitar ou… – paro abruptamente quando começo a processar suas palavras. Puta que pariu! – Ou sentar-se. Sentado fica bom. Quero dizer, como preferir. Ele lança um sorriso misterioso para mim e vai até o tapete no meio da sala, deitando-se em um raio de sol gigante. O painel mostra a garota, olhando para o rapaz, a pele dela coberta em chamas ferozes e azuis. Oliver leva as mãos atrás da cabeça, cruza as pernas e fecha os olhos. Pau. PAU. Isso é tudo que consigo ver. Está ali, debaixo da cueca boxer, semiereto, claramente não circuncidado, seguindo a linha de seu quadril. Meu Deus, é grosso! E se crescer mais do que aquilo, Oliver deve ser capaz de arrancar os dentes de uma mulher enquanto a fode.


Inclino a cabeça, minha mão paira sobre o papel. Por que ele está semiereto? É algo que acontece com os homens quando estão sendo desenhados? Provavelmente. E é bom ou constrangedor? Para Oliver, obviamente é bom, pois ele olha para aquilo. Quero dizer, para ele. Olha para ele. – Lola? Tudo bem com você? Já entendi. Ele ouviu que não estou desenhando. Sento-me no sofá e começo a esboçar furiosamente cada detalhe de seu corpo: os pelos em suas pernas, os músculos saltados de suas coxas, os sulcos profundos ao lado do quadril, e sim, até mesmo a forma dele sob a cueca. Vou virando dezenas de páginas, decidida a registrar cada detalhe para colorir mais tarde. Minhas mãos estão sujas de carvão, meus dedos doloridos pela velocidade e intensidade do trabalho. – Fique de barriga para baixo – peço. Ele segue a instrução e posso ver seu quadril flexionando, vejo-o pressionando o mastro duro contra o tapete: uma enfiada inconsciente. Todos os músculos do meu corpo se contorcem em resposta: um desejo lançado ao universo. Percebo a longa cicatriz descendo pela lateral esquerda de seu corpo, passando por sobre algumas costelas. – Do que é essa cicatriz? – Caí durante a primeira viagem de bicicleta – ele murmura, referindo-se ao seu envolvimento com o movimento Bike and Build, no qual conheceu Ansel e Finn quando eles atravessaram os Estados Unidos de bicicleta, construindo casas para pessoas com necessidades pelo caminho. A cicatriz é enorme – meia polegada de espessura, talvez dez centímetros de extensão – e me pergunto quanto tempo Oliver ficou impedido de andar de bicicleta depois daquilo. – Eu não sabia que você tinha sofrido um acidente naquela viagem. O que você fez para seguir pedalando e construindo casas? Ele dá de ombros, ajustando a cabeça nos braços, e fico impressionada com como se sente à vontade. – Levei alguns pontos, talvez tenha precisado de uns dois dias para me recuperar. Não foi nada sério… É só a aparência que é ruim. Sussurro alguma coisa enquanto o ouço falar sobre a viagem de bicicleta e me esforço para retratar a curvatura musculosa de sua panturrilha, o arco do pé, o osso protuberante do tornozelo. – Camberra é plana – ele conta. – Íamos de bicicleta para todo canto. É a cidade perfeita para isso. As ciclovias são boas, as ruas também. Andávamos de bicicleta o tempo todo, mas meus colegas e eu éramos idiotas, então também caí muito. Adoro sua voz e me perco nela enquanto conto as vértebras de sua coluna, a forma como seus cabelos formam ondas sobre a orelha, a sombra escura da barba por fazer em seu queixo. Uma coisa é ver tudo isso; outra coisa, completamente diferente, é me imaginar tocando em tudo isso, conhecêlo tão bem com as mãos quanto conheço agora com os olhos. Tenho o equivalente às fantasias de toda uma vida nessas páginas e estou convencida de que Oliver acaba de me ajudar a criar os quadrinhos mais sensuais do mundo. Suspirando, passo as costas da mão pela testa. – Acho que está bom. Oliver rola o corpo para o lado, apoiando-se no cotovelo. Sério, é um absurdo! No tapete branco, com a cueca boxer azul, parece que ele está posando para a Playgirl. – Que horas são? – ele pergunta. Olho para o pau… quer dizer, para os ponteiros do relógio. – Oito e quinze.


– Preciso dar o fora daqui. Ele se alonga: os músculos estremecem, os punhos se fecham, a cabeça cai aliviada para trás. Depois de um gemido enorme e feliz, Oliver pergunta: – Você vai me mostrar o que fez? – Sem chance. – É um tanto pornográfico, então? Dou risada. – Você estava de cueca. – Isso é um sim? Agora quero mesmo ver o que você desenhou. – E verá – garanto. – Em algum momento. Quero ser um pouco mais atrevida no próximo projeto. – Abaixo a cabeça, ajeito os cabelos atrás da orelha. – Você me deu algumas ideias. Obrigada. A situação agora é desconfortável? Não parece desconfortável, mas talvez eu seja péssima para ler esse tipo de coisa. Tudo pareceu muito tranquilo. Parece tranquilo. Ele fica em pé, encontra a calça jeans e começa a vesti-la outra vez. Começo a dar adeus ao mais perfeito pau semiereto que já vi. – Só estou ajudando uma amiga – ele murmura. – Como deve ser. – Obrigada – agradeço outra vez. – Espero que pelo menos eu a tenha distraído um pouco. Olho nos olhos de Oliver quando a cabeça reaparece enquanto ele veste a camiseta. – Me distraído de quê? Ele dá risada e se aproxima o suficiente a ponto de conseguir estender a mão e bagunçar meus cabelos. – A gente se vê mais tarde, Lola Love. Ele sai do apartamento e segue para sua loja antes de eu me lembrar do Razor Marciano e que o artigo da Variety foi postado em algum momento da última hora.

Harlow joga a bolsa no banco e desliza para se sentar à minha frente na cabine. – Desculpa pelo atraso. – Não se preocupe. Pedi sua salada caesar com salmão. – Olho para a entrada do restaurante. – Finn não veio? Pensei que ele chegasse ontem à noite. – Ele precisou passar a semana fora. Aconteceu alguma coisa com a caixa de fusíveis ou o painel de controle e… – Harlow finge dormir com os braços sobre a mesa. – Eu nunca sei onde ele está – murmuro contra meu copo de água. – Ele é um problema. Quando eu estou assim… – Ela aponta para os cabelos e a maquiagem perfeitamente arrumados. – Ele não está. Se Finn estivesse aqui hoje de manhã, eu me sentiria cansada demais para… – Já entendi. Adoro minha amiga, mas ela é a Rainha dos Detalhes. – E então, o que aconteceu com vocês depois que deixei o Hennessey’s ontem à noite? Não sei quem estava dando em cima de quem ontem. Inclino o corpo para fora do caminho quando a garçonete entrega nossos pratos e a agradeço. – Não lembro como chegamos ao apartamento, mas Oliver dormiu lá – respondo assim que a garçonete se distancia.


Não estou olhando para Harlow quando digo isso, então assusto ao ouvi-la bater a mão na mesa, já quase em pé. – Ele o quê? Alguns clientes já estão nos encarando, então sussurro: – Ele dormiu na porra do sofá. E dá para colocar o seu rabo de volta na cadeira? Ela abaixa o rosto e se senta. – Santo Deus! Não faça isso comigo! – Fazer o quê? – pergunto. – Estamos falando do Oliver. Ela bufa: – Exatamente! Tento ler sua expressão, mas ela melhorou em ficar de boca fechada desde que começou o relacionamento com Finn. E, muito embora eu saiba que ela está pensando em alguma coisa, seus pensamentos não estão estampados no rosto. – Certo. Tudo bem quanto a isso… – começo a dizer. Harlow se inclina para a frente e mantém as mãos unidas, antebraços descansando sobre a mesa, as sobrancelhas ruivas perfeitamente esculpidas erguidas, demonstrando interesse. Penso sobre quanto devo contar a ela. Não tenho ideia de como anda a vida amorosa de Oliver e pode ser que ele vá muito bem, obrigada, sem mim. Nós dois nos vemos quase todos os dias, mas não nos vemos na maioria das noites. Pela quantidade de histórias que Finn e Ansel contam de Oliver no passado – além de sua cara de nada invejável –, suspeito que ele ande muito mais ativo do que eu por esses tempos, mas não fico sabendo das coisas. E, conforme já admiti, com o lançamento do livro e as viagens e os eventos, namorar não é uma das minhas atividades principais há meses. O casamento recente de Harlow e a mudança iminente de Ansel têm sido os assuntos mais comuns quando as garotas se reúnem. Portanto… Não falei nada de minha atração por Oliver a Harlow ou Mia. Oliver tem sido um lugar agradável para meus pensamentos viajarem em momentos de estresse – é um bálsamo saber que tenho alguém com quem conversar, que exista alguém que eu possa procurar e cujo estado emocional reflita o meu quando a vida fica louca. Além disso, Harlow, Mia e eu nos conhecemos desde a escola primária e, ao longo dos anos, descobri como Harlow se torna rapidamente obcecada. Oliver teve uma chance em Vegas e não a aceitou. Não acredito que esteja interessado em complicar nossa amizade agora, quando ela está claramente funcionando para nós dois. E não quero que Harlow se sinta ressentida com Oliver se os sentimentos dele não forem recíprocos. O ponto forte de Harlow também pode ser seu ponto fraco: é a pessoa mais ferozmente leal que conheço. Meu Deus! Como as coisas ficam complicadas quando há um grupo de amigos envolvido! De qualquer forma, com os livros publicados e menos viagens e a calma antes da tempestade na forma de um filme, tenho um pouco de tempo livre… O que significa que Oliver, o indivíduo sensual, ocupa mais e mais minha mente e esta manhã eu o vi quase nu e ele tem o corpo todo definido e não é circuncidado e paus não circuncidados são minha kriptonita e já ouvi Finn e Ansel contarem, em meio a risadinhas, histórias sobre os talentos orais de Oliver e puta que pariu!, eu estou ficando louca. À minha frente, do outro lado da mesa, Harlow limpa a garganta, descendo pesadamente o garfo. Ergo o olhar, afastando-me dos pensamentos inconscientes enquanto rabisco um guardanapo.


– Testando minha paciência, amiga? – ela diz. Claramente preciso falar sobre o assunto… E Harlow entenderia minha hesitação – não entenderia? –, afinal, ela esteve por perto durante cada um dos meus relacionamentos fracassados. – Eu falei que Oliver passou a noite em casa ontem – recomeço. – Porque, afinal… eu o acho muito atraente. Harlow inclina-se ainda mais para perto, e a conheço bem o suficiente para saber que está ensaiando um olhar. – Até um maldito tatu acharia Oliver Lore muito atraente, Lola. Encolho os ombros enquanto ela me encara como se quisesse ser uma furadeira para perfurar meus pensamentos. Na verdade, recebo aquele olhar com muita frequência. Na verdade, ela não precisaria ir muito longe; meus pensamentos estão expostos já na superfície. O problema é que a superfície é sólida feito granito. – Você acha que Oliver também acha você atraente? – ela pergunta em um tom sóbrio, ajeitando-se no assento e perfurando uma folha de alface. Dou de ombros. – Acho que não. Quero dizer, aparentemente ele não se mostrou tão interessado em Vegas. Ela murmura alguma coisa sobre tentar muito se intrometer e depois leva a garfada até a boca. – Não precisa se intrometer em nada – digo, mas ela olha para o teto, evitando meu olhar. – Harlow, o que há de errado com você? – Estendo a mão até o outro lado da mesa e a cutuco na testa. – Eu só precisava expor isso, afinal, com você e Mia casadas, Oliver é mais ou menos como um refúgio para mim, e você sabe que tenho um histórico terrível, muito terrível, com rapazes quando eles se tornam… Harlow desliza o olhar de volta para mim, engolindo a salada antes de dizer: – Quando eles se tornam algo mais? – Sim – respondo, cutucando um pedaço de aspargo. – Oliver e eu nos vemos quase todos os dias, mas nunca falamos sobre ficar ou namorar. É estranho faltar esse assunto em nossa amizade, é algo que nós dois parecemos evitar. Talvez haja um motivo para isso. – Devo ligar para Finn? – ela diz para si mesma. – Eu deveria telefonar para Finn. Ele vai me lembrar de ficar com a boca calada. – Mas eu não quero que você fique de boca calada! Minha amizade com Oliver provavelmente é a mais fácil da minha vida. – Ela ergue o olhar para mim, pisca os olhos, e eu dou risada. – Além de você e Mia. Eu só… – Abaixo o garfo. – Você se lembra de quanto Brody me odiou por todo um ano depois que terminamos? Ela assente, dando risada. – E vocês ficaram juntos por algo tipo… dois meses? Meu Deus, que cara louco. Nego com a cabeça. – Sei lá… Ele era um cara legal e éramos amigos há tanto tempo. Até hoje não sei o que realmente aconteceu, mas a relação apenas… fracassou. Sinto a atenção de Harlow voltar-se para mim e se dissipar quando ela olha para seu prato. – E Jack – acrescento. – Também foi foda. Harlow bufa. – Harlow! Sério? – Bem, para ser justa – ela diz –, você fodeu com ele, não? – Quero dizer que o relacionamento foi foda – digo, sem graça enquanto ela dá risada. – Eu fodi a situação. – Harlow engasga com um pedaço de alface. – Jesus Cristo, estou tentando dizer que fodi o


relacionamento. Eu sempre fodo as coisas. Ou eu digo a coisa errada, ou não digo a coisa certa; ou estou ocupada demais, ou disponível demais… De uma forma ou de outra, é sempre assim. – Ela está com a cabeça sobre os braços na mesa, os ombros tremendo em meio ao riso. Suspirando, esfaqueio um pedaço de frango e murmuro: – Meu Deus, você só sabe causar! Ela se força a se levantar e passa um dedo longo, com a unha perfeitamente arrumada, sob o olho. – Só estou dizendo que você não é a mesma pessoa de quando tinha 18 ou 19 ou 20 anos. Você e Oliver são bons amigos e também pessoas muito bonitas. Isso é tudo. Vou me calar agora. – Eu o desenhei hoje de manhã – conto. – Harlow, ele tirou a camisa! – Os olhos dela cruzam com os meus e eu sussurro: – Também tirou a calça. – Ele tirou a roupa – ela diz com uma voz regular e descrente. – Oliver fez isso. No seu apartamento. – Sim! Eu o vi quase nu – relato. É inútil dizer a ela que ele claramente fez aquilo para me distrair, afinal, ela iria querer saber por que e, para ser sincera, Harlow não sabe nada sobre meus quadrinhos, exceto por gostar dos músculos que Razor oculta debaixo das escamas. – Quero dizer que foi um pouco estranho, mas, ao mesmo tempo, não foi – continuo. – Ele é… Sim… Ele está em forma, isso é tudo que tenho a dizer. Harlow pressiona o punho contra a boca em um gesto dramático de contenção. Inclinando-me para a frente, sussurro: – Posso contar um segredo? Minha melhor amiga olha para mim e seus olhos suavizam. Harlow finge ser feita de aço, mas não é. É feita de marshmallow. – Você pode me dizer qualquer coisa, queridinha. Respiro fundo, preparando-me para admitir: – Acho que… pode ser que eu goste de verdade de Oliver. Ela cai na risada, descansando a testa nos dedos. – Lola, às vezes você é tão sem noção que chega a doer.


Capítulo 4

Oliver Deixo a casa de Lola depois do café da manhã e da nossa sessãozinha de arte. Ao deslizar a porta e fechá-la, sinto que meu pau faz um alongamento reflexivo ao ar livre. A memória dela em seu pijama, meias soltas e as pequenas manchas de carvão em sua testa e bochechas de quando ela distraidamente afastava os cabelos do rosto… Tudo isso provoca um pouco meu cérebro. E estou exausto por ficar concentrado em não ter uma ereção ao longo da última hora. Não sei o que exatamente me fez fazer o que acabei de fazer. Eu a vi se esforçando para ficar calma depois do telefonema. A ambição de Lola é forte e a única coisa que a detém de dominar todo o planeta é o tanto que ela detesta sair de seu espaço criativo e aparecer diante do público. Além disso, ela se dedica mais à mitologia de Razor Fish do que a qualquer outra coisa em sua vida, então a ideia de mudar um detalhe tão fundamental da sua história… Bem, o colapso ficou claro abaixo da superfície. Então ali estava eu, deitado no chão, nu, exceto pela cueca, com os olhos de Lola deslizando por meu corpo como pequenas chamas. Tudo que eu podia fazer era pensar em andar de bicicleta ou contar dinheiro no caixa e definitivamente não pensar em Lola se levantando do sofá, aproximandose, e abrindo suas pernas longas e delgadas, apoiando seu peso sobre meu quadril. O fato de seu apartamento ser tão próximo da loja é, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição. Nos primeiros dias, eu chegava ao trabalho antes do amanhecer e ficava até depois de as luzes da rua se acenderem e todas as outras lojas estarem fechadas. Em algum momento depois da inauguração, Lola me entregou uma cópia da chave e insistiu que eu seria bem-vindo se quisesse ficar no apartamento. Houve muitas ocasiões em que teria sido muito mais prático ir ao apartamento em vez de percorrer, de carro, todo o caminho até minha casa, em Pacific Beach. Mas, com Lola, desde o primeiro dia a coisa toda foi uma ladeira escorregadia. Um sorrisinho quando ela entra na loja leva a um sorriso incontrolável quando descubro que a verei novamente mais tarde no Regal Beagle. Um olhar mais demorado leva a uma observação imediata de sua pele macia, seus cabelos negros brilhantes, suas curvas perfeitas. Se eu não for cuidadoso, ir à sua casa com muita frequência tornaria isso um hábito, e não vou me satisfazer até estar com meu corpo sobre o dela, até passar toda noite entre seus lençóis, entre suas coxas.


Desço pela escada metálica que leva à E Street e saio debaixo do sol forte de janeiro, inclinando a cabeça para cima. Oxigênio, preciso de oxigênio. Alongo as costas, respirando profundamente várias vezes. Passo a maior parte do dia tentando me manter ocupado o suficiente para não pensar no que foi acordar e vê-la logo como a primeira imagem da manhã: rosto suave e sem maquiagem, o minúsculo diamante brilhando acima de seus lábios cheios e avermelhados. Lola tem uma pele perfeita; tenho a fantasia de procurar uma única sarda ou cicatriz naquela pele. Em geral escovados e brilhosos, esta manhã seus cabelos longos e negros estavam bagunçados e embaraçados de um lado, denunciando para mim como exatamente ela dormiu. Seus olhos estavam pesados de sono e eu queria voltar no tempo, pular em sua cama e beijar aquela boca calorosa e vermelha antes que ela acordasse, enterrar meus dedos em seus cabelos suaves e espessos e rolar sobre ela. Tive essa fantasia um milhão de vezes, de mil formas diferentes, mas toda vez dormimos nus. Às vezes, eu dormi sobre ela; com frequência, ainda estou dentro dela. Às vezes, começamos os movimentos outra vez antes de estarmos totalmente acordados e o que me acorda são os barulhinhos que ela faz ao meu ouvido acompanhados por sua respiração aquecida. Às vezes, fazemos amor quando o sol acaba de nascer – porque eu amo foder gostoso e devagar assim que acordo. Deixando os sonhos que tenho acordado preencherem meus pensamentos, puxo uma pilha de livros para fora de uma caixa e encontro um estilete para desmontar o papelão e enviá-lo para a reciclagem. É um momento de silêncio na loja – Joe ainda não está aqui e a correria do horário do almoço ainda não começou – e a imagem corre por meu cérebro como um disco riscado: o quadril de Lola se movimentando enquanto eu entro, e ela está tão aquecida. Seus olhos estão presos aos meus – gratos pela forma como eu a faço se sentir e um pouco convencidos por eu claramente estar tentando não gozar antes que ela goze. Em minha imaginação, quando Lola me ama, ela nunca é tímida, nunca é fechada. Posso ver a intensidade dentro de mim compensada em sua explosão. É sempre assim, toda fantasia. Certa vez, pensei se era bobagem o fato de, em minha mente, eu imaginar mais cenas transando com ela do que conversando com ela, mas, bêbado, confessei isso a Ansel e ele, também bêbado, insistiu que fazia todo o sentido. – Bem, devo dizer que eu poderia viver todo o meu casamento na cama, nu com Mia. Não tenho nenhum escrúpulo em admitir isso. – Justo – concordei. – Mas, além disso… – ele continuou. – Você conversa com Lola o tempo todo. Vocês dois ficaram tão próximos que quase têm uma língua secreta. O sexo entre vocês será uma espécie de experiência espiritual. Tudo aquilo que você quer que ela diga, ela vai dizer sem usar palavras quando vocês finalmente dormirem juntos. Quando. Sua confiança de que é apenas uma questão de tempo é, ao mesmo tempo, reconfortante e enlouquecedora. Quero, mais do que qualquer coisa, acreditar nele, mas mesmo com meus avanços em minha amizade com Lola – como esta manhã, por exemplo –, não tenho certeza. De qualquer forma… deixá-la me desenhar é uma fantasia que jamais pensei que teria. Aquilo pareceu mais escancarado do que o mais frágil dos beijos ou a mais profunda das fodas. Eu só tive que me deitar ali e deixá-la olhar para mim. Estou me coçando para ver aqueles rascunhos, para ver como ela isolou cada parte do meu corpo, quais partes – se é que tem alguma – ela desenhou repetidas e repetidas vezes. Eu sabia que ela estava desenhando minhas pernas quando esfregava o carvão fortemente no papel. O barulho era mais discreto quando ela desenhava os detalhes do meu rosto, e era nesses momentos


que sua respiração se transformava em golpes rasos de ar, entrando e saindo. E eu sabia que ela estava desenhando meu pau semiereto quando parou de respirar – tão nervosa e, ao mesmo tempo, tão ansiosa. Seria apenas nervoso, ou seria algo mais? Com Lola, eu não saberia dizer. Ela me olha de um jeito que não olha para mais ninguém, mas isso talvez apenas signifique que eu sou seu amigo homem mais próximo e que cuidadosa e intencionalmente cultivei sua confiança. A confiança é o segredo com Lola. Ela se fecha quando se sente examinada, se cala quando se sente pressionada. Mas é um processo lento, delicado e, infelizmente, quero sexo e – talvez mais especificamente – a intimidade que vem com ele. A verdade é que, se eu não puder ter isso com Lola, eu realmente deveria me permitir tê-los com outra pessoa. É nesses momentos que os discursos de Finn e Ansel ecoam em meus ouvidos e me pergunto se não deveria seguir seu conselho: guardar alguns dos números de telefone que recebo na loja – das “fãs”, como Lola as chama – ou aceitar quando sou convidado para ir tomar um café… ou quando recebo um convite direto para foder no estoque da loja. Meu telefone bipa com um barulho familiar e estendo a mão para pegá-lo do outro lado do balcão. Mensagem de texto de Lola. Jantar hoje? Nada fora do comum, mas meu coração salta acelerado. Claro, onde? Digito. Meu dia será longo, podemos apenas nos ver na sua casa? Começo digitar um simples “é claro” quando surgem outras palavras enviadas por ela: Meu cérebro precisa de mais uma sessão de Oliver. O apartamento de Lola às vezes é tomado pelo caos. London ouve música alta quando está em casa, Harlow costuma passar muito tempo lá quando Finn não está na cidade e ela é mais um vulcão explodindo do que uma mulher. Acrescente Ansel e Mia à combinação. Fico surpreso com o fato de a polícia nunca ter sido chamada. Além de nossos pontos em comum mais óbvios, Lola também precisa de muito tempo em silêncio. Não apenas para trabalhar, mas para respirar. Esse é um dos motivos pelos quais nos demos tão bem no início e passamos tanto tempo juntos fora do grupo. Porém, não costumamos fazer isso sozinhos em minha casa, onde não tenho colegas de quarto ou vizinhos do outro lado do muro. Já ficamos lá algumas vezes, ocasionalmente, é claro, mas não depois que acariciei seus cabelos no bar e passei a noite em seu sofá. Não depois que ela fez esboços do meu corpo e do meu pau. Sou uma mistura de insegurança e excitação, quando aperto “enviar”: Claro.


Estou no quintal preparando o churrasco de costela quando ouço a voz de Lola atravessar o corredor. – Estou aqui. A porta principal é fechada. Então surge o som de seus sapatos batendo no chão antes de ela tirálos logo que entra em casa. Seus pés descalços atravessam a sala e seu chaveiro é dependurado ao lado do meu na cozinha. É um hábito tão familiar, mas não estou preparado para a estranha sensação que invade meu estômago. Com um olhar nervoso na direção da casa, fecho a churrasqueira atrás de uma nuvem de fumaça cheirando a carvão e tento lembrar a mim mesmo de que sou amigo de Lola. Nada mudou. Nada, mesmo. Quando entro em casa, ela olha ao perceber o barulho da porta de tela e sorri. – Eu trouxe algumas coisas – anuncia, acenando para uma pilha de pacotes sobre o balcão. – Não precisava disso – digo, fechando a porta e acenando lá para fora. – As costelas estão quase prontas, eu já ia tirá-las da churrasqueira. Ela puxa dois potes de sorvete. – Bem, agora também temos a sobremesa. Floresta negra e morango, nossos favoritos. Meu peito parece apertado e desconfortável, então vou até o armário e pego uma travessa. A distância calma se desenrola e posso sentir a explosão iminente. Só não tenho a menor ideia de que forma ela vai tomar. Lola passa por trás de mim e, quando vai até a geladeira para guardar as coisas, faço de tudo para não olhar para seu traseiro.

Toda a experiência do jantar me deixa o mais próximo que já estive da tortura. Nunca me ocorreu que servir churrasco de costela a Lola poderia ser má ideia, e isso porque assisti-la comendo as costelas me causa o mesmo que se eu tivesse lhe dado uma banana ou estendido a mão pela mesa para Lola lamber meus dedos. Então passei boa parte do jantar semiereto – outra vez – e me ajeitando na cadeira enquanto ela estava sentada à minha frente, pensando em seu novo livro e completamente alheia à minha luta. Lola está claramente evitando pensar nas ideias de Austin para Razor Fish e eu quero oferecer alguma ideia útil, mas é necessária uma força hercúlea para afastar meus olhos de sua boca enquanto ela lambe o molho na ponta de seus dedos. Por fim, desisto, alegando que preciso ir ao banheiro para que, assim, eu possa tomar um pouco de ar. Jogo água no rosto e me olho demorada e atentamente no espelho. É exatamente por isso que não deixei as coisas irem longe demais entre nós em Vegas. Por isso que – por mais que eu quisesse socar minha própria cara na ocasião – recusei seu convite para ficar no mesmo quarto de hotel de Lola. Ela é inteligente e bonita e, sabendo que moraríamos na mesma cidade, eu realmente, realmente queria ser seu amigo e, portanto, não queria arruinar as coisas ou tornar a situação entre nós estranhas depois de fodê-la. Mas as coisas estão claramente estranhas agora. Limpamos os pratos juntos, trabalhando lado a lado em um silêncio de companheirismo enquanto colocamos as coisas na lava-louças e passamos um pano na pia. Ela não diz nada, mas em seu maxilar há uma determinação que denuncia que ela está pensando, tramando. É uma expressão com a


qual estou familiarizado, embora esta noite pareça diferente. Não sei ao certo por que, mas meu estômago se contorce, nervoso, enquanto as várias tarefas que nos mantêm na cozinha, distantes do confortável sofá em minha sala de estar, aproximam-se do fim. O que ela está planejando? Digo a ela para ir para a sala e escolher um filme e observo de onde estou, próximo ao fogão, enquanto ela avalia as opções em meu iPad. Sua boca permanece curvada, franzida, até ela encontrar exatamente o que quer. – Caçadores de emoção? – ela sugere. – Pode ser. Roubos a banco e explosões, armas e testosterona? Exatamente tudo o que eu precisava para manter meus olhos e mãos sob controle. Ligo a lava-louças enquanto Lola vai para a outra sala. Pego a pipoca e algumas cervejas na geladeira e então apago a luz, apertando o interruptor com o cotovelo. Os trailers estão passando quando chego à sala de estar. As luzes estão baixas, o sofá é enorme, tem espaço para pelo menos quatro adultos grandes. Lola está sentada exatamente no meio. Está bem… – Confortável aí? Ela dá tapinhas no espaço ao seu lado. – Quase. Meu coração lentamente se derrete e chega ao estômago. Tomo meu assento e, após um momento de hesitação, ela se aproxima um pouco, ajeitando-se perfeitamente ao meu lado. Fico paralisado, segurando a respiração antes de expirar e me ajustar à forma de seu corpo contra o meu. Lola e eu sempre tivemos o que Finn e Ansel chamam de uma “relação atrevida” – com muitos empurrões de brincadeira, xingamentos bem-humorados e toques com as mãos –, mas ficar abraçados no sofá? Claramente é uma novidade. – Quer que eu busque o sorvete? – oferece Lola, erguendo o rosto para olhar para mim. Imagino-a tão próxima assim, chupando o sorvete e lambendo o morango derretido na colher. Isso seria catastrófico pra caralho. – Daqui a pouco – respondo. Ela assente, pega a pipoca e estica as pernas para a frente. Acho que a ouço expirar em uma respiração demorada e tranquilizante. Lola está usando uma camiseta cinza de tecido suave, com a gola caindo por um ombro perfeito, calça jeans skinny preta. Seus pés descalços descansam ao lado dos meus na mesinha de centro. Lola tem ossos pequenos, mas é alta, com curvas que fazem minha boca salivar. Nunca a descrevi como “delicada” – talvez porque ela exale uma aura de aço –, mas sou muito maior do que ela, tão maior, e nunca percebi isso de forma tão clara quanto percebo neste exato momento. Seguro sua mão e a coloco sobre a minha, palma contra palma. – Você é tão pequena. Lola dá risada, olhando para nossas mãos. – Não sou, não. Você é que é gigante. Todos os homens da Austrália são assim? – Ela inclina o rosto na direção do meu. – Talvez eu precise planejar uma visita e ir à caça. – Você está toda engraçadinha hoje – rebato, estendendo a mão para pegar pipoca no pote em seu colo e deslizando meu olhar para a televisão.


Mas posso sentir seus olhos focados nos meus e não consigo resistir: olho outra vez para o rosto de Lola. Estamos tão próximos, ombro contra ombro. De canto de olho, vejo o subir e descer irregular de seu peito enquanto ela respira. – Ainda está me imaginando de cueca? – sussurro. – É tão óbvio assim? – ela diz. Há um sorriso afetado em seus lábios, mas suas bochechas ficam cálidas e rosadas. Ela limpa a garganta. – Sossegue e assista ao filme – provoco secamente, sentindo meu pau se apertar contra a calça jeans. – Você já me fez perder os primeiros dez minutos… Justamente a parte em que percebemos as nuanças da excelente caracterização do Keanu. – Posso ver que você está muito chateado – ela rebate com um risinho, ajeitando-se sentada. Cada ponto de contato que estávamos compartilhando se esfria e eu lanço mão de todas as minhas habilidades mentais dignas de Jedi para, sem usar palavras, coagi-la a encostar-se novamente e tocar em mim. Parece que minhas habilidades são muito mais fortes do que eu imaginava porque, depois que toma um longo gole de sua garrafa, Lola a coloca na mesa à nossa frente e ajeita as pernas no sofá, de modo a se deitar. Com a cabeça em meu colo. Respiro fundo e mantenho meus olhos fixos à tela, esperando, com fogo nas veias, enquanto ela termina de se ajeitar para ficar à vontade. Depois de um momento, ela já está tranquila e me olha nos olhos. – Você está tão confortável. Assim está… – Lola engole em seco. – Assim está bom? – Muito bom para você – rebato, tentando colocar o pote de pipoca sobre seu rosto. Tentando qualquer coisa para não me concentrar no fato de que sua cabeça está praticamente sobre meu pau, seu ouvido quase pressionando meu pau. Ela deve saber o que está fazendo, só pode. – Ei! – ela exclama, tirando o pote da minha mão. – Fique bonzinho ou então vou contar a Harlow. Lola pega um punhado de pipoca e volta a ver o filme. Swayze está correndo junto com os demais ladrões de banco. Lola dá risada. – Por que será que tenho a impressão de que Grosseirão se meteria em algo assim? – Minha mão desliza por seus cabelos, inocente num primeiro momento, apenas para afastá-los da testa, e então com mais força, enquanto puxo as mechas para trás. Se vamos fazer isso, então vamos mesmo fazer isso. – Porque se pedíssemos para ele esperar em uma van parada enquanto o restante de nós invade um banco, ele só perguntaria se pode mudar a estação de rádio. Lola inclina a cabeça para me encarar e provavelmente seria melhor para nós dois se ela ficasse parada. – Ou pediria para levarmos um pirulito para ele. – Exatamente – concordo. Ficamos em silêncio por mais alguns minutos e envolvo meu dedo com uma mecha de seus cabelos, observando a forma como a luz da TV brilha contra as mechas. – Então, as coisas estão indo bem na loja? – ela pergunta, descansando a mão perto de sua cabeça, em minha coxa. – Como assim você não sabe? – pergunto. – É praticamente a funcionária do mês. – É porque eu tenho uma quedinha pelo Grosseirão – ela responde, me olhando outra vez. Ajeito-me minuciosamente, tentando ou distanciá-la, ou aproximá-la. Não sei ao certo. – Jamais diga isso ao Grosseirão, ou ele vai pensar que você quer se casar.


– Não – ela responde, rindo. – Na verdade, Grosseirão diz que nunca vai se casar com uma divorciada, embora eu ache que ele se esqueça de que fomos casados. – Eu arruinei você para ele. Isso me dá uma leve sensação de prazer. As coisas estão ficando um pouco sinceras demais. Então, antes que ela possa dizer qualquer coisa, retomo a pergunta original: – E as coisas estão indo bem na loja, de verdade. Os negócios estão indo melhor do que eu imaginava. Talvez eu até precise de um ajudante extra aos fins de semana. – Nossa, sério?! Isso é ótimo. Alguma coisa se aquece no meu peito enquanto olho para ela. – Você está procurando emprego? – Haha! – ela zomba, movimentando-se outra vez de modo a ficar de costas. Agora consigo vê-la, o que é bom, mas, se ela virar a cabeça, meu pau vai estar a poucos centímetros de seu rosto. Ele nunca quis tanto algo na vida. Não sei se isso é um progresso. – Eu seria uma companhia melhor do que Grosseirão… Isso eu posso garantir. – Ele não é um cara tão ruim. Mas você me parece muito melhor usando essa calça jeans. – Grosseirão usa alguma outra coisa além de bermuda de surfista? – ela pergunta, fechando os olhos enquanto lhe faço uma massagem capilar. Lola geme rapidamente e tenho que me esforçar para não tropeçar em minhas palavras. – Se toda essa coisa de chegar ao estrelato não funcionar para você, pode vender quadrinhos na Downtown Graffick – sugiro. Ela fica em silêncio e eu o entendo como um sinal para perguntar: – Quer debater um pouco mais a ideia de Austin? Ou você acha que vai vetá-la? Quanto mais penso na sugestão de Austin de que Razor seja transformado em marciano, mas irritado fico. Para alguém que afirma ser obcecado pelos livros, ele parece não entender o cerne da história. E é uma sugestão da qual Lola teria dado risada uma semana atrás. Ela está mesmo considerando aquilo? Ela encolhe os ombros e tiros são disparados na TV. Lola se vira para olhar para a tela, segurando minha mão livre. – Adoro essa parte! – ela exclama. Evitar o estresse. O superpoder de Lola. – É claro que você adora – digo. – Daqui a pouco Patrick Swayze estará sem camisa. Puta que pariu, eu adoro essa parte! – Keanu Reeves teria se saído muito bem como super-herói – ela comenta. Olho em choque para ela. – Você se esqueceu de Neo? Ela nega com a cabeça. – Não. Mas acho que ele tem essa monotonia que ficaria ótima em um vilão. Tipo, Dentes de Sabre. Talvez Ra’s Al Ghul ou o General Zod. – Credo! Zod? – rebato. – Não! Lola gargalha. – Adoro a forma como você diz isso. – Diz o quê? “Não”? – Sim. É tipo… Eu não consigo fazer esse som que você faz no fim. São quase quatro vogais de uma só vez. – Você é muito conservadora – brinco com afeição.


– É o “o”, acho. Sempre que tento imitar a forma como você fala, nunca acerto essa parte. Diga “O vovô ornou a cor”. – Não vou dizer isso, Lola Love. – Está vendo? Aí. Luuuooarrrla – ela diz, arrastando a palavra e mudando teatralmente a forma de sua boca. – Para ser sincera, nem sei quais letras você usa. – Apenas as letras convencionais – digo a ela. Depois de um instante, ela esfrega a mão na nuca. – Está tudo bem aí? – pergunto, tirando a mão de seus cabelos para massagear seus ombros. – Meu pescoço está em um ângulo esquisito aqui. – Quer que eu me ajeite ou…? – começo a propor, mas ela se senta, analisando o sofá antes de se colocar em pé. – Talvez… hum… Sente-se aqui – ela sugere, erguendo meus pés da mesinha de centro e ajeitando-os na almofada. – Isso, assim. Abaixo o pote de pipoca e faço o que ela diz, ajeitando-me de lado pela extensão do sofá. Ela parece nervosa? Estou imaginando coisas? Lola se deita cuidadosamente no pequeno espaço à minha frente, toda a parte traseira de seu corpo se ajeitando em frente ao meu. E, bem… isso é novidade. – Você está me transformando em uma concha enorme – digo, esperando aliviar parte da estranha tensão que se instalou entre nós. Ela estende a mão para beliscar meu quadril. Seguro sua mão, tentando contê-la, mas, de alguma forma, acabo com o braço em volta de suas costelas. Ficamos ali deitados, em silêncio por um instante, com o barulho do filme se espalhando pela sala. E, quando tento me movimentar um pouco, ela usa suas pernas para prender as minhas. Ah, caralho! Já sem interesse pelo filme, fecho os olhos, sentindo meu corpo afundar ainda mais no sofá enquanto ela traça formas em meu punho, suas unhas arranhando, inicialmente de forma muito lenta, e depois mais e mais lenta, até parecer mais uma carícia do que um toque casual. Tenho sido muito cuidadoso perto dela. Cuidados para evitar que a profundidade do meu sentimento seja percebida. Não quero forçar a barra com ela. Não quero destruir o que temos, mas agora parece que estamos nos equilibrando na beirada de uma montanha; se nos inclinarmos demais em um sentido, poderíamos perder algo maravilhoso que eu desejava há anos. Mas se ela quiser apenas amizade e eu der um passo em falso, poderia cair no vazio – e ficar sem a amizade e sem o amor. Não sei se estou disposto a arriscar. Preciso deixá-la decidir. – Lola – eu a chamo, ouvindo todos os meus medos e dúvidas ecoarem nessas duas breves sílabas. Todo o corpo dela fica tenso, começando pelos ombros e descendo como uma onda, até que Lola finalmente consegue se forçar a sentar-se. – Cacete! Eu não tinha percebido que era tão tarde! – ela exclama, já de pé. – Tenho alguns desenhos para terminar. E preciso responder a Austin ainda esta noite. Preciso de um instante para me dar conta de como o tempo passou rápido. – Pode ligar para ele daqui – ofereço, vendo-a prender os cabelos em um nó sobre a cabeça. Não quero deixá-la ir embora. – Eu fico longe para não ouvir. Ela vai até a cozinha e posso ver sua sombra contra a parede. Lola para enquanto reúne suas coisas. – Tudo bem – ela diz levemente. – De qualquer forma, preciso pensar no que dizer.


Fico parado e espero enquanto ela pega as chaves e coloca os sapatos, já perto da porta. – Me manda uma mensagem quando chegar em casa? Ela responde que sim com a cabeça, sorrindo para mim. – É claro. E obrigada pelo jantar. – De nada. Lola gira o chaveiro em volta do indicador e olha outra vez na direção da sala e estar. – Obrigada por mais do que apenas o jantar – ela diz, olhando para onde ficamos juntos, abraçados. Existe uma carcaça composta exclusivamente pela tensão sexual abandonada no sofá. E me pergunto se ela também consegue vê-la. Lola continua: – Obrigada por ser tão foda. Sei que minha vida está muito louca agora e você também tem as suas coisas para fazer. Fico agradecida por você ter me aturado e ter se feito de concha esta noite. Abro um sorriso, mas não respondo. Porque, sinceramente, o que eu poderia dizer? Que eu poderia suportar a loucura 24 horas por dia, contanto que fosse a loucura dela? Por fim, ela dá meia-volta, já abrindo a porta. – Você é tipo minha casinha na árvore. – Já fui chamado de coisas piores – respondo. Com um leve sorriso, Lola fica na ponta dos pés e se inclina para a frente, pressionando seus lábios rapidamente contra minha bochecha. – Boa noite, Olls. – Boa noite, Lola Love. E então ela vai embora.


Capítulo 5

Lola O que se faz depois de uma noite de abraços íntimos com um amigo no sofá e depois um retorno a um apartamento muito frio, muito vazio? Bem, em primeiro lugar, pega-se o vibrador em uma gaveta do criado-mudo. Mas, no dia seguinte, vai-se diretamente à loja do amigo e finge-se não observá-lo durante todo o dia. Francamente, não sei o que há de errado comigo. Vacilo tão arduamente entre manter a amizade e pular em cima dele imediatamente a ponto de me sentir presa toda vez que penso no assunto. E o fato de, ontem à noite, Oliver não parecer se opor aos abraços e ao flerte? Talvez até mesmo parecer encorajar tudo aquilo? Eu… eu simplesmente não sei o que fazer e a pessoa com quem mais quero tirar tudo a limpo – o próprio Oliver – também é a última pessoa com quem quero tirar tudo a limpo. Quero forçar só um pouquinho para ver se as coisas mudaram e se ele vai tomar alguma atitude. O problema é que nunca consigo saber o que se passa em sua cabeça. – Agora você vive aqui, Lola? – pergunta Grosseirão de trás do balcão enquanto passo por ele e sigo para o fundo da loja. – Porque, se a resposta for sim, posso mostrar como operar o caixa para eu poder sair e fumar um baseado. – Eu estou ouvindo! – murmura Oliver do outro lado da loja. Ele ergue o olhar enquanto passo e lança um sorrisinho para mim. Existem milhares de palavras naquela leve expressão, mas eu não falo essa língua. – Observar vocês dois é uma das regalias de ser uma autora de quadrinhos – respondo, pegando meu bloco de desenhos e me ajeitando no novo sofá num canto de leitura mais reservado. Nos últimos tempos, o canto de leitura na parte da frente está quase sempre cheio das fangirls de Oliver e alunos de colegial querendo ler Sex Criminals escondidos. – Posso passar o dia todo aqui e chamar isso de pesquisa – concluo. – Ela está se escondendo dos paparazzi. – Oliver ergue o queixo até a janela frontal, apontando para o homem solitário, parado com um bloco de notas perto do estacionamento. – Ainda são 11 horas da manhã e o cara está ali há 2 horas. Acho que está querendo conseguir uma entrevista com você para o jornaleco com circulação de 5 mil exemplares em Chula Vista. Fico alegre pelo Starbucks quente na mão do jornalista, pois suspeito que o tempo que ele


demorou para pegá-lo tenha sido o motivo pelo qual não nos encontramos no caminho. Embora o comunicado à imprensa tenha recebido grande cobertura, embora hashtags nos trending topics e memes já estejam a todo vapor no Tumblr, até agora toda a agitação tem sido em volta do elenco e parece não haver muita gente interessada em mim. Escritores são entediantes. Escritores introvertidos, que não buscam atenção, são ainda mais entediantes. Até agora, consegui encaminhar todos os grandes pedidos de entrevistas para Benny ou responder as perguntas por e-mail. Ainda bem que, até agora, Angela Marshall estava errada quando disse que minha vida cotidiana passaria por uma transformação. – O que você fez ontem à noite? – Grosseirão grita para mim, entregando uma sacola a um cliente e fechando a gaveta do caixa. – Fui jantar na casa do Oliver. O homem em questão não ergue o olhar quando digo isso e, mais uma vez, eu me pergunto o que se passa em sua cabeça. Ele está pensando nas sensações de quando me deitei à sua frente no sofá? Está pensando que talvez tenha comido todo o sorvete sozinho depois que fui embora? Está se perguntando o que diabos aconteceu comigo? Eu sei que eu estou. Mas não posso dizer que me arrependo do que fiz. – Jan-tar – repete Grosseirão. – Joe! – exclama Oliver em um leve tom de aviso. – Este cara aqui fez churrasco de costelas para mim – conto a Grosseirão. – Estava delicioso. Os olhos de Oliver encontram-se com os meus por um breve segundo. Em seguida, ele desvia o olhar, esforçando-se para não sorrir. – Então você comeu a carne de alguns ossos? – pergunta Grosseirão, sorrindo para mim. – Chupou o líquido quente? Adoro o riso suave de Oliver que vem logo em seguida, o deslizar sutil de seus olhos outra vez na minha direção. Adoro o fato de seu ritmo de trabalho não mudar mesmo quando olhamos um para o outro, inspirando, expirando. Ele puxa uma pilha de livros de cima de uma caixa e os coloca sobre o balcão. Ergue outra pilha e a abaixa. – Você é uma ameaça – digo. Pisco os olhos para Grosseirão enquanto falo, mas finjo estar falando com Oliver. Porque ele é uma ameaça. Uma ameaça calma, constante, sensual pra caralho. Grosseirão dá de ombros, seguindo em frente e inclinando o corpo para inspecionar um livro. – Digamos que essa nova edição de Red Sonja tenha muitos peitos e muita curva. Eu aprovaria facilmente. Oliver vira-se para encará-lo do outro lado da sala. – Me mostre as suas duas mãos, Joe. Grosseirão ergue as mãos, rindo. – É você que bate punheta enquanto vê quadrinhos, e não eu. – E você é o cara para quem perguntam: “Já entrou?” – rosna Oliver. – E você é o cara que fica perguntando: “Está bom, querida? Está bom assim?” – Nem preciso, cara – Oliver diz a ele, olhando para uma folha de inventário. – Eu sei que é bom. Grosseirão dá risada, mas sinto meus olhos se arregalarem com o rugir na voz de Oliver, com a casualidade com a qual as palavras saem de seus lábios. Sinto-me afogada pelo peso do ciúme e da inveja quando penso nele transando. Ou talvez seja a excruciante necessidade que restou de ontem à noite. Ontem à noite foi estranho.


Pisco os olhos, virando-me para olhar para uma prateleira de lançamentos e forçando meu cérebro a fazer um reboot. – Só porque está bom para você, não quer dizer que está sendo bom para elas – rebate Grosseirão. – Bem – respondo em um tom amigável. – Ele tinha colegas de quarto lésbicas que o fizeram praticar, praticar, praticar… Fico paralisada ao perceber que toda a loja ficou em silêncio. O reboot falhou. Não acredito que acabei de dizer isso. A história de Oliver com as colegas de quarto lésbicas foi uma das que ouvi quando estávamos todos bêbados. Foi Ansel, é claro, que me contou isso com uma expressão adorável de quem queria causar problemas. Mas Oliver e eu nunca, nunca mesmo, falamos sobre o assunto. Por mais impressionante que possa parecer. Posso senti-lo me encarando na lateral de meu rosto e uma de suas clientes-fangirls basicamente o fodendo com os olhos do outro lado da loja. – Como foi que você…? – ele começa. – Espere aí – Grosseirão o interrompe. – Colegas de quarto lésbicas? Por que só estou ouvindo essa história agora? Estou me sentindo traído. Oliver continua me observando e arqueia as sobrancelhas como se quisesse dizer: “E então, o que mesmo você estava dizendo?” – Segundo Ansel… – digo a Grosseirão, tentando soar casual, como se essa informação não me deixasse com brotoejas só de pensar. – Oliver tinha duas colegas de quarto lésbicas na época da faculdade em Camberra. As duas gostavam de mulher, mas, considerando que elas estavam na faculdade e somos muito liberais para muitas coisas na faculdade, elas tomaram para si o papel de mostrar o caminho a Oliver. Ansel contou que muitas mulheres elogiaram Oliver… – Ninguém nunca elogiou nada para Ansel – Oliver me interrompe, parecendo afobado. – Quero dizer, não foi nada disso. – Bem, pareceu ser exatamente isso – rebato, oferecendo um sorriso bem-humorado. Mas ele não o retribui. Na verdade, Oliver parece muito tenso, como se não estivesse gostando de eu falar sobre o assunto. E é claro que não gosta; estamos no meio do seu local de trabalho. Mas… ele não estava, ainda há pouco, falando que o sexo com ele era bom? Confusa, pisco os olhos para o livro em minhas mãos e leio repetidas e repetidas vezes o mesmo balão de diálogo. – Isso… – Grosseirão dá um tapinha no ombro de Oliver. – Isso é lendário! Me lembre disso da próxima vez que eu falar merda para você. Oliver não diz nada, simplesmente baixa o olhar para sua prancheta. E agora a situação é estranha. Eu a tornei estranha, mas, quando penso melhor sobre o assunto, me dou conta de que a situação esteve estranha durante toda a manhã. Ontem à noite, na casa dele, dei um passo e cruzei uma linha invisível. Expus a farsa dessa coisa de que somos “apenas amigos” – pelo menos para mim. Apenas amigos funciona se todos concordarem. Assim que fica claro que uma das partes quer algo mais, todo o castelo de cartas desaba. Dizer que eu queria desenhá-lo alguns dias atrás… ficar de conchinha com ele ontem à noite, as carícias… E agora aqui, com informações sobre sua vida sexual quando ele e eu nunca conversamos sobre essas coisas… Eu provavelmente destruí toda a fortaleza cuidadosamente construída. E a embebi em gasolina. Aproximo-me de Oliver e dou um leve soco em seu ombro. – Foi mal – murmuro. – Eu abri a boca e soltei um monte de palavras desconfortáveis ao vento.


Ele não olha para mim. – Tudo bem. Só não quero que você pense que… – Sim, eu sei – digo quando ele se distancia. Eu entendi. Ele não quer que eu pense que ele é assim. O painel mostra a garota olhando para o órgão espancado em suas mãos. Ficamos em silêncio enquanto outro cliente se aproxima. Dou meia-volta e retorno ao sofá onde estão minhas coisas. Deslizo meu bloco de desenho de volta dentro da bolsa carteiro e a dependuro no ombro, passando por Oliver e dando a volta no corredor de comédia para escapar discretamente. – Aonde está indo, Lola? – grita Grosseirão. – Só dar uma volta – murmuro, abrindo a porta da frente. Já do lado de fora, na calçada, cuidadosamente desvio do repórter e puxo o telefone da bolsa. Sou rápida em ligar para meu pai, apenas para parecer ocupada. Ele atende logo no segundo toque. – O que está rolando, minha menininha? Evito o assunto, falando discretamente ao telefone: – Olá. – Oi. – Ele faz uma pausa, esperando que eu diga por que telefonei. Liguei para evitar o repórter, mas agora meu pai está na linha e sinto que a água está se represando em meu peito. A arte e meus livros e o filme e Oliver. Meus ataques e flertes, o fato de eu não conseguir ler os gestos de Oliver e, ainda pior, minha incapacidade em confiar em meus instintos com os homens. São coisas demais de uma só vez. Eu poderia ter ligado para uma das minhas amigas, mas quase me arrependo de ter conversado sobre esse assunto com Harlow outro dia e não quero que ela force as coisas com Oliver agora. London está trabalhando e Mia não pode não contar tudo o que ouve para Ansel. – O que está acontecendo? – ele insiste, estimulando-me a falar. Fecho a cara, fecho os olhos. – Estou entrando em curto-circuito. – Conte tudo o que está acontecendo. – Quem foi que disse que me deu o cartão verde para ser adulta? Tipo, quem pensou que seria uma boa ideia? Meu pai dá risada. – Deram um cartão verde para você? Nossa, devem ter passado por mim na fila. – Ele inspira fundo outra vez, sua voz se apertando com a respiração quando ele insiste: – Diga o que está acontecendo. Meu Deus, por onde começar? Meu pai teria opiniões sobre Austin – ele parece manhoso demais, tem certeza de que é o cara certo para esse projeto? – e a ideia de Razor ser um marciano – esse cara está de zoeira? Ele leu a porra da história? Conversar com meu pai sobre o trabalho sempre faz surgir seu instinto protetor, aquela coisa de “não deixe que eles acabem com a sua vida”. E embora eu adore o fato de ele sentir orgulho de mim, meu pai não tem experiência com Hollywood. Suas opiniões seriam escandalosas e inúteis. Mas o mais esquisito é que ainda não sinto necessidade de falar sobre o assunto; o trabalho é sempre uma área na qual me sinto segura e, além disso, minha reação a Razor-como-Marciano ainda está em análise. Oliver é o principal nó agora, e talvez eu devesse falar sobre isso com alguém que preferisse não ir tão fundo no assunto. Tenho de roer a unha antes de finalmente dizer:


– Acho que estou em uma situação estranha com Oliver. – Ah! – Ouço meu pai inspirar demoradamente do outro lado da linha, consigo imaginá-lo lançando um olhar furtivo enquanto segura os cigarros entre os lábios. Ele expira. – Agora vamos falar sobre esse assunto? – Acho que sim. Quando minha mãe foi embora, meu pai teve que assumir todos os aspectos de criar uma filha que normalmente teria ficado com ela – e me ajudar a enfrentar pequenos dramas, paixões e frustrações, a menstruação… Ele fez tudo isso com uma espécie de estoicismo, o que me fez aprender a adorá-lo. Ele provoca, brinca, usa o sarcasmo como defesa, mas, no fundo, é um homem sensível. E, às vezes, com um coração grande demais. Ele ri, expira rapidamente. – Então fale. – É que… – começo, olhando para o céu. – Acho que quero algo mais. Meu pai estala a língua. – Não sei, não, Chefe. Não consigo ler as reações daquele cara. Acho que Oliver adora você, mas será que ele quer algo mais? É exatamente o tipo de sinceridade do qual preciso. Meu pai gosta muito de Oliver, mas não compra a ideia de formarmos um casal romântico como Harlow compra. Franzindo a testa, admito: – Não sei. Em Vegas, ficou muito claro que ele não estava interessado. – E Oliver é um amigo próximo – afirma meu pai. – Você sempre precisa tomar cuidado quando decide arriscar algo mais. Dou de ombros, chutando algumas folhas secas na calçada. Meu pai é um espelho para meus pensamentos sobre o assunto. – É verdade. Eu o ouço inalar e exalar outra vez a fumaça do cigarro antes de dizer: – Mas sei que todos nós sentimos coceira e precisamos coçá-las. – Pai! Ele dá risada. – Você precisa, sim. Ah, qual é? Deixe as coisas rolar, divirta-se com ele. Sua vida está uma loucura agora. Primeiro, Razor Fish, e agora você está escrevendo mais! E eles vão produzir o seu filme! Olho para o horizonte. Trabalhei tanto para conseguir tudo isso, mas, de repente, me pego querendo mudar de assunto. – O que você vai fazer hoje à noite? Ouço a sola de seu sapato se esfregando no chão de concreto da varanda dos fundos quando ele apaga o cigarro. Em seguida, bate a porta de tela ao entrar novamente em casa. – Acho que Ellen vem jantar em casa. Ellen. A nova namorada de meu pai, em quem confio tanto quanto um prego na areia. Meu pai é uma das pessoas mais inteligentes e bondosas que conheço. E ele merece alguém especial. Ellen é uma garçonete do T.G.I. Friday’s, com peitos falsos e vício em chicletes. – Legal. – Já percebi que você não gosta dela. Dou risada. – Eu já disse para você que não gosto dela. – Ela é divertida, Chefe – ele afirma. – E os peitos dela são uma delícia.


– Que nojo! Vou desligar agora. Isso foi totalmente inútil. Ele dá risada. – Amo você. – Também te amo. Enfio o telefone de volta na bolsa e subo as escadas metálicas até o apartamento. Sei que o que eu disse era mentira: a ligação não foi totalmente inútil. Às vezes, a dose direta de sinceridade de meu pai é exatamente o que preciso. Talvez as coisas com Oliver não passem de amizade, mas, se forem mais do que isso, seria o melhor para nós? Porém, quase imediatamente depois que fecho a porta, alguém bate do outro lado. São duas batidas com a lateral de um punho fechado. Oliver. Estou bem aqui, abrindo a porta enquanto sua mão retorna à lateral do corpo. – Oi – cumprimento. Ele está sem fôlego e corre a mão pelos cabelos. – Oi – ele diz. – Posso entrar por um minuto? Dou um passo para o lado. – É claro que sim. Ele passa por mim, entra na sala de estar e olha para a parede de janelas por alguns segundos enquanto recupera o fôlego. Não parece ter vindo aqui para comer um sanduíche ou usar o banheiro porque o da loja não está funcionando. E, quanto mais ele demora a começar a falar, mais ansiosa fico. Por fim, ele se vira para mim: – Você está bem? Olho para ele enquanto uma mancha composta por imagens da última hora gira em minha cabeça. Por que ele pensaria que eu não estou bem? – Estou, sim. Por quê? – Você saiu de forma abrupta. Como se houvesse algo errado. Por dentro, solto um gemido, virando-me na direção da janela. – Só me senti meio idiota por dizer aquela coisa da faculdade a Grosseirão e… – Porra, Lola, estou pouco me fodendo se Joe sabe ou não daquilo. Dando de ombros, digo: – Você pareceu irritado. Passando a mão na nuca, ele rebate: – Não quero que você pense em mim como sendo um cara que pegava a colega de quarto só para aprender a ficar com as garotas. – Atrás dos óculos, seus olhos grandes me encaram com carinho. – Isso parece superficial. Abro um sorriso. – Eu realmente não vi dessa forma. Estamos falando da faculdade… As pessoas fazem coisas quando estão na faculdade. – Tudo isso aconteceu durante um único fim de semana regado a muito álcool há mais de uma década. Não foi nada do tipo… – ele estremece buscando as palavras certas. – Tipo uma coisa que acontecia todas as noites. – Tudo bem – digo discretamente, querendo que ele saiba que não precisa se explicar para fazer eu me sentir melhor. – Não preciso que você… – E pensar que você está ouvindo essas coisas a meu respeito da boca de outra pessoa… – ele interrompe, coçando o pescoço. – Isso não me parece certo.


– Bem, para ser justa, você e eu não falamos sobre esse tipo de coisa. Ele não responde, então rapidamente acrescento: – Quero dizer, tudo bem. Não precisamos falar. Eu só… Foi por isso que saí. Porque senti que estava sendo um pouco inoportuna. Não quero me meter na sua vida pessoal, Oliver. Eu respeito esse seu espaço. Quando olha para mim, ele parece confuso. – Eu sinto que… – ele começa, mas logo sacode a cabeça. – Porra. Sinto que precisamos conversar. Alguma coisa pontiaguda gira em meu estômago. Uma boa conversa nunca começa desse jeito. – E não estamos conversando agora mesmo? – Quero dizer que… – ele diz, andando de um lado para o outro. – Ontem à noite foi meio… diferente para nós. Ou foi só impressão minha? Olho para meu sapato e puxo o tapete com o dedão. O desconforto começa a abalar minha postura. – Não, acho que entendo o que você está dizendo. Sinto muito por isso. Dando um passo mais para perto de mim, ele diz: – Não! – E acrescenta em um tom mais discreto: – Não fique assim. Não foi isso que eu quis dizer. Oliver ergue a mão, lentamente envolvendo a lateral do meu maxilar. Sinto seu dedo médio escorregar contra meu pulso. E ele olha para a própria mão, os lábios entreabertos, como se não acreditasse no que acabara de fazer. Tentando enxergar através dessa espessa névoa, procuro lembrar por que eu pensei que beijar Oliver talvez não fosse uma boa ideia. Porque agora sei, sem sombra de dúvida, que ele também está pensando nisso. Meu celular toca no bolso de trás, tão alto a ponto de assustar a nós dois. Recuo um passo e pego o aparelho. – Desculpa. Esqueci que venho colocando ele para tocar… Quando o puxo, olhamos ao mesmo tempo para a tela e vemos o nome Austin Adams. – Jesus! Com que frequência esse cara liga? – pergunta Oliver em um sussurro carregado. – Desculpa. Só… um segundo. – Levanto o dedo para atender: – Oi, Austin. – Loles! – ele berra. Oliver se vira para olhar para a janela, mas sei que ele ouve tudo o que está sendo dito porque Austin fala tão alto que tenho que afastar o telefone do ouvido. Posso ouvir o vento ao fundo e imaginá-lo andando em um conversível por Hollywood Hills. – Queria saber se você vai estar em Los Angeles no próximo fim de semana. Langdon está ansioso para começar. E eu quero que vocês se conheçam assim que possível. – Posso ir a qualquer hora – respondo. Oliver vira-se para mim. Ofereço um sorriso, mas ele está distraído demais para retribuí-lo. – Ótimo – afirma Austin. – Tem uma festinha do estúdio amanhã à noite na Soho House, em West Hollywood. Ele vai estar lá e eu gostaria muito que você viesse. Aí posso apresentá-los e quem sabe vocês já começam a discutir algumas das questões mais importantes: qual é a história da origem de Razor? Quantos anos tem Quinn? Se ela vai ter dezoito anos no início ou… – Espere. Quinn tem quinze anos – eu o interrompo. – Do que você está falando? Posso praticamente imaginá-lo acenando com a mão. – Não se preocupe com isso agora. Há muitos ângulos a serem considerados na adaptação para filme. Questões de força, sexualidade, como Quinn faz para equilibrar a vida normal e o desejo de continuar seu trabalho como vigilante… Sexualidade?


Deslizo o olhar para Oliver, que agora está com as sobrancelhas franzidas. – Então… – continua Austin. O barulho ao fundo diminui, como se ele tivesse parado em uma garagem. – Vou colocar seu nome na lista. Às oito horas. Amanhã. Você consegue vir? – Sim – respondo, mas sou rápida em acrescentar: – Acho que sim. – Ótimo! – ele exclama. Ouço a porta bater e o alarme soar ao fundo. – Vou tentar não te monopolizar só para mim. – Tudo bem – concordo. – Até mais, então. – Até. A ligação termina. Coloco meu telefone na mesinha de centro e olho para Oliver com cara de “que porra foi essa?”. Um leve sorriso brota no canto de sua boca, mas desaparece rapidamente. Então ele me estuda no pesado silêncio. – Está tudo bem com você? – ele pergunta em voz baixa. Sinto o gelo do pânico se espalhar por meu pescoço, a náusea borbulhar em minha barriga. As duas conversas – com Oliver, com Austin – são óleo e vinagre espirrando em meus pensamentos. Pisco os olhos, tentando descobrir com qual delas lidar primeiro. Meu cérebro tropeça com a ideia de Quinn ter dezoito anos no início da história e sinto minha respiração se tornar rasa e difícil. Isso não vai funcionar. Ela é nova até mesmo para seus quinze anos. É imatura e inocente. Transformá-la em mais velha mudaria completamente sua jornada. Pisco os olhos com mais força, concentrando meus pensamentos em Oliver, mas, em vez de conseguir saborear a ideia de tocá-lo, de senti-lo, de ser dele, meu cérebro se prende ao medo instintivo de perdermos o que temos agora, nas mudanças inevitáveis ao que há entre nós, na possibilidade da vida sem ele. – Lola – Oliver diz tão discretamente, tão sem emoção que não sei se ele está simplesmente verificando se estou bem depois do que Austin acabou de dizer ou se quer voltar ao que estávamos discutindo logo que chegamos. O painel mostra uma garota com a coluna curvada, rascunhando tão furiosamente em uma folha de papel que a ponta de seu lápis quebra. – Podemos resolver uma coisa de cada vez? – pergunto, finalmente olhando para ele. – De repente, me sinto um pouco exausta e essa será uma longa conversa. – Eu não esperaria que você conseguisse falar sobre ontem à noite depois… disso – ele aponta para o meu telefone, sorrindo ligeiramente. – Não estou dizendo que não devemos ter essa conversa. Eu só… – Suspiro. – Neste momento, não consigo articular. Oliver assente. Seu rosto está calmo, os olhos calorosos e atentos. Ele realmente parece entender. Mesmo assim – e talvez seja coisa da minha cabeça –, existe um resíduo, uma película deixada entre nós, como se eu tivesse pegado esse momento perfeito de potencial e jogado lama em cima de tudo. – Eu entendo. – Ele enfia a mão no bolso e sua calça desce, deixando à mostra o elástico da cueca. Olho por sobre o ombro de Oliver, na direção da janela, quando ele acrescenta: – Uma coisa de cada vez. Vou até o sofá, solto o corpo sobre o assento e jogo um braço sobre o rosto. Às vezes, a fantasia de se ter tudo o que quer é muito mais fácil do que a realidade pressionando contra a superfície. – Quer conversar sobre o filme? – ele pergunta. E rapidamente acrescenta: – Quinn tem dezoito anos, é isso. A ideia realmente fode tudo. Acho que eles querem colocar Razor e Quinn como


interessados em um romance. O golpe de pânico surge outra vez. – Eu sei, eu sei. É foda! – Esfrego a mão no rosto, sentido um peso grande demais para refletir sobre o assunto agora. Inclinando a cabeça, pergunto: – Talvez possamos conversar sobre isso no caminho para Los Angeles amanhã? Ele franze as sobrancelhas: – Você quer que eu vá com você? Hesito por um instante. O lado racional do meu cérebro segura sinais de alerta enquanto o lado emocional insiste que eu preciso dele ao meu lado. – É claro que quero que você esteja lá – respondo. – Quem mais poderia me ajudar a lembrar de todos os nomes e me cutucar quando eu começar a rabiscar em um guardanapo? A não ser que você não queira ir… – Eu quero. Só estava me perguntando se você não preferiria ir com alguma das suas amigas. Sinto meus olhos se apertarem ligeiramente. – Não… Eu quero ir com você. Ele engole em seco, assentindo enquanto olha para o lado. – Bem, então… claro que sim. – A gente se encontra na loja às seis horas? – Me parece ótimo – ele concorda. Está enrubescido. Nunca vi Oliver enrubescer antes. – Preciso vestir algo específico? Meu coração está batendo acelerado demais, o que me faz lembrar a vez em que Harlow me convenceu a saltar de bungee jump e aqueles segundos aterrorizantes, de dar frio na barriga, que antecedem o salto. Aperto a palma da mão contra o peito e me esforço para soar tranquila quando digo: – Apenas esteja lindo para mim.


Capítulo 6

Oliver Raramente tiro um dia de folga – aliás, não tirei um dia inteiro de folga desde que abri a loja, há quatro meses –, mas hoje eu realmente precisava. Durmo, tomo meu café na varanda dos fundos e observo uma rolinha criar seu ninho no beiral. Corro algumas milhas ao longo da encosta, vou até Cove Beach e volto. Levo o carro para passar por uma revisão e ser lavado. Limpo a casa, tomo banho. Como e me visto. E me permito ter o dia todo para pensar no que está acontecendo com Lola e comigo. Quero que, entre nós, exista algo consciente – intencional. Não quero começar uma coisa que não seja pensada, não apenas porque nossa amizade é uma das melhores e mais importantes da minha vida, mas porque, muito embora não falemos muito sobre isso, sei que seu histórico de relacionamentos não é particularmente positivo. Harlow já sinalizou que as poucas relações de Lola terminaram muito rápido e que Lola tende a manter os homens a uma certa distância e se assustar facilmente. Mesmo que eu não tivesse visto esse medo com meus próprios olhos em duas ocasiões em dias seguidos – na minha casa, na loja ontem –, ainda poderia tê-lo percebido depois de uma única conversa com seu pai, durante a qual descobri o detalhe mais significativo da vida de Lola: sua mãe deixou a casa quando ela tinha doze anos, sem sequer dizer adeus. É como se houvesse uma ferida instalada sob sua pele, uma ferida que escurece toda vez que ela se permite aproximar-se demais. A loja está muito calma quando passo por aqui, pouco antes do horário combinado para encontrar Lola. Joe é um ótimo funcionário, mas instintivamente algo me diz que não devo deixá-lo passar um dia de trabalho todo sozinho. – Você perdeu um cara com uma caixa inteira de edições de Tortured Souls há mais ou menos uma hora – ele conta enquanto me vê jogar as chaves no balcão. Logo acrescenta: – Eu me sinto impuro. Já vi coisas loucas na vida, mas aquilo me assustou. – Disse o cara que botou um piercing no próprio pau. Ele dá risada, dá um passo para o lado enquanto faço login no sistema do computador. – Eu sei – ele diz. – Mas você já viu aquilo? Tem bebês em garrafas de líquido e pessoas


torturadas gestando seus próprios assassinos. – E aí, o que você falou para ele? Grande parte dos nossos negócios consiste em comprar e vender itens de colecionador: figuras de ação, quadrinhos, artes gráficas. Joe tem um olho bom para essas coisas, mas não carrega o mesmo background que eu tenho. A regra oficial é que se Joe não tem certeza se compraria algo, ele diz à pessoa para que volte quando eu estiver aqui. Nas primeiras semanas, ele muitas vezes não sabia o que comprar e o que recusar, mas o cara aprende rápido e hoje em dia já não tenho medo de ele deixar algo inacreditável deslizar por nossas mãos. – Falei para ele que temos muitos jovens aqui e que aquilo não é nossa praia. – Ele estremece visivelmente antes de me olhar outra vez. – Por que está tão bem vestido? – Tenho um compromisso – respondo. Posso praticamente ver suas sobrancelhas se arquearem. – Um compromisso? Deslizando os olhos de modo a lançar um olhar discreto para ele, agacho e abro uma caixa de suprimentos para escritório. Para ser justo, eu nunca tenho compromissos. Joe surge na minha visão periférica e inclina o corpo até seu rosto estar a poucos centímetros do meu. – Um compromisso? – ele repete. – Puta que pariu! – resmungo, passando para ele algumas caixas de canetas. – Uma coisa com Lola em Los Angeles hoje à noite. Os três segundos de silêncio que surgem em seguida transmitem uma quantidade enorme de incredulidade. – É um encontro romântico? Nego com a cabeça. – Tem certeza de que não é um encontro romântico? Estendo a mão e coloco uma nova caixa de cartões de visita sobre o balcão. – Certeza absoluta. – Porque ultimamente ela o olha como se quisesse… Eu o interrompo: – Não é um encontro, Joe. A campainha toca e ouço alguém entrar, saltos batendo contra o chão de linóleo. – É a última vez que vou perguntar – sussurra Joe. – Tem certeza de que não é um encontro romântico? Abro a boca para lançar uma grosseria, mas paro quando ouço Lola perguntar: – Onde está o Oliver? – De joelhos no balcão – responde um Joe afoito. E a mim resta erguer o olhar para vê-lo lançando um sorriso enorme na minha direção. O silêncio inseguro de Lola invade a sala. Lanço um olhar de irritação para Joe. – Aqui embaixo – digo a ela enquanto rolo uma fita de recibos sobre a cabeça. – Só estou preparando algumas coisas. – A-hã – ela diz, inclinando-se sobre o balcão de modo que eu consiga ver seu rosto. Percebo que estou fodido se achava que poderia me fazer de frio esta noite. Lola está maravilhosa! – Oi. Deixo o último rolo de fita de lado e quase engulo a língua quando fico em pé e finalmente a vejo por inteira. Lola está usando calça de couro, o que deveria ser considerado ilegal. E essa calça


forma uma combinação com sapatos nos quais eu morreria feliz empalado e um top que sinaliza tudo, mas não mostra nada. Tenho zero chance de não me passar por idiota de uma forma ou de outra esta noite. – Você está linda – elogio e, sem pensar, dou a volta no balcão, inclino o corpo e dou um beijo em sua bochecha. Ela não reage como se eu tivesse feito algo fora do comum, mas apenas sorri e diz, quase silenciosamente: – Obrigada. Seus olhos deslizam para onde minha carteira e chaves estão, sobre o balcão, mas ainda não terminei de absorver a imagem de Lola. Seus cabelos estão presos em um rabo de cavalo brilhoso e negro. A franja cai lisa pela testa. A maquiagem não é pesada, mas percebo que ela a está usando. Uma linha preta suave contorna seus olhos, as bochechas estão rosadas e os lábios trazem um vermelho profano, quase pecaminoso. – Oliver? Minhas palavras saem um pouco trêmulas. – Você está realmente linda. Dessa vez ela cai na risada. – Obrigada – diz, acrescentando: – Mais uma vez. London me ajudou. Juro que dar um kit de maquiagem em nossas mãos é como dar um martelo a um macaco. Quando me distancio para pegar minhas coisas, ela lentamente me olha de cima a baixo. Sigo seus olhos enquanto eles avaliam o que estou usando: calça slim e uma camisa simples, escura. Cheguei a lustrar os sapatos por essa mulher. – Caramba! – ela exclama. Existe um tom de apreciação em sua voz e percebo que sempre fizemos isso – flertamos, lançando insinuações sutis –, mas nunca de forma tão direta assim. – Fico contente por você aprovar – digo. – O carro está estacionado virando a esquina. Ela se despede de Joe e me acompanha. Então, segura meu braço e sorri para mim: – Definitivamente aprovado. Sim, eu estou fodido.

Eu sempre soube que Lola fica quieta quando está pensando em algo que a incomoda. Desconfio que o motivo pelo qual ela tenda a não conversar sobre seus problemas, como Harlow ou mesmo Ansel conversam, seja o fato de querer tempo para saná-los à sua própria maneira. Mas, quando ela fala, no carro, sobre sua conversa com Austin e quer que eu liste alguns pontos positivos da ideia dele, fico surpreso, me perguntando se o motivo de ela demorar tanto antes de falar sobre as coisas seja o fato de nem sempre confiar em seu próprio julgamento. – Não sei se eu poderia apontar os méritos de alguma das sugestões – resmungo, entrando na rodovia 5 North. – É só um exercício – ela garante. – Por que seria melhor Razor vir de outro planeta? Fico em silêncio, pensando sobre a pergunta. Mas minha mente a combate como em um reflexo. As duas ideias são uma merda. Quinn jamais deveria ser transformada em uma criatura sexual. Razor não é um alienígena. Não há motivo algum para mudar isso. Os pneus deslizam tranquilamente pela estrada e Lola olha pela janela enquanto também pensa no assunto. É nesses momentos tranquilos que tendo a me apaixonar ainda mais por ela.


– Acho que isso permitiria a eles fazer algo visualmente mais interessante? – ela supõe depois de alguns minutos de silêncio. – Uma forma mais criativa de fazer o flashback da vida dele… Dando de ombros, digo: – Talvez, mas, no livro, o tempo alternativo de Razor é tão diferente visualmente quanto qualquer outro planeta seria nos flashbacks. Digo, a forma como você o criou é única, mas mudanças de tempo também são feitas em outros lugares. A multiversidade destrói todas as linhas do tempo paralelas e as transforma em hipertempo. – Eu sei, mas talvez isso explique a proposta de Austin. A multiversidade destrói todas as linhas do tempo da DC para explicar como todos eles podem existir. Talvez a ideia de um tempo paralelo seja mais fácil de entender porque as pessoas querem uma forma de reconciliar todas as várias abordagens do mesmo personagem. – Acho que a sua ideia é mais simples – argumento, acrescentando: – Quero dizer, mais elegante. Ela começa com a ideia de um loop temporal paralelo em vez de usá-lo para explicar coisas em retrospectiva. Ela balbucia, assentindo ao absorver minhas palavras. – Acho que vou ter que esperar e ouvir o que eles têm a dizer. É tão mais fácil fazer uma coisa quando sou apenas eu e um livro e minhas ideias… É diferente quando exponho tudo a essa consciência coletiva muito maior. Esse pensamento recai pesadamente sobre nós. Ela vai deixar Austin e o roteirista tentarem convencê-la? Talvez devesse fazer isso. Mas não consigo deixar de lado a opinião de que Lola não deveria seguir por esse caminho. Como um homem em sua posição, talvez eu não seguisse. – Não é porque você se sente intimidada por ele? – questiono. Lola inclina a cabeça. – Não é bem a minha área de especialidade – ela argumenta. – Quero dizer, o mundo do cinema. – Mas a história é. Razor é. Quinn é. Quinn é você, tenho vontade de dizer. Não deixe Austin mudar você. Não permita que ele sexualize sua jornada da ruína ao triunfo. Assentindo, ela olha outra vez pela janela. – Eu sei. Só estou pensando em como quero lidar com isso. – E se ele insistir que Quinn tenha dezoito anos? – pergunto. – E se disser que, sem um romance, a história não vai pra frente em Hollywood? Lola se vira e olha para mim. Percebo um brilho de fúria em seus olhos antes de ter que voltar a prestar a atenção na estrada. – Talvez ele esteja certo – ela diz. – Isso é que é um saco. Talvez seja necessário um romance para o filme funcionar como uma obra comercial. Não vendemos os direitos para um estúdio indie especializado em cinema-arte. Vendemos para um estúdio enorme. O segredo é o lucro. E eu sabia que isso aconteceria. Entendo o que ela está dizendo, mas ainda me sinto incomodado. – Você não recusaria a ideia? – É claro que sim – garante Lola. – E entendo o que você está dizendo, mas acho que quero ter certeza de que vou fazer a coisa certa. Você deveria ter visto aquela reunião. Angela e Roya devem ter dito umas três palavras, e elas são as produtoras executivas. E, por contrato, eu tenho muito pouco a dizer. – É mesmo? Estou ciente da discussão em andamento na comunidade dos quadrinhos sobre a representação


feminina nas páginas e no processo criativo, mas ainda me surpreendo ao saber que o filme de Lola talvez simplesmente não seja o filme de Lola. Ela assente. – Tenho 23 anos. Sou a primeira criadora de quadrinhos a ter um filme de grande circulação e uma das poucas pessoas que escreve e faz todas as ilustrações. Se eu fosse Stan Lee ou Geoff Johns, ou até mesmo um zé-ninguém, um homem com a minha idade e experiência, aí poderia dizer a eles o que fazer. E eles ouviriam. Um homem que emite opiniões fortes e depois as retira é alguém com uma “sólida compreensão de negócios”. Se eu entrasse ali como Lola Castle e insistisse em alguma coisa, eu estaria “forçando a barra” e seria alguém com quem é “difícil trabalhar”. Talvez alguma pessoa até usasse a palavra “vaca”. Sinto meu maxilar se apertar. Sei que Lola está certa, mas mesmo assim… – Isso é uma merda. – É como o mundo funciona – ela diz. – A primeira pergunta que me fazem é: “Como é ser uma mulher na indústria dos quadrinhos?”. Em todas as entrevistas. A segunda pergunta é se minhas amigas leem quadrinhos. Caralho. Eu nunca tinha pensado sobre as entrevistas. Elas parecem ser compostas por perguntas bem boladas, mas, olhando de longe, posso ver que são uma enorme merda. – Você acha que alguém perguntaria a Brian Michael Bendis se ele tem algum amigo homem que lê quadrinhos? – ela pergunta. Dou risada, mas é uma risada muito distante do humor. – É muito provável que não. – Combatemos essas percepções uma reunião de cada vez, mas é por isso que quero ser estratégica com relação às batalhas que aceito lutar – explica. – Preciso primeiro me convencer de que essas mudanças são absolutamente inaceitáveis porque sei que há outras coisas que vão me incomodar pelo caminho e não quero ser afastada de uma conversa antes mesmo de ela começar. E neste momento, neste exato momento, quero pedi-la em casamento. Quero encostar o carro, descer dele e colocar um joelho no espaço estreito e empoeirado do acostamento. Porque Lola sabe que tudo aquilo é uma merda e sabe que precisa costurar tudo muito cuidadosamente. E está encontrando a melhor forma de lutar pelo que nasceu para lutar.

Casas de vários milhões de dólares surgem atrás de outras casas luxuriantes e portões de ferro antes de virarmos e entramos na Sunset para encostar em um estacionamento de chão lustroso. Os elevadores não têm qualquer marca, o chão de mármore brilha com o polimento. Nossos nomes estão em uma lista no lobby e são novamente verificados em outra lista no andar de cima. Lola segura minha mão enquanto entramos, mas não é um gesto romântico. Tenho certeza de que isso está claro para nós dois. Trata-se simplesmente do gesto que faríamos antes de deixar o nosso mundo para entrar em outro. Está ligado a ter uma âncora. Esse é o tipo de festa onde todos usam preto e os garçons – provavelmente atores ou modelos – passam em meio aos convidados levando bandejas de prata cobertas com belos canapés e taças de champanhe. A música está muito alta, de modo que as pessoas se veem forçadas a falar alto. O salão não está lotado de convidados, mas parece que está. Um cara nos avista, perto do bar, e lança as mãos para cima, gritando por Lola. Ele é vários centímetros mais baixo do que eu e está usando roupas casuais – camiseta e calça


jeans – em uma sala cheia de pessoas meticulosas. Tenho a impressão de que é um idiota. – Loles! – ele grita enquanto se aproxima para abraçá-la com força… e abraçá-la durante algum tempo. Jesus! Se meus cálculos estiverem certos, essa é apenas a segunda vez que os dois se encontram. – Estou tão feliz por você ter conseguido vir – ele continua. Ela o agradece pelo convite e se vira, apontando para mim. – Austin, este é meu amigo Oliver. – Oliver – ele repete surpreso. Não fico nada feliz ao perceber que ele precisa inclinar a cabeça para cima para olhar para mim. Pelo sorriso em seu rosto, percebo imediatamente que planejava foder Lola esta noite, e certamente espero que esteja recalculando suas chances. Posso não saber se tenho o coração de Lola, mas tenho certeza de que esse cara não merece um centímetro sequer dela. Foi mal, amigo. Ele estende o braço, oferece um aperto de mão firme. – É um prazer conhecê-lo. – Você também. Não há mais nada a dizer, de verdade, e, depois de alguns segundos de contato visual silencioso, ele se vira outra vez na direção dela. – Quero apresentá-la a algumas pessoas. Ele desliza o olho pela sala, apontando e dizendo alguns nomes que talvez devêssemos conhecer. O cara de calça preta e camisa é roteirista. O outro cara de calça preta e camisa é diretor. A mulher de vestido social é vice-presidente de algum estúdio. E Lola simplesmente se encaixa aqui. As meninas sempre brincam dizendo que ela parece uma espécie de super-heroína muito foda, e é verdade. Lola tem uma força, uma confiança silenciosa que vem de seu hábito de estabelecer uma meta e cumpri-la. – Agora venha! – Austin diz a ela. Lola segura minha mão. Sua palma está suada; os dedos, trêmulos. – Vamos encontrar Langdon. Eu espero um pouco e, como agora estamos de mãos dadas, quando Lola é levemente puxada para trás ela olha para mim. – Vá fazer o que você tem que fazer – digo em voz baixa para ela. – Vou descolar uma bebida e algo para comer. Estarei bem aqui. – Tem certeza? – ela pergunta. – Absoluta. – Então me dou conta de que será tarde quando isso tudo terminar e nenhum de nós vai querer dirigir todo o longo caminho de volta para casa. – Quer que eu reserve dois quartos em um hotel…? – Já cuidei disso – ela afirma com um sorriso. Meu coração começa a saltar no peito e Lola não se vira imediatamente. – Obrigado por ter cuidado disso. Parece certo inclinar-me e beijar seu maxilar, bem perto do pescoço. Então faço isso. Talvez eu tenha acabado de cruzar uma linha tênue, mas, quando ela sorri e segura minha mão, percebo que Lola não se importa.

No bar, eu bebo, como, observo as pessoas. É um estudo fascinante e um contraste enorme com a minha vida cotidiana. Tenho a mais casual das


clientelas; sempre me mantive em círculos sociais que se sentem à vontade em ambientes mais informais. Não conheço ninguém além de Harlow e Ansel – e agora Lola – que se encaixe aqui. Mas essa é a nova realidade dela e, de certa forma, também a minha. Lola me encontra depois de mais ou menos meia hora e se senta ao meu lado. – E aí? – Oi. Coloco minha bebida sobre a mesa e seguro sua mão, apertando-a. Sinto alívio por Lola estar outra vez comigo. Apesar da minha certeza de que ela jamais sairia com alguém como Austin, não me sinto exatamente feliz de estar separado de Lola. – Como foi? – pergunto. Ela sorri e acena para alguém do outro lado da sala. – Foi bom – diz em meio a um sorriso. – Acho que foi. Eles têm muitas ideias. Eu meio que fiquei ouvindo. – Então ela olha de volta para mim e acrescenta: – Sem julgar. – Isso é ruim, não? Negando com a cabeça, Lola responde: – Nem tudo. Mas é estranho quando algo tão pessoal deixa de ser só meu. Langdon já escreveu muita coisa, eu acho. Estou tentando não ser tão reativa a tudo. – Quer conversar sobre isso mais tarde? – pergunto. Ela assente e, quando o atendente no bar pergunta se ela precisa de alguma coisa, Lola se inclina para a frente, em meio à barulheira da multidão, para pedir um drink. Ele prepara a bebida na frente de Lola, que observa em silêncio, parecendo claramente precisar daquele drink. Ela pega o copo e lança um sorriso que é retribuído com excesso de entusiasmo para o meu gosto. Então, vira-se de volta para mim. – Então, sobre o que você quer falar? – pergunto. – Estamos em uma festa muito chique e você acaba de passar meia hora sozinho no bar enquanto mais ou menos quinze executivas mentalmente o analisavam e o levavam para aqueles porões do sexo assustadores de Los Angeles. Dou risada. – Mentirosa. – Não é mentira! – ela rebate, inclinando-se na minha direção e fazendo uma careta engraçada. – Qual é a sua melhor cantada? – Na verdade, eu não tenho uma cantada pronta. Eu só meio que fico sentado aqui desse jeito. Abro os joelhos e lanço um sorriso sensual. – Pernas abertas… – ela diz, sorrindo. – Gosto do que isso comunica para todos na sala. Faço todo um teatro para ajeitar os olhos e aponto para mim mesmo. – Quero dizer… Você expõe o mel, então acaba atraindo as abelhas. Rindo, Lola dá um tapa em meu ombro. Assentindo para ela e lançando um sorriso sensual, digo: – Baby, sei que vamos foder esta noite. É só uma questão de como chegaremos à sua casa. – Inclino-me para a frente para conseguir um efeito dramático e sussurro: – Não tenho carro. Quando Lola dá risada, ela solta a cabeça para trás, deixando exposto seu pescoço longo e delgado, de pele perfeita. E o som é mais agudo do que se poderia esperar de alguém com uma voz tão poderosa; chega a ser infantil. Sua risada, quando ela está à vontade, é adorável de uma forma que Lola jamais admitiria. – Essa é a minha cantada favorita agora – ela diz quando para de rir.


Adoro a forma como ela pronuncia a palavra “favorita”. A forma como sua boca forma o “f ”. Ela beija o ar. O que me faz ter vontade de montar nela, de prender aqueles lábios deliciosos em um beijo enquanto ela geme e pede: “Me fode”. Seus olhos encontram-se com os meus, e eles estão sorrindo, sem se darem conta de quão longe meus pensamentos acabam de me levar. – Como alguém poderia dizer não a isso? – Sinceramente, eu não sei – provoco. – O que você está achando de tudo isso? – ela me pergunta, correndo o olhar pela sala. Dou de ombros, seguindo o caminho que seus olhos fizeram. – Esquisito, eu acho. Mas não. Não é totalmente diferente do que eu esperava. Mesmo assim, é bem diferente da loja, devo admitir. Ela sorri para mim. – Você é o maior geek que já conheci. Quando ela diz isso, percebo o orgulho em sua voz. Para Lola, esse é o maior dos elogios. O atendente do bar prepara outra dose de uísque à minha frente. Eu o agradeço com um aceno. – É verdade – digo a ela com um tom carregado de zombaria. – E, ainda assim, aqui está você, desfrutando desta noite comigo. – Deve ser o álcool – ela diz, bebendo de seu canudinho. Aponto para sua bebida. – Ainda é a sua primeira dose. Lola oferece um sorriso. – Você é bom observador. Gosto disso. – É um dos meus muitos atributos. Além de ser trabalhador, bom em matemática e pontual. Ela balança a cabeça, engolindo rapidamente para poder me contrariar: – Ei, antes de tudo isso aí, tem o sotaque. – Você está dizendo que meu sotaque é mais importante do que minha capacidade de decorar todas as tabuadas? Lola dá risada e, se eu vejo direito, inclina-se um pouco mais para perto. – Por que você não namora mais? Hesito com o copo perto dos lábios, então tomo um gole antes de colocá-lo outra vez sobre a mesa. Lola parece estar me provocando, mas é como se houvesse um limite, como se ela estivesse se aproximando de algo que acha um tanto assustador. – Não deveria ser eu fazendo essa pergunta a você? – rebato, inclinando a cabeça, pensando. – Austin parece interessado. Lola faz uma careta, cruzando os braços e olhando para mim. – Você não respondeu a minha pergunta. – Nem você. – Por que isso? – ela pergunta, observando. – Provavelmente pelo mesmo motivo que você não namora. Lola mexe a bebida com o canudo, usando a ponta para perfurar as fatias de limão uma a uma. Bem ao meu lado, alguém abre a porta que dá para um pátio, deixando um golpe de ar frio entrar. – Quer ir embora? – ela pergunta, olhando para mim. – Ir a algum lugar que seja mais do nosso estilo? Abro a boca, e o ar frio atinge minha língua como uma faísca elétrica. – Claro.


Eu me pergunto se é possível que o martelar do meu pulso soe mais alto do que a música à nossa volta. Estendendo a mão, Lola me oferece seu sorrisinho secreto. – Bem… Então vamos dar o fora daqui.


Capítulo 7

Lola Levamos o carro de Oliver de volta ao hotel e o deixamos lá. Caminhamos alguns quarteirões até chegar ao que o concierge nos garantiu ser uma casa noturna bem simples. E ele estava certo: é escura e discreta, com um bar oval no meio do salão, algumas mesas altas de um lado e espaço para uma banda e um grupo de fãs. Mas esta noite não tem nem banda, nem fãs. Na verdade, não há quase ninguém por aqui. Só tomei um drink na festa, mas me sinto vertiginosa, desajeitada, distraída pelo tum-tum-tum atrás do meu esterno. E sei que essa é a sensação de estar aqui, com Oliver, nessas miniférias. Existe algo especial em sair de casa e deixar a rotina para trás. E, de repente, qualquer coisa se torna possível. Poderíamos ficar aqui por uma semana. Poderíamos fingir que não temos responsabilidades, nem aqui, nem em casa. Poderíamos mudar tudo entre nós. O painel mostra a garota caindo para trás: braços abertos, olhos fechados. Ele pega duas cadeiras no bar e me ajuda com o casaco e a bolsa antes de se sentar. A forma como me toca faz meu pulso saltar; suas mãos são firmes e seguras, os dedos não se intimidam em tocar a gola do meu casaco, puxando-o lentamente para trás. Ele usa as mãos para envolver meus ombros nus e pergunta: – Está bom aqui? Quero perguntar “bom para quê?”, mas, quando ele acena com a cabeça para a cadeira, percebo que está falando da geografia, e não se aqui está bom para essa barreira inconsistente da aindaplatônica entrega. – Perfeito. Ele olha o atendente do bar nos olhos, acena, e ficamos sentados em silêncio enquanto o homem retira um copo seco e se aproxima de nós. A sensação é a de estar em um encontro romântico. – Quer um Manhattan? – pergunta Oliver. – Sim, por favor.


Ele pede nossas bebidas ao garçom, agradece, vira-se de volta para mim. Meu coração quer escapar, sair do meu corpo e invadir o dele. E, meu Deus! É isso que é estar apaixonada por alguém? Um coração que se torna híbrido, metade seu, metade dele? O meu bate assim porque quer sair do corpo. Meu peito dói de desejo de deixar o coração dele entrar em mim. – Como você se sente em relação a tudo isso? – pergunta Oliver. O palpitar em meu peito se intensifica e desfalece, a alegria reflexiva traz consigo outra sensação, essa menos agradável: o medo. Quando sinto o cheiro de pão fresco, minha boca saliva. Quando vejo uma caneta, quero segurá-la. Quando desejo alguém, fico preocupada. O que acontece se o cérebro decidir deixar tudo isso para trás? O coração híbrido perde o vigor, deixando a gente com nada além da metade de que precisamos? Ele deve sentir a mudança na minha postura porque toca meu maxilar com um dedo, fazendo-me virar o rosto na direção dele, acrescentando: – Estou falando do filme, Lola Love. Do livro. Desta noite. – Ah. – Eu sou uma idiota. O pânico se dissolve e abro um sorriso, o qual transformo em algo que faz Oliver dar risada. – Acho que tudo é muito legal. – Só pude conhecer um pouquinho de você antes de tudo isso começar – ele diz. – Razor foi lançado não muito tempo depois de Vegas e tudo logo se transformou em um turbilhão. Num primeiro momento, você não pareceu acreditar que ia acontecer. Eu gostaria de ter conhecido a Lola que existia antes disso. Antes de o livro começar a vender. – Ela era uma universitária – eu o lembro. – Preocupada com os exames e com o dinheiro do aluguel. Ele assente e concentra a atenção em minha boca. Mas sem constrangimento. Oliver faz isso intencionalmente. – Às vezes, esqueço que você é tão nova. Não sei por que, mas adoro a forma como ele diz isso. Parece sacana, discretamente sacana, como se ele estivesse me corrompendo um pouquinho. – Eu não me sinto tão nova assim. Oliver expira lentamente pelo nariz. – Você precisou crescer cedo. – Você também, não? Sei muito pouco sobre a vida de Oliver antes da faculdade. Ele nunca falou de irmãos, dos pais. Comentou sobre os avós uma vez ou outra, mas não é da nossa natureza forçar um ao outro. Ou pelo menos até agora não foi. Quero destruir com um tijolo esse modelo de comportamento. Oliver olha novamente nos meus olhos, mas nós dois olhamos para o atendente do bar quando ele coloca a bebida na mesa à nossa frente. – Querem que eu feche a comanda? – Pode ser – diz Oliver, puxando a carteira e entregando-lhe um cartão. O homem se vira e então me dou conta. – O quê? Espere aí! – Estendo a mão para pegar a bolsa. – Espere. Eu deveria pagar! Você está me fazendo um favor ao vir até aqui. – Lola! – ele chama, forçando-me a parar e balançando a cabeça de modo a indicar ao funcionário que ele vai, mesmo, pagar. – Pare com isso. Não faz diferença quem vai pagar. – Faz, sim, mas obrigada.


Oliver sorri. – De nada. Dependuro a bolsa de volta na cadeira, sorrindo com culpa. – É esquisito esquecer que agora posso pagar os drinks? – Acho que não. – Ele corre o dedo pela borda do copo. – Meu Deus, eu me lembro de quanto tempo demorei até deixar para trás a mentalidade do estudante morto de fome. Meu pai morreu há cinco anos e me deixou uma soma em dinheiro. – Seus longos dedos se curvam em volta do copo de vidro e ele o leva à boca, tomando um gole. Quero saborear o uísque diretamente de seus lábios. – Foi um choque enorme. Eu não o via desde os onze anos. Vivi com meus avós. Eu imaginava que meu pai tinha passado a maior parte da minha infância usando heroína. Pisco os olhos e sou puxada para fora da minha bruma de luxúria. – O quê? Ele assente. – Então, fiquei furioso quando o advogado dele entrou em contato e me contou que meu pai estava morto. A boa notícia é que ele me deixou uma quantia em dinheiro. Meu pai conseguiu ajeitar a vida e ainda ganhar dinheiro, chegou a economizar dinheiro, mas nunca se preocupou em me procurar outra vez. Sinto a pressão das lágrimas em minha cabeça, o calor, o apertar em minha garganta quando olho para sua expressão de dor. – Eu não sabia disso. – Bem, de qualquer forma… – Ele levanta o copo para um brinde e gentilmente bate no meu. – À busca pela família – ele diz. Aceno com a cabeça, bebendo ao mesmo tempo em que ele bebe, mas nem mesmo o queimar forte do uísque o abala. Seu pai o deixou. E sua mãe também. Tenho a sensação de que somos dois fios dando voltas e voltas e voltas juntos, propagando uma corrente elétrica. – Lola? – ele diz. Olho para ele, tento sorrir. – Oi? – Quer dançar comigo? Quase me afogo com meu pulso acelerado. – O quê? Oliver dá risada. – Dance comigo. Vamos, viva um pouco. Ele estende a mão e, depois do que acabou de me dizer, o que posso falar senão… – Está bem. Colocamos nossos copos sobre a mesa e saímos da cadeira. Vamos até a pista vazia. Há três outras pessoas aqui além do atendente do bar e elas não dão a mínima para o que estamos fazendo ou por que estamos no meio da pista vazia olhando um para o outro. – Não tem nenhuma música tocando – digo a ele. Oliver dá de ombros. – Não tem problema. Mas aí a música começa a ecoar, tão alta num primeiro momento a ponto de nos fazer estremecer. O funcionário do bar ligou o som e, depois que ajusta o volume, a canção do Aerosmith se espalha pela pista de dança. – Meu Deus! – exclamo, rindo.


Oliver lança um sorriso de quem tenta se desculpar. – Essa música é o que tem pra hoje. – É tão ruim que quase chega a ser boa – digo, segurando a respiração quando sinto o deslizar de sua mão por minha cintura, quando sinto cada um de seus dedos contra minha coluna. Sua outra mão surge logo abaixo, no ponto mais baixo da minha lombar, que de repente se torna o ponto de convergência de todas as minhas terminações nervosas. Oliver me puxa para perto, contra o seu corpo. Percebo a cintura de sua calça contra minha barriga, posso sentir meus seios pressionados contra o seu peito. Minhas mãos estão curvadas em volta dos seus bíceps e olho para o seu rosto. Suas sobrancelhas escuras, seus olhos iluminados, a sombra da barba em seu queixo… De alguma forma, essa combinação forma meu rosto favorito em todo o mundo. Os olhos de Oliver se separam só um pouquinho quando ele me encara e vejo seu maxilar flexionar, sinto seus dedos apertarem minhas costas com mais firmeza. Isso é tensão. Isso, aqui, agora, é luxúria, e nunca desejei tanto uma coisa como desejo seu beijo. É quase doloroso esse desejo. Alguma coisa dentro de mim está se rebelando, golpeando com a intensidade, dizendo que não vai desistir até conseguir o que deseja. Estou sendo mantida refém do meu próprio coração. A gente se mexe, troca o apoio dos pés, girando muito, muito lentamente. – Isso é legal – ele elogia. – Não danço há anos. Fico esperando essa sensação estranha se desfazer, esperando me dar conta de que o que estamos fazendo é um bocado estranho, mas isso não acontece. Parece que estou segurando a respiração, esperando um espirro chegar. – Respire, Lola Love – ele sussurra, e alguma coisa dentro de mim tropeça. Eu não estava respirando. Estava parada aqui, segurando o ar, esperando que ele me beijasse e que meu corpo relaxasse e que o tempo parasse e que eu de repente soubesse o que é estar apaixonada por alguém. – Estou aterrorizada – confesso. Agora estamos tão próximos que não consigo ver todos os seus traços, mas sinto sua respiração, quase posso saborear o uísque que ele tomou. Seus olhos se movem de um lado para o outro; sua voz é uma reafirmação suave: – Eu sei, querida. – Nunca fui muito boa com relacionamentos românticos. Eu quero ser – acrescento rapidamente. – Mas sinto medo. – Eu sei – ele repete, inclinando-se para beijar minha têmpora. Uma de suas mãos desliza por minhas costas, chegando aos meus cabelos. – Mas eu só quero você. Não quero nada que seja fácil ou perfeito. Não preciso correr ou me apressar com nada. E aí está, exposto de forma tão nua e simples entre nós. Sua sinceridade faz meu sangue gelar e sinto minhas verdades correrem para fora de mim, desorganizadas e cruas. – Minha primeira vez foi com um cara muito chapado – conto apressadamente, fechando os olhos e quase gritando quando ele vira o rosto, pressionando sua bochecha contra a minha. Seu ouvido está bem próximo da minha boca; posso sussurrar diretamente no confessionário: – Ele trabalhava na 7Eleven da esquina e só queria ficar chapado e transar. A gente nem conversava direito. – Engulo em seco antes de continuar: – Eu só tinha 14 anos, ele tinha 20. – Sinto o corpo de Oliver se tensionando contra o meu. – Ninguém sabe dele, nem mesmo Harlow ou Mia. Elas acham que perdi a virgindade já nos tempos de faculdade. Mas meu pai trabalhava até a hora do jantar e eu ia até lá depois da escola para procurar apenas uma espécie de… – Balanço a cabeça. – De distração ou sei lá o quê.


Depois que minha mãe se foi, eu não era muito boa com decisões. – E como poderia ser? – ele pergunta, beijando meu queixo. Seus lábios deixam um caminho de fogo em minha pele. – Mas quão horrível é admitir que esse relacionamento foi o mais fácil que eu tive? Todos os rapazes com quem saí desde então acabaram me irritando. – Afastando-me para olhá-lo nos olhos, continuo: – Sempre que as coisas ficam sérias eu começo a… sei lá. Entrar em curto-circuito. Não quero que isso aconteça com a gente. Ele está analisando a minha boca quando pergunta: – Não quer que seja sério ou que aconteça um curto-circuito? – Não quero estragar isso – respondo. – Nossa amizade é importante demais para mim. E se… fizermos aquilo e mudarmos isso? Oliver assente, inclinando-se e encostando novamente sua bochecha à minha. – Não tenho escolha senão seguir em frente, Lola. Estou apaixonado por você. A declaração incinera meus pulmões e me faz parar de respirar outra vez. Não existe uma palavra capaz de descrever o que estou sentindo. É a lâmina de uma navalha afiada me cortando com êxtase e terror. – Shh… – ele sussurra. – Não entre em pânico, está bem? Só estou sendo sincero. Eu te amo. Eu te quero. – Ele expira e sinto uma lufada enorme e trêmula contra meu pescoço. – Porra, eu te desejo! Mas entendo que não seja simples e, francamente, não espero que seja simples. Eu só queria que você tentasse. Quero dizer, se… Faço que sim rapidamente… Meu coração está alojado na garganta, batendo, batendo, batendo com a necessidade de possuir Oliver… E ele me aperta com mais força, deixando o alívio evidente em sua postura. Não achava ser possível aproximar-me mais, mas era. Só foi necessário nossos corpos se soltarem, o ar sair de nossos pulmões. Ficamos em silêncio e percebo que estava dançando sem nem me dar conta. Não sou alguém que dança naturalmente e em momento algum pensei no que meus pés estavam fazendo, em como meus braços ou mãos ou quadril estavam se movimentando. Mas, agora que percebo, posso imaginar como seria estar com Oliver: como ele se encaixaria contra mim, sobre mim. Ele é mais alto, mais largo, mas seu quadril ficaria perfeito contra minhas coxas. Suas mãos não são hesitantes; posso imaginar a pressão delas deslizando para cima e para baixo em minhas curvas. Quero sua mão se fechando em meus cabelos, puxando minha cabeça para trás. Muito embora ele não vá fazer isso aqui, a promessa existe, está na flexão de seus dedos, no fato de eles não terem se afastado. Ele encontrou um ponto e os enterrou profundamente. – Eu vi o Aerosmith quando tinha 14 anos – ele conta, o que me faz questionar se ele está pensando em quão jovem isso é, se está pensando em mim com 14 anos, sozinha em um apartamento com um cara chapado. Ou se está falando para me forçar a lembrar que somos assim. É o que fazemos, com ou sem dizer “eu te amo”. – Foi depois daquela balada do filme Armagedom… – “I Don’t Want to Miss a Thing”? – Sim, essa aí – ele confirma, rindo. – Fomos sozinhos e nos sentimos maduros pra caralho. Entramos em um ônibus com destino a Sydney… Eram quase duzentos quilômetros de distância e meus avós disseram: “Sim, claro. Vá em frente”. Não estou brincando quando digo que todas as personalidades loucas do mundo estão representadas em algum ônibus por aí. – Uau. – Pois é… – ele concorda. – Éramos bem jovens, mas foi a melhor noite da minha vida até então. Meu amigo conseguiu ingressos com seu primo. Eu nem conhecia as músicas do Aerosmith… Bem,


na verdade, eu conhecia, só não sabia que eram do Aerosmith. Mas foi incrível. Talvez tenha sido naquela noite que decidi que queria viajar. Talvez tenha sido antes, não sei. Acho que aprendi a ser destemido naquele ônibus. Descobri que, se eu podia ir até Sydney para passar um fim de semana, então eu poderia chegar a qualquer lugar. – Meu primeiro show foi da Britney Spears. Ele ri alto, inclinando a cabeça para trás e expondo seu sorriso para mim. – Que podre! – Foi maravilhoso! – admito. – Eu juro. Eu, Harlow, Mia e Luke, o ex-namorado de Mia. – Balanço a cabeça, lembrando de nós todas dançando enquanto Luke dava risada, sendo uma boa companhia. – Pobre Luke. – Levando três garotas a um show? Ele poderia estar em situação pior. – Só uma de nós estava transando. Bem, na época… – digo, reconsiderando. – Acho que hoje em dia Luke transa mais do que Steven Tyler em 1979. Oliver cai na risada, mas a música chega ao fim e ele para, soltando meu corpo. – Você conseguiu! – ele diz, olhando-me com um sorrisinho. – Dançou com um australiano em um bar vazio e o mundo não acabou. Pode tirar essa pendência da sua lista. – E nós… – começo. Nós conversamos. Admitimos. Demos esse aterrorizante passo adiante. Ele espera para ver como vou terminar minha frase. Sua expressão é calorosa, mas, ao mesmo tempo, neutra. – Sim, nós conseguimos – ele finalmente diz, inclinando a cabeça na direção do bar. – Agora vamos terminar nosso drink. E, assim, as coisas ficam fáceis outra vez.

Acordo sozinha em uma cama branca e enorme, sob o brilho do sol. Tenho viajado tanto ao longo dos últimos meses que paredes azuladas e empoeiradas e uma cadeira grande e branca em um canto do quarto não servem imediatamente de contexto para eu saber onde estou. Rolo para o lado, vejo minha calça de couro dobrada na cadeira, minha blusa e sutiã organizadamente colocados por cima. Obviamente Oliver está no fim do corredor, em seu próprio quarto. Meu estômago parece rebaixado e pequeno no corpo, sentindo falta de Oliver, desejando-o perto de mim. Durante o segundo drink, afastamos facilmente a tensão de termos admitido nosso interesse um pelo outro. Fomos interrompidos por um telefonema perfeitamente oportuno de Grosseirão, que queria nos contar que sua ficante tinha caído bêbada no sofá e que só depois que saiu ele percebeu que seu celular estava sem bateria e que havia deixado a carteira na loja, então teve de dar seu relógio ao taxista para conseguir uma rodada até sua casa. Por volta da uma hora da manhã, deixamos o bar de mãos dadas e caminhamos pelas duas quadras até o hotel. Eu tinha cinco ligações não atendidas de Austin, mas nenhuma mensagem de voz, então apenas as ignorei. Eu não queria nada além de Oliver em minha mente. Ele me mostrou a porta de seu quarto quando passamos por lá, a caminho do meu, mas, antes que eu pudesse gaguejar um convite para entrar, Oliver se abaixou e beijou minha bochecha. – Vamos devagar – ele disse. – A gente se vê de manhã.


Algumas palavras surgiram imediatamente na minha cabeça, mas não pude dizê-las em voz alta: “Não poderíamos transar agora e, fora isso, ir devagar?”. Rolo para o lado, puxo meu telefone do carregador na mesinha de cabeceira e verifico meus emails. Apoiando-me em um cotovelo, fecho os olhos com força e me esforço para ler as palavras bem à minha frente. – Puta que pariu! Eu me sento, cruzo as pernas sobre a cama e me concentro na tela para ter certeza de que não estou imaginando o que estou vendo. Parece que, enquanto Oliver e eu flertávamos e brindávamos com os drinks e evitávamos as discussões sobre encontros românticos, a Columbia-Touchstone escolheu os atores para os papéis principais de Razor Fish. Tenho mais de 300 e-mails e pelo menos 10 mensagens de voz de meios de comunicação querendo trocar uma palavrinha. Austin escreveu um e-mail e ainda bem que marquei seu nome como favorito – caso contrário, talvez eu sequer visse. A mensagem dizia: Tentei entrar em contato com você ontem à noite, depois que você foi embora. Temos um roteiro. Alguma coisa que Langdon esboçou ao longo da última semana. Mas não se estresse, fizemos isso para poder escolher o elenco mais rapidamente. Você pode revisar e melhorar todo o texto.

Ele não pensou em esclarecer isso ontem à noite? Oliver me disse que Langdon tinha começado a escrever, e não terminado de escrever. O cheque também foi depositado em minha conta bancária, e ver todo aquele dinheiro lá me faz querer vomitar. Faz surgir uma espécie de pânico instintivo, como se eu devesse transformar toda a quantia em barras de ouro e escondê-las debaixo do colchão. Alguém bate à porta e me apresso em me levantar, jogando o robe sobre o corpo. Ali fora, no corredor, Oliver parece tenso, um pouco nervoso. Mas imediatamente percebo o que realmente há em seu rosto – uma felicidade suave, vulnerável, que brilha no inclinar de seus lábios, no estreitar de seus olhos –, antes que ele consiga esconder. Muito embora eu estivesse com ele ainda ontem à noite, parece que toda uma semana se passou. E agora Oliver está diferente. Menos parecido com o rosto maravilhoso de um amigo e mais com ares desse homem que tem um corpo debaixo das roupas e que me deixa cada vez mais desesperada por tocá-lo. Nenhum de nós disse nada e receio que a última noite tenha mudado tudo. Não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós. – Como está meu dono de loja de quadrinhos favorito, esse tal de Oliver Lore? Ele abre um sorriso tão grande a ponto de fazer seus óculos mexerem. E posso ver o brilho no canto de seus olhos. – Eu queria poder responder com um emoji. Eu colocaria várias vezes aquele ovo frito. Certo, isso foi perfeito. – Quer ir tomar café da manhã? – pergunto. – Ou… pedir para trazerem aqui no quarto? A última opção definitivamente parece mais íntima e Oliver parece concordar. – Nem – ele responde. – Vamos ao restaurante no andar debaixo. Eles têm um buffet. Acho que vou devorar tudo o que estiver disponível lá. – Entre – eu o convido, correndo na direção da minha mochila e pegando as roupas. – Me dê cinco minutos. Preciso ligar para Benny, mas é coisa rápida. Oliver entra no meu quarto e percebo quando ele olha demoradamente para minhas roupas da última noite, tão organizadas sobre a cadeira. E me pergunto se estaria pensando a mesma coisa que


eu estou pensando – que, se ele estivesse aqui comigo, aquela calça de couro talvez tivesse sido sacrificada em nome de uma boa noite de sexo. – Lola! – Benny atende com um grito, sua voz ecoando no viva-voz. Eu estremeço, olhando para a tela como se ela me queimasse. Não são nem nove horas da manhã, por que ele está tão animado? – Oi, Benny. – Acho que sei por que você está ligando – ele praticamente cantarola. – O homem mais sexy do mundo segundo a revista People foi selecionado para o papel de Razor e você quer ir a Hollywood celebrar esta noite. Oliver se vira para me encarar. Ergo um dedo, indicando que logo, logo eu o atualizarei. – Na verdade, eu já estou em Hollywood – conto. – Mas daqui a pouco vou para casa. Austin não falou nada sobre o roteiro ontem à noite, quando conversei com ele. – Provavelmente porque sabia que você pediria para ler ali, bem na hora, e pediria para editar o texto antes que fosse liberado, mas ele já tinha sido liberado. Mordisco o lábio inferior, engolindo o riso. – E o que acontece agora? – Eu lanço uma declaração em seu nome – ele diz. – Que tal: “O empresário confirmou que Lorelei Castle está totalmente satisfeita com as notícias relacionadas ao elenco”. Espero ele falar mais, mas percebo que não há mais nada a dizer. Do outro lado do quarto, Oliver parece passar pelo mesmo processo antes de inclinar a cabeça como se quisesse dizer “Hum, não é tão ruim assim”. Isso mostra perfeitamente qual é meu nível de envolvimento com a mídia. – Perfeito – afirmo. – Estou muito contente com a notícia, é verdade. Também acho que não preciso participar de entrevistas. Mas, Benny, você poderia dar uma forçada para que eles me enviem o roteiro ainda hoje? Se eles querem que eu dê uma polida, e espero que isso seja um código dizendo que posso realmente entrar com um bisturi, então quanto mais cedo eu o tiver em mãos, melhor. Tenho algumas outras coisas para fazer e preciso organizar meu tempo. – Já estou fazendo isso. Vá fazer suas coisas. Você vai se ver cercada pela mídia e por fãs de agora em diante e só peço que detone quando for a hora de detonar. Eu o agradeço, mando um beijo pelo telefone e coloco o aparelho sobre a cama. Minha mão está tremendo. – Eu não sabia que iria adorar Benny, mas eu o adoro. Não sei o que seria de mim sem ele agora. – Eles já escolheram o elenco? – Oliver pergunta. – E Austin não disse nada ontem à noite? Quando Oliver e eu deixamos a festa, também deixamos para trás os assuntos ligados ao filme. – Austin comentou que eles estavam conversando com algumas pessoas. Langdon disse que estava mexendo com um rascunho. Acho que, quando essas conversas acontecem, as coisas andam bem rápido. Ou então… – Penso um pouco melhor para acrescentar: – Ou então eles nunca me contaram tudo o que há por trás. Ergo a mão em frente ao rosto e a observo, ainda trêmula. Parece que meu cérebro precisa de um momento para processar tudo isso. – Vamos – ele diz com um sorriso que me acalma. – Troque de roupa e conversamos sobre isso lá embaixo. Estou morrendo de fome. Pego as roupas na mochila e entro no banheiro. Prendo os cabelos em um coque, visto uma calça jeans e uma blusinha branca simples. Quando saio, vejo Oliver parado próximo à janela, olhando para fora. Está usando uma camisa azul-escuro desgastada pelo tempo, que a deixou fina nas costas. Posso ver os músculos definidos em seus ombros, as linhas firmes de seu torso. Meu coração afunda de um jeito que quase me faz tossir.


Ele se vira ao ouvir o barulho e sorri, andando em minha direção. – Está pronta? Olho para ele, mas não consigo manter meu olhar firme durante muito tempo. Ele se barbeou esta manhã, mas, mesmo assim, já vejo a barba por fazer em seu queixo. Oliver é pelo menos quinze centímetros mais alto do que eu, então tenho uma boa imagem de seu pescoço, garganta, da curva de seu lábio inferior. – Estou. Atravessamos o corredor coberto com carpete em silêncio e Oliver estende o braço para apertar o botão do elevador antes de recuar e colocar a mão em minha lombar. Seus instintos são tão gentis. – Você tem alguém para cuidar das finanças, um contador? – pergunto a ele. – Preciso de ajuda. – Sim, mas ele é mais voltado para empresas. Talvez atenda às suas necessidades – ele responde, apontando de modo a nos guiar para dentro do elevador, que acaba de chegar. – A grana do estúdio entrou. Ele assente, olhando para o chão. – Lembro-me de ter sentido isso quando meu pai morreu. É algo bom, mas aterrorizante. Tive a sensação de que eu tinha que deixar de ser um preguiçoso vivendo com os avós e comendo comida congelada e me transformar em um adulto de verdade. Eu não tinha as ferramentas mentais para saber como fazer um orçamento ou planos ou economizar dinheiro. – É… – eu concordo, soltando meu corpo ligeiramente contra o dele. Oliver me faz sentir tão… segura. – Então, deixei tudo de lado até me sentir pronto. Até saber o que eu queria fazer com aquilo. – Criar a loja? Ele confirma com a cabeça. – Você vai descobrir o que quer. Apenas deixe a grana lá até descobrir. O elevador para no terceiro piso e nós saímos, seguindo a placa que aponta para o restaurante. – Eu deveria trocar de carro – digo. Oliver dá risada. – E quero ter minha própria casa – continuo. Oliver fica em silêncio enquanto damos mais alguns passos. Por fim, pergunta: – Uma casa? – Acho que sim. Então meu cérebro tropeça no pensamento. Afinal, Oliver tem sua própria casa. E, se algo acontecesse e nos tornássemos algo maior, será que viveríamos juntos? Ou iríamos querer ter duas casas? – Posso ajudá-la a procurar – ele se propõe, estourando rapidamente meu balão de pensamento. Entramos no restaurante e nos sentamos a uma mesa com vista para a Santa Monica Boulevard. Oliver e eu já fizemos dezenas de refeições juntos, mas agora é diferente. E sou terrível com esse tipo de situação, então não sei se é tudo coisa da minha cabeça. Talvez por eu ter aberto as comportas dos sentimentos, tudo parece intenso e especial. Eu me pergunto o que Harlow faria. Ela perguntaria: “Está tudo bem?”. É mesmo tão simples assim? – Está tudo bem? – arrisco. Oliver olha para mim, arqueia as sobrancelhas em questionamento. – Quero dizer, depois de ontem à noite… Ele sorri e abaixa o cardápio. – Está tudo ótimo.


Harlow elaboraria. Harlow explicaria por que perguntou. Caramba, Harlow provavelmente estaria sentada no colo dele agora. – Está bem. Que bom – digo, olhando para baixo de modo a estudar a longa lista de opções de waffles. Posso sentir os olhos de Oliver apontados para mim por mais algum tempo. Em seguida, ele pega outra vez o cardápio. E eu abaixo o meu cardápio. – Já é diferente – digo. – Não é, não – ele rebate imediatamente. E, quando olho para Oliver, ele está sorrindo como se já esperasse esse meu ataque de pânico. Dou risada. – É, sim. Negando com a cabeça, ele olha outra vez para o cardápio e murmura: – Você é um caso perdido. – Você é um bobalhão – rebato. A garçonete se aproxima e enche nossas xícaras de café. Oliver me observa com um sorriso enquanto analiso o buffet e peço panquecas. Ele pede panquecas e ovos. A garçonete se distancia e Oliver apoia os antebraços na mesa, aproximando-se. – O que você quer, Lola? Que jeito de começar, seu australiano! – O que eu quero? – murmuro, puxando meu café mais para perto. Quero saber melhor que rumo minha vida está tomando. Quero desenhar cada história que brota no meu cérebro agora. Quero possuir Oliver e jamais perdê-lo. – Não sei. Coloco três torrões de açúcar na minha xícara. Ele expira, lança um ruído cético e assente. – Você não sabe… Ergo o olhar na direção do barulho dele coçando o queixo, a barba por fazer roçando contra as unhas curtas da mão. E tudo bem. Quero beijá-lo até aquela barba por fazer deixar meus lábios em carne viva. Quero que ele me foda sem parar até o próximo fim de semana. Quero sentir seu pau pressionado contra o meu corpo, me acordando no meio da noite. – Bem, Lola Love, me avise quando descobrir. – A ponta da língua percorre seus lábios, lubrificando-os, e ele me vê assistindo àquela cena. Oliver sabe. É simples assim? – Isso é tudo? – Isso é tudo. Percebo que ele invadiu o meu lado da quadra e colocou cuidadosamente a bola bem no centro. – Você é um bobalhão! – repito bem baixinho, lutando contra meu sorriso. Eu o adoro, e como o adoro! É uma emoção fortíssima, florescente, que faz minhas bochechas se aquecerem e minha barriga se afundar de prazer. Não sei como vou fazer quando soltar a corda e flutuar.


O painel mostra uma garota segurando um meteorito iluminado em suas mãos. Oliver leva a xícara de café até a boca. Sorrindo.

Caio no sono no carro em algum lugar perto de Long Beach e Oliver cuidadosamente me acorda quando estaciona na frente da loja. – Obrigada pela carona – digo enquanto ele tira minha mochila do porta-malas. Ele a coloca no meio-fio e enfia uma mão na calça jeans, puxando-a para baixo. Hoje sua cueca é vermelha. A barriga, tanquinho. O quadril, definido. – Obrigada por ter me acompanhado – agradeço, piscando em uma tentativa nada sutil de tentar parar de ver o caminho da felicidade. – Eu não teria me divertido tanto sozinha. – Quando precisar, é só dizer – ele afirma, acrescentando com uma voz bem nerd: – Acho você maravilhosa, Lorelei. Lanço um sorriso em sua direção. – Também acho você maravilhoso, Oliver. Ele me surpreende, segura meu rosto e se inclina para pressionar seus lábios contra minha bochecha. Estão próximos demais da minha boca para ser um gesto inocente, mas não chegam a tocar meus lábios. Tecnicamente, não conta como um beijo. Ou conta? Meu pulso explode no pescoço e preciso segurar a respiração para não soltar um gemido. Ele se mantém ali pelo tempo necessário para inspirar discretamente antes de se distanciar. – Então… – digo. – Talvez possamos sair mais tarde? – Vocês dois estavam se beijando? Como que por instinto, praticamente saltamos para longe um do outro e nos viramos para encontrar Grosseirão nos encarando. Seus cabelos estão uma bagunça completa, tão espetados a ponto de parecerem mais um cacto do que um moicano, e sua camisa está de trás para a frente. – Não – respondo. – Estávamos apenas… Está bem, talvez estivéssemos prestes a nos beijar. Grosseirão, seu filho de uma puta. – Puta que pariu! – ele exclama, meio gritando, meio gemendo. – Se vocês não estão dando uns amassos, saiam da frente para eu poder entrar. Preciso me deitar. É segunda-feira, o único dia da semana no qual a loja não abre, então Oliver destranca a porta e nós dois vemos Grosseirão tropeçando até chegar ao cantinho reservado para leitura. – Preciso começar a usar um sistema de nomes de furacões para minhas ressacas – ele resmunga, esticando o corpo no sofá. – Vou chamar essa de Abby. E ela é uma puta bem sacana. Oliver observa Grosseirão com um alto grau de atenção. Eu diria que as chances de Grosseirão vomitar no sofá são de oito para uma. – O que você está fazendo aqui? – pergunto para ele. – Por que não está em casa? – Acho que alguém precisa da carteira. – Oliver a segura atrás do balcão e a joga contra o peito de Grosseirão. – Aí vai, cara. – Alto demais. Claro demais – resmunga Grosseirão. – É assim que deve se sentir quem é autista. Oliver late uma risada horrorizada antes de dizer: – Joe, seu filho de uma puta, você não pode sair falando esse tipo de coisa. – E você não pode dizer que estou errado. Negando exasperadamente com a cabeça, Oliver vai outra vez atrás do balcão para colocar uma música. A canção do Journey se espalha pela loja e Oliver toca sua guitarra imaginária.


– É isso aí! – exclamo, tocando bateria imaginária no balcão. – Que porra é essa, cara? – Grosseirão rola para o lado, colocando o rosto contra a almofada. Oliver anda pelo canto da leitura e berra bem no ouvido de Grosseirão: – É a hora do rock! Grosseirão encolhe o corpo e explode em risos. – Esse disco é o Revelation? – pergunto a Oliver. Ele confirma com a cabeça, colocando a língua para fora enquanto faz o solo em sua guitarra imaginária. – Alguma vez você já pensou a respeito disso? – pergunto. Oliver volta atrás do balcão e diminui um pouco o volume. – Pensou em quê? Quando olho para ele – o sorriso enorme, os dedos deslizando ridiculamente pelo ar em sua guitarra imaginária, os lábios curvados como os de um astro do rock – percebo que os óculos amenizam o look, o fazem parecer mais normal, acrescentam gelo ao copo. Sem eles, ele é todo ossos e cor: olhos azuis brilhantes, lábios cálidos, barba castanha. – Steve Perry versus Arnel Pineda. – Quando ele parece confuso, explico: – Sabe o cara no YouTube que conquistou muitos seguidores por fazer covers das músicas do Journey… E depois se tornou o cantor da banda? Oliver sacode a cabeça com entusiasmo, acompanhando a música. – Ah, bem… Acho que ouvi falar disso. – Quero dizer… Você preferiria ver a banda real ou a melhor banda cover? – Espere aí… Pensei que Arnel Pineda fosse parte do Journey verdadeiro. Em tom de brincadeira, faço uma expressão exasperada. – Você sabe do que estou falando. Ele dá de ombros. – Acho que depende do que estamos falando. – Dylan? No sofá, Grosseirão murmura um breve “hum?” e abre um olho. Olha para nós por um instante, pisca lentamente os olhos, resultando no silêncio mais desconfortável compartilhado por três pessoas na história moderna. Por fim, ele vira a cabeça para esconder o rosto e se entrega novamente à sua ressaca. – Ah, qual é?! – exclama Oliver, balançando a cabeça e voltando ao nosso debate. – Bob Dylan é uma lenda. E, além disso, todo mundo é uma banda de tributo a Dylan. – Está bem, então – concordo. – E quanto ao Heart? Você tem a opção de algumas jovens interpretando “Barracuda” ou então as irmãs Wilson com seus sessenta e poucos anos… Oliver parece horrorizado. – Você é uma péssima feminista. Dando risada, rebato: – Não é uma questão de feminismo. É só uma suposição. Imagine um reality show no qual eles fazem a banda de verdade competir com a banda-tributo. Quanto você odiaria ver essa banda incrível, com quarenta anos de estrada, competir com uma banda-tributo? Ele se aproxima, bagunça meus cabelos. – É por isso que eu jamais poderia deixá-la. Fico congelada, a respiração presa na garganta enquanto a parte alerta do meu cérebro volta a se tornar atenta.


Minha reação deve estar estampada em meu rosto, pois Oliver imediatamente sabe o que fez. – Porra, Lola! – Ele passa o braço sobre meus ombros, puxando meu rosto contra seu pescoço. – Eu só quis dizer que você estava sendo muito doce. É claro que eu jamais a deixaria. – Será que vocês dois poderiam dar uma trepada e acabar logo com isso? – resmunga Grosseirão no sofá. – Jesus Cristo! Alguém precisa batizar o estoque! Oliver e eu nos distanciamos, mas dessa vez é diferente. Nossas mãos se separam mais lentamente: primeiro as palmas, depois os dedos, depois as pontas dos dedos. – Preciso fazer alguns telefonemas – digo. – Você tem planos para mais tarde? Ele encolhe os ombros, olha para a minha boca. – Ainda não sei. Dou alguns passos para trás, na direção da porta, vendo seu sorriso se abrir lentamente. E me dou conta de alguma coisa. Inclino o corpo e pego a tal bola no meio da quadra. – Está bem. Daqui a pouco eu falo com você para descobrir.


Capítulo 8

Oliver Descobri que Lola raramente age por impulso. Com a exceção de nosso casamento em Vegas, ela costuma tirar seu tempo – seja esse tempo alguns segundos ou longos dias – para avaliar todos os ângulos de uma situação. Nunca conheci alguém tão cautelosa. Da primeira vez que percebi isso, estávamos ambos na praia em uma noite perfeita de agosto. Seu livro tinha sido lançado naquele dia e já chegava ao topo da lista de vendas de obras do gênero. Bêbado, eu corri até a água e tirei os sapatos antes de mergulhar totalmente vestido nas ondas. Lola estava mais embriagada do que eu, mas, mesmo assim, deu passos lentos até a beirada da água espumosa e hesitou, andando na ponta dos pés, antes de abaixar as nádegas na areia. – Não tenho roupas para me trocar – ela declarou com uma voz arrastada. Tinha caído de costas, com os braços abertos na areia. – Eu vou ficar molhada. E cheia de areia. – Você já está cheia de areia – apontei, afastando os cabelos da minha testa. – Mas não estou molhada. E não tenho roupas na sua casa. Eu queria comemorar com cerveja e declarações e uma foda deliciosa. Queria dizer: “Que se foda, Lola, você pode usar as minhas roupas. Ou pode simplesmente não usar roupa nenhuma”. Mas não disse nada. E não disse nada porque eu já sabia que não devia forçar as coisas. Lola não queria nadar, não queria ir para casa com roupas encharcadas que parecessem pesar cinquenta quilos. Esse é um traço que facilita as coisas na hora que preciso deixá-la sair da loja, depois que ela me perguntou com tanta intensidade o que eu faria esta noite. Preciso ir atrás do balcão para deixar meu corpo se acalmar. E isso me ajuda a entender por que todas as interações com ela ao longo da última semana trazem essa impressão de dar dois passos para a frente, um passo para trás. Mas, quando ela me envia uma mensagem de texto, apenas quinze minutos depois, perguntando se pode ir em casa mais tarde… Sinto, nas pancadas do meu coração, que Lola chegou a uma decisão. Só me resta esperar que seja a decisão que eu quero. Envio uma mensagem de texto bem simples: É claro.


Apenas três horas depois, a campainha toca enquanto Ansel pega as chaves. – Esperando companhia? – ele pergunta, olhando na direção da porta antes de se virar de volta para mim. Ele decidiu passar em casa para pegar meu aspirador de pó emprestado para usar em sua nova casa e ficou por mais ou menos uma hora, falando sobre seu novo espaço, sobre querer engravidar Mia, sobre todo tipo de sonho utópico típico de Ansel. A silhueta de Lola é claramente visível pela janela e é justamente por isso que quero fazê-lo dar o fora daqui antes que ela apareça de vez. – Só vou jantar com a Lola – conto a ele. – “Só vou jantar com a Lola” – ele repete de maneira afetada, com a boca retorcida. – Vá para a sua casa, Ansel. – Eu já vou – ele diz, rindo enquanto atravessa o corredor. Abro a porta e meu coração salta quando a vejo ali, parada, vestida como se tivesse vindo para alguma espécie de entrevista ou evento da mídia. – Oliver está mal-humorado esta noite – Ansel diz a Lola. – Ah, é? – ela questiona. – Eu ia sugerir que jogássemos pôquer, mas agora não sei se esse maníaco competitivo saberia lidar com a situação. – Deixe esse cara bêbado e tome toda a grana dele. É o mínimo que ele merece. Ela vira o sorriso na minha direção, claramente gostando daquela ideia. – Eu estava mesmo planejando isso. Ofereço um leve sorriso: – Boa sorte. – Por mais que eu queira ficar e assistir ao que tenho certeza de que será um banho de sangue, vou levar Mia para jantar. Até mais, amigos – despede-se Ansel, inclinando-se para beijá-la rapidamente na bochecha. Tenho quase certeza de ter ouvido as palavras “acabe com ele” antes de nosso amigo passar pela varanda da frente. E então ficamos só nós dois. Outra vez. Lola entra em casa depois de mim e há algo novo na forma como ela se movimenta. Algo mais feminino, mais consciente. – Tudo bem? – pergunto. Já perto da cozinha, ela se vira e olha para mim. – Tudo bem. – E desliza seus pesados cabelos atrás da orelha. Eles imediatamente caem outra vez para a frente. Lola sorri outra vez para mim, parecendo ainda mais jovem do que de fato é. – Foi boa a visita de Ansel? Ofereço um sorriso confuso. – Sim, foi uma boa visita. Lola mantém o sorriso no rosto, o olhar grudado em mim. – Fico contente por vocês terem se visto hoje. – O que está acontecendo com você? Está tão ruim em jogar conversa fora quanto minha tia Rita, de Brisbane. Rindo, ela se vira para a cozinha e eu ouço a geladeira abrir, as garrafas tocarem umas nas outras e a porta fechando outra vez. – Talvez eu esteja nervosa – ela grita. Meu pulso bate violentamente no pescoço.


– Nervosa com o quê? Ouço mais barulhos vindos da cozinha, mais vidros e o som do líquido sendo derramado antes de ela retornar. Em alguns passos longos, mexendo o quadril, Lola me entrega uma cerveja e um shot de tequila antes de me olhar no rosto. – Temos muito a conversar esta noite – ela declara. Engulo em seco, querendo me derreter dentro dela. Com um sorriso reflexivo, com ela tão perto, digo: – Temos, é? Ela assente, usando o dedinho livre para afastar uma mecha de cabelos presa a seus lábios. – Você me disse muitas coisas interessantes em Los Angeles. – Certamente nada que você não suspeitasse – respondo em voz baixa. – Talvez nada que eu não suspeitasse – ela diz, imitando o volume baixo de minhas palavras e olhando a minha boca por um instante antes de piscar e olhar outra vez nos meus olhos. – Mas algumas coisas que eu queria ouvir há muito tempo. Abro a boca para responder, mas ela interrompe, agora sendo mais direta: – Regra número um desta noite: nada de a gente se pegar. Lola então toma seu shot e estremece antes de prosseguir com um gole de cerveja. Eu me afogo em meu shot, tossindo. – Perdão, como? – Você me ouviu direito – ela rebate. Tomo um longo gole da minha cerveja. Quando engulo, fecho uma carranca. – Ninguém vai se pegar quando? – Quando estivermos bêbados – ela explica. – Eu quero conversar. Meu peito parece pesado demais para tudo que há dentro dele. Pulmões, coração… As emoções se expandindo em meu interior não deixam espaço suficiente para respirar. É isso? Vai acontecer agora? Estendo a mão na direção de uma mecha de seus cabelos e pergunto: – Existe uma regra número dois para o caso de a regra número um falhar? Seu sorriso é um trabalho de magia ganhando força lentamente. – Não seja engraçadinho. Retribuindo o sorriso, sussurro: – Vou tentar. Cada gota de sangue dentro de mim se revolta. Porra, finalmente. – O que está acontecendo aqui, Lola Love? Ela encolhe os ombros inocentemente: – Vamos jogar pôquer. – Eu vou limpar o chão com você – aviso antes de levar a garrafa aos lábios e beber mais um gole de cerveja. Ela me observa enquanto engulo. – Você pode limpar o chão totalmente vestido enquanto eu assisto. – Arqueio uma sobrancelha para ela. Lola então acrescenta: – Vamos jogar strip poker. Rindo, surpreso, digo: – Realmente temos muito a discutir esta noite se formos jogar strip poker e não pudermos dar uns amassos. Lola dá meia-volta e pega um jogo de cartas na gaveta da cozinha. Então acena para que eu a


acompanhe até a mesa da sala de jantar. Tudo isso parece tão… repentino. Mas, ao mesmo tempo, parece que esperei toda uma eternidade. Quero que a barreira da amizade se dissolva. Quero o próximo passo, e o próximo. Essa mulher entrou em minha casa como uma escavadeira e, embora eu nunca a tenha visto assim, de forma alguma tentaria diminuir seu ritmo. Lola decidida é uma visão e tanto. Ela bate no tampo da mesa para me afastar de meus pensamentos. Pisco os olhos, levando minha cerveja à mesa. Estou sentado à sua frente, nossos olhos estão entrelaçados e nenhum de nós quebra a tensão desviando o olhar. Dançamos de um lado para o outro por algum tempo e juro que minha pele está em chamas, meu cérebro vibra enquanto me pergunto o que acontecerá esta noite. – Faça sua aposta – ela sussurra, levando as mãos atrás dos cabelos para tirar os brincos. Joga-os no centro da mesa e me olha com expectativa. Olho para o que estou usando. Um relógio. Calça jeans, camisa, cinto, óculos. Não estou sequer usando sapatos ou meias. – Isso está me parecendo um tanto desigual. – Que sorte a minha. Mal sabe ela que eu me considero o sortudo aqui. De ter conquistado sua confiança. De ter conquistado seu afeto. De testemunhá-la com essa atitude de quem assume o controle. Sorrio para ela, querendo apenas dizer agora mesmo: “Eu te amo”. Em vez disso, tiro o relógio e o coloco na mesa enquanto ela começa a distribuir cinco cartas para cada um. Olhamos nossas cartas e as organizamos na ordem que preferimos. E, puta que pariu, eu tenho dois pares: dois valetes, dois três e um sete. – Sua verdadeira poker face é muito ruim! – ela diz, gargalhando. – Essa é a maior surpresa da minha vida! – Posso fazê-la ficar nua com apenas uma mão – digo, acenando com minhas cartas para ela e sentindo tudo dentro de mim se apertar quando ela entende o significado duplo. – Vou abrir. Levo a mão ao cinto, puxando-o lentamente e o enrolando antes de soltá-lo no centro da mesa. Então, pergunto: – Aposta ou desiste, Castle? – Você tem ideia de se continuaríamos casados se eu fosse Lorelei Lore? Balanço a cabeça. – Pensei nisso uma ou duas vezes, embora sempre imaginei que você fosse manter seu nome. – Sou tradicional de formas estranhas – ela diz, abaixando as cartas com o naipe escondido. Quando acho que vai desistir, ela leva a mão à bainha do suéter e o puxa por sobre a cabeça. Lola não está usando nada além do sutiã. – Aumenta ou paga? – ela pergunta e percebo que estou encarando. Olhando para minhas cartas, sei que eu poderia tirar a maior parte das roupas de Lola agorinha mesmo, mas preciso saborear o máximo possível este momento. – Pago. Abaixo o sete com o naipe para baixo e ela me passa uma carta nova. Dou uma olhada: o três de coração. Agora tenho uma full house. Ela dá a si mesma três novas cartas – o máximo – e fecha uma carranca. – Putz! – Sua poker face também é terrível.


Lola olha para mim e diz: – Pode aumentar, se quiser. Já tirei a camisa, que está no meio da mesa. – Pode desistir, se você quiser. Ela tira o sutiã, colocando-o sobre a minha camisa. Gaguejo algumas palavras antes de estender a mão trêmula para pegar a cerveja. Mal consigo processar a imagem de seus seios nus. São tão cheios, tão firmes. Minha boca chega a salivar. Apoio os lábios contra a garrafa de cerveja, mas não consigo incliná-la para tomar um bom gole. – Você está olhando – ela sussurra. – Não posso evitar. Você acabou de tirar o sutiã. – Vamos ver as suas cartas. Que cartas? Pisco os olhos com força, apertando-os, e então olho outra vez para minha mão antes de colocá-la sobre a mesa. Lola resmunga, me mostra um par de quatros e um trio de valete, ás e seis fora de ordem. Soltando a cabeça sobre os braços, ela treme de rir, erguendo o olhar somente quando me ouve puxar a pilha de roupas para perto de mim. Coloco a camisa, o cinto e o relógio de volta. Coloco seu sutiã em minha cabeça, o suéter sobre meus ombros e deixo os brincos perto da cerveja sobre a mesa. Quando ela se ajeita, seus longos cabelos escuros deslizam sobre o ombro, cobrindo os seios. É o contraste do negro contra a pele leitosa, a forma como as pontas dos fios cobrem seus mamilos… Agora sei por que essa imagem da mulher já foi retratada milhões e milhões de vezes. A voz de Lola corta o meu transe. – Olhando outra vez. – Ainda sem sutiã. – Eu menti – ela declara, esfregando o dedo distraidamente no lábio inferior. A forma como pronuncia as palavras me diz que é uma brincadeira. – Quando? – Quando fingi que não queria beijar. Sinto minhas sobrancelhas se apertarem. – E a regra de que a gente não iria se pegar? – Sim, nisso também. – Ela desliza o olhar para onde seu dedo traça círculos sobre o tampo da mesa. – E toda vez que te vi. Minhas artérias não podem se dilatar com a velocidade necessária para acomodar todo o sangue que corre por meu corpo. Sinto a vertigem. – Venha cá. Ela nega com a cabeça, empurrando o jogo de cartas para mim antes de se levantar para buscar mais cerveja para nós dois. – Sua vez. Depois de mais uma rodada recheada de insinuações e tensão, Lola perde. Mas dessa vez é suficientemente esperta a ponto de apostar apenas os sapatos antes de desistir. Na próxima jogada ela ganha de volta os brincos e meu relógio, mas, depois disso, perde tudo isso e também suas meias. – Você só tem mais dois itens, se meus cálculos estiverem corretos – digo enquanto ela embaralha. – A calça e o que há debaixo dela. Lola dá risada. – Não me importo com a calça jeans, mas não posso perder minha roupa íntima.


– Então você não tem para onde fugir. É minha vez de abrir a jogada. Ela pensa no que fazer, os olhos aquecidos com os efeitos de duas cervejas consumidas de forma relativamente rápida. – Envie uma mensagem de texto para Harlow. Peça para ela nos dizer quais são as consequências de perder. Mas não conte quem está perdendo. Concordo com a cabeça, pego meu celular e envio a mensagem a Harlow. Precisamos saber as consequências de perder no pôquer. Um de nós está sem as roupas. Nem trinta segundos se passam antes de Harlow responder: Dance no colo dela, cara. Rindo, digo a Lola: – Ela acha que a punição é minha, e não sua. – O que foi que ela disse? – Conto assim que você perder.

Lola desliza a mão solta para o meio da mesa, olhando aterrorizada em meus olhos. – Espere. Preciso de outra cerveja antes de ouvir isso. Ah, meu Deus. – Você também vai precisar de música. Seus olhos se arregalam antes de ela pegar outra cerveja no centro da mesa, tomar um gole e, em seguida, agarrar meu celular. Lola sabe a senha e a digita sem pensar. Fica boquiaberta quando lê a mensagem de Harlow. – Eu não vou fazer isso. – Então me dê a sua calcinha. – Porra, não! Dou risada enquanto me levanto e vou até o aparelho de som. – Você quer rock and roll ou algo mais apropriado para um clube de strip? Ela resmunga: – Oliver, eu nunca na vida fiz lap dance. – Então vou escolher música de clube de strip – murmuro, pressionando “play”. Enquanto retorno, quase tropeço com a imagem de Lola em pé perto da mesa de jantar. Eu não a conseguia ver da cintura para baixo enquanto estávamos sentados, mas Santo Deus! Lola não está usando nada além da calcinha. Seda preta. Minúscula. Seu corpo é tão suave; sinto o desejo de afundar meus dentes na tez deliciosa da parte superior de sua coxa. Minha pele está em chamas. Posso sentir o pulso em minha garganta enquanto me abaixo e me sento em uma cadeira. Ela bate no meu braço e prendo minhas mãos trêmulas debaixo das pernas. – Você até conhece o protocolo. – Você também, ao que parece. Lola se aproxima, olha para mim.


– Por que não foi você que perdeu? Seus joelhos tocam os meus e sinto a pressão reverberar por cada centímetro da minha perna. – Não chegaria nem perto de ser tão bom, não é mesmo? – É estranho me ver sem sutiã? – ela pergunta, deslizando uma perna do lado da minha e se aproximando, montando e roçando em mim. É difícil respirar, difícil pensar. Deslizo o olhar para cima e para baixo, analisando todo o seu corpo. Sua cintura é fina; o quadril tem curvas perfeitas. Lola tem uma tatuagem na lateral do corpo, algo que não consigo ler sob a luz fraca. Mas vou ler depois. Neste exato momento, estou a uma respiração de enfiar a cara em seus seios deliciosos. – É uma puta alegria, é isso que é. A música se espalha pelo cômodo, lentamente assumindo o controle da minha pulsação até parecer fazer a mesma coisa com Lola. Seu quadril se move de forma provocadora para a frente. E para trás. Suas mãos se apoiam em meus ombros, ancorando-se ali. – Lola – eu sussurro. – Apenas faça o que você se sente à vontade fazendo. Ela se inclina para a frente, me olha tão atentamente nos olhos como se procurasse um cílio fora de lugar, como se quisesse roubar um desejo. Seu olhar vaga um pouquinho, mas eu gosto dessa Lola embriagada. Ela sai de sua zona de conforto e vê o mundo à sua volta. Neste exato momento, quero ser todo esse mundo. Quero ser tudo o que ela vê. – O que está escrito na sua tatuagem? – pergunto. Ela lambe os lábios e estuda minha boca enquanto responde: – “É melhor acender uma vela do que praguejar contra a escuridão.” Procuro em meus pensamentos para saber de onde vem a frase, mas, com seu corpo nu sobre o meu, o cheiro de seu xampu, daquela pele deliciosa e diante do menor sinal de sua luxúria… Não consigo pensar. – De onde é? – A deusa da sabedoria, a mulher que fez gerações de mulheres criarem coragem: Eleanor Roosevelt. Lola apoia a mão nas costas da cadeira e inclina a cabeça enquanto se move. O calor do seu corpo contra o meu faz as palavras saírem carregadas: – Quantos anos você tinha quando fez essa tatuagem? – Dezessete. Seus cabelos caem sobre o ombro, encostando em meu braço nu. Quando seus olhos se prendem aos meus, meu peito se aperta e percebo como sua maquiagem é leve, fazendo-a parecer ligeiramente desarrumada, como se eu já tivesse trepado com ela. Esse simples pensamento me leva ao desespero, faz brotar em mim uma fome avassaladora. – Assim é estranho? – ela sussurra. Minhas palavras são impulsionadas por um arfar incrédulo: – Porra, não! Ela repuxa as sobrancelhas: – Você está me dizendo que está acostumado a ter amigas semi-nuas dançando no seu colo? – Acho que, para estar “seminua”, você precisaria estar usando uma peça a mais de roupa – provoco. – E talvez seja um pouco mais do que minha “amiga”. Ela olha para mim, afundando o dente no lábio inferior. Então continuo: – Não é esquisito porque é você, Lola Love. E você está linda assim, seminua.


Um longo silêncio se instala, durante o qual ela continua me olhando. Atenta, olhos fixos aos meus. Mas não é algo estático. Há uma enorme transição em sua expressão, de brincalhona a sincera, e observar cada passo parece fazer surgir uma vibração, uma necessidade intensa entre as minhas costelas. – Você está ereto? Ela desce o quadril e o desliza sobre mim. Apenas uma vez. Ah, puta que pariu! Fico sem ar quando meu coração salta à garganta. Ela sabe que estou ereto; minha vara está rígida e pressionada contra seu corpo gostoso. – Você está molhada? – pergunto. Sei que está. Quando Lola vem outra vez para a frente, posso sentir como desliza facilmente sobre mim. Ela ri e sua atenção vai dos meus olhos de volta para meus lábios. Lola está tão próxima. Não é um deslizar acidental do olhar; é um desvio intencional, que parece demorar para sempre enquanto ela olha meu nariz, minhas maçãs do rosto, meus lábios, e para ali. Se olhasse mais para baixo, certamente enxergaria minha pulsação congelada na garganta. – Está pensando em me beijar? – ela pergunta. Olho outra vez para sua boca. Lambo os lábios. – Está pensando em ser beijada? – Você vai responder alguma das minhas perguntas? – Sim, mas só essa. Ela dá minha risada favorita; sinto o golpe discreto de ar saindo de sua boca. O som que ela provavelmente nem sabe que emite. E então Lola inclina o corpo, o tempo para e, depois de um breve momento de hesitação, durante o qual ela deixa de respirar, encosta seus lábios aos meus. Aquecidos, suaves e apenas ligeiramente úmidos. É o mais doce primeiro beijo que já recebi. Lola me deu alguns selinhos introdutórios antes de finalmente separar os lábios e capturar cuidadosamente meu lábio inferior entre os seus. Quando ela suga, morde suavemente e emite um leve gemido, eu me sinto acabado. Quando a ponta de sua língua raspa contra a minha, meu coração parece querer explodir para fora do peito. Estou totalmente, fodidamente arruinado. Quase não consigo manter as mãos sobre as coxas na cadeira quando ela se distancia e lambe os lábios. – Eu te beijei – sussurra. Minha voz sai trêmula: – Pensei que você não estivesse autorizada a fazer isso. Encolhendo o ombro só um pouquinho, Lola cochicha: – Acho que vou fazer outra vez. Minha pulsação bate tão rápido que quase não consigo dizer: – Tudo bem. Quando ela volta, solto um gemido, libertando minhas mãos. Estou tão desesperado por saborear Lola que me alongo para a frente, encontrando-a no meio do caminho, envolvendo seu rosto com minhas mãos. É algo explosivo: a sensação de sua pele tocando aqui. Sinto o beijo em cada partezinha vazia dentro de mim, preenchendo-me com sua doçura e luxúria e entusiasmo. Quero devorar Lola, mas essa primeira série de beijos é extraordinariamente suave. Sem propósito. Tudo o


que há de selvagem e tenso é dentro de nós, no apertar dos meus músculos sob seu traseiro e nas minhas mãos segurando seu rosto. Em suas mãos abertas está a blusa passando sobre meus ombros; suas pernas tremem sobre mim. Parece sexo, a forma como ela me beija, a forma como sua língua desliza contra a minha, mas é mais lento e infinitamente mais inocente. – Não acredito no que você está fazendo – murmuro contra sua boca. – Faz tanto tempo que desejo isso. As palavras a deixam tensa, fazem-na afastar-se, piscar lentamente os olhos. – Isso vai estragar tudo? Afasto minhas mãos de seu rosto e as descanso, com todo o cuidado, na lateral externa de suas coxas. – Isso pode tornar tudo muito melhor. Podemos fazer o que você quiser. – Eu me aproximo para beijá-la outra vez, repetindo: – O que você quiser. Podemos assistir a um filme e relaxar. Podemos ficar aqui, trocando beijos. Podemos voltar a jogar baralho. O relógio no corredor deve ter tiquetaqueado pelo menos cem vezes antes de Lola falar: – Não quero ficar aqui jogando baralho. Meus pulmões evaporam. – Tudo bem – concordo. – Nem assistir a um filme. Concordo com a cabeça, afogando-me em minha própria respiração. – O que você quiser, querida. – E não quero apenas beijar. Ela se levanta, puxando-me consigo. Estamos tão próximos que, quando exalo, minha respiração toca seus cabelos. E ela me observa com os olhos arregalados. Suas mãos tocam a parte interna dos meus braços, seus dedos se entrelaçam aos meus. E então ela dá meia-volta e me puxa pelo corredor.


Capítulo 9

Lola Só estive no quarto de Oliver em uma outra ocasião – quando ele estava consertando alguma coisa na garagem e precisava que eu pegasse seu celular sobre a cômoda –, mas não dediquei tempo a olhar em volta e absorver como ele organiza seu espaço. Naquela ocasião, estar em seu santuário me pareceu algo pessoal demais; apenas encontrei o telefone e me apressei para fora do cômodo. Além disso, naquela época eu não tinha me permitido perceber a enormidade dos meus sentimentos. Éramos “apenas amigos”. Estar no quarto de Oliver não era algo intenso porque ele ficava nu ou dormia aqui. Havia uma certa percepção de que Lola + Oliver não funcionariam. Mas agora – depois daquele beijo perfeito, depois de senti-lo ereto sob meu corpo e saber o que estamos prestes a fazer no quarto dele –, meu coração bate como um tambor em meus ouvidos. Está mesmo acontecendo. Eu não estou sonhando. A mão de Oliver envolve a minha, a memória de sua boca faz meus lábios formigarem, sua cama está a poucos centímetros de onde nos encontramos. Fica do outro lado do quarto, perto da janela com vista para o oceano, o qual fica a alguns poucos quarteirões daqui. A janela está aberta e sinto o cheiro da água salgada do oceano misturando-se ao aroma de pinho de seu sabão de roupas. Eu o guio para dentro do quarto e, com uma mão trêmula, puxo as cobertas antes de me deitar cuidadosamente. O lençol está limpo, o algodão parece frio contra minhas costas, tornando minha pele eletricamente carregada. Oliver me vê virar e se deita, espera um instante antes de se mover, lentamente se ajeitando sobre mim e entre as minhas pernas. Ostenta uma expressão muito maravilhada quando olha para mim, o que me faz sentir muito poderosa. Ele quer fazer isso tanto quanto eu quero. Eu sabia, afinal, ele havia me contado. Ainda assim, até esta noite, eu simplesmente não conseguia acreditar. O frio dos lençóis desaparece e, em poucos segundos, estou aquecida demais – de uma forma excitada, frenética; as gotas de suor brotam em meu pescoço e descem por meu peito. Meus mamilos estão inchados e sensíveis; o calor da pele de Oliver, quando me encosto a ele, me deixa ofegante. – Lola. Meu nome é um sussurro urgente nos lábios dele. Estendo a mão e tiro os óculos de seu rosto. Ele


os pega da minha mão e os coloca sobre o criado-mudo com tanto cuidado a ponto de eu me perguntar se Oliver é tão cuidadoso em cada movimento que faz. – Oi? – respondo quando ele se vira de volta para mim. Enquanto meus olhos se ajustam à escuridão do quarto, deixo meus dedos deslizarem por seu rosto, pela linha que desenha seu forte maxilar, por seus ângulos e declives. Sua pele é suave nas maçãs do rosto, áspera no queixo. Coloco-me sobre ele, encosto meu peito nu ao dele. Oliver deixa escapar um gemido estremecido, deslizando a mão pela lateral do meu corpo, por minha coxa, até o joelho, onde puxa minha perna e a ajeita sobre seu quadril. Sob a calça jeans, seu pau está rígido contra mim e sinto a forma daquele membro conforme nos apertamos e nos soltamos, juntos e separados, balançando. – Tem certeza? – ele sussurra. – Tenho certeza. O painel os mostra propensos, entrelaçados, em chamas. Minha respiração é formada por fortes golpes de ar sugados por necessidade e expelidos pelo animal selvagem em meu peito. Estou completamente nua, com a exceção do algodão da minha calcinha, e me delicio com o toque do jeans contra a pele suave das minhas coxas, mas quero sentir ele. O calor, a pele, as cócegas produzidas por causa dos pelos. Enquanto sua boca brinca deslizando por meu pescoço, por minha clavícula, por sobre meus peitos inchados, deslizo os dedos entre nossos corpos, desabotoo sua calça jeans e desço o máximo que consigo em seu quadril. Sinto o rugir em seu peito antes mesmo de ouvi-lo. Oliver soca o quadril para a frente, fazendo-me gemer fortemente quando sinto a pressão dele – que agora usa apenas cueca – diretamente contra meu clitóris. Oliver se inclina para deslizar a boca por meu pescoço, deixando para trás um rastro quente de dentes e lábios. – Caralho, Lola… Ele se interrompe quando sua boca encontra a minha já aberta, já à espera, e, assim que o saboreio, sei que estamos pulando a felação lenta. Seus lábios são suaves e fortes, deslizam pelos meus com uma urgência que logo nos faz perder o controle – dentes roçando e queixos capturados naquela fome. Impulsionado pela adrenalina, o desejo me açoita como um chicote. Agarro a nuca de Oliver e o estimulo a me beijar mais intensamente, a me tocar. O gemido que solto quando seu polegar me toca o mamilo é quase de dor; aquele toque faz cada uma das minhas terminações nervosas se apertar, lançando-me ao fogo. E ele faz outra vez, e outra vez, em círculos pequenos e com pressão. Meu coração bate sob a mão de Oliver enquanto ele inclina o corpo para sugar meus peitos, chupando, bem molhado… mordendo ardidamente… e socando o quadril para a frente e puxando para trás, esfregando-se em meu clitóris até eu me pegar quase arranhando seus ombros, tentando fazer seu peso me empurrar contra o colchão, me fazer abrir minhas pernas, senti-lo socar em mim. Deslizo meus dedos por sua barriga e me sinto ao mesmo tempo frenética e aterrorizada. – Isso, toque em mim – ele implora com sua boca contra a minha. Deslizo minha mão para dentro da cueca e gemo ao sentir o calor. Aperto urgentemente aquele pau contra minha mão. E é exatamente como eu imaginava: pele sedosa envolvendo ferro e fogo. O rosto de Oliver demonstra alívio enquanto faço carícias, deslizando suavemente o prepúcio para cima e para baixo, concentrando-me na cabeça. E ele começa a se movimentar, a socar o pau para a frente e para trás, lábios distraídos e famintos contra os meus. Os últimos oito meses foram as mais lentas, as mais torturantes preliminares, e agora há uma febre


sob minha pele me tornando impaciente, uma febre que me permite soltá-lo apenas por tempo suficiente para abaixar sua cueca até que ele consiga chutá-la junto à calça jeans para fora do corpo. Oliver não consegue ficar parado sob mim; seu queixo com a barba por fazer se esfrega em meus seios sensíveis enquanto ele beija minhas costelas, debaixo do braço, esfregando o dente em meu bíceps enquanto faz um vai e vem em uma punheta deliciosa em minha mão. Ele me apalpa, puxa minha calcinha para fora de uma das pernas, e então seus dedos estão ali, deslizando sobre minha boceta, deslizando para dentro da minha boceta, e é como se eu fosse plugada ao sistema solar – tudo dentro de mim é luz e fogo, e eu me contorço para chegar lá porque já estou perto. Quero saber o que ele sente, como se sente enquanto masturba minha boceta. E eu também estou lá, com um dedo contorcido ao dedo dele. E Oliver ri, e o riso se transforma em um beijo enquanto ele me diz quão bem se sente. Como ele consegue encontrar palavras quando eu estou completamente atônita? Seu polegar se esfrega outra vez contra meu clitóris, e outra vez, e estou muito inchada e desesperada e me empurrando para fora da cama para que ele possa ir mais fundo com aqueles dedos tão enormes. Seu pau roça em nossas mãos e ele movimenta o quadril, tirando nossos dedos do caminho. E então está ali, mais perto, e nossa respiração sincronizada enquanto ele soca e desliza para dentro de mim. – Ah, que delícia, caralho! – ele geme e – Lola. Ah, caralho. Caralho. E tudo se transforma em delírio. Ele está em movimento, não apenas em movimento, mas me fodendo completamente e é Oliver, e ele já está dentro de mim e socando bem fundo antes de puxar o pau para fora e gemer contra o meu pescoço. Oliver afunda os joelhos no colchão e continua em movimento – não existe nada além de som na escuridão à nossa volta: a cabeceira bate na parede, as articulações da cama gemem em protesto. Ele urra ao meu ouvido porque me foder assim, rápido e forte, é uma verdadeira malhação. Seus dedos deslizam por meu queixo, por minha boca, e são seguidos por sua língua saboreando a minha pele. Rimos enquanto nos beijamos porque isso é maravilhoso – é tão maravilhoso. E minhas mãos deslizam por todo o espaço entre nós: seu peito e quadril e barriga e a base da sua vara. No fundo, eu sabia que seria assim, eu realmente sabia. Nos cantos da minha mente, onde me permito imaginar estando tão perto assim de alguém, sempre era perto dele. Sempre a fantasia de seus cabelos negros contra meu pescoço, de seus longos dedos envolvidos por meu quadril, sua boca se curvando em um sorriso quando eu começasse a gozar… – Ah, meu Deus… Minhas palavras são interrompidas pelo prazer. Fumaça corre em minhas veias, quente e leve até eu sentir que estou flutuando, agarrando-o com mãos e unhas, implorando com sílabas ininteligíveis para ele continuar fazendo o que está fazendo, que é tão bom, tão bom, por favor, estou gritando debaixo dele, gritando tão alto que ouço o som bater na parede e ecoar de volta para mim. O prazer preenche cada órgão até eu me pegar inconsciente e derretendo, queimando, dissolvendome em alívio. O ritmo de Oliver é frenético durante meu orgasmo, mas, assim que fico em silêncio, desesperada em busca de ar, ele puxa o pau para fora da minha boceta de modo que eu abruptamente sinta o vazio. – Porra! – ele geme, sentando-se nos calcanhares, com o peito subindo e descendo enquanto passa


a mão em meu rosto. Oliver se inclina para a frente, afundando o queixo contra o peito, enquanto engole lufadas de ar. Pânico e deleite reagem estranhamente em meu corpo e quase não consigo encontrar as palavras para perguntar: – O que foi? Ele envolve minha coxa com a mão. – Estou sem camisinha e quase gozei. Meu coração está acelerado, a pele úmida de suor enquanto me dou conta do que acabou de acontecer. Nós transamos. A gente se deitou na cama dele e, poucos minutos depois, estávamos fodendo desesperadamente. Estendo a mão instintivamente para tocar seus antebraços quando ele desliza suavemente a mão para cima e para baixo por minhas coxas. – Você gozou? – ele pergunta. Não consigo encontrar as palavras, só consigo assentir e gemer: – Sim, e como! Para dizer a verdade, acho que quase desmaiei. Sua mão aquecida passa por meu quadril, por minha barriga, chega ao meu seio, cobrindo-o. – Não consigo acreditar. – Ele engole a saliva, fecha os olhos. – Não acredito que a gente… Agora que meus olhos se ajustaram totalmente à escuridão, consigo enxergar melhor seu corpo. Uma coisa foi vê-lo de cueca sob a forte luz do dia em minha sala, mas aquilo não foi nada em comparação à forma de seu corpo em cima de mim na escuridão, em comparação a vê-lo ajoelhado entre minhas pernas abertas. Observo o tamanho de seu torso, os músculos de seu abdome, a curva acentuada de seu quadril formando o caminho até o peso forte e molhado de seu pau. Seu polegar acaricia meu mamilo, fazendo movimentos fortes e circulares. – Achei que saborearia melhor a primeira vez em que nós… Bem, se chegássemos a fazer isso. Os pensamentos coerentes se desfazem, ouço um zumbido ao fundo. – Neste momento, me sinto louca demais para saborear. – Eu também – ele admite, rindo. – Sem sombra de dúvida. Quero tê-lo de volta onde estava vinte segundos atrás, cobrindo meu corpo com o peso do seu, com seu suor, quero sentir o movimento de seu quadril metendo entre minhas pernas abertas. Enquanto me sento, coloco a mão em sua nuca, beijo sua boca inchada e molhada, antes de perguntar: – Você tem camisinha? – Tenho. Seus dedos deslizam entre minhas pernas, sua boca se movimenta com a minha em beijos profundos, explorando. Quando tento segurar sua mão, ela já está dentro da minha boceta, então aproveito o deslizar molhado entrando e saindo e a forma como ele geme contra minha boca, quase choramingando. Ele segura minha mão com sua mão livre, mas não me guia. Apenas mostra a forma como seus dedos envolvem seu pau delicioso, da mesma forma como os meus o envolveram antes, com golpes longos. Então Oliver começa a se movimentar comigo; os beijos se tornam mais urgentes quando ele se abaixa, quase deslizando outra vez para dentro da minha boceta. – Rápido – sussurro. E ele me cala com seus lábios. – Espere, espere um pouco – diz, afastando suavemente minha mão. – Espere… Isso… Eu quero diminuir o ritmo e sentir cada movimento. – Seus beijos ficam mais rápidos, saboreando a minha


boca. – Não quero gozar tão rápido quanto gozaria se fodêssemos outra vez naquele ritmo. Não sei como fazer sexo lentamente com Oliver agora que descobri como ele consegue ser feroz. Desde agora até a eternidade, quando ele tentar ser suave, não vou aceitar. Não, pensarei, sei como você se sente quando me rasga bem gostoso, feito um animal. Ele leva a mão à mesa de cabeceira, pega uma caixa que, agora percebo com um golpe de satisfação, estava lacrada. Quando puxa uma embalagem de alumínio, ele solta o corpo ao meu lado na cama. Quando tento pegar o pacote, ele segura minha mão antes de cobrir meus lábios com seu sorriso. – Espere – ele diz, me beijando e rindo. – Espere aí. Inclinando o corpo contra o meu, ele me beija, fazendo com que eu me acalme. Então Oliver me deixa aquecida, mostrando o que é saborear. Cada centímetro da sua boca, seus ombros, os músculos fortes e bem marcados de seus braços. Os músculos de suas costas, seu traseiro tomando a forma da minha mão enquanto ele desliza umidamente, me excitando deliciosamente. O caminho suave e escuro de pelos faz pressão contra meu umbigo. Ainda não estamos transando, mas estamos; penetração é apenas um aspecto técnico a essa altura. Em seu olhar, sinto que ele me diz alguma coisa com cada beijo, com cada toque de sua pele contra a minha. Oliver me observa de uma maneira que parece que está vendo mais do que apenas meu rosto olhando para o seu, mais do que apenas meus seios se entregando aos seus movimentos. Ele está me vendo. O calor da situação me deixa selvagem, como se minha pele queimasse e meu sangue fervesse. – Sinto que temos todo o futuro para “saborear” – resmungo em voz baixa. – Eu não… Ele pega a camisinha, coloca-a na palma da minha mão e se ajoelha entre as minhas pernas. – Eu sei. Rasgo o embrulho, tentando me orientar. De repente, percebo que estou nervosa e que minhas mãos estão tateando um pouco, que meus dedos não têm tanta prática com isso. – Já tem um tempo que não faço isso. Oliver sorri, mas não diz nada. Segura a respiração enquanto me vê cobrindo a cabeça de seu pau, ancorando a camisinha com uma mão e a rolando para baixo com a outra. Alguns bons centímetros de seu pau ficam descobertos quando a camisinha termina e sinto aquela pele, me maravilho ali até ele se inclinar para a frente, afundando as mãos no colchão ao lado da minha cabeça. Percebo que ele quer dizer alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, sinto que seria um exagero articular qualquer coisa sem soar piegas agora. Talvez por isso eu também não esteja falando muito. Quando se inclina para perto e me beija suavemente, ele pergunta: – Você me quer assim? Deduzo que ele esteja perguntando se eu o quero outra vez em cima de mim. – Sim. Seu pau parece mais quente do que qualquer outra parte do corpo, como fogo que quase não consegue se conter. Senti-lo na minha mão faz tudo dentro de mim se tornar líquido, deixa meu cérebro confuso. Fecho os olhos, mordisco os lábios enquanto o guio, desligando todos os meus sentidos para processar como ele se sente, toda aquela extensão vindo para a frente e me invadindo. Ele está extremamente duro onde eu estou suave, e aquilo dá um choque em meu corpo, me faz enlouquecer, me leva a questionar em silêncio se eu poderia recebê-lo em todos os lugares, onde mais aquele pau maravilhoso se encaixaria.


Ele expira e diz palavrões em voz baixa, pressionando a mão na pele logo abaixo do meu ouvido. – Caralho – diz. Quando rebolo meu quadril abaixo dele, trazendo seu pau ainda mais para dentro de mim, ele me faz parar com uma mão pesada. – Espere, eu vou… Fico paralisada embaixo dele, exceto por minhas mãos deslizando em suas costas, quando ele se apoia sobre as mãos. É a mais surreal das sensações, essa coisa de estar unida assim a alguém. Não apenas senti-lo rasgando minha boceta e socando gostoso em mim, mas nós dois unidos de verdade. Com uma expiração lenta, ele se afasta ligeiramente e mete outra vez, gemendo e se entregando ao ato enquanto começa a se movimentar. E eu descubro que estava errada: lento e profundo é tão perfeito quanto o foder frenético de Oliver. Fico impressionada com sua aparência, com ele se movimentando sobre mim. Já o vi de todos os ângulos que uma amiga veria: ao meu lado, sentado do outro lado da mesa, no meu carro ou no carro dele, no chão da minha casa enquanto eu o desenhava. Já coloquei minha cabeça em seu colo enquanto olhava para ele e o vi saindo de debaixo do meu carro depois de averiguar um vazamento suspeito. Mas nunca o vi assim. Nu, banhado em suor, com as mãos apoiadas ao lado do meu pescoço enquanto olha a extensão dos nossos corpos, enquanto se observa. Braços flexionados, lábios apertados entre os dentes… Aproveitando a imagem, sentindo enquanto desliza preguiçosamente para a frente e para trás. Fecho os olhos, deixo escapar uma respiração afogada e sinto seu corpo vindo para a frente, entrando bem fundo. – Lola… Caralho, eu… Minha mão encontra seu quadril, guiando-o quando eu o quero mais perto, quando quero toda aquela pele contra a minha, deslizando para dentro e para fora e por toda a minha volta. Uma mão desliza pela lateral de seu corpo, por seu ombro, por seu pescoço, puxando, impulsionando-o, mais para baixo. Oliver se inclina, seus cabelos tocam em minha testa. – Não consigo. Não consigo acreditar. Não consigo parar de olhar para você. Ele está totalmente ereto dentro de mim, parado enquanto recupera o fôlego, e sei que foram as emoções que o deixaram assim. Dessa vez certamente não se trata de sexo selvagem. É tão lento que parece constrangedoramente íntimo. De qualquer forma, eu esperaria mesmo que fosse constrangedor olhá-lo nos olhos enquanto ele está dentro de mim. Oliver parece mais nu sem os óculos. Mas não é estranho, não, nem um pouco. E, em um golpe explosivo de emoção, eu o adoro tanto que chega a ser quase doloroso. Esse é o homem com quem eu passava quase todos os dias, brincando, conversando, debatendo meus triunfos e meus medos. Sem avisar, meu corpo se aperta ao dele, necessitado. Oliver geme antes de finalmente dobrar os cotovelos e cuidadosamente encostar seu peito ao meu. – Você sabe há quanto tempo desejo isso? – ele pergunta. Sorrio contra seu pescoço antes de chupá-lo com suavidade. – Não. Harlow diz que sou tão distraída que chega a doer. Oliver dá risada e, quando eu também rio, ele arfa e puxa o quadril para trás, quase deixando meu corpo antes de deslizar outra vez para dentro. E tão fundo. – Achei que você não tivesse interesse – admito. – Convidei você para dormir comigo aquela noite, você sabe…


Ele fica parado, beija meu ombro. – Quando eu a conheci, não achei que fosse o tipo de mulher por quem me apaixonaria… Por causa daquela situação toda em Vegas. E aí descobri que você era, sim, o tipo de mulher por quem me apaixonaria. Não queria que nossa história começasse em uma coisa cafona em Vegas. Não queria transar com você naquela noite, em um quarto de hotel barato. Essa é a forma mais rápida de arruinar as coisas, apressar-se assim. – Não para os seus amigos. Ele rosna uma risadinha. – É verdade. Beijo, chupo seu pescoço. Seu sabor é tão delicioso, ele é firme e quente e me imagino mordendo essa pele aveludada e forte. – Já faz algum tempo que te amo – ele admite. Simples assim. Meu Deus, Oliver é tão direto que me faz querer ser corajosa. Estou com medo de amar esse homem. Mas não sei como evitar que isso aconteça. – Você não precisa dizer isso – ele acrescenta em um sussurro antes de beijar o canto da minha boca. E percebo que está sendo sincero. – Já faz algum tempo que também tenho sentimentos por você – assumo. Pode parecer uma confissão ridícula, mas, para mim, é algo grandioso. Eu o amo por tantos motivos e não sei se meu coração já está pronto para esse tipo de amor. O mais forte amor. – Você já amou antes? – ele pergunta. Engulo em seco antes de admitir: – Não. Ele geme contra o meu pescoço, chupando, sugando. Quero que se movimente, mas, ao mesmo tempo, não quero. Nunca tive uma conversa assim em um café ou no carro, menos ainda com alguém em cima de mim, com alguém dentro de mim, com alguém se movimentando de uma forma que me faz querer implorar. – Posso fazer você gozar outra vez? – ele murmura, deslizando mais para perto para me beijar. E posso ouvi-lo sorrir em meio às palavras. Sua boca se afasta da minha e desce, beijando meu maxilar. – E depois disso voltamos a conversar? Concordo com a cabeça e ele se mexe sobre mim, para trás e para dentro, beijando meu queixo, minha bochecha e então minha boca, sua mão deslizando por meus cabelos e a outra em meu quadril para me segurar enquanto ele começa a se movimentar com mais força, mais rápido. Vejo esse seu lado que parece sacana e sigiloso: suas mãos firmes, o socar profundo de seu corpo contra o meu, sua boca descaradamente selvagem. Algum dia nos sentaremos com todos os nossos amigos e conversaremos sobre assuntos corriqueiros enquanto, durante todo o tempo, me lembrarei da forma como ele puxa meu quadril, como enfia vorazmente em mim, os dedos deslizando entre nós para me fazer carícias, sua voz rouca, o sotaque carregado com o prazer quando ele me diz para continuar fodendo seu pau, que isso é tão bom que ele poderia me deixar aqui, aberta, durante toda a noite. Oliver fala que minhas coxas são suaves, que estou quente e melada. Rola para o lado, me fodendo com força, mantendo minha perna sobre seu quadril, e geme roucamente a cada socada profunda e forte. Mordendo meu pescoço, ele parece se perguntar como é possível que minha boceta seja ainda melhor se esfregando em seu pau do que em sua boca. Minha pele arde, choque e luxúria se espalham dentro de mim com suas palavras.


Ele esfrega o pau no meu clitóris, e esfrega outra vez, e outra vez, cada vez com mais força, e sei que já se deu conta de que estou tão perto de gozar quando ele puxa aquele pau gostoso para fora para me observar, seus olhos tão próximos aos meus, os dentes pressionados contra meu queixo enquanto ele rosna sons de encorajamento. Fecho os olhos sob o peso da explosão, mas ele morde outra vez meu queixo, gemendo um “Abra” e agarrando minhas nádegas, puxando-me para perto. Só consigo arfar. Meus olhos arregalados e felizes encontram seu olhar calmo e uma tempestade elétrica ganha força dentro de mim, curvando minha coluna e abrindo minhas pernas. Ele geme quando me sente gozar como uma bomba à sua volta. Um milhão de pequenas eternidades se passam enquanto ele mantém os dentes apertados contra meu queixo, meu corpo se tornando líquido embaixo dele. O painel mostra a garota se dissolvendo em um céu totalmente estrelado. – Lola – ele arfa, o quadril perdendo e então ganhando velocidade. E se Oliver conseguisse perder aquele sotaque, eu desmoronaria. Ele geme contra meu pescoço, deslizando a mão por meu corpo, agarrando meus seios com muita força e, ao mesmo tempo, com a quantidade exata de força. E continua gemendo: – Eu vou gozar… Ah, caralho, eu vou gozar! E eu sinto seu corpo estremecer sobre mim, seu pau se enterrando mais fundo. O som que ele emite quando goza – uma aproximação rouca e trêmula do meu nome – é gravado profundamente em meu coração. Posso ouvir o oceano de silêncio que surge em seguida. O barulho distante dos carros, a copa de uma palmeira se esfregando contra a lateral da casa por causa do vento. A respiração de Oliver é quente e rápida contra meu pescoço, ele desliza a mão por meu seio e desce até a cintura, seguindo a curva do meu quadril, minha coxa, meu joelho e voltando, várias e várias vezes, como se me medisse com os golpes longos e seguros de sua mão. – Não preciso que você me ame por enquanto, Lola, mas não posso fazer sexo casual com você – ele sussurra quando meus olhos se abrem e retorno à órbita. – Estou completamente apaixonado por você e se for só casual, bem… Meu coração salta na garganta e se aperta tanto que me faz tossir. – Não, não é. Não é casual. Os olhos de Oliver ficam parados em meus lábios e ele sorri aliviado, me beijando suavemente antes de sair de dentro de mim, puxar as cobertas e tirar a camisinha. Ele pega um lenço de papel e eu o observo o tempo todo. Seus movimentos são tão másculos: o conforto tranquilo com o qual toca o próprio pau, sabendo exatamente o que fazer com a camisinha; a sombra de cabelos negros em seu peito; a linha musculosa de seus ombros enquanto ele se vira e volta para debaixo das cobertas comigo. Sua mão desliza por minha barriga e entre minhas pernas, onde ainda estou quente por conta de toda a fricção que recebi enquanto ele metia em mim. Adoro sua mão possessiva, o comando confiante de seus dedos ao me tocarem. – Está tudo bem com você? – murmura contra meu pescoço. – Está, sim. Mas meu quadril imediatamente se afasta quando ele esfrega o dedo para dentro de mim. E desliza a mão para cima, por todo o meu corpo, e passa os nós dos dedos entre meus seios. – Quando foi a última vez que você ficou com alguém? Poderia parecer intrusivo ou esquisito ouvir essa pergunta tão rápido depois do sexo com qualquer outro novo amante, mas, com ele, não me importo em responder. Quero expor tudo. Todos os eventos,


tudo o que aconteceu antes dele. Já compartilhamos todos os detalhes da nossa vida, todos menos esses: os mais sagrados, os mais íntimos. Virando a mão, ele esfrega as costas dos dedos em meu seio antes de afastar o indicador e o dedo médio para capturar meu mamilo. Oliver se inclina para lamber a ponta. Fecho os olhos, me esforçando para concluir o cálculo mental enquanto ele faz isso. – Hum… Março? – Março do ano passado? – Seus dedos deslizam por minhas costelas, me provocam, e não há ciúme em sua voz quando ele pergunta: – Com quem foi? – Um cara com quem saí algumas vezes, ele era do curso de Cinema Digital. – E foi bom? Deslizo o dedo por seu maxilar, desde a orelha até o queixo. – Uma das vezes foi muito bom, eu achei – respondo. – As outras… não foram exatamente memoráveis. – Fecho os olhos para encontrar a coragem necessária para perguntar: – E você? – Uma mulher da viagem de bicicleta. – Essa última? Em junho? Ele assente e beija minha clavícula. – Para dizer a verdade, foi no final de maio, mas, sim, nessa viagem. – Antes de você me conhecer. Sei a resposta para essa pergunta. É claro que foi antes de ele me conhecer. A gente se conheceu em Vegas, no final da viagem deles. Mas, de alguma forma, acho que quero que ele admita isso bem diante de mim, quero que admita que não esteve com mais ninguém. – A-hã. Em Albuquerque, no Novo México. Ela trabalhava no restaurante do hotel. – E foi bom? – ecoo. – Nada muito memorável – ele repete de volta para mim. – Acho que para ela também não foi. Estávamos embriagados demais. – Ele ri, admitindo: – Eu estava bêbado demais para conseguir terminar. Não mencionamos os nomes dessas outras pessoas. Mal consigo lembrar o rosto do outro cara ou como era seu corpo contra minhas mãos. Com todos esses toques possessivos, Oliver consegue apagar os traços de qualquer outro homem da minha pele. – E ninguém desde então? Ele sorri e me beija: – Ninguém desde então. – Para você, não é estranho passar tanto tempo assim, na seca? Ele responde dando de ombros. – Eu queria demais uma gata chamada Lorelei Castle, então não saí me divertindo por aí. Eu me afasto o suficiente para olhá-lo nos olhos. – Você tinha opções. Ouço a pontada de ciúme em minha voz, ciúme pelo que poderia ter acontecido. O sorriso de Oliver dissolve minhas tensões como açúcar em água quente. – Você também, querida. – Menos opções. Ele cai na risada. – Eu duvido. – Tem mil coisas acontecendo na minha vida agora. Quem iria querer aguentar? – Eu quero.


A expressão de Oliver endurece e ele inclina o corpo para me beijar outra vez, puxando meus lábios. Com um gemido, ele está outra vez em cima de mim, pressionando o nariz debaixo do meu braço, esfregando os dentes em meu bíceps, chupando cada um dos meus dedos, mordiscando as pontas. Seu pau já se transformou outra vez em uma presença urgente entre nós, pesado, pressionando. Ele geme quando eu o seguro, estremece enquanto o aperto e o masturbo. Mais uma vez, a situação é feroz, ele me agarra e me morde. E me vira de barriga para baixo, e desliza o pau na fenda do meu traseiro enquanto se inclina e chupa minha nuca, as mãos se apertando entre meu corpo e o colchão para brincarem com meus seios. Seu toque é frenético, mas também é firme. Não existe “eu posso?” nem “você quer?”. Um milhão de pequenas fantasias saem de seus dentes e se agarram a mim, sinto suas mãos preenchidas com meus seios. Ouço o rasgar da embalagem laminada outra vez, o deslizar úmido de uma camisinha em seu pau e então ele ergue meu quadril, as coxas ainda tocando as minhas, e ele se força outra vez para dentro de mim, gemendo com o calor, a suavidade, a visão que tem das minhas costas, da minha bunda. Com minhas coxas juntas e meu corpo envolto no dele, pressiono para cima e rebolo, emitindo ruídos selvagens, desesperados, como se eu pudesse explodir a qualquer momento. Sou como a luz que bate em um prisma e se espalha em mil direções. Oliver está cavalgando em mim, suas mãos segurando meu quadril enquanto ele me esfola, soca o pau para a frente e o puxa de volta, penetrando fundo. Grito contra o travesseiro, arqueando o corpo quando sinto seu suor batendo em minha coluna. Quero arreganhar minhas pernas para recebê-lo totalmente dentro de mim, mas me vejo forçada a manter o prazer limitado a um pequeno alcance de contato. É demais. Preciso de mais. Oliver dá um tapa bem forte em minha bunda, geme ao sentir, surpreso, meu corpo se apertar contra seu pau. – Está uma delícia – ele geme. – Isso é o paraíso. Concordo com a cabeça pressionando meu corpo contra o dele e sentindo que estou perdendo o fôlego quando ele agarra minha bunda e a escava com os dedos, suas unhas curtas entrando, o quadril socando rápido e selvagem atrás de mim. Suas mãos me abrem, o polegar desliza para mais perto, circulando… Não sei… Estou gostando, mas… – Shh… Está tudo bem. – Oliver estende a outra mão na direção do meu rosto, acariciando minha bochecha e me virando na direção dele para poder beijar a lateral da minha boca. – Você nunca…? Nego com a cabeça. – Tudo bem. Seu beijo se torna mais selvagem, como se um fósforo se acendesse dentro dele. Pressiono meu corpo contra sua mão, desesperada por mais: por seu beijo, por seu peso, pelo barulho que ele faz quando goza. – Como você quiser – ele diz, sua respiração quente batendo em meus lábios. – Vou te dar o que você quiser. – Quero ver você. Oliver tira o pau de dentro de mim e me faz rolar, de modo que eu esteja outra vez com as costas no colchão. Suas mãos deslizam dos meus tornozelos até os joelhos, e ele então os puxa por trás, dobrando-os e me fazendo pressioná-los contra o peito. Seus cotovelos vêm por baixo, mantendo-me aberta enquanto ele olha e lentamente me invade com um gemido. O gemido é de dor e alegria.


Ele me fode com carinho e depois com brutalidade, rebolando e me fazendo gritar antes de prender minhas mãos ao lado da cabeça e socar profunda e fortemente, tirando o ar dos meus pulmões com essas estocadas elaboradas e felizes. Fico hipnotizada enquanto o vejo assim: meu amigo calmo e gentil se soltando. Agora meu amante, tão afetuoso comigo, tão brutal em seu desejo de meter gostoso em mim. Ele espera até eu começar a tremer, até meus gritos serem interrompidos pelo alívio. E então se permite gozar outra vez, com a boca aberta, seu gemido contra o meu. Com o peito suado e ofegante, Oliver se deita pesadamente sobre mim. Assim que ele me vira de lado e se ajeita atrás de mim, a exaustão me atinge como um golpe físico. Seus lábios estão contra meu pescoço, a voz pesada com o sono que se aproxima. – Estou exausto pra caralho, mas não sei quanto tempo consigo dormir sabendo que você está na minha cama. Sorrio contra o braço que ele enfiou embaixo do meu pescoço. – Vou acordar querendo mais – ele sussurra com uma voz estranha, que em parte parece querer se desculpar e em parte quer emitir um aviso. Seu pau ainda está semiereto, pressionando aquecido a minha coxa. – Eu também. Durmo sentindo minha respiração sincronizada com o leve sobe e desce de seu peito atrás do meu corpo.

O mundo invade o quarto primeiro com o barulho da buzina de um carro, depois com o vento, e então com o ruído distante das ondas. Abro os olhos e saboreio a lenta aparição do sol no céu a leste. Então me espreguiço nos braços de Oliver, calorosos demais. De alguma maneira, agora estou com o corpo virado para ele. Oliver é como um polvo dormindo, muitos braços me segurando deliciosamente quando tento me afastar, mesmo que apenas um centímetro. Sinto quando ele acorda – aquele movimento assustado de seus braços à minha volta – e espero quietamente a situação se tornar desconfortável: não escondemos nada ontem à noite. Seu quarto guarda o cheiro forte do sexo e ainda estamos abraçados, completamente nus. Há um embrulho de camisinha em algum lugar perto do meu pé esquerdo, outro atrás de Oliver, na beirada do colchão. A noite de ontem surge em minha mente em flashes dispersos e sons e suor e sensação: o chiado grave que ele soltou quando se enterrou em mim. O sobe e desce de seus ombros enquanto ele se movimentava sobre mim. A forma como sua boca cobriu a minha, a língua habilidosa e urgente. Sinto o ardor entre minhas pernas. Minha pele ainda sente a fricção de suas mãos e sua boca por todo o meu corpo. Eu sabia que o sexo podia ser maravilhoso assim, só não imaginava que pudesse ser assim para mim. Oliver é tão sólido ao meu lado, tão vital. A ideia de sair do círculo formado por seus braços é quase tão animadora quanto cortar um braço ou uma perna. O que acontece quando as emoções são grandes demais, quando elas ocupam o peito e as veias e os membros? Imagino o brilho do sol me preenchendo até eu me estilhaçar, deixando os pedaços de uma mulher espalhados por esta cama. Fecho os olhos, mentalmente absorvo a forma como a luz da manhã recai sobre nossas pernas nuas. Conto até 10, depois até 20, concentrando-me em puxar o ar para dentro dos meus pulmões. Nunca mais vai ser como era antes. Oliver e eu estamos para sempre transformados. Alguma coisa acontece


dentro de mim, algo permanente e concreto, e isso é ao mesmo tempo sensacional e aterrorizante… Estou selvagemente, profundamente apaixonada. Ele ergue a cabeça, que estava enterrada entre meu pescoço e ombro, me beija e sussurra: – Bom dia, Lola Love. Puxo o lençol sobre a boca. – Bom dia. Ele me beija sobre o lençol. – Ainda te amo. Então, puxa o lençol para longe, beija meu queixo e me observa enquanto seu sorriso endurece um pouquinho, mas continua estampado em seus olhos. – Não sei o que você está pensando… Mas as coisas não mudaram com o nascer do sol. Eu te amava antes de ontem à noite. E vou te amar amanhã. A única diferença é que agora expressei com palavras. Sinto meu dente no lábio, sinto o brilho do sol preencher meu peito e projetar-se em meus olhos. – Desde muito antes de ontem à noite eu queria transar com você – ele diz, deixando escapar um sorriso bem-humorado enquanto sobe em mim, abrindo minhas coxas com o joelho. – E agora que transei com você, quero transar ainda mais. O sentimento certamente é recíproco. – Vamos passar o resto do dia trepando, então. A risada de Oliver é um ruído feliz, caloroso. – O resto da semana. – Do mês. – Do ano. Pronto. Ele disse. É mais tempo do que passei com qualquer outra pessoa. Olhamos um para o outro, nenhum de nós diz nada. É cedo demais, mesmo com todas as declarações se espalhando como fumaça no ar. Mas, quanto mais tempo Oliver passa olhando para mim, mais sei que ele está pensando a mesma coisa. Da vida. – Está bem, então – ele murmura. Eu respondo contra seus lábios: – Está bem, então.


Capítulo 10

Oliver O alarme dispara no telefone de Lola enquanto ela está na metade de sua primeira xícara de café. Tentei mantê-la na cama por todo o tempo possível, mas por fim nós dois precisávamos de banheiro, cafeína e comida. – Puta merda! – ela exclama, pegando o aparelho e abrindo o aplicativo do calendário. Estamos sentados lado a lado à mesa da sala de jantar. Estou de calça jeans; Lola não usa nada além da camisa que eu estava usando ontem. É longa, mas não tão longa a ponto de eu não conseguir vê-la, especialmente quando ela mantém uma das pernas no chão, nossos tornozelos juntos, e a outra em meu colo. A cafeína pouco a pouco faz meu cérebro acordar, e ainda me sinto quente e lento, como argila bem trabalhada. Realmente não quero que ela vá embora tão cedo. – O que foi? – pergunto. – Tenho uma coisa para fazer às onze horas. Ela franze a testa e eu olho para o relógio. São quase dez da manhã. – Uma “coisa”? – Um chat com o pessoal da editora UCSD Arts. – A fumaça se levanta de sua xícara e se retorce no espaço entre nós, dissolvendo-se em um raio de sol acima de nossas cabeças. – Puta merda! Eu esqueci completamente… – ela diz antes de acrescentar, mais para si mesma do que para mim: – Eu nunca esqueço essas coisas. Abaixo minha xícara e me inclino para a frente, segurando sua mão livre na minha. – Você pode fazer isso daqui, não pode? O Wi-Fi às vezes falha, mas meu notebook está no quarto. Pode ficar à vontade. Ela já está negando com a cabeça. – É uma videoconferência – explica, apontando para a cabeça. Os cabelos de Lola normalmente são lisos e com bom caimento, mas agora eles parecem capazes de abrigar toda uma família de passarinhos. Dando risada, inclino o corpo para a frente e beijo seu nariz. – Bem, de qualquer forma, eu preciso passar na loja hoje de manhã e verificar se Joe precisa de alguma coisa. Talvez pudéssemos nos encontrar mais tarde para almoçar?


Lendo minha expressão, Lola se aproxima, inclinando a cabeça na direção da minha boca, falando entre os beijos: – Não sei quanto tempo vai demorar. – Ela se afasta, esfregando o polegar em meu queixo. – Preciso tomar banho e aí ligar para Benny, mas… posso mandar uma mensagem de texto quando terminar, que tal? – Isso, mande uma mensagem. – Minhas palavras saem apertadas e eu me inclino novamente, os beijos se tornam cada vez mais desesperados. – Passe esta noite aqui, eu preciso… Preciso beber e beber e beber dela. Nunca vou me cansar. Um golpe de ar escapa de seus pulmões. Lola então afasta a cadeira e se senta em meu colo, sussurrando contra minha boca: – Não quero ir embora. – E desliza a mão por meu peito nu. – Vamos voltar para a cama. Minha calça desliza, mal consegue ficar dependurada no corpo, e só consigo pensar em quão fácil seria arrancá-la, erguer a camisa que está no corpo de Lola e fazê-la gozar bem aqui, na minha mesa. Ela roça em mim, deslizando úmida sobre o zíper da calça. – Suba aí na mesa – digo contra sua boca aberta. – Quero beijar essa bocetinha deliciosa. Ela se afasta, enrubescendo. Seu lábio está preso entre os dentes. – Gosto da forma como você diz essa palavra. – Eu percebi. Faz você ficar toda tímida e molhadinha… – Passo a língua em sua boca e digo: – Ainda não sei ao certo… Preciso estudar um pouco mais, mas acredito que exista uma correlação direta entre eu dizer essa palavra e a rapidez com que consigo fazer você gozar. Percebo que ela não subiu na mesa. Deslizando os dedos debaixo da camisa, esfrego as mãos pela pele suave e aquecida de sua cintura. – Sei que você está inchada – digo. – Mas serei carinhoso, prometo. O telefone toca outra vez e nós dois ficamos paralisados. – Pronto… A vida real invade… – murmuro. Lola fecha uma carranca. – Eu realmente detesto entrevistas. – E aí está você, se tornando melhor a cada dia com as entrevistas. – Eu a ajudo a se levantar, fico parado à sua frente e acaricio seu rosto, beijando-a mais uma vez. – Me avise quando terminar. Quando Lola vai embora, saio para um longo passeio até a praia e sigo pedalando por todo o tempo que consigo. Embora tenhamos dormido pouco porque acordamos mais duas vezes para foder freneticamente, sem dizer uma palavra, estou cheio de uma energia que parece infinita. Vou de Pacific Beach a Carlsbad, pernas em movimento, coração bombeando sangue em espaços enormes e vitoriosos. Sofri quando minha mãe foi embora. Fiquei furioso e amargurado com o mundo por um bom tempo. Odiei quando meu pai me deixou. Não poderia imaginar que eu teria alegria ou felicidade na vida, mas agora tenho as duas coisas. A loja está indo bem. Já paguei a maior parte das parcelas da casa. O amor da minha vida dormiu nos meus braços ontem à noite – na minha cama, onde espero que ela fique para sempre. Não quero mais nada.

A campainha da porta da loja toca e eu entro. Uma calma estranha se instala à minha volta. São pouco mais de 11h30 e os corredores estão bastante movimentados para um dia em que não há lançamentos. Há pessoas espalhadas no sofá do canto de leitura e uma pequena multidão em volta da


mesa de pinball no fundo da loja. Joe está no caixa, onde há também uma fila de clientes. Ele acena com a cabeça em minha direção, mas tudo o que aconteceu ontem à noite ainda é recente demais e não sei se estou pronto para colocar minha máscara profissional, especialmente com Joe. Apesar de suas manias esquisitas, com frequência me surpreendo com o quanto ele presta atenção nas coisas. Retribuo o aceno de Joe e me coloco atrás do balcão, indo para o escritório nos fundos e ajeitando a jaqueta no cabide. Só agora que estou aqui me dou conta de que não sei ao certo quais são as regras. Se eu estiver lendo as coisas da forma correta, Lola e eu estamos juntos –só não sei ao certo quem mais deve saber disso. Lola não é reservada da forma estereotipada; ela divide as coisas, mas divide um pouquinho de cada vez, e nem sempre imediatamente. É totalmente possível que ela espere até a próxima vez que se encontrar com Harlow para contar. Lola não é exatamente uma mulher do tipo que sai ligando para as amigas para contar as coisas. O que me deixa em uma situação esquisita: se eu contar a Finn e ele contar a Harlow e Harlow souber pela boca de Finn antes de ouvir pela boca de Lola, Lola estará encrencada e talvez eu também. Se eu contar a Ansel e ele disser a Mia, o que definitivamente fará, Mia vai ligar imediatamente para Harlow. Então, não posso, de jeito nenhum, deixar Joe saber o que está acontecendo. Se Joe souber o que está acontecendo antes de qualquer outra pessoa, a cabeça de Harlow vai explodir. Isso para não dizer no Tumblr “Grosseirão Está Sempre Certo”, que ele provavelmente criaria para acrescentar ilustrações toda vez que nos dissesse para “simplesmente dar uma trepada e resolver as coisas logo”. Por sorte, tenho experiência em esconder esse tipo de coisa… Mas a quem estou tentando enganar? Não há uma única pessoa – com exceção da própria Lola, talvez – que não tenha se dado conta de que estou perdidamente apaixonado por ela. Vou até a frente da loja e começo a atender os clientes. Um dos meus clientes fiéis está procurando a edição mais recente de Gavião Arqueiro, mas, quando procuro, percebo que já vendemos todas as cópias. Tem um homem de quarenta e poucos anos tentando vender uma caixa de porcarias que comprou de segunda mão e, depois de dar uma olhada, sei que não quero adquirir nada daquilo. Ajudo um casal que veio comprar sua primeira HQ de colecionador juntos e vendo a edição 61 do Capitão América. Lançada em 1947, ela mostra o Capitão e Bucky descobrindo que o Caveira Vermelha, que pensavam estar morto, na verdade está vivo. Um clássico. E, durante todo o tempo, posso sentir que Joe está me observando. A clientela diminuiu um pouco e vou até o balcão para pegar um pano e dar uma limpada na mesa de pinball. – Esse lugar está uma loucura hoje – comenta Grosseirão, puxando um bolo de notas de vinte do caixa. – Pois é… Eu estava pensando em arrumar mais alguém. Ele faz uma rápida pausa e olha para cima. – Outra pessoa para trabalhar aqui? – Sim. Joe se mostra animado. – E eu treinaria esse novo funcionário? Ele me acompanha até os fundos e eu o olho por sobre o ombro. – É claro. – Então eu estaria no comando. Bem, na verdade, seria o segundo em comando. O Wong do Doutor Estranho.


Dou risada. – Certeza. O Robin do meu Batman. – Batman? Não precisamos chegar tão longe. Foggy Nelson do seu Demolidor. No filme. Paro próximo ao fundo da loja e começo a ajustar uma prateleira de bookgames de aventura. – É claro – repito, dando de ombros. Joe bate no balcão. E bate forte. – Está bem. Que diabos está acontecendo? – Acontecendo? – repito. – Não tem nada acontecendo. – O Demolidor de Ben Affleck? Você vai deixar que eu jogue isso na sua cara? Volto para a frente da loja. – Ah, qual é?! Foi um filme razoável. – Razoá… A campainha toca, interrompendo-o, e ouço um dos nossos clientes mais assíduos gritar o nome de Lola. Meu corpo se aperta e meu coração salta. Uma coisa é decidir não contar a Joe, ou a Finn, ou a Ansel, ou não deixar nada escapar. Mas agora devo agir como se nada tivesse acontecido? Isso é possível? Sinto que se lançar um olhar para ela, tudo o que aconteceu ontem à noite vai ficar estampado em meu rosto. Olho por sobre o ombro e vejo os cabelos de Lola presos em um rabo de cavalo balançando conforme ela anda. Quando Lola não está com pressa, seus passos são regulares e serenos e seus cabelos caem suavemente sobre o centro de suas costas. Mas, quando está se movimentando assim, decidida, os cabelos balançam, impulsionados por sua energia. Ela vem na minha direção, e claramente se movimenta com propósito. Viro-me completamente na direção dela. – Oi. Como foi a videoconferência? Casual, calmo. Não tem nada fora do comum acontecendo aqui. Joe observa enquanto ela passa por ele, ignora minha pergunta e para bem à minha frente antes de levar a mão à minha nuca e me puxar para perto. Com um breve suspiro, seus lábios se encontram com os meus e todos os outros barulhos na loja são expulsos em um golpe gigantesco de ar. Meu sangue esquenta e a luxúria se espalha por mim, quente e vertiginosa. Lola tem o mesmo cheiro de sempre – a doçura do mel, a essência de seu sabonete – e seus lábios continuam tão suaves quanto quando lhe dei um beijo de adeus através da janela de seu carro, há poucas horas. Meu cérebro passa tanto tempo pensando nessas coisas que preciso de um momento para me dar conta de que Lola está me beijando. Agora. Bem aqui, no meio da minha loja. Porra! Minhas mãos puxam seus cabelos para inclinar sua cabeça, minha boca desliza contra a dela e essa parece a forma perfeita para anunciarmos o que está acontecendo. Eu só queria que todo mundo estivesse aqui para ver, para que todos soubessem ao mesmo tempo. Alguém perto de nós limpa a garganta e, quando Lola dá um passo para trás, o restante do mundo parece imediatamente ganhar foco outra vez. Joe está apoiado no caixa, tornozelos cruzados, as sobrancelhas arqueadas na direção do teto. Lola sorri e me encara com a adoração que sinto por ela refletida em seus olhos. – Podemos conversar por um instante em seu escritório? – ela pergunta, sem fôlego. Ela me segue até a parte de trás, e sua presença à minha volta parece radioativa, zumbindo. Quero me virar e beijá-la enquanto andamos. É uma paixão inebriante, essa necessidade de tocar e tocar e


tocar até nossas peles incharem e a necessidade por alimento e água se tornar prioridade. Eu desejo isso, eu desejo Lola. Dentro do escritório, ela fecha a porta, inclinando-se contra ela, sorrindo para mim. – Oi. – Oi. – Não sei se já abri um sorriso tão grande; parece grande demais para o meu rosto. – Que belo show lá fora. Ela encolhe um ombro. – Obrigada. – Eu me pergunto se Joe vai sair de onde estava agora que tomou o maior susto de sua vida. Rindo, ela diz: – Acho que teremos que contar aos outros logo. Lola desliza o olhar pela sala e tento observar através de seus olhos. Ela só veio aqui atrás algumas vezes e, nos últimos meses, este espaço se transformou em minha caverna da tranquilidade. Antes de nos mudarmos para este prédio, aqui era uma butique refinada e parte das instalações originais não foi removida. As paredes são pintadas de uma cor creme suave e há saídas de energia onde os lustres de vidro costumavam ficar pendurados. Uma fileira de espelhos toma conta da parede dos fundos, mas está parcialmente coberta por caixas que ainda preciso abrir. Mesmo assim, esses espelhos fazem o espaço parecer maior do que realmente é. Minha mesa fica próxima à parede atrás de mim, de frente para a porta, e uma fileira de janelas permite a entrada do sol na sala. Quando nossos olhos se encontram outra vez, sei que concordamos silenciosamente em não falar sobre a parte mais complicada de tudo isso, que agora existe uma nova pressão. Ansel e Mia estão casados. Finn e Harlow estão casados. Não podemos nos dar ao luxo de bagunçar nosso relacionamento. Entre nós existe uma sensação não verbalizada de que Lola e eu, de certa forma, estamos mais juntos – a loja, sua carreira no mundo dos quadrinhos –, como se já soubéssemos de tudo isso antes deles. Mas olhando para Lola agora, posso facilmente perceber que ela não confia em si mesma para lidar com tudo isso. Por mais que eu sinta que tem, sim, sentimentos por mim, também sei que ela preferiria ilustrar um livro para Frank Miller, com ele olhando por sobre seu ombro, a navegar no território emocional envolvendo um grupo de amigos. Aproximo-me dela, dou-lhe um beijo delicado. – O que a traz ao meu escritório hoje, jovenzinha? Estremecendo, ela responde: – Tenho que ir a Los Angeles. Meu coração tropeça com as palavras. – Hoje? – Sim. O carro vem me buscar às cinco horas. – Eles vão mandar um carro? – Talvez porque Austin saiba que meu carro não sobreviveria à viagem até lá. – Você continua sendo uma sensação – provoco antes de olhar por sobre o ombro, para o relógio na parede. São 15h17. – Quando você volta para casa? – Vou ficar lá esta noite, amanhã e quinta-feira. Volto na sexta-feira à noite. Putz, que saco! – Podemos planejar um jantar para sexta-feira? – Eu tenho que ir à casa de Greg. Quer ir comigo? Inclino-me para a frente, beijando-a outra vez.


– É claro. Percebo a tensão em seus olhos e me afasto, estudando-os. – Está tudo bem com você? Lola engole em seco, balançando a cabeça como se quisesse limpar a mente. – Tudo bem. Tenho um livro para terminar até a semana que vem e nem comecei a trabalhar nele ainda. Temos que finalizar o roteiro esta semana, mas eu ainda não consegui vê-lo. Não sei como vou fazer para dar conta de tudo. – Um passo de cada vez. Ela se aproxima, descansando o queixo em meu peito enquanto olha para o meu rosto. – Estou um pouco distraída. – O sentimento é mútuo. Ela repuxa os lábios e faz beicinho. – E não estou com a mínima vontade de passar alguns dias em Los Angeles. – E eu não estou com a mínima vontade de deixar minha namorada em Los Angeles por alguns dias. Mordiscando a lateral do lábio, ela repete: – Namorada? – Colega de foda pela qual sou um tanto apaixonado? – ofereço como alternativa. Rindo, Lola bate no meu peito. Coloco minha mão sobre a dela para segurá-la ali, bem sobre meu peito. – Eu sem dúvida prefiro “namorada”. Ela me encara, quieta, com uma expressão ilegível. – Quer passar a próxima hora na sua casa? – pergunto. E sei que ela entendeu o que eu quis dizer quando a vejo enrubescer. – London está lá. – London vai ter que se acostumar com a ideia de me ver por lá – eu a lembro. Inclinando-se para trás, Lola lança para mim uma expressão de quem está se divertindo. – Não somos muito silenciosos. – Então ela também vai ter que se acostumar ao barulho. – Especialmente você. Encolho os ombros, erguendo sua mão para beijar-lhe o centro da palma, ainda tentando me dar conta de que posso fazer isso agora. Lola me observa com seus olhos azuis arregalados enquanto beijo seu pulso, o interior do cotovelo, lambendo suavemente aquela pele delicada. – Então não vamos ao seu apartamento… – London não fica com muitos caras – ela confessa. E reconheço o que está acontecendo: nervosa, ela tagarela, deixando claro que vamos nos divertir por aqui mesmo. É tão atípico de Lola tagarelar que chego a sorrir surpreso. – Tipo… ela é convidada para sair o tempo todo, mas sempre recusa os caras – continua. – Por que isso? – pergunto antes de mordê-la levemente, embora, para ser sincero, não dê a mínima para a vida amorosa de London. E sei que nós dois sabemos disso. Lola expira pesadamente. – Para dizer a verdade, não sei. Ela teve um namorado durante a maior parte da faculdade, mas não sei o que aconteceu. – Ela faz uma pausa antes de prosseguir: – De qualquer forma, não quero falar de London agora. E um sorriso repuxa o canto de sua boca.


– Ah, é? Ela me vê beijando outra vez seu braço. – Não. – O que prefere fazer? Ela se afasta com delicadeza antes de andar até minha mesa, e eu a acompanho. Segurando meu cinto, Lola me puxa para perto. – Não sei. Meus dedos roçam nas laterais de seu corpo e brincam com a bainha de sua blusa. Espero vê-la me fazer parar, emitir algum tipo de aviso desejando que as coisas sigam mais devagar hoje. Porém, antes que eu consiga perguntar, o tecido é puxado das minhas mãos e ela tira a blusa e só vejo aquela mancha azul pousar em algum lugar na pilha atrás da mesa. Seu sutiã é preto com bolinhas brancas. Mantém os peitos para cima, inchados, cheios e redondos. Ela tira minha camisa e estica o corpo, esfregando seu peito contra o meu. E, muito embora eu saiba o que está prestes a acontecer, jamais poderia imaginar a sensação de quando suas mãos se movimentam na frente da minha calça, segurando meu pau por sobre o jeans. Seus dedos se movimentam para a frente e para trás pela ponta do meu pau. Solto a cabeça para a frente e minha testa se apoia na dela enquanto me forço a ficar parado, a não me masturbar em sua mão ou apressar as coisas. Lola empurra minha cabeça para trás, seus lábios quentes se abrindo contra os meus. Quero descobrir como ir mais rápido e mais devagar ao mesmo tempo, quero aprender a passar toda a eternidade sentindo isso. Nós nos beijamos, sentimos os lábios e o deslizar das línguas molhadas, a vibração dos barulhos e as pequenas explosões de percepção que parecem estourar como flashes em minha mente repetidas vezes. Sou como alguém com amnésia: ainda não consigo acreditar que isso está acontecendo. Vinte e quatro horas atrás, não tínhamos nos beijado ou nos tocado – definitivamente não tínhamos nos vistos nus. Mas aqui estamos nós… Meu coração está acelerado e, quando me afasto para tentar respirar, vejo que a boca de Lola está vermelha e inchada por roçar em minha barba. Ela olha para mim enquanto seus dedos deslizam pela braguilha da minha calça jeans, abrindo os botões um a um. Posso sentir cada estalar provocador. Mordisco meu lábio e tento ficar quieto, ciente de que, se eu me permitir emitir um único som, será o ruído que destruirá meu controle. Aí eu vou acabar empurrando Lola para baixo e a fodendo sem proteção, bem sacana, parcialmente vestido. Ela se alonga para chupar meu pescoço e então se afasta, puxando a saia até as coxas. Vejo-a revelando o corpo lentamente: a pele leitosa, o quadril bem torneado… Ela está sem calcinha. Ainda assim, tem um rosto jovial, olhos inocentes, mas sei que ela nem faz ideia disso. Nunca na vida tive uma sensação tão forte de estar fazendo uma coisa bem safada com alguém tão doce. Deslizando sobre minha mesa, Lola abre as pernas e inclina o corpo, permitindo que eu veja perfeitamente sua boceta. O calor se espalha por minhas veias e eu me coloco entre suas coxas. Sinto o desespero consumir minha pele. Deslizo a mão pela parte interna de suas pernas enquanto me pergunto com quantos homens ela já esteve. Pode ser um ou cem, e eu não a culparia, mas algo me diz que esse tipo de relação é novidade para ela. Sei porque a ouvi conversando com amigas nos últimos meses e dizendo que não tem qualquer remorso com relação ao sexo, que não sente que ele depende de alguma declaração forte, que não tem problemas com dormir com um cara e dizer adeus na manhã seguinte. Mas também sinto que, para Lola, é necessário mais do que um desejo momentâneo para deixar alguém invadir esse espaço secreto.


Ela estremece enquanto meus dedos deslizam ao redor de um seio, a ponta de meu polegar roçando seu mamilo até ela arquear o corpo, implorando sem palavras pelo beliscão que sei que ela tanto deseja. Inclino-me para a frente e deslizo a língua pelo tecido antes de recebê-la entre meus dentes. Lola arqueia as costas, empurrando o seio na direção da minha boca, e uso a oportunidade para estender a mão e abrir o sutiã. Arranco a peça enquanto observo Lola ser desembrulhada como um delicioso presente. Com meu olhar preso ao dela, arrasto a ponta da língua por sua pele. Ela inspira, estendendo a mão para dentro da minha calça, para empurrar minha cueca apenas o suficiente para segurar meu pau em sua mão. Quase mordo o lábio quando ela passa o polegar pela cabeça molhada e leva o dedo à boca. A mão de Lola retorna, o polegar ainda mais úmido agora, e pisco antes de olhar para onde ela segura meu membro. Vejo minha barriga reta e suas curvas suaves. Vejo meu pau, rígido e com a cabeça inchada, projetando-se entre nós. Estou quase febril e sinto o formigar do suor em minha nuca quando Lola se inclina para a frente, esfregando os lábios em meu ouvido. – Você tem camisinha aqui? – Sim. Na gaveta do meio. Trouxe algumas para cá hoje. Ela lança um sorriso triunfante para mim, como se para me dizer que sou genial, e então se deita outra vez, esticando um braço sobre a cabeça para alcançar a gaveta. Seria muito mais fácil eu fazer isso, mas nem fodendo que eu perderia a chance de vê-la toda arreganhada e quase nua em minha mesa. Quando Lola se senta, dou um passo para a frente, segurando seu rosto entre minhas mãos e pressionando minha boca contra a sua. – Quero que você a coloque – ela diz contra meus lábios. – Ah, é? – Ver você desenrolar a camisinha no meio da noite talvez tenha sido uma das imagens mais sensuais com a qual já me deparei. Com meu pau em uma mão e a camisinha na outra, paro com o látex posicionado na cabeça e ergo o olhar para ter certeza de que Lola está assistindo. E ela está. Aliás, acho que ela não pisca, nem mesmo respira, durante todo o tempo; seus olhos permanecem grudados aos meus enquanto desenrolo lentamente a camisinha. Adoro a forma como ela olha para o meu caralho: olhos ligeiramente abertos, lábios separados. Ergo a mão e seguro seu seio. – Você parece surpresa. – Acho que vou ficar surpresa toda vez que você tirar a calça – ela responde. – Seu pau é algo inacreditável. Nunca vou me cansar de ouvir Lola dizer que meu pau é inacreditável. Nunca. Ela desliza os dedos entre as pernas, esfregando-os para a frente e para trás dos dois lados do clitóris. Consigo ver e ouvir o que isso faz com ela – na forma como ela comprime os músculos da barriga e suas coxas apertam meu quadril, nos ruídos suaves que ela emite. – Está molhada o suficiente para mim? Lola assente, levando a mão que estava entre as pernas até minha boca, esfregando os dedos entre meus lábios. Agora posso sentir como ela está molhada, posso saborear como está molhada. Meus olhos quase saem das órbitas quando percebo como isso é gostoso, como quero ser safado com ela, todas as coisas que quero que façamos. Gemo e Lola puxa os dedos para longe, encarando-me com


uma fome que jamais vi. Eu gostaria de conseguir compreender por que sua expressão atinge a parte mais sensível do meu ser, de conseguir explicar o que sinto. Não é a forma como nossas mãos se encontram na busca por tocar cada centímetro da pele ou a forma como ela afunda os dedos em meus cabelos, exalando aliviada quando me sente deslizar completamente dentro dela. Não é a forma como sua cabeça se solta para trás, a forma como ela empurra o seio em minha mão ou quão abertas estão suas pernas para receber mais. Mas talvez seja o fato de ela não deixar seus olhos se prenderem aos meus durante muito tempo, a forma como parece que meu olhar segura sua respiração. É a mesma coisa que faço antes de subir com minha bicicleta em uma colina íngreme e descer. Eu me solto contra seu corpo – para dentro, para fora, mais fundo, um pouco mais para fora – e ela me acompanha. Porra, e como me acompanha! Posso sentir no rebolar de seu quadril, no apertar de seu punho em meus cabelos – mas a capa de proteção não sai de mim. Cada movimento de Lola me diz que isso é novo para ela, que esse tipo de intimidade é diferente, deliciosa e aterrorizante. Já trepei com muitas mulheres, já fiz sexo carinhoso e com intimidade com algumas delas, mas nunca senti o que sinto por Lola. De qualquer forma, a profundidade da emoção é um alívio, e não algo que me deixe desorientado. Ontem à noite tive a combinação perfeita entre fazer amor e foder, mas aqui eu não me atreveria a ser tão safado com ela quanto já fui. Ela parece de vidro em minhas mãos, olhando para mim quase como se precisasse saber o que precisa fazer. Então, dou uma tarefa a Lola. Pressiono meus lábios contra sua bochecha, deixo meus dentes expostos. – Não emita nenhum ruído. Sinto-a expirar aliviada contra mim. Então ela assente, virando-se, procurando minha boca, mas eu me afasto. – Fique quieta. Seja boazinha. Se ficar boazinha, aí vou beijá-la. Ela assente outra vez, rapidamente, com urgência. E não pode ser tão simples assim, mas realmente é. A tensão crescente em seus olhos é substituída por foco. Mas, agora que já falei o que tinha que falar, não há nada neste planeta – ou em outro – que eu deseje tanto quanto sua boca, aberta e molhada contra a minha enquanto fodemos. Preencho minha mão com seus seios, chupo seu pescoço e aperto meu corpo contra o dela até sentir seu suor em meus lábios. E ela está totalmente apertada. Ficando ainda mais apertada, ainda quieta, ela mantém a respiração rasa e difícil. – Assim – digo a ela. – Não quero ouvir você. Só quero ouvir a nossa foda. Adoro os gemidos de Lola, mas agora seu silêncio significa muito mais. Seu silêncio e a súplica em seus olhos são a confissão de que ela precisa que eu a mantenha com os pés no chão, que eu a ajude a se concentrar nisso e apenas nisso. Nada de Los Angeles. Nada do livro que ela precisa escrever. Sempre suspeitei que ela me olhasse para se centrar, mas saber disso com tanta certeza agora, enquanto fazemos amor, faz meu peito se apertar. A pele de Lola é aveludada e pálida, ainda mais clara contra seus cabelos negros. Seu rabo de cavalo está desfeito e agora as mechas caem por sobre os ombros, roçando seus mamilos, as pontas se curvando sobre seus seios. Um brilho de suor brota em seu peito, em seu lábio superior e, em volta do meu pau, sua boceta se aperta… Lola está perto do orgasmo. Sua respiração fica mais acelerada quando soco com um pouquinho mais de força e afundo meus dentes em seu queixo, sentindo meu controle se desfazer e rosnando: – Nem um barulho. Nem um barulhinho, porra!


Encontro seus punhos e os puxo atrás de suas costas. Entro fundo, socando bem onde ela gosta. Lola fica boquiaberta, com uma expressão de quase dor, e então é como derrubar a primeira peça do dominó e assistir maravilhado: ela aperta os olhos, solta a cabeça para trás e aperta os dentes em um esforço para segurar seus gritos de prazer insano. À minha volta, seu corpo goza com uma série de espasmos fortes e selvagens. Lola enrubesce e sua pulsação é como um animal feroz em sua garganta, mas minha garota não deixa escapar nem um suspiro sequer. O orgulho invade meu peito enquanto cubro sua boca com a minha, fodendo sua boceta com movimentos rápidos, com estocadas rasas. Lola tenta se libertar, finalmente gritando ao sentir minha língua contra a dela. Suas mãos se afundam em meus cabelos, os olhos abertos fixos em mim. – Isso é tão bom! – eu me ouço gemer enquanto soco gostoso nela. Os ruídos do sexo – o deslizar molhado, minha pele batendo contra a dela, o ranger da mesa –, tudo isso deixa meu pau ainda mais duro. – Caralho! – não consigo conter o grito. – Caralho! Eu me sinto grato pelo trânsito na Quinta Avenida, pelo barulho constante na loja, por abafarem o barulho que devemos estar fazendo. Mais forte, mais rápido, ela arfa e se segura em meu pescoço, as unhas afundando em minha pele. Suas pernas envolvem meu corpo, o suor nos faz deslizar um contra o outro, e eu agarro sua bunda para puxá-la em minha direção ao mesmo tempo em que soco o mais fundo que consigo, gozando com um grito rouco em meio às estocadas selvagens. Sinto uma luz se espalhar por trás das minhas pálpebras fechadas, o deleite percorrer minha coluna, pequenas explosões de prazer se espalhando por todo o mapa do meu corpo. Solto-me contra ela, pressionando meus dentes em seu pescoço enquanto meu quadril diminui o ritmo até parar. É um milagre minha mesa ainda estar inteira. Lola recupera o fôlego enquanto me abraça. Suas pernas não me soltam; ela não quer que eu me distancie e, porra, eu não quero me distanciar de seu calor. De repente, a sala fica em silêncio e parece que não há oxigênio suficiente para mim. Minha respiração parece rápida demais, alta demais. Lola se solta em meu peito e eu a envolvo em um abraço. Ela parece tão pequena em meus braços, tão graciosa e delicada. Sinto que não sou feito de nada além de instintos básicos – foder, respirar, dormir –, mas consigo me manter em pé. A pressão se desfaz paulatinamente e eu beijo seu pescoço, pausando para respirar, de modo a conseguir dizer a ela como foi bom. Antes que eu consiga organizar as palavras, paro e ouço. Uma calma singular parece ter nos cercado e me dou conta de uma realidade implacável: a magnitude do silêncio é quase distópica, quase como se o mundo lá fora tivesse acabado enquanto estávamos aqui, fodendo de forma selvagem. Os olhos de Lola se encontram com os meus e sei o pensamento que nos atinge ao mesmo tempo. Fecho os olhos, esperando a explosão. – Ah, mer… De repente, “Pour Some Sugar on Me”, do Def Leppard, começa a tocar na parte da frente da loja. O som está tão alto que poderia estar tocando aqui neste cômodo. Olho para Lola, que ainda está ruborizada por conta do orgasmo. Ela leva uma mão sobre a boca para segurar o riso. – Ah, meu Deus! – resmunga. O filho da puta do Joe começa a gritar a letra da música: – Demolition woman, can I be your man?


Enfim me levanto, puxando rapidamente a camisinha e a jogando na lata de lixo. Começamos a colocar as roupas ao mesmo tempo: eu puxo as calças e coloco a camiseta. Lola sai de cima da mesa, ajeita a saia, encontra o sutiã e a blusa. – Television lover, baby, go all night! – cantarola Joe. Pelo menos quatro outras vozes se unem a ele para concluir o refrão. Lola fecha o sutiã nas costas, ajustando-o, e então pressiona as mãos no rosto. – Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! A música some e Joe proclama: – Mostre-se, ó poderoso garanhão! Rindo, grito: – Cale a boca, porra! Ajudo Lola a ajustar a blusa enquanto a risada atravessa a porta. Prendendo os cabelos em um coque, ela diz: – Acho que isso responde à pergunta. – Se aqui é à prova de som? – questiono. Ela assente, esfregando outra vez a mão no rosto, mas posso ver seu sorriso. – Tem alguma saída secreta aqui ou estamos fadados a passar pelo corredor da vergonha? As palavras me fazem rir. – Vergonha? Eu passaria marchando. Nós dois quase quebramos a porra dessa mesa. – É sério. Envolvo seu rosto com minhas mãos e a beijo. – Desculpe, querida, mas só podemos escapar por aquela porta bem ali. Lola assente contra minhas mãos; nossos olhares se encontram. – Foi bom? – pergunto em voz baixa. – Você gostou de tentar ficar em silêncio? – Foi maravilhoso – ela sussurra, aproximando-se para me beijar. – Não quero viajar para Los Angeles. Envolvo Lola em um abraço e sinto o calor de sua respiração batendo em meu rosto. – Também não gosto muito dessa ideia. Ela está trêmula e quero olhá-la no rosto, mas ela afunda a cabeça com determinação em meu ombro. – Olhe para mim – peço. – Deixe-me saborear essa boquinha linda. Ela inclina o rosto na minha direção, desliza preguiçosamente os lábios contra os meus: são cálidos, pesados, molhados. – Eu te amo – declaro. Seus olhos se fecham com delicadeza, seus beijos se tornam mais intensos. E eu não preciso ouvir essas palavras saindo da boca dela – sua linguagem corporal, sua resposta quando eu falo, até mesmo o fato de ela ter confirmado que é minha para quem quisesse ver na loja… Tudo isso me diz que ela sente a mesma coisa por mim. Depois de dez segundos refletindo sobre se devo possuí-la outra vez, mas agora no sofá perto da janela, eu me afasto, beijando o topo de sua cabeça, puxando seus braços que envolvem minha cintura. Chegou a hora de encarar o inevitável. Cruzo a sala e olho por sobre o ombro, para ela. Lola limpa a maquiagem borrada abaixo de seus olhos e só então ergue o polegar para mim. O ranger da fechadura parece reverberar no silêncio, e eu abro a porta, deixando um golpe de ar fresco entrar. Meu coração para quando vejo primeiro Harlow e depois Finn, logo atrás dela. Eu esperava Joe, e


não isso. – Vejam só, vejam só! – exclama Harlow enquanto um sorriso se espalha por seu rosto. – Vejam só se não são meus dois nerds preferidos! Saio da sala, esforçando-me para manter uma expressão neutra. – Você conhece dois outros nerds? A boca de Harlow tenta formar mais algumas palavras. Por fim, ela consegue dizer: – Há quanto tempo vocês estão… Finn passa o braço em volta dela e tapa sua boca um milissegundo antes de ela dizer “fodendo” em voz alta, para toda a loja ouvir. – Há mais ou menos dezoito horas – responde Lola, aproximando-se atrás de mim. Olho para ela, surpreso com a tranquilidade em sua voz. Ela passa o braço em volta da minha cintura. – Mas fizemos uma pausa entre as 10 e as 15 horas de hoje para trabalhar um pouco. Atrás do balcão, Joe assobia antes de descer o olhar para o livro que está lendo, como se ele não estivesse por trás de tudo isso. – Acho que você poderia ter colocado alguma música para tocar antes, não? – pergunto a ele com um sorriso. Ainda olhando para o livro, ele dá risada. – Acho que sim. Mas onde ficaria a diversão? Essa foi a sua punição por ter demorado tanto para fazer isso. – E por deixá-lo no controle – alguém grita do canto de leitura. – Wong do Doutor Estranho… – eu o lembro. – Wong saberia trabalhar em equipe. Joe olha para mim, fingindo se sentir insultado. – Isso ofende, chefe. Com as sobrancelhas arqueadas, esperando algo, Harlow encara Lola. – Você tem um minuto, amiga? – ela pergunta, tentando esconder um sorriso enorme. Lola olha preocupada para o relógio atrás do balcão. São quase quatro horas e tenho certeza de que ela está pensando a mesma coisa que eu estou – que uma conversa com Harlow sobre um assunto como esse dificilmente seria rápida. – Tenho alguns. Mas preciso fazer a mala para ir a Los Angeles, então venha comigo ao apartamento para me fazer passar pelo interrogatório. Lola dá meia-volta, lança um olhar de sofrimento, aproxima-se para me beijar na frente de sua melhor amiga – que fica boquiaberta – e então sussurra: – A gente se vê na sexta-feira. – Sexta-feira – repito, segurando sua mão até o último momento possível. Olhando por sobre o ombro, na minha direção, Lola permite que Harlow a acompanhe para fora da loja. Finn observa as duas mulheres saindo com uma mistura de bom humor e preocupação. Na calçada, Harlow já grita animada. – E aí? – ele pergunta, virando-se para mim. Abro um sorriso. – E aí? Ele levanta o boné e coça a cabeça. – Lola vai outra vez a Los Angeles? Meu sorriso fica ainda maior. Sei que posso contar com Finn para acalmar as coisas. – Vai passar alguns dias.


– Eu odeio Los Angeles. – Odeia? – pergunto com um leve sarcasmo. Ele ignora. – Ou você passa o dia todo dirigindo de uma reunião para a outra, de um lado da cidade para o outro, ou acaba resolvendo as coisas por telefone, como poderia fazer de casa. – Bem, acho que eles estão trabalhando no roteiro. Ele assente. – Então acho que é melhor ela estar lá. – Finn entra atrás do balcão e olha para o frigobar que temos ali no canto. Enquanto ele puxa algumas latas e joga uma cerveja para mim, ouço-o dizer: – Lola vai tirar de letra, tenho certeza. E então, as coisas estão indo bem? Sorrio para ele durante um bom tempo antes de questionar: – Finn, você acabou de me fazer uma pergunta pessoal? Rindo, ele diz: – Deixe pra lá. – E abre a cerveja. – Sim, as coisas estão indo bem – conto, abrindo minha lata. – Bem pra cacete. – E ontem à noite…? Ele deixa a pergunta pairando entre nós. Finn não vai tentar bisbilhotar mais do que isso. – Sim. – E perceber isso, perceber que Lola é minha, me faz ter vontade de sair da loja e correr uma maratona. – Puta que pariu, até que enfim! – ele exclama, arqueando ligeiramente a sobrancelha. Dou risada e bebo um longo gole. – Você já parou para pensar como isso é uma loucura? Erguendo o queixo, ele pergunta: – Você diz as esposas? – Sim, é. Quero dizer, de Vegas para agora. – Parte de mim suspeita que Harlow tramou tudo isso – ele diz. – Eu não me surpreenderia se ela fosse a responsável por nos passar informações sobre a Bike & Build anos atrás. – Há divergências – brinco, erguendo minha lata para ele. – Como está a estimada senhora Roberts? Ele ri. – Louca pra caralho. Ela deve estar lá agora, fazendo Lola enfrentar um interrogatório terrível. Acho que “terrível” é um eufemismo, mas, se tem alguém com quem Lola sabe lidar, esse alguém é Harlow. – É um bom momento para ser um homem – digo. O bater de nossas latas brindando ecoa levemente pela loja.


Capítulo 11

Lola Espero um interrogatório por parte de Harlow, mas definitivamente não espero encontrar London e Mia também nos esperando no apartamento. Meu cérebro ainda está confuso por conta do sexo, da viagem iminente, dos prazos rondando em meu calendário. Pareço não ter mais espaço em meus pensamentos para o que está acontecendo agora. Olho para as três mulheres em minha casa, pisco os olhos confusa. – Enviei uma mensagem de texto para elas – explica Harlow, acenando com a mão. – Durante o festival da foda. Depois que você gozou, acho, mas antes de Oliver gozar. – Você convocou uma reunião de emergência porque eu estava transando com Oliver? – Pressionando a mão contra o rosto, murmuro, rindo: – Santo Deus! Harlow puxa minha mão e sacode a cabeça. – Só estou feliz por você ter trepado. – Harlow! – diz Mia, puxando-me para longe de nossa amiga. – Você é ridícula. – É o que diz a garota que mal consegue andar hoje. Mia ignora o comentário e continua me puxando para o canto. É verdade… Ela está mancando. Mas não é a perna que está ferida. Harlow jamais a provocaria com algo assim. Mia anda como uma mulher idosa… ou como uma mulher muito, muito grávida. Delicadamente, como se suas costas pudessem se partir ao meio. – O que aconteceu com você, Blanche? – pergunto, sorrindo. – Shh. – Ela acena com a mão. As garotas se aproximam de mim na sala de estar – London e Mia se ajeitam ao meu lado no sofá e Harlow senta-se na mesinha de centro, me encarando. – O que precisamos discutir – começa Mia, falando com uma sinceridade dramática – é por que nós a abandonamos. Harlow vira-se para encará-la, divertindo-se com as declarações. Eu me distancio de Mia e observo ceticamente as três. – Vocês o quê? – Durante todo esse tempo… – diz Mia, levando uma mão delicada à garganta. – Bem, durante


todo esse tempo, as coisas vêm se desenvolvendo com Oliver e precisamos entender que, se você não contou tudo para nós, é porque não estávamos disponíveis para você. Como amigas. Eu a encaro: – Você está me zoando? London e Harlow assentem. Mia nega solenemente com a cabeça. – Nós andamos tão ocupadas. – Você estava comprando uma casa, sua cuzona – eu a lembro. Esboçando um sorriso, Mia concorda. – Ocupada assinando papéis por dias a fio. Tão ocupada que não atendi o telefone, sua cuzona. Solto o corpo no sofá, rindo. – Simplesmente aconteceu. – Sem planejar nada? – arrisca Harlow. Assentindo, Mia diz: – Isso soa bem típico da nossa Lola. Impulsiva. – Não, quero dizer, ontem à noite… – começo. – Ontem à noite foi a primeira vez que vocês dois flertaram e aí… pronto! Sexo? – pergunta Harlow, assentindo como se estivesse certa. – Vocês três são umas filhas da puta – digo, sorrindo. – E eu preciso arrumar a mala. Levanto-me do sofá e começo a atravessar o corredor, indo ao meu quarto. – Mas ainda precisamos de detalhes! – grita Mia enquanto me segue. Detalhes. Minha cabeça gira com eles. Ainda sinto Oliver dentro de mim. Quero tatuar cada detalhe em minha pele: a curva de sua boca enquanto ele goza, o suave roçar de seus dedos em meus ombros quando ele se move para tocar meus cabelos, seus ombros sobre mim, para cima e para baixo, para cima e para baixo, enquanto ele se movimenta. – Foi bom. Harlow bufa na passagem da porta, observando enquanto London e Mia se ajeitam em minha cama. – Ele arrebentou a sua vagina e, a julgar pelo som, quase arrebentou a mesa, e você diz que foi “bom”? De onde estou, puxando as roupas da cômoda, lanço um olhar. – Você poderia não usar a palavra “vagina”? – É uma bela palavra – ela defende. – Você deveria sentir orgulho de… – Cara, tenho certeza de que minhas partes íntimas são incríveis – interrompo, virando-me novamente para minhas roupas. – Mas não é uma palavra bonita. É uma coisa incrível, mas uma palavra horrorosa. – Precisamos de um nome melhor – concorda London. – Mas eu gosto de boceta. – Mas jamais chamaríamos nossas bocetas daquele jeito casual que os homens chamam seus paus – contribui Harlow. – Isso é ruim? – questiona Mia. – Precisamos, mesmo, chamá-las de uma maneira casual? Harlow parece insultada. – Tipo, o que vocês acham de… tara? – London aponta com as duas mãos para o meio das pernas e olha para nós em busca de aceitação. – Esta é a minha “tara”. – Talvez fosse melhor pensar em algo que não existe ainda e que não rime com “vara” – sugiro. – Ah… – bufa London. – Isso é tão esquisito. Eu nem sequer pensei no assunto. Claramente um


bom tempo se passou desde a última vez em que pensei em pau. – Como vai a casa nova? – pergunto a Mia, mudando de assunto. Fecho o zíper da mochila e a deixo perto da mesa. Ela encolhe os ombros, sorrindo com alegria. – É linda. Pegamos as chaves ontem. – E passaram a noite lá? – pergunto. Ela assente. – Sem móveis, sem eletricidade, devia estar fazendo dois graus lá dentro e Ansel correu pelado por toda a casa antes de me atacar no assoalho da sala de estar. – Ela leva a mão à lombar e estremece. – Ter 23 anos é ser velha demais para fazer sexo confortavelmente no chão? Pensei que tivéssemos mais longevidade do que isso. – Bem, isso explica a curva geriátrica em sua coluna – digo. London suspira. – A essa altura, eu faria sexo em uma rocha pontiaguda. Fazemos um “toca aqui”, mas ela imediatamente segura minha mão e esfrega a palma contra a minha. – Espere aí! Estou retirando o “toca aqui”. Você trepou pra caralho ontem à noite. E hoje. – A última vez que eu tinha trepado foi há quase dez anos – protesto. – E estou prestes a viajar para Los Angeles para passar três dias sem trepar. Toque aqui outra vez. London encosta sua mão sobre a minha e todas nós ficamos em silêncio quando o nome “Los Angeles” é mencionado. Esse silêncio me diz que elas cansaram das brincadeiras. Mas o fato de minhas amigas ainda estarem aqui me diz que elas não vão embora antes de eu dar alguns detalhes. Então, entrego os detalhes que posso entregar. Conto sobre tê-lo desenhado, sobre a tensão que parecia ter se abrandado depois disso, sobre meus sentimentos terem crescido exponencialmente assim que eu os alimentei. Conto sobre a noite na casa dele, os abraços, a festa em Los Angeles, o bar aonde fomos depois e a declaração direta de Oliver de que estava apaixonado por mim. Meu coração parece inchar até se tornar difícil respirar. Harlow pressiona a mão firmemente ao peito. – Ele falou isso? Concordo com a cabeça, mordendo a unha e confirmando: – Ele falou isso. – E você não transou com ele imediatamente naquela noite? – Mia pergunta. – E em um quarto de hotel? – acrescenta Harlow, horrorizada com a oportunidade perdida. É muita informação e sinto os meses de desejo agora invadindo tudo em minha vida. – É algo importante para mim – rebato. E, inexplicavelmente, lágrimas brotam em meus olhos. Passando apressadamente por uma Harlow surpresa, corro até o banheiro, fechando a porta ao entrar. – O que…? – ouço London dizer. A voz de Harlow se transforma em um murmúrio calmo: – Eu cuido disso. Ouço-a bater discretamente na porta enquanto encho as mãos em forma de concha de água fria, jogando-a nas bochechas antes de secar com uma toalha macia. Respire. É que é muita coisa de uma vez, digo a mim mesma. Respire.


– Lola? – Me dê só um segundo. Não sei por quê, mas tenho essa apavorante sensação de terror. Meu sangue corre frio de medo e quente de excitação, alternando-se selvagemente entre esses dois polos. Isso é bom. Tudo é bom. Então, por que sinto como se estivesse tentando conter um furacão na palma da minha mão? Preciso de alguns minutos para escovar os cabelos e arrumá-los outra vez em um rabo de cavalo. Coloco um pouco de maquiagem. Olho para mim mesma no espelho e tento não me preocupar com o fato de que essa mulher me olhando de volta vai estragar tudo, tudinho mesmo. – Lola – sussurra Harlow do outro lado da porta. – Lola… Não tem problema se tudo isso for intenso. Oliver não vai a lugar algum.

O carro estaciona em frente ao Four Seasons Beverly Hills e o motorista puxa minha mochila do porta-malas, sorrindo discretamente quando lhe dou uma gorjeta patética porque só tenho dez dólares em dinheiro vivo. Fico assustada quando o mensageiro estende a mão para pegar minha mala, antes que eu consiga pegá-la, e pedimos desculpas um ao outro ao mesmo tempo. Ele me oferece um sorriso solidário e gesticula para a entrada do imponente hotel. Devo parecer alguém que saiu de uma caverna: passei por uma noite com poucas horas de sono e cochilei como um recém-nascido que acabou de mamar durante todo o caminho, desde San Diego. Mas mesmo com o céu escurecendo à minha volta e a promessa de uma cama confortável, infelizmente sei que ficarei acordada por horas. O quarto já está pago e, com a chave na mão, sigo para o andar superior. É uma suíte luxuosa, decorada com itens em cores neutras e com flores em um vaso sobre a mesa. Uma cama king size gigante toma grande parte do quarto e logo à frente dela há portas francesas dando para uma sacada com vista para a linha do horizonte de Los Angeles. Tudo é bonito e a semana promete ser estimulante, mas meu estômago parece ligeiramente afundado no corpo. Por mais desesperada que soe, não gosto da ideia de passar os próximos dias distante de Oliver. As coisas entre nós ainda são recentes, então ainda não é tempo para uma pausa dessas. Pego o telefone para ligar para ele e vejo que, nas últimas três horas, perdi duas ligações do meu editor, três de Benny e uma de Oliver. Ouço primeiro a mensagem de Oliver, enquanto vou ao banheiro para me despir. Preciso de um banho, serviço de quarto e uma boa noite de sono. Oi, querida. Só estou sentindo saudade. Espero que tenha feito uma boa viagem. Vou jantar com o pessoal hoje… Sentiremos sua falta lá. E depois. A voz dele fica mais baixa: Não quero dormir sozinho na minha cama hoje. Quero você ali, em cima de mim. Lola, estou obcecado. Telefone quando você chegar para eu poder brincar com você. Te amo. Ouço a mensagem outra vez e outra vez e outra vez até abrir o chuveiro, curvar os lábios em um sorriso enquanto lembro cada um de seus toques e esqueço que tenho outras mensagens importantes e urgentes esperando no meu telefone.


Um carro me pega na frente do hotel às nove horas da manhã seguinte. Olho pela janela enquanto costuramos pelo trânsito do centro de Los Angeles. Ontem à noite, depois do banho, telefonei para Oliver e conversamos por três horas, até nossas palavras saírem arrastadas por conta da exaustão. De repente, sinto vontade de ver uma foto dele, uma foto nossa – alguma coisa para olhar além da monotonia dos automóveis entrando em nossa via, da imagem das infinitas calçadas e faróis traseiros dos carros. Mas, quando puxo o telefone para olhar as imagens que tenho guardadas ali, minha tela já está iluminada com mais uma ligação perdida de Benny. – Porra! – expiro, sentindo com o polegar que meu telefone está no silencioso desde que saí de San Diego ontem. – Porra, porra, porra! – Esqueci que ele tinha ligado. E não ouvi suas mensagens. Lola, aqui é Benny. Ligue para mim. Lola, querida, acabei de conversar com Erik. Ele precisa de uma posição sobre a entrega da primeira prova. Meu editor? O quê? Oi, Lola, aqui quem fala é o Erik. Dê uma ligadinha para mim. Quero saber sobre o progresso de Junebug e saber se você precisava de mais tempo. – Mais tempo? – digo em voz alta. O motorista usa o retrovisor para olhar para mim. Minhas mãos estão trêmulas quando abro o aplicativo do calendário. É impossível que eu tenha cometido esse erro. Impossível que eu tenha cometido esse erro. Olho. Pisco os olhos. Sei que o prazo do meu livro é na próxima semana, já me estressei por estar atrasada enquanto viajava, mas ele não aparece no calendário. Corro a tela para a próxima semana, duas semanas, depois três… nada. Volto para esta semana, para a semana passada… Também não está lá. O motorista estaciona na frente do estúdio e tropeço ao sair do banco, murmurando distraidamente um “obrigada”. Meus dedos estão suados contra a tela. Com o terror se espalhando em meu estômago, abro o calendário de duas semanas atrás. Ali, na quarta-feira daquela semana, estão as palavras: Entregar Junebug para Erik. Era para duas semanas atrás. Tenho 17 painéis desenhados para meu próximo livro e o prazo era 2 semanas atrás. Agora entendo porque Erik me mandou e-mail, “verificando” casualmente duas vezes. Agora entendo por que Benny fica nervoso sempre que fala de Junebug. Nunca na vida perdi um prazo – nem mesmo para algo tão insignificante quanto uma lição de casa de matemática. Ando de um lado para o outro na frente do prédio, atrasada para a reunião com Austin e Langdon, mas não posso deixar isso em espera. Benny não atende quando telefono, então deixo uma mensagem tentando explicar histericamente o que aconteceu, que, quando anotei no calendário, imediatamente tomei uma nota mental de que o prazo era março, e não fevereiro, se ele poderia ligar para Erik e


explicar e por favor dizer que preciso de mais prazo e que nunca mais vou pedir mais prazo porque isso é totalmente culpa minha. Meu telefone acende com uma mensagem de texto de Oliver – Boa sorte hoje –, o que faz meu pânico aumentar ainda mais. Não tenho a menor ideia de como vou me concentrar em alguma coisa hoje agora que sei que cometi um erro monumental. – Bom dia, Loles! – grita Austin de algum ponto atrás de mim. Quando dou meia-volta, vejo-o saindo do estacionamento adjacente ao prédio. Austin abre um sorriso enorme e, ainda trêmula, coloco o telefone na bolsa. – Bom dia. Quando ele se aproxima e vê meu rosto – sem dúvida estou pálida e com a feição de alguém totalmente em pânico –, franze o cenho, oferecendo uma cara de mau humor, mas de brincadeira: – Você não parece uma mulher poderosa pronta para quebrar tudo hoje. – Eu acabei de perceber que perdi… Austin não dá a mínima. Ele já passou por mim e inclina a cabeça para que eu o acompanhe. Puxo a blusa na altura do peito para me refrescar enquanto entro no prédio logo atrás dele. E caramba! Minha blusa de seda azul já tem enormes marcas de suor debaixo dos braços. As coisas só podem piorar daqui para frente. Meu primeiro instinto é ligar para Oliver, contar tudo a ele e desabafar enquanto ele explica calmamente que isso é normal e diz que vou dar conta de tudo. – Langdon está a caminho – Austin me informa. – O que você estava dizendo? Que perdeu o quê? – Ah… – digo, apressando-me para acompanhar seus passos rápidos enquanto ele entra no elevador. – Eu precisava mandar uma coisa pro meu editor. – Minha cabeça gira e puxo o telefone da bolsa outra vez para ver se Benny retornou minha ligação. – Ops! Nada disso! – ele diz, batendo no telefone com o indicador. – Temos muita coisa para fazer hoje. – Aproximando-se, ele acrescenta: – Nada é mais importante do que isso, não é?

Austin me guia até uma sala de reuniões e me entrega uma cópia grampeada do roteiro – é a primeira vez que o vejo – e me diz que tenho meia hora para dar uma olhada, enquanto esperamos Langdon chegar. – Ele está preso no trânsito – diz Austin, franzindo a sobrancelha para o telefone. – Eu ainda não li… – Não se preocupe – ele diz, interrompendo-me com delicadeza. Dá a volta na mesa para se sentar ao meu lado, e seu estremecer sincero deixa claro que ele entende que tudo isso é muita informação para mim. Só que nunca sei dizer se ele está ou não do meu lado. – Temos o dia todo para estudar isso. Lola, juro que você vai passar tanto tempo com esse roteiro que vai querer queimá-lo. Quando Langdon chega e nós três nos sentamos, minhas notas nas primeiras cenas estão feitas com uma letra trêmula e de forma muito desorganizada. O documento à minha frente é uma das coisas mais estimulantes que já me aconteceu, mas não consigo me envolver totalmente com ele. Meus pensamentos vacilam entre Junebug e Oliver – da ansiedade ao alívio e de volta à ansiedade. Mas Langdon e Austin já estão familiarizados com o roteiro e, mesmo sem o pânico por conta do prazo do livro e a obsessão por Oliver tomando conta do meu cérebro, eu me sentiria como alguém que corre atrás de um carro na rua apenas para seguir o ritmo da conversa. Preciso me concentrar. Não posso olhar para saber se Benny ou Erik retornaram minha ligação. Preciso apenas enfrentar o dia. Apenas enfrentar o dia.


Apenas enfrentar… – Então, Lola – Austin interrompe meus esforços, usando a ponta da caneta para coçar a cabeça. O farfalhar parece ecoar pela sala. Corro as mãos por meus braços expostos, perguntando a mim mesma por que diabos o ar-condicionado está tão forte. – Estamos pensando na cena de abertura. Quinn poderia estar voltando da biblioteca em vez de deitada na cama. Olho para o trecho do qual ele está falando, percebendo que não escrevi nenhum comentário ali. Na verdade, eu gostei da cena de abertura. – Bem, é menos assustador encontrar Razor na frente da biblioteca do que acordar com ele parado no quarto dela – justifico. – Não sei se o público será solidário com Razor se ele estiver no quarto de uma garota de dezoito anos – explica Langdon. Olho para os dois. – Especialmente se considerarmos que Quinn tem quinze anos – rebato. Austin olha para Langdon e percebo sua cabeça balançando discretamente. – Vamos nos concentrar na questão biblioteca ou quarto. – O público não deve se solidarizar com Razor no começo da obra. – Eu preciso mesmo explicar isso? Sinto o outro estresse se desfazendo conforme esse estresse começa a jogar gasolina no fogo que arde em meu peito. – Ele é um homem deformado, com escamas e dentes afiados como facas. Não tem a aparência de um super-herói porque, no começo, ele não é um super-herói. Austin dá início a uma explicação sobre a confiança do público e sua primeira impressão. E usa tanto jargão que, depois de alguns minutos, meu cérebro começa a se distanciar lentamente, pensando em Oliver, em seu escritório… Nele me mandando ficar quieta. Em como pareceu que ele sabia que eu estava começando a entrar em pânico com a ideia de passar três malditos dias fora. Em como ele parece já me amar, em como confia que eu vou fazer tudo da forma certa. Em como preciso dele agora, seus olhos diretamente apontados para os meus, me ajudando a passar por tudo isso um minuto de cada vez. – … então o problema é realmente mostrá-los de frente, apertar os punhos em suas golas e gritar na cara das pessoas que elas vão amar Razor – Austin prossegue. – Independentemente do que ele faça. Tem que ficar bem claro, na primeira cena. Isso nos permite perdoá-lo quando ele exagera, mais adiante na história. Ainda com a cabeça viajando, concordo. O que ele está dizendo faz sentido. Mas, ao mesmo tempo, não faz sentido. Certo? E porra, sei que não prestei atenção a grande parte do que ele falou, mas só posso lutar um pouquinho mais. – Eu só acho que… Langdon suspira pesadamente, olhando exasperado para Austin. – Não temos tempo para isso. – Não, não – diz Austin, acenando levemente para Langdon e me oferecendo um sorriso. – Deixe-a falar. As palavras nadam em minha cabeça e por longos e dolorosos segundos me esqueço de qual cena estávamos falando. – Hum… – A abertura? – sugere Austin com uma paciência dissimulada.


Assentindo rapidamente, digo: – Prefiro que seja como está no livro. Em voz baixa, Langdon ironiza: – Nossa, que surpresa! Viro a cabeça para ele. – Como é que é? – pergunto, sentindo meu coração bater tão forte a ponto de me deixar trêmula. – Não estamos falando aqui de uma adaptação do livro? Eu passei semanas editando essa cena para ela estar perfeita. Um sorriso sarcástico se forma na boca de Langdon. – Você tem quantos anos mesmo? – ele pergunta, inclinando o corpo para a frente e com os cotovelos apoiados na mesa. Jogo o corpo para a frente. O painel mostra uma garota com um botijão de propano, segurando um fósforo. – Vinte e três. – Vinte e três. E escreveu um livro. Do qual algumas pessoas gostaram. E agora você entende muito de Hollywood. – Ele estala os dedos e relaxa novamente o corpo na cadeira. – Então eu nem sei por que estou aqui. Meu sangue se transforma em vapor. O que foi que ele acabou de dizer? – Acho que eu também não sei – lanço finalmente, voz trêmula. – Você tem 45 anos e apenas um roteiro adaptado para um grande estúdio. E o filme não chegou a render nem onze milhões de dólares. Nosso orçamento é dez vezes esse valor. Langdon respira profundamente, o que o faz parecer um dragão prestes a cuspir fogo. – Meu foco é em filmes indie, o que me dá uma perspectiva de nicho que me permite… Austin tenta rir, mas acaba apenas bufando. – Langdon, deixe disso. Deixe de bancar a diva. Lola só está nos contando suas impressões. Tudo isso é novidade para ela. – Ele se vira para mim com um ar apaziguador: – Parte disso, e sei que será difícil, é você se permitir confiar em nós. Confiar em mim. Confiar em Langdon. Confiar no processo. Você acha que pode fazer isso? – Quando termina de falar, ele já está sorrindo como se tivéssemos concordado. Atônita, eu o encaro. – Ótimo! – ele exclama. – Vamos alterar a abertura um pouquinho, só um tiquinho, e aí, bum! Seu mundo vai se abrir na tela!

O restante da reunião é igualmente catastrófico. Langdon por fim deixa para trás seu chilique, mas minha história é destruída, reorganizada. Diálogos que adoro são perdidos, cenas que jamais pensei em incluir no livro de alguma forma surgem no roteiro. Não que eu seja particularmente preciosista com relação a meu trabalho, mas muitas das alterações deles não fazem o menor sentido. E amanhã teremos que passar por tudo isso outra vez. E depois de amanhã também. Peço serviço de quarto e coloco meu pijama antes das oito da noite. Erik me telefonou durante um breve intervalo para o almoço e combinou de telefonar outra vez sexta-feira à tarde, enquanto eu estiver a caminho de San Diego. Pelo menos ele não soava como se quisesse me matar, mas sei que, quando chegar em casa, vou ter que me trancafiar na “caverna do escritor”. Meu telefone descansa no meio da roupa de calma felpuda, preto e sem vida. Quero telefonar para


Oliver, implorar para ele divagar e me tirar desse frenesi frio, mas minhas respirações só descem até metade da traqueia antes de eu expirar. Eu o desejo aqui. Tenho uma lista de afazeres de uns cinco quilômetros, mas me sinto inquieta sozinha neste quarto. Parece loucura, como se precisar assim de Oliver fosse querer demais e tão cedo. Passo a maior parte do dia desejando estar em San Diego e não em uma mesa trabalhando no roteiro. Mas não quero conversar com Oliver ao telefone porque, em pânico, me sinto incapaz de falar sobre nosso relacionamento, sobre o livro, o filme, tudo… E tampouco quero enviar mensagens de texto porque é difícil colocar toda essa enormidade em uma caixinha de texto digital. Sinto uma saudade enorme e frenética. Quero ir para casa esta noite para estar com ele. Preciso de Oliver neste quarto de hotel, comigo, e sei que, sem pesar os prós e contras, ele dirigiria até aqui em um piscar de olhos se eu pedisse. Ele me acalmaria, me faria rir, transformaria minha insanidade em outra coisa. Um brinquedinho para colocar na ponta da caneta, uma daquelas molas de brinquedo, qualquer coisa descartável e divertida. Mas, se ele viesse para cá, estaria sozinho na estrada, e já é tarde. As pessoas estão bêbadas, são descuidadas. Enviam mensagens de texto enquanto dirigem. E San Diego está a mais de duzentos quilômetros daqui. Meu telefone vibra com uma mensagem de texto e, quando olho, vejo o nome dele na tela. Como foi? Pego o celular e começo a digitar umas dez respostas diferentes, mas me vejo deletando cada uma delas. Por fim, jogo-o na cama, ligo a TV, vou tomar banho. Pego um bloco de notas e passo algumas horas esboçando algumas das piores coisas que já fiz e então solto o bloco na cama. Razor Fish foi um fracasso? Comecei a desenvolvê-lo quando tinha 15 anos e precisei de 3 anos para terminá-lo, 2 outros para editar e mais 2 para publicar. O que eu tinha na cabeça quando decidi escrever a sequência em alguns meses ao mesmo tempo em que viajava, trabalhava no filme, me apaixonava? O painel mostra um monstro devorando os móveis. Estou exausta, mas meu cérebro não para. Enfio a mão na bolsa, encontro um sonífero. Ele me encara, pequeno e branco e desafiador. Nem o sinto deslizar por minha garganta. O mundo se estreita, deixando de ser um espaço branco amplo e se transformando em um ponto de foco à minha frente, no qual há apenas minha mão segurando uma caneta. A linha se alonga, arrastando-se pela margem, e minhas pálpebras são como árvores pesadas caindo em meio à floresta.

Austin me encontra outra vez na frente do prédio na manhã seguinte e me entrega um enorme copo de café. – Achei que você talvez precisasse – diz, dando um gole em seu expresso pequeno. Ofereço um sorriso, agradeço. Meus pensamentos se aceleram. Ele está dizendo que hoje vai demorar mais, que o trabalho vai ser mais intenso do que ontem? Ou está querendo dizer que preciso me concentrar mais e, por isso, trouxe esse café para mim? Eu o acompanho até o elevador, ouvindo-o conversar ao celular. Ele desliza enquanto entramos e nos apertamos em meio a uma pequena multidão.


– Quero que saiba que Langdon realmente entende o espírito da sua história – garante Austin, em uma voz muito alta dentro de um espaço com tanta gente. – Estou certa de que entende. Quero conversar com Austin sobre o assunto, é claro – e também ter certeza de que vamos terminar tudo isso em tempo para eu voltar para casa e para o trabalho –, mas não quero debater isso no meio de um elevador lotado. – E sei que a questão da idade é um problema para você… – É mesmo – confirmo em voz baixa. – Mas Langdon tem sensibilidade para o cinema e sabe o que funciona e o que não funciona. Não vamos atrair o público masculino, do qual precisamos, com uma protagonista de quinze anos. Sei que todos à nossa volta estão ouvindo, esperando para saber minha resposta. – Bem, é uma pena – rebato, e ouço alguém dizer alguma coisa atrás de mim. Pelo tom, não sei dizer se é um sinal de apoio ou de escárnio. – Muito embora Natalie Portman tivesse apenas doze anos em O profissional e grande parte da dinâmica do relacionamento de Razor e Quinn seja baseada nessa obra. As portas se abrem em nosso andar. – Bem, certamente também houve uma discussão sobre a dinâmica sexual daquele filme – ele aponta. Abro a boca para dar minha opinião – de que estamos falando de pessoas com problemas que encontram uma ligação com alguém e que nunca houve uma relação sexual implícita entre Mathilda e Léon – quando Austin sai do elevador. – Sexo vende – ele comenta por sobre o ombro. – Não é à toa que dizem isso por aí. – Wolverine também vende – respondo em voz alta o suficiente para saber que ele me ouve, mesmo se apressando à minha frente e verificando os e-mails no celular. – Ele é mentor de garotas mais jovens, mas a coisa nunca fica medonha. Austin ignora meu comentário e entramos na mesma sala de reunião em que estivemos ontem. Através da porta de vidro, vejo que Langdon já nos espera, sentando e rindo com outro homem – ligeiramente mais velho do que o próprio Langdon, mas em forma, com cabelos grisalhos nas têmporas e óculos tartaruga. – Ah, que bom que os dois já estão aqui – diz Austin, empurrando a porta com a palma da mão. – Lola, este é Gregory Saint Jude. O homem se levanta e se vira em minha direção, observando-me com olhos atentos. – Nosso diretor – acrescenta Austin. Estendo o braço para oferecer um aperto de mão. Ele é mais baixo do que eu, mas me cumprimenta com um aperto de mão firme e um aceno de cabeça amigável antes de se sentar outra vez ao lado de Langdon. – O nome do meu pai também é Greg – comento com o que espero ser um sorriso afável. O sorriso que ele oferece em resposta, porém, é apertado ao redor dos olhos. – Na verdade, prefiro que me chamem de Gregory. – É claro, sem problemas. – Droga! Já estava me sentindo insegura por conta da situação com Austin e, de repente, me sinto como o próprio Razor, chegando de uma versão completamente diferente do mesmo mundo. Estou claramente nervosa, pois tenho de engolir uma risada só de pensar nessa ideia. Enquanto coloco o celular sobre a mesa, sou tomada por uma necessidade de telefonar para Oliver e contar o que está acontecendo. Ouvir sua voz, sentir um pouco de normalidade.


E agora sinto que abri as comportas e deixei os pensamentos jorrarem. Ontem à noite, não enviei uma mensagem de texto para ele, então, hoje de manhã mandei uma série de emojis e uma mensagem dizendo: S.O.S. L.A. É ESQUISITA. Mas sua resposta… Dormi feito uma pedra. Acha que eu estava com o sono atrasado? Ligue quando terminar hoje. …não chegou nem perto de ser suficiente. Rapidamente reconsidero a ideia de ele dirigir até aqui e passar as próximas duas noites comigo, mas será que eu conseguiria me concentrar sabendo que ele está a poucos quilômetros, na mesma cidade? E, mesmo se conseguisse, a que horas eu trabalharia? – Lola – Austin me chama. Pisco os olhos em sua direção e percebo que estava olhando para a tela do meu telefone. E que provavelmente não foi a primeira vez que ele chamou meu nome. – Sinto muito. Eu só estava… – Desligo o celular e sorrio para ele. – Pronto, agora está desligado. De onde começamos? Seu sorriso é desanimado. – Página sessenta.


Capítulo 12

Lola Quando o carro preto para no meio-fio, Oliver está na frente do meu prédio na tarde de sexta-feira. O motorista abre a porta e tira minha pequena mochila do porta-malas, recusando a gorjeta. – Já está pago – diz com um sorriso. Esmoreço. Dessa vez eu estava preparada! Enfio os vinte dólares de volta no bolso e olho para cima. Muda à noite, frenética por contribuir com algo significativo durante o dia, falei com Oliver apenas duas vezes nos últimos dois dias – por um total de talvez dez minutos – e minha reação ao vêlo agora é exatamente o que eu esperava. Oliver está usando calça jeans escura, camiseta vermelha escura e All Star azul. Os cabelos estão penteados, mas caem sobre a testa. Os óculos não bloqueiam o azul brilhante de seus olhos. Quando ele sorri para mim, prende o canto de seu lábio inferior entre os dentes retos e brancos. Ele dá um passo em minha direção e me movimento rapidamente rumo a seus braços, aproximando-me e pedindo mais quando ele me abraça apertado, tirando todo o ar de dentro de mim. Sua boca está em minha têmpora, na maçã do rosto, cobrindo meus lábios com beijos rápidos e leves, os lábios abrindo, a língua deslizando para dentro de mim. Na calçada, suas mãos se movimentam impacientemente por minha cintura, meu quadril, meu traseiro, as palavras deslizando por meus lábios enquanto ele diz que sentiu saudade, que sentiu saudade, que sentiu saudade. Quero subir logo, fazer amor, me afogar nele. Mas já são quase sete da noite e vamos jantar na casa do meu pai. Com um gemido, Oliver se afasta, assentindo para o carro no meio-fio. Entrelaça os dedos aos meus e me leva até o lado do passageiro. – Está pronta? Faço que sim com a cabeça. – Não. Rindo, ele abre a porta para mim. – Então vamos.


Por mais impossível que possa parecer, nunca tive um momento desconcertante com meu pai. Mesmo depois que ele voltou da guerra e nos sentamos um de frente para o outro na mesa do café, os dois incapazes de pensar em qualquer coisa além de seus gritos de tortura em meio aos pesadelos durante à noite, assombrados pelas imagens gravadas em suas pálpebras. Mesmo quando minha mãe foi embora e ele perdeu a cabeça em cartelas de remédio e eu o arrastava para a cama, dava-lhe água, ouvia seus lamentos. Mesmo quando ele entrou no meu quarto enquanto eu fazia a lição de casa e discretamente admitiu que precisava de ajuda. Passamos por momentos difíceis – por momentos brutais, na verdade –, mas a situação nunca foi “esquisita”. Essa verdade se dissolve assim que estacionamos e meu pai nos espera na varanda, ostentando um sorriso enorme. Até agora eu não tinha me dado conta de que tenho 23 anos e nunca levara um namorado para casa. Assim que passamos pela porta, sei que meu pai vai tornar a situação tão horrível quanto eu esperava: ele sorri de uma orelha à outra e, quando dá um tapa nas costas de Oliver, o barulho se espalha pela sala. Oliver lança um sorriso tranquilo para ele, os olhos brilhando com humor. – Oi, Greg! – Filho! – meu pai sussurra. Meu estômago se revira e se aperta. – Pai, não… – aviso. Ele dá risada. – Não o quê, Lorelei? – Não deixe a situação desconfortável pelo resto da eternidade. Ele já está negando com a cabeça. – Tornar a situação difícil? Por que eu faria isso? Só estou dizendo “oi” a você e a seu novo parceiro. Seu namorado. Seu… Rosno para ele, interrompendo-o. Estendendo a mão atrás do sofá, ele puxa um CD do Barry White e um balde de gelo com uma garrafa de champanhe. – Ao novo casal feliz! Oliver dá risada, explode em deleite… Sempre tão tranquilo, nunca torna a situação constrangedora para ninguém. Então ele puxa a garrafa das mãos de Greg. – Permita-me ter esse prazer. – Acho que nunca opinei sobre o assunto – brinca meu pai. Fecho os olhos bem apertado. É, ao mesmo tempo, a melhor e a pior coisa saber que esses dois são tão bons amigos. O painel mostra a garota jogando uma frigideira no ar e ficando silenciosamente abaixo dela. Dou tapinhas nos ombros dos dois enquanto passo por eles. – Se alguém precisar de mim para essa festinha, estarei no quintal dos fundos. Meu pai me chama para perguntar: – Você não quer uma taça desse Champanhe do Novo Relacionamento, Lola? Mas eu já estou na cozinha, abrindo a janela para deixar o ar fresco entrar. É lindo lá fora. Os pés de maracujá rastejam pesadamente pela cerca que separa nosso quintal dos Blunt, pesando pela madeira antiga e caindo por nosso gramado. Durante os dias de verão há tantas abelhas dentro das teias de folhas que eu costumava imaginar que elas trabalhavam no concreto para erguer as folhas, a cerca, o jardim, nossa casa da terra e nos levar a algum outro lugar, como se


puxassem um adesivo de uma folha de papel. Quando as frutas ficam maduras, elas caem, estalando discretamente contra a terra logo abaixo. Fecho os olhos e me lembro da vibração das abelhas logo acima, enquanto eu rastejava abaixo das folhas e apalpava para ver se as frutas estavam maduras e então as levava para dentro. Sinto como se não respirasse há dias, mas, agora que estou longe de Los Angeles, posso me permitir respirar. Estou ciente do aperto em minha garganta, com um punho se fechando. A tensão ainda me faz sentir um nó no estômago. Tenho tanta coisa para fazer. O roteiro não está sequer finalizado; Austin e Langdon comprometeram-se a me deixar editar a versão que criamos sob a condição de que eu não altere algumas mudanças com as quais concordamos na versão original. Erik me deu mais duas semanas para terminar Junebug, o que é bom, porque logo depois parto em mais uma book tour e retorno uma semana depois para ao primeiro dia das filmagens. Nunca tive que lidar com tanta coisa ao mesmo tempo e toda vez que afasto a cabeça do filme Razor Fish para me concentrar no livro Razor Fish para depois me concentrar em Junebug, tenho a sensação de que estou aprendendo outra vez a escrever. Sou um reservatório que pouco a pouco fica sem água. Aqui em casa, ouço a voz grave de Oliver e o explodir do riso de meu pai seguidos pelo estourar de uma rolha. Apesar da preocupação, mordisco o lábio e sorrio para o som de suas palavras ininteligíveis pronunciadas em tons tranquilos e felizes. Eles são um pouco exagerados quando estão juntos, mas eu já conhecia o jeito do meu pai e, mesmo assim, resolvi trazer Oliver para jantar. Os dois gostam tanto um do outro – e saber disso é ao mesmo tempo um alívio e um terror. As vozes lá dentro desaparecem e logo a porta telada range atrás de mim, ouço passos lentos pela escada e sinto um corpo longo e aquecido se ajeitar ao meu lado no gramado. Ajeito-me ao seu lado, fecho os olhos e tenho vontade de rolar sobre ele, regalando-me com a sensação de tê-lo comigo. – Onde está meu pai? – pergunto. Oliver desliza um braço longo por minhas costas, fechando os dedos em minha cintura. Sua boca encontra meu pescoço e fala contra ele: – Acertando os últimos detalhes de nosso jantar de “Assumimos o Namoro”. Dou risada, fecho os olhos e respiro fundo. – Você não gosta de como ele está encarando tudo isso? – Gosto, sim… – respondo vagamente. – Mas é mais ou menos como ter um novo corte de cabelo. Você quer que todo mundo goste, mas não precisa que todo mundo perceba de forma tão intensa. Ele se inclina para a frente, beija o canto da minha boca. – Você detesta esse tipo de atenção, não é? Você só quer isso, nós… Loliver – diz com um sorriso. – Só quer que sejamos um fato, uma coisa acertada, notícia antiga. Sorrio para ele enquanto sinto um milhão de asinhas baterem em meu coração. – Ou talvez eu queira que ele sorria e saiba em silêncio, mas, por enquanto, deixe-me degustar a vertigem desse Loliver. – Isso foi um tanto egoísta – ele responde, provocando. – E só para deixar registrado: não lembro de seu pai ser discreto ou silencioso com relação a nada. Mordisco o lábio, olho para ele. Sua boca se retorce em um leve sorriso, então sei que ele está me provocando, mas, ao mesmo tempo, não está. – Eu sei. Ele se vira para mim, esfregando a ponta do indicador em meu lábio inferior. – Greg está feliz por você. – Fazendo uma pausa, ele me estuda enquanto respiro rasamente,


rapidamente diante do suave escrutínio. Quando volta a falar, sua voz é baixa: – Pelo que percebi, você não trouxe muitos namorados para casa. – Na verdade, nenhum – respondo, e seu olhar se torna pesado, caindo em minha boca. – Você é o primeiro. – Mas você já teve outros relacionamentos duradouros. Estendo a mão e toco a ponta do dedo em seu queixo. – Eu ainda não chamaria nosso relacionamento de “duradouro”. Ele dá risada. – Acho que isso depende da sua definição. Nós certamente viemos construindo isso há muito tempo. Mas estou falando de alguém com quem você esteve tempo suficiente para querer trazer para casa. – Está perguntando com quantas pessoas já fiquei? Seus lábios se curvam, formando um sorriso. – Não diretamente. Dou risada, dizendo: – Você é meu quinto. – Ele faz cara de bravo, algo que nunca vi antes. Então lanço o questionamento: – Você quer que eu faça a mesma pergunta para você? – Pode fazer – ele rebate em tom de desafio, olhando-me nos olhos e talvez se dando conta de que não vou perguntar. Espero e ele finalmente ri enquanto estremece. – Embora eu não saiba de verdade. Passei noites com garotas diferentes na universidade. Imagino que por volta de trinta mulheres. Balanço a cabeça e olho outra vez para a cerca. Seguro a respiração até a pontada evaporar dos meus pulmões. – Você não gostou da resposta – ele diz. – E você gostou da minha? Rindo, ele admite: – Na verdade, não. Em meu mundinho ideal, eu tirei sua virgindade naquela noite. Viro os olhos. – Os homens são tão ridículos com relação a essas coisas. – Bem, claramente não apenas os homens – ele argumenta. – Você também não gostou de saber que eu estive com outras mulheres. – Não gosto da ideia de você ter amado outras mulheres. Ele não consegue evitar o sorriso que surge em seus lábios. Oliver se aproxima, deslizando a boca do meu pescoço até minha orelha. – Bem, eu não acho que tenha amado alguém assim. Desse jeito feliz, capaz de mudar minha vida, desse jeito que eu consiga me ver ao lado dela pelo resto da vida. Isso parece tão novo, tão direto, tão exposto. Eu me pergunto se Oliver percebeu como é assustador para mim trazê-lo aqui, admitir – muito embora eu não consiga dizer aquelas três palavrinhas – que eu me importo com o fato de que ele me ama. Assim que abrimos nossos corações ao amor, mostramos ao universo a forma mais fácil de quebrá-los na metade. Trinta mulheres. Não é uma surpresa ou algo particularmente doloroso – pelo menos não depois da pontada inicial. Mas é uma novidade depois de meses sem nunca conversar sobre esse tipo de assunto. Não consigo decidir se amo ou odeio o fato de tudo que eu descubro sobre Oliver me fazer sentir que simplesmente não o conheço. Sei que tipo de arte o deixa boquiaberto, quais filmes ele detesta e quais adora. Sei o que pedir se ele estiver atrasado para nos encontrar no Regal Beagle, sei que é filho único e que não gosta de ketchup. Mas simplesmente não conheço seu coração: quem ele


imaginou que poderia amar, quem o feriu e que tipo de namorado ele foi para essas mulheres. O que poderia me fazer perdê-lo. Sua mão chega às minhas costas, esfregando em círculos pequenos e lentos. – Senti sua falta – ele sussurra. Deus, meu coração! – Eu também. – Por que você não me ligou mais vezes? Dou de ombros, inclinando-me contra seu ombro. – Eu não sabia o que dizer. As reuniões foram duras. Perdi um prazo muito importante. Eu estava com a cabeça cheia de coisas. – Qual prazo? – ele pergunta, afastando-se para olhar para mim. – Junebug – respondo, e sinto a agora tão familiar náusea surgir outra vez. – Era para ter sido entregue há duas semanas. – Era? – ele diz com os olhos arregalados. – Eu não… Balanço a cabeça para interrompê-lo: – Eu sei. Eu tinha a data marcada em meu calendário, mas, na minha cabeça, pensei que fosse na próxima semana. E, mesmo se fosse na próxima semana, o livro estaria atrasado. – Como posso ajudar? É estranho, mas maravilhoso, ouvi-lo perguntar isso. Estranho porque as palavras surgem com tanta naturalidade, com tanta prontidão, e, pela primeira vez, entendo o que Harlow quer dizer quando fala que sou uma sem noção: esse tipo de pergunta é algo natural para Oliver desde que o conheço. – Não sei. Vou pensar em tudo isso amanhã cedo. – Fecho os olhos bem apertado, querendo deixar esse assunto de lado por mais algumas horas. – De qualquer forma, sinto muito por não ter ligado. Não gostei de estar longe. Mas também não gostei de não gostar de estar longe. Ele ri discretamente. – Faz todo o sentido. – Tomei calmante algumas noites. Sinto-o olhando para mim. – Ah, é? Você costuma precisar de calmante? – Não, mas o trabalho era muito estressante e eu meio que me transformei em uma Lola muda. – É mais uma versão de Lola que eu amo – afirma, beijando meus cabelos. – Eu a conheço bem. Longe dele, fiquei louca. Perto dele, é fácil expor tudo e a situação não parece tão esquisita. Como eu consegui ficar longe por três dias? Ele desliza a mão por meus cabelos. – Você vai ficar em casa esta noite? Eu deveria dizer não, mas não vou conseguir mesmo trabalhar muito esta noite. Hoje, preciso disso. Preciso de um reboot de Oliver. Amanhã a loucura do trabalho recomeça. Digo que sim com um movimento da cabeça e me viro para olhá-lo enquanto ele se aproxima, encostando seus lábios aos meus. Ligeiramente abertos. Ligeiramente úmidos. A ponta da sua língua toca a ponta da minha e é como um fósforo contra o asfalto. Estou em cima dele, pressionando meu corpo para baixo, precisando de alívio naquela parte dolorida do meu corpo. Nas partes doloridas: entre as pernas, no tórax. Quero acreditar que posso respirar sem ele, mas não tenho certeza. E não sei o que me aterroriza mais: pensar que eu poderia ficar sozinha outra vez ou tentar ficar sozinha.


Ouço um barulho discreto escapar por minha garganta. – Senti sua falta. Ele me beija outra vez, sussurrando: – Também senti saudades. Venha cá, Lola Love. Ele passa a língua pela abertura da minha boca, encorajando-me a abri-la outra vez. Sinto seu leve gemido, a urgência por trás de seu toque quando ele segura meu rosto e inclina a cabeça para conseguir um ângulo melhor. Sinto meu sangue evaporar, meu quadril entrar naquele ritmo instintivo. O tesão queima minha pele quando meu corpo lembra como é transar com ele. Sinto o desejo ardente de que cada toque se transforme em algo mais profundo e mais selvagem. Ele geme e mordisca meu lábio quando coloco meu quadril em cima dele, precisando ver se ele já está ereto e tão desesperado quanto eu. Mas ele me empurra para trás – sendo racional –, e sei que o quintal da casa do meu pai não é o lugar certo para isso. Não consigo ter Oliver em pequenas doses, ainda não. Não estou acostumada a beijá-lo apenas o suficiente para ter somente uma amostra. Afastando-me de seu corpo, encosto minha testa à sua, recuperando o fôlego. Parece que em vez de ter cinco sentidos agora tenho vinte; tudo dentro de mim vibra com uma sobrecarga sensorial. – Sinto muito – sussurro. – Ainda não acredito que você esteja assim em meu colo. – Ele desliza as mãos pelas laterais do meu corpo. – Sabe quantas vezes eu me masturbei pensando na fantasia de tê-la sentada em meu colo, fodendo meu pau enquanto eu chupo seus mamilos perfeitos? Explodo em risos, levando a mão à boca enquanto olho outra vez para a porta telada. Oliver beija meu queixo, seu sorriso calmo lentamente se formando. De repente, parece ser trinta anos mais velho do que eu. Ele lida tão bem com essa paixão. – Terminaremos isso depois. Quando concordo outra vez com a cabeça, ele me tira de seu colo e nos deitamos, ombro com ombro, olhando para o céu. Parece que existe um enorme oceano acima de nós, com as estrelas nadando. A mão de Oliver encontra a minha, seus longos dedos se entrelaçam aos meus. – Conte mais sobre Los Angeles – ele pede. Deixo um gemido escapar, respiro um pouco para recobrar meus pensamentos. – Comecei a trabalhar em Razor há tanto tempo que acho que não me lembro dos tropeços. Mas ir a Los Angeles foi como um balde de água fria caindo sobre minha cabeça. Eu me senti ingênua e inútil naquelas reuniões, com relação à história que eu mesma criei, e depois, quando voltava para o hotel à noite para trabalhar em Junebug, eu nem conseguia começar. Ele demonstra empatia ao meu lado, levando nossas mãos unidas até sua boca para beijar meus dedos. – Senti sua falta e só conseguia pensar em nós. Mas não consegui parar de me preocupar com o que estava acontecendo naquelas reuniões – continuo. Então olho para ele: – Eram três: Gregory – mas, pelo amor de Deus, não o chame de Greg –, Austin e Langdon. – Gregory Saint Jude? – ele pergunta. – Ele fez Metadata no ano passado, não fez? Oliver está claramente mais familiarizado do que eu com alguns desses nomes. Precisei usar o celular para fazer uma rápida pesquisa no IMDb no corredor outro dia. Sinto mais uma pontada de constrangimento. – Sim. E não tive muitos problemas com ele. Na verdade, ele não falou muito comigo. Mas Langdon é um filho da puta. Inicialmente, Austin disse que Langdon tinha uma relação com a história, mas deixe-me ser clara: ele não entendeu nada. Ou talvez tenha entendido, mas como um cara de


quarenta e poucos anos que só quer trepar com Quinn. Oliver bufa. – E você terminou a edição? – ele pergunta. Posso sentir sua cabeça virar, o peso de seus olhos voltados para mim. – Não. Chegamos a discutir a edição, mas eles me deram duas semanas para “polir” o texto, seja lá o que isso signifique – respondo. – Há muitas coisas que não posso mudar e as coisas que posso mudar são detalhes com os quais não me importo. Não dou a mínima para as roupas de Quinn. Ele suspira, virando o rosto de volta para o céu. – Sinto muito por ter sido tão frustrante, querida. Isso é um saco! Concordo com a cabeça. – Tudo bem. Vamos dar um jeito na situação. Só estou feliz de estar outra vez com você. – Digo o mesmo. Ele beija outra vez minha mão e depois de passarmos vários minutos olhando as estrelas em silêncio, a porta telada se abre e sinto meu pai ali, olhando para nós. Sei o que ele vê: sua filha deitada na grama, pela primeira vez de mãos dadas com um homem bem à sua frente. Não consigo imaginar o que ele está sentindo, se é agridoce ou apenas doce, ou se é tão aterrorizante para ele quanto é para mim. – O jantar está pronto – diz bem baixinho. Lá dentro, ele pôs a mesa com um conjunto de jogos americanos e guardanapos presos em anéis de metal. Uma vela está acesa no centro e, quando olho para ele para fechar a cara, seus olhos parecem mais ansiosos do que provocadores. Percebo que ele sabe que exagerou um pouco, então ofereço um sorriso relutante. Oliver se senta à frente de meu pai à mesa e nos servimos em silêncio. Sem a minha presença aqui, eles estariam rindo e comendo sem constrangimentos. Sem Oliver aqui, meu pai e eu estaríamos rindo e comendo sem constrangimentos. Nesse caso, dois não é melhor do que um. Meu pai limpa a garganta desajeitadamente e olha para nós. – Fico muito feliz por vocês dois – diz. Abro a boca para implorar que ele mude de assunto, pelo amor de Deus, mas Oliver percebe alguma coisa que eu não notei e aperta meu joelho por debaixo da mesa. – Obrigado. Até agora está tudo ótimo – ele diz, sorrindo para o meu pai antes de começar a comer a salada. – A amizade em primeiro lugar – diz meu pai, assentindo. – A amizade em primeiro lugar – Oliver repete. Meu pai toma um gole de sua água e olha para mim e percebo o que Oliver deve ter percebido: meu pai costuma se esconder atrás do humor, mas agora está demonstrando uma emoção rara. – A mãe de Lola e eu nos conhecemos em um bar. – Ele inclina a cabeça e sorri. – Paixão à primeira vista. Mas, no fim, éramos melhores sendo inimigos. De qualquer forma, quando éramos amigos, tudo transcorria perfeitamente bem. Quero que você tenha alguém que seja melhor como amigo. Arqueando a sobrancelha, lanço um olhar de “vamos mesmo falar sobre isso aqui e agora?”. Ele ri um pouquinho. Quando estamos só nós dois, não falamos mais de minha mãe, menos ainda na frente de outras pessoas. Simplesmente não há muito mais a ser explorado nesse território. Nesse verão eles terão completado mais tempo distantes do que casados – um ano a mais, para ser precisa. Sei o que qualquer criança saberia: eles tiveram um casamento decente – não foi maravilhoso –, mas não passaram muito tempo juntos porque meu pai foi mandado para longe. Quando foi dispensado e


voltou para casa, as coisas eram difíceis demais para ela. Já adulta, deduzi que meu pai a perdoou há muito tempo e provavelmente pensa que ela se odeia demais por ter ido embora, então ele não fala mais comigo sobre o assunto. Acho que ela é uma covarde que não dá a mínima. No outro cômodo, Tom Petty canta sobre estar em queda livre, e a melodia consegue fazer eu me sentir em loops de tempo nesse arco que se expande lentamente. Simplesmente damos voltas e mais voltas e mais voltas e parte de mim sempre terá doze anos enquanto o restante de mim envelhece, navegando pelo mundo com apenas um pai que se importou tanto quanto se importariam um pai e uma mãe. A gratidão a meu pai se expande dentro de mim até eu sentir a respiração prender na garganta. Cubro a mão de Oliver com a minha, grata por ele ter me forçado a parar para respirar, a dar um passo para trás para ver a situação por outra perspectiva. Então, pergunto a meu pai: – Onde está Ellen esta noite? Percebo que ele fica feliz por eu ter falado dela: o sorriso se espalha por seu rosto e ele dá início a uma explicação muito detalhada da agenda de trabalho dela e dos planos de jantar mais tarde com amigos. A mão de Oliver emite um calor reconfortante embaixo da minha: tendões e ossos, a pele macia, os pelos esparsos. Quero levantá-la da mesa, pressioná-la contra meu rosto.

Oliver desliza o dedo, desenhando pequenos círculos em minha coxa no caminho para casa. Se eu não o conhecesse bem, pensaria que talvez estivesse fazendo isso sem pensar, mas pouco a pouco estou me dando conta de que ele não faz nada sem uma intenção. É quieto, mas deliberado; tranquilo, mas sempre atento. – Onde você quer transar? – ele pergunta, olhando para a frente. Viro-me para rir para ele. – Agora? Rindo, ele responde: – Não. Quero dizer, algum lugar louco onde você queira fazer um dia. Agora eu estou dirigindo para chegar em casa e fazer sexo lá. Penso por um instante. – No Small World, na Disney. Ele olha para mim e de volta para a estrada. – Um pouco clichê, eu diria. E provavelmente ilegal, acredito. – Provavelmente. Mas toda vez que estou nesse lugar, não consigo não imaginar como seria entrar ali e encontrar um cantinho escuro. – Talvez à noite – ele concorda em voz baixa. – Longe de todo mundo. Daríamos uma escapadinha só para eu conseguir entrar em você. Engulo em seco, puxando suas mãos mais para cima em minha coxa enquanto imagino suas calças na altura do quadril, a definição de seus músculos emoldurando os pelos suaves em sua barriga torneada, quão rápida e freneticamente ele se movimentaria dentro de mim. – Você gostaria que eu te fodesse no carrinho do Small World em movimento? – ele pergunta casualmente, ligando a seta para a direita. Sinto meus braços arrepiando com as palavras diretas e arrastadas. – Só se eu tivesse certeza de que ninguém nos veria e que eu teria que ficar quieta.


– Mas tem aquela música maldita tocando o tempo todo. – Ele não olha na minha direção, mas sorri. – Eu iria querer fazer barulho suficiente para você me ouvir. Oliver entra em sua rua. Assim que termina de falar, lembro o som de seus gemidos rítmicos, suas expirações roucas e guturais enquanto ele me fode com intensidade. Ele encosta o carro e desliga o motor, virando-se para olhar para mim. O motor fica em silêncio e posso ouvir meu coração acelerado no peito, subindo até a garganta enquanto ele lentamente se aproxima, concentrando-se exclusivamente em meus lábios. A casa está bem ali, a vinte passos, mas nós estamos aqui, nos beijando como se não estivéssemos juntos há um ano. Oliver me beija por minutos, por dias, até minha boca ficar inchada por conta da barba que não quero que ele raspe; ele é língua e dentes e gemidos enquanto pressiona meu corpo em direção à porta. Posso sentir sua fome na maneira como ele se alonga até o painel e segura minha cabeça em suas mãos. Posso sentir nos barulhos que escapam toda vez que ele me pega de um ângulo diferente, toda vez que me entrego mais profundamente, mordendo-o, sugando seus lábios. – Me leve para dentro. – Vou te levar. Para dentro – diz, rindo e abrindo a porta para que nós dois saiamos pelo mesmo lado do veículo. Ele precisa rastejar desajeitadamente, praticamente me fazendo deitar na calçada. Qualquer desavisado que passasse por aqui pensaria que estamos bêbados. Seria isso? É química, disso tenho certeza, alguma coisa que entorpece e perfura ao mesmo tempo, uma coisa que me faz sentir como se estivesse viva pela primeira vez e morta de muitas outras maneiras – memórias mortas do que era estar com outra pessoa antes desse homem; memórias mortas de como foi ficar a quilômetros de distância. Conheço o peso das mãos de Oliver, do corpo de Oliver, conheço seu sabor, sei que, depois de dois beijos intensos, seu sabor é o meu. Conheço suas risadas se transformando em gemidos e como ele observa minhas mãos quando eu o toco. Oliver me coloca em pé e me joga sobre seu ombro, avançando pela calçada e entrando na casa. Ele me coloca no chão de modo que eu deslize pela frente de seu corpo, por todo o seu corpo, e sinto seu peito, sua barriga e seu pau me pressionando abaixo da calça jeans. Seus dedos acariciam minha cintura. Ele abre um leve sorriso e logo vejo minha blusa sendo erguida e arrancada, seguida pelo sutiã. A brisa ganha velocidade e a porta aberta range; o R2-D2 de Oliver sacode contra a madeira. O ar fresco passa por minha pele, pelos arrepios que se espalham por meus braços e barriga. Fecho a porta com um chute, bloqueando a chegada do vento intruso. O silêncio se espalha à nossa volta e então só consigo ouvir os barulhos suaves de Oliver beijando meu pescoço. Suas mãos se curvam sobre meus seios, minha cintura, meu quadril. Minhas calças estão desabotoadas e ligeiramente abaixadas. Nunca quero que minhas roupas acabem porque toda vez que tira alguma peça, Oliver me beija um pouquinho mais para baixo, geme contra minha pele e me mordisca deliciosamente. É como se eu tivesse uma garrafa de luxúria aberta e respingando suas bolhas por minha pele. – Você é macia em todos os lugares certos. – Sua voz se transforma em fumaça contra minha pele quando ele se ajoelha, puxando minha calcinha pernas abaixo, um pouquinho de cada vez. – E consegue ser mais doce do que é macia. Sua boca encontra meu seio, mordiscando e assoprando a ponta do mamilo enquanto suas mãos estão ocupadas me ajudando a me livrar da calcinha. A luz da entrada da casa está acesa e Oliver


olha para mim, sussurrando: – Você gosta quando eu chupo seus peitos? Faço que sim com a cabeça, colocando minhas mãos em seus ombros, bem ali, a poucos metros da porta de entrada. Enfio meu peito em sua boca e me pergunto por que eu estou nua e ele está totalmente vestido. Mas sinto que não posso me movimentar porque não quero que ele pare de fazer o que está fazendo… Mas eu quero mais. Sinto-me inchar, o desejo preenchendo o espaço abaixo da minha pele até que eu não consiga fazer nada além de implorar em voz alta. Ele sorri enquanto me beija e segue para o outro peito, até agora negligenciado, lambendo com golpes demorados de língua até ele me dar o que realmente quero: seus lábios fechados em volta do meu mamilo, o alívio delicioso da sucção. Olho para ele, para aquela bagunça de cabelos castanhos se esfregando em minha pele, para seus lábios, já inchados por nossos beijos, brincando com meu seio. – Isso está mesmo acontecendo? Oliver assente, deslizando a língua por meu mamilo – como se estivesse chupando um sorvete –, e então suga tão profundamente a ponto de eu me perguntar se ele poderia me consumir inteira. Meus seios escapam de suas mãos e ele lambe e morde tudo o que não consegue segurar. É um frenesi; meu corpo está esperando por isso há dias e agora não tem paciência. – Caralho! Meus dedos se fecham em seus cabelos e ele se afasta, olhando-me no rosto enquanto seus dedos acariciam o interior da minha coxa. Fecho as mãos em sua camiseta, puxo-a para cima e me delicio com o deslizar de minhas palmas em seus ombros largos enquanto ele beija meu umbigo, meu quadril. Não quero fazer aqui. Dou um passo para trás. E mais um. E ele já está me seguindo pelo corredor, com a mão no meu quadril e a boca contra a minha enquanto me diz que eu sou gostosa pra caralho, que ele me quer tanto. Logo sinto sua cama suave contra minhas costas. O painel mostra ele olhando para ela. Ela está totalmente aberta: o primeiro dia com esses novos olhos. Ele arrancaria um pedaço dela se pudesse. Oliver tira os óculos e os coloca na mesa perto da cama. Leva a mão ao meu quadril, olha para baixo, deixando seu olhar deslizar por cada parte do meu corpo. Em minha visão periférica, posso ver meu peito subindo e descendo, mas não consigo desviar minha atenção do rosto dele. Lembro-me de quando ele me fez rir tanto que cuspi Coca-Cola diet em sua camiseta do Hellraiser. Lembro de quando correu até o apartamento para me mostrar o Detective Comics volume 31 do que alguém havia vendido para ele. Lembro-me de quando ele disse que sim, embora a resposta fosse não. Lembro-me de me apoiar no balcão da cozinha, bebendo meu café e assistindo-o dormir no sofá. – O que se passa nessa sua mente? Estou tentando não entrar em pânico, me tornar obsessiva, cair rápido demais, fundo demais. – Estou sentindo algumas coisas – sussurro. Ele se inclina, falando contra minha barriga enquanto a beija. – Que tipo de coisas? – Pânico. Posso sentir seu sorriso.


– Livre-se dele. Fecho os olhos, correndo a mão por seus cabelos. Como uma felicidade tão grande pode empurrar uma lança tão afiada contra meus pulmões. – Assim está bom – ele garante, beijando meu quadril. – Há meses desejo isso. E sei que você também. Eu te amo. Sinto você absorvendo as palavras toda vez que eu as digo, sinto na forma como suas mãos encontram alguma parte do meu corpo para se segurarem. Seus dedos se movimentam entre minhas pernas, deslizando até meu clitóris, me invadindo um pouquinho. É um luxo fazer isso, sentir isso, estar aqui. É um luxo ter toda a noite, não ter nada além disso que há entre nós. Ele me acaricia primeiro com suavidade, lentamente, e então acelera com minha respiração. Minhas pernas se abrem mais conforme ele me beija por todo o caminho até a boca, perguntando se eu gosto daquilo, se seus dedos estão fazendo um bom trabalho. Digo que sim com a cabeça, arqueando o corpo na cama, empurrando meu corpo mais para perto, desejando que ele estivesse sem a calça para eu poder sentir o peso de seu membro em minha mão e se enterrando em mim. Não sei o que ele está fazendo com os dedos, mas é rápido e molhado e estou tão perto, quase lá, tudo se torna transparente e… Suas mãos saem de mim por uma fração de segundo, mas eu logo sinto o golpe pungente de seus dedos me batendo lá embaixo. O painel mostra a terra dividida em duas. Ele engole meu arfar assustado com um beijo intenso, cobrindo minha boca e gemendo quando o calor se transforma em uma necessidade ardente de ter mais e ele me sente arqueando sob seu corpo, estremecendo. – Oh, Deus. Ele exala alguma coisa entre um suspiro e um “isso” contra meus lábios e me acaricia suavemente outra vez durante vários beijos lentos antes de me bater outra vez três vezes, com força, com vontade. Na próxima vez, seus dedos circulam gentilmente meu clitóris, eu chego a gritar, tomada por um calor que explode para fora de mim, deslizando por minha pele, fazendo meu sangue virar fumaça. Ele me acaricia com uma vontade imensa, seus olhos atentos me vendo gozar. Quando fecho os olhos e me derreto no colchão abaixo do meu corpo, ele se abaixa, beija meu pescoço e desliza a mão por minha coxa para me abrir ainda mais. – Você gostou – diz, encontrando meu queixo. – Eu bati na sua boceta e você gostou. Gemo, querendo sua boca contra a minha, a reafirmação ímpar que sua boca traz. – Você é safada – ele elogia, lambendo meu lábio inferior. – Você é gloriosa. Eu me sento, puxando-o entre minhas pernas e trabalhando em seu cinto, no zíper, puxando as calças para baixo com mãos impacientes. Minha boca está salivando e suas mãos se ajeitam em meus ombros, preparadas. Seu pau salta à minha frente, excessivamente grosso, e sinto seu torso se apertar quando puxo o prepúcio para trás, inclino o corpo e dou uma lambida na cabeça, começando a chupar. Fiz pouquíssimos boquetes na vida e toda vez foi um esforço totalmente consciente, preenchido com muitos pensamentos… será que está bom? ah, porra, meu maxilar está doendo. vou ter que engolir? Nada disso acontece agora: só consigo pensar em quanto quero chupar, em como a pele se alonga


tão apertada em volta daquele pau, como posso praticamente sentir como deve ser para ele quando eu o lambo, quando chupo o buraco por onde ele goza, trazendo toda a cabeça de seu pau para dentro da minha boca, até onde consigo recebê-lo. Minhas mãos encontram suas bolas, apalpando-as, conhecendo-as. Esse corpo é meu para explorar, para tocar, e ele me ajuda com os movimentos, me ajuda a encontrar um ritmo e seu quadril se movimenta comigo, sua voz me encoraja com os gemidos e adoro perceber que ele está totalmente ereto e fica mais e mais ereto conforme o chupo, ah, caralho, ele está tão perto de gozar e eu quero ardentemente que ele goze. Quero que goze dentro de mim, sobre mim, por todo o meu corpo. E ele está ali, socando gostoso na minha boca, as mãos fechadas em meus cabelos, a voz cada vez mais alta, em tom de aviso, o sotaque mais carregado e palavras ininteligíveis, mas não quero que ele pare. Eu o quero assim: quadril flexionado enquanto ele soca, gozando na minha garganta, gemendo enquanto eu chupo todo aquele pau delicioso. Ele encosta os lábios nos meus cabelos, urrando enquanto os espasmos finais de seu orgasmo o fazem estremecer e a sensação é a de que um milhão de raios dançam por meu couro cabeludo. Ele olha para baixo, na minha direção, recuperando o fôlego enquanto eu subo e desço por seu pau, beijando-o. Nunca gostei de fazer isso, mas, puta que pariu!, agora estou obcecada. Solto o corpo de volta no colchão, mordiscando o lábio em um enorme sorriso. Oliver se movimenta para a frente, inclinando-se sobre mim com os punhos afundados na lateral do meu quadril. – Você acabou de chupar minha alma para fora do corpo. Viro-me de lado, rindo e me sentindo orgulhosa pra caralho do boquete que acabei de fazer – afinal, só de olhar para ele, sei que foi sensacional. Ele acaba de arrancar a calça e me vira para se posicionar sobre mim e beijar meus seios, minha barriga… e, já me entregando ao prazer, percebo aonde ele quer chegar, o que vai fazer. – Não – sussurro, rapidamente acrescentando: – Está tudo bem. – Deslizo meus dedos por seu maxilar, guio seu rosto de volta na direção do meu. Oliver fica quieto. Ele me dá um beijo, mas apenas um. Olha para mim, estudando meu rosto. Alguma coisa pesa em meu coração, apertando-o quanto mais eu olho para Oliver – os cabelos castanhos e os olhos azuis ainda tomados pela satisfação, mas que agora se mistura com algo mais, algo com ares de compreensão –, e preciso fechar os olhos para diminuir a dor porque tudo estava tão perfeito até eu fazê-lo parar. – Olhe para mim. – Ele espera e então insiste: – Lola. Abro os olhos, foco em sua boca. O lábio inferior suave, a barba por fazer em seu queixo. – Você não quer que eu te beije aqui? Seus dedos deslizam entre minhas pernas. – Eu quero… – Então por que me fez parar? – É que… – É o quê? – Uma coisa. – “Uma coisa?” – Ele se afasta um pouquinho, faz um movimento que me diz que não sabe se gosta do que estou dizendo. – Não estou entendendo. Deus, eu sou péssima para articular esse tipo de coisa. – Toda a história do passado… – A o quê?


Suspirando, escondo o rosto com o braço e me sinto grata por ele não me puxar imediatamente. – Você sabe… Sobre eu saber das suas colegas de quarto e as amigas delas, sobre você ter se tornado uma lenda do sexo oral. Isso só pode significar que você fez com muitas mulheres. Quando movimento o braço, vejo que ele parece ligeiramente animado. – Você acabou de fazer o melhor boquete da minha vida! – Estou tão surpresa quanto você – digo com sinceridade. – Você me deixou inspirada. Ninguém me ensinou. Eu me levanto, passo a ponta do dedo por sua boca. – Isso não me chateia, nem me deixa com ciúme. Mas me faz sentir como se eu tivesse que gostar, se é que faz sentido. Eu não gosto de sexo oral, mas, com você, se eu não gozar, é por minha culpa. – Ele começa a dizer alguma coisa, mas pressiono meus dedos contra sua boca para poder concluir meu raciocínio: – Não consigo relaxar quando os homens fazem sexo oral em mim. Nunca consegui. Minha mente vaga e começo a pensar em outras coisas e… Sei que isso me torna esquisita, mas é a verdade. Ele fecha os olhos. – Você sente comigo as mesmas coisas que sentia com esses outros homens? Chega a ser hilário! – Não, é claro que não! – Já chegou a considerar que talvez você não gostasse porque eles não sabiam fazer? – Sim, mas também já pensei que não gostava porque eles também não gostavam. Ele olha para mim, inclina a cabeça, adota uma expressão interpretável até sussurrar: – Ou talvez você precise se sentir à vontade com a pessoa para se sentir à vontade com o ato. – Não… Quero dizer… – sussurro, me sentindo realmente nua pela primeira vez esta noite. – E se você não gostar de fazer comigo? Seu olhar se suaviza. – Como isso poderia acontecer? Quando percebe que eu não respondo, ele sussurra: – Lola, eu já te senti. Já senti o seu gosto. – Eu sei. – Nos meus dedos. Nos seus. Você se lembra de como eu reagi? Fecho os olhos e digo que sim com a cabeça. Lembro dos sons que ele emitiu, da forma como ele parecia querer mais. Ele ergue minha mão, beijando a palma. – Eu seria muito cuidadoso com você. – Eu confio… – Eu começaria devagarinho – ele me interrompe, me beijando mais uma vez. – Assim como eu a beijei lá embaixo primeiro. Contraio um sorriso, mas ele se dissolve quando a língua de Oliver percorre a palma da minha mão, traçando um círculo suave e grande. Seus lábios se unem e ele chupa suavemente cada um dos meus dedos. – Eu não chuparia com muita força, não lamberia rápido demais. Deslizando pela palma da minha mão, sua língua forma círculos cada vez menores, até minha mão parecer úmida e aquecida sob seu beijo. E eu o desejo tanto que me sinto um pouco sem fôlego. – E sou eu. Oliver. Não um cara qualquer. Abro um sorriso, puxando minha mão o suficiente para acariciar seu queixo com a barba por fazer.


– Acho que em círculos – ele brinca –, girando e girando e girando em ritmo regular e suave até você estar totalmente molhada, com as pernas arreganhadas e se agarrando ao lençol, implorando para gozar nos meus lábios. Eu queria ver você implorar por minha boca toda vez que estivéssemos sozinhos. Ele olha para mim. – E eu faria tudo com você, Lola – diz discretamente, com sinceridade. – Eu chuparia o prazer pra fora do seu corpo. Não brincaria com você. Se eu pudesse levá-la ao paraíso, eu a levaria, toda vez que você quiser. – Ele desliza a língua pelo meu indicador, até a ponta. – Quero que seja tão bom a ponto de você nunca mais me soltar. Exalo fazendo um barulho rouco, implorando. Já não consigo imaginar minha vida sem ele. – Mas, depois de fazer isso, eu precisaria sentir você. – Ah, é? Ele traz a mão entre nós, circulando seu pau. – Veja… Só de pensar já estou de pau duro, e isso porque acabei de gozar. Veja como você me deixa ereto. Depois de estudar seu rosto durante três respirações profundas, concordo com a cabeça e ele se vira outra vez, agora ajoelhando entre as minhas pernas, na lateral da cama. Ele observa onde me toca e luto contra a necessidade de me cobrir; então fecho os olhos. Sinto seus cabelos roçando em minhas coxas quando ele vem para a frente, sinto sua respiração quando ele expira contra minha pele, e então o beijo suave, mais um, e seus lábios se abrindo e me absorvendo, sua língua ali, tocando, acariciando com tanto cuidado. – Puta que pariu! – ele urra, e suas mãos estão trêmulas quando ele arreganha minhas pernas e me leva a descansar os pés no colchão. – Puta, que delícia, Lola! Eu não quero mais que ele seja cuidadoso. Eu não quero mais que ele seja gentil. Quero que ele tire da cartola todos os truques que aprendeu, afinal, se ele consegue me fazer sentir assim com apenas um beijo, estou curiosíssima por saber o que vou sentir quando ele mostrar tudo. Quando estou com o corpo ajeitado, ele rapidamente volta à minha boceta, tentando ser lento. Ele me observa – olhos grudados em meu rosto – e meu peito se contorce quando percebo como ele está ansioso por me agradar. Enterrando a cabeça no colchão, arqueio o corpo na direção dele, sussurrando: – É muito bom, muito bom, tão bom! E isso desencadeia alguma coisa dentro dele. Não sei o que Oliver está sabendo, nem sabia que eu tinha os músculos que ele está explorando, mas os movimentos são rápidos e perfeitos e melhores do que qualquer brinquedinho sexual que já encontrei. Puta que pariu… Quero assistir, mas estou sentindo tanta coisa. O deslizar molhado de sua língua, as vibrações de seus gemidos, o tremer das minhas coxas, minha barriga se contraindo, o prazer se espalhando por meu torso. Mas ah… a imagem de sua cabeça entre as minhas pernas… A forma como seus braços apertam minhas coxas, seus músculos me mantendo aberta para ele. A longa linha de suas costas, seu traseiro no espelho do outro lado do quarto, a definição de suas coxas enquanto ele soca no vazio, me amando com todo o corpo, mas me tocando apenas com a… A sensação interrompe meus pensamentos; e me consome, é quase surreal, mas é melhor do que bom, é tudo. Seus gemidos e sua respiração contra meu corpo e o prazer crescendo na superfície da


minha pele e me fazendo afundar cada vez mais, até eu não conseguir processar nada além do prazer que percorre todo o meu corpo. Eu gosto. Agora eu gosto. – Vou gozar – grito em meio a uma expiração afogada. E caralho! Estou gozando gostoso pra cacete. Ele geme um encorajamento, olhando para mim enquanto digo outra vez e mais outra que estou gozando, com a voz maravilhada mesmo depois de tantas arfadas, de tantas respirações me preparando para este momento. O orgasmo parece não parar de ganhar intensidade, jamais cessar, e digo tantas vezes que estou gozando que posso senti-lo rir orgulhoso contra mim, mantendo o ritmo e me oferecendo mais e melhor e puta que pariu!, tenho tempo para me perguntar se isso é algo completamente novo, se todos os outros orgasmos foram sem graça comparados a este, que parece não ter fim. – Está bem – finalmente consigo dizer enquanto ele desliza pelo meu corpo, beijando minha pele. Oliver está sem ar e ereto. – Eu admito: você venceu essa rodada. Ele ri e beija meus lábios. – Eu diria que nós dois vencemos essa rodada.

Ainda estamos acordados quando o sol nasce, espalhando-se pelo céu e lentamente iluminando o quarto de Oliver. Os lençóis estão, em grande parte, no chão, e os travesseiros apertados entre o colchão e a cabeceira da cama, mas eu estou no centro de uma cama enorme, cuidadosamente coberta pela pele nua e suave de Oliver. – Você vai conseguir trabalhar hoje? – pergunto, tentando olhar para o relógio atrás dele. Ele sussurra em meu ombro: – Tenho uma pergunta mais importante: você vai conseguir andar hoje? É uma boa pergunta. Rindo, começo a me soltar de debaixo dele e saio da cama, andando instavelmente até o banheiro no corredor. Sinto que todo o meu corpo está sensível. Quero ficar na cama o dia todo e dormir com o corpo curvado junto ao dele. Não quero pensar em todo o resto que me aguarda. Em nada mais. Quero que tudo evapore. Pela primeira vez na vida, não sinto a menor vontade de trabalhar. Ele me acompanha no banho. Depois de não dormir e passar horas fazendo sexo pesado e selvagem, acredito que nós dois estejamos cansados demais para qualquer coisa além de alguns beijos. Mas estar envolta pelo vapor e sentindo a água, o deslizar de sua pele ensaboada contra a minha e a sugestão de seus dedos se movimentando pelo meu traseiro e entre minhas nádegas, golpeando, me faz implorar por algo que jamais pensei que desejaria. Olho para ele. – Quero sentir você aí. A água respinga de sua testa. Seus olhos azuis, emoldurados pelos cílios grossos, molhados, me estudam. – Tem certeza? – Certeza. Fico na ponta dos pés para alcançar seu queixo, para arranhá-lo com meus dentes.


Oliver me vira para a parede de ladrilhos, beijando meu pescoço enquanto seus dedos correm por minhas costas, por meus flancos, até ele deslizar cuidadosamente um dedo para dentro e para fora, depois dois, me alargando pouco a pouco. Enquanto ele sussurra e geme, dizendo que será cuidadoso, dizendo o quanto me ama, ele finalmente me invade, centímetro por centímetro. – Está tudo bem com você? Faço que sim com a cabeça. Estou bem e não estou bem. Eu me sinto esmagada e dividida em duas e desejando poder ter mais de Oliver, em todos os lugares ao mesmo tempo. Ele está dentro de mim assim, os dedos brincando e tocando a parte da frente do meu corpo, mas posso sentir sua fascinação e, quando ele começa a socar, não demora muito. A satisfação que sinto em seus sons, a forma como ele treme e se movimenta sem um ritmo definido, o eco de sua surpresa ao gozar fazem sumir todo o medo ao qual eu tinha me agarrado de tê-lo, e então perdê-lo. Tudo de maravilhoso em minha vida poderia desaparecer e ele me deixar. O medo de que pudéssemos construir uma vida juntos e isso ser arrancado da gente. De que eu pudesse botar tudo a perder, de modo que nada mais importasse a não ser isso. Neste momento, ele é tudo. Oliver lava o meu corpo, seus olhos estão pesados, com sono, os lábios me agradecem com muitos beijos. – Como está minha garota? Respondo à pergunta que ele fez, mas não de uma maneira muito abrangente, porque, existencialmente, neste momento eu não estou bem. Estou me afogando no que sinto por ele. Mas não sinto dor física. – Estou bem. Sua boca encontra a minha, desesperada e molhada. Sei que é clichê, mas tudo mudou para mim depois daquele banho. Não acho que eu vá amar alguém tanto quanto amo esse homem. Enquanto nos vestimos em silêncio, ele olha para mim com uma estranha mistura de surpresa e alívio. – Mas você está mesmo bem? – ele pergunta outra vez, do outro lado do cômodo, tirando algumas peças de roupa da cômoda. Faço que sim com a cabeça, mas me mantenho muda. Eu amo esse homem. Eu o amo mais do que qualquer coisa e isso está apagando todos mais à minha volta. Ele se aproxima e me estuda, segurando meu rosto em suas mãos. – Lola Love, você não está bem. Eu fiz alguma coisa? Foi o que acabamos de fazer? – ele pergunta enquanto suas sobrancelhas se apertam. Negando com a cabeça, envolvo seu pescoço com meu braço e pressiono meus lábios contra aquela pele aquecida e cheirosa. Ele se inclina, abraçando-me com força. Quero que Oliver me abrace durante todo o dia. Quero manter o resto do mundo distante e apenas estar aqui, com Oliver, até chegar a hora de ir outra vez para a cama.

Estou confusa, entorpecida. Subo lentamente as escadas até meu apartamento, exausta, mas da melhor forma possível. O apartamento está em silêncio – é provável que London tenha saído para surfar –, então pego uma


xícara de café antes de seguir para o meu quarto e começar a trabalhar na minha sempre crescente lista de prazos e pendências. Não verifico o e-mail há mais de um dia e ainda não quero verificar. Gosto de estar na bolha. E quase não dormi. Olho para meu computador, para a caneta descansando tão inocentemente sobre o bloco de notas digital e me dou conta de quanta coisa preciso fazer hoje. Mas também me dou conta de que um cochilo rápido será útil. Caio na cama, fecho os olhos, tentando me concentrar na história de Junebug se desdobrando, na história dela e em quem ela é. Mas não consigo: minha mente retorna a todos os pontos sensíveis do meu corpo. Ouço a voz de Oliver em meu ouvido, lembro-me de cada um de seus beijos. Só acordo quando já está escuro lá fora e meu estômago se contorce de fome. Pego o celular, pisco surpresa para os números na tela. Perdi quatro ligações de números que desconheço e duas outras de um número bem conhecido: Samantha, minha assessora. Deslizo o dedo pela tela e telefono imediatamente para ela. – Sam – digo rapidamente. – O que aconteceu? Eu acabei dormindo. Posso ouvir o sorriso em sua voz, a forma como ela está se esforçando para se manter calma e, assim, me manter calma. Até hoje, Samantha não demonstrou um segundo sequer de estresse. – Ah, não tem problema. Eu vou reagendar os telefonemas. Não se preocupe com isso. – Quais telefonemas? – pergunto, sentando-me e apertando a palma da mão na testa. – Que droga, Sam! Quais ligações? – The Sun, The Post e The Wall Street Journal. Eram todas para hoje. Sei que é complicado falar no sábado, sinto muito, mas parecia mais fácil conciliar todas elas, para que pudessem publicar a matéria na segunda-feira. Mas a gente reagenda para a próxima semana. Alguma coisa brota dentro de mim, o pânico que sai da garrafa e se espalha por todos os cantos. Peço desculpas, desligo e olho aterrorizada para a parede. Perdi três entrevistas hoje. Perdi um prazo, atrasei duas semanas. Nem sei mais quem eu sou e a única coisa que eu sempre soube foi escrever, desenhar, trabalhar. O telefone vibra na minha mão e olho para a imagem de Oliver na tela. Meu primeiro instinto é atender, ir até a cama, me deitar e ouvir o mel de sua voz derramando sobre mim. Em vez disso, minha respiração fica presa na garganta e eu me detesto tanto quando viro o telefone com a tela para baixo e o coloco na mesa antes de derrubá-lo no chão. Eu preciso trabalhar. Preciso mergulhar no trabalho e terminar tudo isso. Estou perdendo coisas – não apenas perdendo, mas abandonando-as. Só preciso desenhar uma linha e mais uma e mais uma até terminar o trabalho. A única coisa que posso fazer agora é criar palavras e imagens em uma história que estou desenvolvendo, e aí vou ficar bem. Eu vou ficar bem.


Capítulo 13

Oliver As horas parecem ser desperdiçadas depois que Lola vai embora, os detalhes à minha volta são vagos demais para serem ignorados. O sol entra diretamente em minha cozinha, atravessa o parabrisa enquanto dirijo, ilumina diretamente as vitrines na frente da loja, banhando tudo à minha volta, deixando tudo amarelo. Não quero fazer nada além de estar com Lola em minha cama. Comparado aos outros fins de semana, este é tranquilo; a WonderCon está acontecendo em Anaheim e a maioria dos geeks da cidade está lá. E sou grato por isso: nunca fiquei sem vontade de trabalhar na loja, mas nesse estágio do meu relacionamento com ela – a fome, a obsessão, o formigar em toda a minha pele desejando ser tocada, a vontade de foder, de gozar – sinto uma distração deliciosa. E me entrego a esses sonhos que tenho acordado; escondo-me em meu escritório para evitar conversas com Joe, assim posso olhar para a parede e me lembrar de quando acordei, de beijar os seios calorosos de Lola, de acompanhá-la durante o banho. Tentei ser lento, gentil. Eu estava tremendo, rígido e quase louco quando percebi o que ela estava me deixando fazer. Lola gozou em meus dedos, garantiu que foi bom para ela, mas não sei se ela se deu conta de como aquilo transformou tudo para mim. Parece que tudo se acomodou, como se estivéssemos juntos há anos, e não há poucos dias. É isso, ela é minha vida; meu coração já se decidiu. Telefono para Lola para saber se ela está se sentindo melhor agora que está em casa, concentrada no trabalho, mas a ligação cai na caixa postal. Sei que o trabalho a está deixando sobrecarregada, que as coisas não foram bem em Los Angeles. Não é surpresa o fato de ela estar se isolando para poder se concentrar. Mas essa compreensão se transforma em desconforto quando Lola não atende o telefone durante o resto do dia e não envia mensagens de texto. A noite de sábado transcorreu em silêncio, fiquei sozinho em casa assistindo a filmes B no mudo, tentando ler uma pilha de materiais lançados na última quarta-feira. Tentando – e não conseguindo – me sentir tranquilo com relação a tudo isso, que não precisamos estar juntos todas as noites, que não tem problema nenhum se a paixão que sinto por Lola não for recíproca.


Quando acordo no domingo, não recebi sequer uma mensagem de texto dela. Não tomo café da manhã, já que sinto uma leve náusea. Tenho que trabalhar por umas quatro horas na loja – arrumando o estoque, limpando atrás do balcão, organizando algumas coisas. E tudo isso antes de ir para o escritório e telefonar para Finn. – Deixe-me fazer uma pergunta – digo. – Você vai ter que ser meu termômetro para eu conseguir definir minhas reações apropriadas para hoje. – Uau! – ele exclama. – Deixe-me só… pronto. Tinha que ver para saber quanto tempo essa ligação vai durar. Em condições normais, um comentário assim me faria dar risada, mas agora meu peito está apertado demais. – Vi Lola pela última vez na manhã de sábado, depois de não tê-la visto durante toda a semana. Ela ficou em casa na noite de sexta-feira. Mas agora já é domingo à noite e não falei com ela desde então. Já liguei, mandei mensagem e não tive nenhuma notícia. – Giro uma caneta sobre a mesa. – É estranho, não é? – Definitivamente é estranho. – Ouço meu amigo colocar a mão sobre o telefone e murmurar alguma coisa ao fundo. – É… Tipo… Harlow está dizendo que Lola está em casa e trabalhando durante o fim de semana. – Harlow diz mais alguma coisa que não consigo entender, mas Finn logo repete: – Se serve para alguma coisa, ela também não atendeu os telefonemas de Harlow. Agradeço e desligo, sentindo algo entre confusão e dor. Entendo que Lola queria ficar em sua “Batcaverna do trabalho” esse fim de semana – caramba, ela ficou a semana passada em Los Angeles –, mas é um saco ela não dar a mínima para responder minhas mensagens. E, se ela for ter que agir assim toda vez que tiver um prazo, teremos que fazer algumas concessões, pelo menos me dar notícias sobre o que está acontecendo. Quando ela se foi, no sábado de manhã, estava ansiosa por trabalhar, mas, mesmo assim, estava quase acabada em sua satisfação, com um sorriso vertiginoso no rosto. Uso as escadas, e não o elevador, para subir até o apartamento, tentando libertar parte do meu estresse. Quando saio da escada, desço o corredor longo e estreito até chegar à porta da casa de Lola e paro ali na frente para respirar. Nada aconteceu. Não tem nada errado. Mas isso é uma enorme bobagem. Eu conheço Lola. Conheço cada uma de suas expressões. Tenho pós-graduação nas reações dessa mulher, em seus medos, em seus ataques silenciosos de pânico. Mesmo que não haja nada de errado comigo, alguma coisa está acontecendo com Lola. Alguns instantes depois que bato à porta, London atende, segurando um saco de doces entre os dentes e um joystick na mão. – Titanfall – explica, gesticulando para que eu entre e virando-se para o sofá. – Quer jogar? Lola está trancada no canto dela. Nego com a cabeça, forçando um sorriso vacilante. – Só queria dar uma passada para falar oi para ela. Ela está lá no quarto, certo? London assente sem prestar muita atenção. – Não saiu para nada além de pegar café e cereal já faz mais ou menos um dia. Sigo pelo corredor, esperando que meus passos no chão de madeira avisem que estou chegando. Bato levemente à porta de Lola antes de girar a maçaneta e entrar. Já vi seu quarto algumas vezes e continua bem parecido com a imagem que tenho em mente. O chão está imaculado, sua cama perfeitamente arrumada. Mas todas as superfícies encontram-se cobertas com alguma coisa, de forma quase caótica. Há uma mesa enorme em um canto, o computador e a


tablet para esboços entulhados em uma extremidade. Todo o resto da superfície está tomado por lápis e potes de tinta, pilhas de desenhos e vários blocos de notas. Pedaços e papel e guardanapo e até mesmo de embrulho de chiclete também se acumulam com ideias que ela rascunhou enquanto estava longe. A parede logo acima e a adjacente também estão praticamente cobertas com rascunhos e painéis, alguns feitos apenas com carvão e outros repletos de cores tão vívidas a ponto de eu duvidar que sejam verdadeiros. Um fio com luzes percorre a extensão do teto e eu imagino como aqui deve ser calmo e relaxante à noite. Penso em como isso deve ser uma válvula de escape para ela. Uma cômoda debaixo da janela e as duas mesas à frente da cama estão cobertas por porta-retratos. Passo mais um momento olhando em volta e percebo que estou basicamente parado dentro do cérebro de Lola. Pontos de organização cercados por fluxos infinitos e esmagadores de ideias. – Está um pouco bagunçado aqui – ela murmura, em vez de me cumprimentar. Fecho a porta. – Não tem problema nenhum – digo a ela. Eu te amo, é o que quero dizer. Mas quantas vezes terei que pronunciar essas palavras sem ela dizê-las para mim? Apenas inclino o corpo para encontrar sua boca em um beijo que estou louco para dar desde a última vez que nos vimos. Mas Lola se afasta depois do mais leve toque, tirando os óculos e me olhando. Ela está despenteada, claramente estressada, e só agora percebo as quatro xícaras de café vazias no chão, perto de sua cadeira, e o ar selvagem e desvairado em seus olhos. – Não tive mais notícias suas – digo a ela. – Comecei a ficar preocupado. Ela assente, esfregando a mão nos olhos. – Estou tentando ficar em dia com as coisas. Eu às vezes sinto esse pânico… Bem… – ela diz, olhando outra vez para mim. – Bem, estou supondo que seja isso que esteja acontecendo, já que nunca atrasei tanto um projeto. Esfrego a mão em seu braço. – Vai ficar tudo bem, querida. Apenas dê a si mesma espaço para pensar nas coisas. Ela estremece e volta para a mesa. – Bem, as coisas não estão bem agora. Não posso me dar o luxo de permitir que as ideias surjam voluntariamente. Esta sou eu com um prazo apertado. – Se quiser um descanso do seu quarto, pode trabalhar na minha casa – digo, olhando à nossa volta e me perguntando se um espaço de trabalho mais organizado não ajudaria em seu estado atual. – Posso preparar o jantar para você e você pode se sentar à mesa e trabalhar. Lola nega com a cabeça. – Não tenho como levar todas as minhas coisas para lá. Vou ter que suportar isso aqui. Concordo com a cabeça e me viro para me sentar em sua cama. – Me diga como posso ajudar. Lola fica em silêncio, olhando para o desenho quase terminado na tela de seu computador. Parece nem piscar. – Lola, me diga como eu posso ajudar. Ela fecha os olhos e inspira rapidamente, como se só agora lembrasse que eu estou aqui. – Antes era mais fácil – ela diz em silêncio. – Eu simplesmente me desligava de tudo e nunca perdia nada. Inclino-me para a frente, apoio os cotovelos nos joelhos. – “Perdia nada?” O que você quer dizer com isso? Ela aponta para a tela do computador. – Estou trabalhando nisso há seis horas e não tenho nem metade pronto. Tenho outras 26 páginas


para fazer e, até agora, só consegui criar porcarias. – Ela se vira, olha para mim por sobre o ombro. – Antes, eu simplesmente me entregava à história. Agora sei que você está na loja ou em casa ou na cama. E só consigo pensar nisso. Sorrio e fico de pé, aproximando-me para beijar sua nuca. Ela enrijece o corpo e depois relaxa. Beijo o caminho suave até seu pescoço. – Agora eu estou aqui. A gente vai aprender a equilibrar as coisas. Para mim também tem sido difícil querer trabalhar. – Eu só queria poder apertar o “pause” – ela diz, como se não tivesse me ouvido. – “Pause”? Assentindo, ela se afasta da mesa, fica em pé e também me força a dar um passo para trás. – É que… para concluir isso aqui… Sei que vamos ficar juntos. Eu quero que fiquemos, de verdade. Eu só… Sinto um golpe repugnante de frio. – Lola, nem sempre o relacionamento vai consumir tanto de nós dois. Ela nega com a cabeça. – Acho que… para mim, vai, sim. Mas não posso estragar as coisas, Oliver. Isso é algo importante para mim. Eu sei o suficiente do mundo para me dar conta de que não acontece todo dia e vou ficar aborrecida se estragar as coisas. – Eu sei, meu amor, eu… – Paro e meu coração salta constrangido quando me dou conta. Ela não está falando de nós dois, mas apontando para a tela. – Venho trabalhando nesse sonho desde que tinha quinze anos – ela sussurra. – Quase não sei como seria a vida sem isso e, ontem de manhã, eu só queria ir embora para dormir porque tínhamos passado a noite toda acordados. Odeio trabalhar com Austin e Langdon. Odeio saber que estou atrasada com meu prazo. Mas era isso que eu queria fazer. Agora tenho essa realidade em minhas mãos e estou deixando que ela se desfaça. O desconforto toma conta do meu peito. – Não precisamos passar todas as noites juntos. Eu jamais esperaria que você diminuísse o ritmo. Só estou aqui porque, para mim, depois de como deixamos as coisas na manhã de sábado, foi estranho não ter notícias suas. Fiquei preocupado. Lola se senta na beirada da cama. – Eu sei. Me desculpe. Encontro um lugar ao seu lado, seguro sua mão. – Não há nada de que se desculpar. Só sinto muito por você estar tão estressada. Ela assente e assente mais um pouco. É um movimento lento, contínuo, quase de derrota. E então ela se vira para me olhar. O contorno de seus olhos está vermelho; os olhos também. – Será que devemos apertar o “pause”? Meu cérebro congela com as palavras. – O quê? Ela engole em seco antes de tentar outra vez: – Será que devemos dar um tempo? Antes de falar, eu também tenho que engolir o nó que se formou em minha garganta. E são necessárias várias tentativas. – Não sei direito o que você quer dizer com isso. – Quer dizer que quero estar com você, mas não acho que eu possa agora. Continuo não entendendo.


– Agora? Ela assente. Franzo o cenho enquanto tento compreender. – Então… você precisa de uma semana longe? Eu posso aceitar isso. Lola olha para suas mãos. – Não sei. Acho que deveríamos tentar voltar a ser como éramos há algumas semanas e depois ver como estarão as coisas no verão. Fico boquiaberto, sentindo meu coração se dissolver em ácido. – Mas Lola… Ainda estamos em março. – Eu sei. – Ela está balançando outra vez a cabeça, engolindo suas lágrimas. – Eu sei. É que eu sou ruim nas duas coisas. Sou ruim com isso e não quero estragar as coisas, e com aquilo também. – Ela aponta para a tela do computador. – E acho que tenho que trabalhar no livro sem pensar em mais nada. Sem ter você tão… disponível. – Entendo que sua experiência em Los Angeles foi terrível e que você está estressada com o trabalho, mas não pode lidar assim com as coisas. Você sente algo por mim – digo com uma voz carregada de frustração e urgência. Sei que ela sente algo por mim. – Algo forte. Não estou imaginando como as coisas são entre nós, Lola. – Sim, eu sinto algo – ela admite enquanto me encara com olhos marejados. – Sou louca por você. Mas, agora, aquilo ali é mais importante. Eu não estava pronta. Não devia ter ido à sua casa, não devia ter jogado pôquer naquela noite. Deveria ter esperado até terminar tudo isso. Fico ali em pé parado, esfrego a mão no rosto. – Lola, essa é uma ideia terrível. As pessoas não saem por aí “dando um tempo” nos relacionamentos só para colocar o trabalho em dia. Ela fecha os olhos. – Não tenho opção. – E vira-se para me encarar. – Você esperaria? Apenas… – Ela balança a cabeça. – Esperaria até eu resolver isso? – Por três meses? – pergunto. – Ou menos. Eu não… – Ela desvia o olhar. – Eu nem sei do que preciso. Viro-me para analisar sua mesa caótica, sentindo raiva e dor e confusão borbulhando em meu peito. – Por favor, não fique chateado – ela sussurra. – Eu não ia falar nada, mas você está aqui. E eu não vou desaparecer. Não vou. Só estou dizendo que preciso terminar tudo aquilo ali. Concordo com a cabeça, desejando poder me transformar em pedra. – Oliver, diga alguma coisa. Minha voz é baixa e dolorida quando falo: – Você poderia simplesmente ter dito que precisava se fechar no seu mundo esta semana. Isso teria feito sentido. Ela esfrega a mão no rosto e olha para mim, implorando: – Eu preciso não ter mais nada acontecendo à minha volta. Preciso que aquilo ali seja a única coisa ocupando a minha mente. Caminho até a porta, me escoro ali e viro para encará-la. – Tem certeza de que é isso que você quer? Apertar o “pause”? Dar um tempo? O painel mostra ele quebrando o vidro, seu peito pegando fogo. Lola faz que sim com a cabeça. – Eu só preciso saber que não tenho mais nada acontecendo em minha vida. Que estar com você não é uma opção quando eu tenho que trabalhar.


– Então não estamos mais juntos – expresso com uma voz regular –, porque estarmos juntos é bom demais e está distraindo você. – Nós vamos estar – ela insiste. – Você está ouvindo o que está dizendo? Não é assim que as coisas funcionam, Lola. – Vamos apenas… – Apertar o “pause” – eu a interrompo. – Já entendi. – Meu riso é um golpe de ar curto e seco. – Lola, eu te amo. Você sabe disso. E quer que eu apenas… espere… por meses, até você estar pronta outra vez? Ela me olha desamparada. – Preciso colocar isso em primeiro lugar. – Como minha melhor amiga, sinto que você não deveria querer isso para mim – digo. – Na verdade, acho uma grande besteira. Acho que você está estressada com o trabalho, mas também acho que está sendo ridícula agora. Ela parece ressentida, mas também parece aliviada, como se eu tivesse concordado com essa merda de barreira que ela colocou entre nós. – Então está decidido – digo. – Talvez possamos conversar daqui a alguns dias? – ela pergunta quando eu abro a porta. Sua voz se cala antes de concluir a última palavra e eu não posso me sentir chateado. Nunca senti que eu valesse a pena. Nunca fui a pessoa mais importante para ninguém. Mas, antes de Lola, nunca precisei ser. Que. Se. Foda. Tudo. Isso. – Talvez eu só precise… Fecho a porta antes de ouvir o fim de sua frase.


Capítulo 14

Lola – Eu vou ter que arrastá-la para tomarmos café da manhã e conversarmos sobre tudo isso? Acordo assustada exatamente onde apaguei ontem, à minha mesa de trabalho, e encontro Harlow parada na entrada do quarto, com os braços cruzados sobre o peito. Vejo fogo em seus olhos, munição na forma como se posiciona. Quando está com esse humor, ela cospe balas. A luz forte da manhã de segunda-feira invade meu quarto. – Eu ia telefonar para você – digo de modo nada convincente, apertando os olhos. Olho em volta e tento me recompor. Além dos horríveis dez minutos com Oliver ontem, venho trabalhando direto desde sábado à noite. Meu monitor entrou em modo de economia de energia. Dormi com a caneta contra o rosto e agora tenho um bloquinho de post-its grudado no braço. – Então você já soube? – continuo. – Sim – ela rebate duramente. – Eu já soube. Harlow vai até o armário e começa a puxar minhas roupas. Em seguida, chama: – Vamos. Apoio a cabeça na mão. – Harlow, eu tenho tanta coisa para fazer hoje! – Você pode tirar uma horinha. E seu corpo precisa de alimento. Vamos logo, Lola. Sob circunstâncias normais, eu pularia na cama e a ignoraria. Mas hoje sei que é melhor não fazer isso. Terminei alguns painéis e o restante da história ontem, porém, minha cabeça parece estar cheia de cola e meu coração parece realizar apenas as contrações superficiais. Ter dispensado Oliver da forma como eu o dispensei me transformou de uma cabeça apaixonada e aérea em um robô sem vida e produtivo. Francamente, não sei qual dessas opções prefiro. A culpa pela dor estampada no rosto de Oliver me assombra, então fecho os olhos e respiro profundamente algumas vezes, lutando contra o instinto de telefonar para ele e me desculpar. Harlow dirige em silêncio, com o maxilar apertado. Todos sabemos o que o silêncio de Harlow significa. Só não sei se significa que ela está puta comigo ou… com outra pessoa, talvez? Você está ouvindo o que está dizendo? Sinto que você não deveria querer isso para mim.


Acho que está sendo ridícula agora. Quando me lembro de Oliver dizendo isso, sinto meu coração se fraturar e cair em pequenos pedaços na caverna do meu estômago. Sim, é bem provável que ela esteja puta comigo. – Você está bem? – Harlow pergunta enquanto descemos a Washington. A resposta facilmente é “não”. Junebug ainda não está pronto e não sei como vou encontrar o cerne da história quando estou frenética assim. Ademais, sinto que fiz a coisa certa e, ao mesmo tempo, que estraguei tudo com Oliver. Quando é que os cientistas vão inventar uma pílula da sabedoria? Ou implantar um chip em nossas cabeças para nos avisar que tomamos a decisão correta em uma situação crítica de romance versus carreira? Além de tudo isso, não consigo passar por essa rua sem sentir meu estômago afundar quando me lembro de Mia ensanguentada durante mais de uma hora debaixo de um veículo. Só consigo dizer com uma vozinha bem fraca: – Estou bem. Harlow lança um olhar rápido em minha direção enquanto dirige. Posso perceber suas perguntas se formando conforme a tensão aumenta dentro do carro. Ela para no estacionamento do Great Harvest e desliga o motor, olhando para mim. – Você prefere falar sobre o assunto aqui ou ali dentro, com todo mundo? Minha risada é praticamente um tossir breve e desanimado. – Vamos entrar. Sério, eu só tenho uma hora. Com um aceno decidido, Harlow abre a porta e nos guia pelo estacionamento. Mia e London já estão à mesa quando entramos, e elas sorriem desajeitadamente para mim. Posso perceber, pelo rosto de Mia que ela está tentando não reagir à minha aparência. Dei uma olhada rápida no espelho do banheiro antes de sair de casa, e seria justo dizer que pareço uma criatura de um filme de zumbis. – Então… e aí? – cumprimento, sentando-me e colocando um guardanapo no colo. – Novidades? London chega a rir, divertindo-se, mas sua expressão endurece obedientemente quando Harlow lança um franzir de testa que, na verdade, quer dizer: “Não vamos deixá-la fazer piadinhas agora”. – Oliver foi jantar com a gente ontem à noite – conta Mia, pulando toda a apresentação e inclinando-se para perto, de modo a manter a voz baixa. – E contou que você terminou com ele. – Eu não terminei com ele! – Sorrio para a garçonete quando ela me traz o café, mas tenho certeza de que pareço estar apenas expondo os dentes. Pisco os olhos, deslizo a língua pelos lábios e então os mordisco para me segurar e não perguntar a Mia o que ele disse, como estava sua aparência. Como ele está. – Estou dizendo… – continua Mia. – É isso que ele pensa. Que vocês dois terminaram de uma vez por todas. Tomo um gole de café enquanto enfrento a estranha sensação de meu peito se transformar em mármore. Oliver não entendeu o que eu disse. Para ser justa, não sei nem se eu mesma entendi o que disse. Não tinha planejado que as coisas saíssem daquele jeito. Mas me pareceu certo pedir um tempo a ele para ter certeza de que minha cabeça estivesse voltada na direção certa. Ele sempre foi compreensivo comigo, por que não entenderia isso? Quando minha mãe foi embora, meu pai desmoronou e quase não se reergueu. Os amigos traziam coisinhas para comer e agiam como se o que tinha acontecido não fosse grande coisa, mas, para nós, era algo grande. Não quero jamais ter que me preocupar com o orçamento; não quero nunca me preocupar com ser capaz de me sustentar. Não


quero nunca sentir como se estivesse simplesmente abandonando uma coisa que é importante para mim, e, se Oliver não é capaz de esperar até eu me sentir mais com o pé no chão, então temos um grande problema. – Então você não terminou com ele? – questiona Harlow. Não sei se ela está tentando descobrir o que aconteceu. Ela está me protegendo, protegendo aquilo de que preciso agora? Ou está se preparando para me dar um belo sermão? – Eu disse a ele que precisava apertar o “pause”. – Sério? – ela pergunta. E sei que ela estaria estendendo a mão para me beliscar se achasse que esse gesto não atrairia muita atenção. – Ouça, não sei por que isso é tão relevante. – Respiro fundo, olhando para as gravuras na superfície da mesa de madeira. – Estou realmente atrasada com um prazo porque simplesmente andei distraída… Por nenhum outro motivo. Tenho todo um roteiro para editar em uma semana e meia e passei a maior parte do tempo em Los Angeles discutindo, em vão, com um roteirista que é insuportável. Também preciso esboçar as ideias para o livro que sai depois de Junebug e eles queriam as primeiras páginas uma semana depois do prazo de Junebug… que era duas semanas atrás. Ou seja, as primeiras páginas do novo livro, novo mesmo, já estão uma semana atrasadas. Eu só… – Brinco com a cutícula do meu polegar. – Tudo já estava muito agitado com as viagens e a escrita, e assim que permiti que a ideia de estar com Oliver invadisse minha cabeça, tive uma queda dura, uma queda rápida. Me atrapalhei toda em Los Angeles, pedi mais prazo. Vi como podia perder tudo muito rápido. – Enfim, olho para elas. – Quero entregar algumas coisas e depois me permitir desfrutar… disso. Posso sentir a forma como elas trocam olhares de preocupação, mas todas parecem não saber o que responder. – Você tem mesmo muita coisa para fazer – afirma London. – Quero dizer, eu entendo. – Mas é o Oliver – rebate Mia. – Não é um cara que, tipo… Ela deixa as palavras no ar e… eu sei eu sei eu sei. É Oliver. E ele não força as coisas. Não atrapalha. Eu é que estava atrapalhando a mim mesma. – Mesmo quando você está ocupada, ainda conversa com a gente a cada dois ou três dias. Por que precisa ser diferente com ele? – questiona Mia. Não sei responder. Não sei, pois não sinto que eu deva explicar a alguém que está loucamente apaixonada pelo marido com quem se casou recentemente. Não quero explicar que estar apaixonada e conversar com as amigas são duas coisas muito diferentes. Quero estar perto de Oliver todos os segundos e ainda não sei equilibrar as coisas. Quero sentir cada partícula dele tocando cada partícula minha. – Como você fez quando Ansel estava trabalhando em horários malucos em Paris? Ela dá de ombros, usando o canudo para mexer no gelo em sua água. – Eu o deixava sozinho para trabalhar à noite. Mas, Jesus… Como? Como? Como?, quero perguntar. Esse mistério me faz querer rasgar a própria pele. Se Oliver estivesse no mesmo cômodo comigo ou até na mesma rua, na loja, mas ainda fosse meu, eu jamais faria o que tenho que fazer. Eu deixaria Razor e Junebug e tudo e todos que amo de lado. Já provei isso.


– Só sinto que você está exigindo demais de si mesma – comenta London em voz baixa. – Talvez esteja até mesmo se punindo. E sim, ela está certa. Eu estou me punindo. Sei que não podemos conter o que sentimos. Sei disso. Percebo que minhas três amigas agora me estudam como se eu fosse um inseto fascinante dentro de um pote de vidro porque – pelo menos para Harlow e Mia – elas jamais se preocupariam com equilibrar esse tipo de coisa. Mia já fez isso antes e Harlow simplesmente é capaz de fazer o mundo caber na palma de sua mão. Não sou tão ingênua a ponto de pensar que seja comum pedir algo assim. Quero gritar bem alto que já percebi que pedi algo grandioso a Oliver, uma coisa nada razoável, mas não sei se posso pedir desculpas e sei que – em algum momento – ele vai entender. Não quero perder minha carreira. Não gosto de ter arriscado tudo depois que Oliver se tornou meu amante. Sinto que preciso subir essa pequena colina e aí terei os pés nos chão, estarei mais estabelecida. Aí serei melhor para ele e melhor para mim mesma. Puxo uma caneta da bolsa, pego um recibo amassado e começo a desenhar. O painel mostra a garota inclinada sobre a mesa. Pedaços de papel sujam o chão. A mesa está coberta com aparas de lápis. – E aí, você acha que ele vai seguir a vida? – pergunto cabisbaixa, com o coração já se desfazendo. Todas ficam paralisadas e, com a caneta sobre o papel, sinto meu coração tremendo, ameaçando cair na mesa e explodir. Quero que Oliver seja meu amigo. Preciso que seja meu amigo porque o amo. Sou uma enorme idiota? Para mim, o que pedi não foi nada extremo, só uma espécie de rebobinar a fita discretamente. Não sei como vou lidar com a situação se ouvir que as coisas realmente terminaram. – Ontem à noite, Oliver estava muito chateado – responde Mia, encolhendo um pouquinho o ombro. – Ele não queria conversar muito sobre o assunto. Passamos a maior parte da noite andando de um cômodo ao outro da casa enquanto Ansel e Oliver faziam planos e definiam quais partes da reforma eles mesmos podem fazer. Em condições normais, ele me telefonaria em seguida para contar tudo isso. Não. Em condições normais, eu o teria acompanhado. Tenho sido a companhia “oficial” de Oliver há meses, e ele a minha. Agora, não apenas não posso transar com ele, mas sequer recebo telefonemas dele. – As pessoas não fazem isso? – pergunto, segurando minha xícara de café. – As pessoas não pedem um tempo mesmo quando as coisas estão indo bem? – Lola, isso tem um nome: terminar – Harlow explica lentamente. – Então é uma pergunta idiota? – arrisco, na defensiva por conta do tom que minha amiga adotou. Harlow inclina a cabeça na direção do teto, exasperada comigo. – Quero dizer… Por que você não disse simplesmente a ele que teria uma semana supercorrida e que telefonaria quando tivesse uma noite livre? – Porque sinto que minha criatividade morre quando existe essa opção – respondo. – Quando estou com ele, não quero trabalhar. E eu nunca não quis trabalhar. E, sinto muito, mas minha carreira tem que vir primeiro. Eu a construí primeiro. Não posso simplesmente desistir dela porque comecei a sair com alguém e lidar com a carga de trabalho ficou difícil. E é justamente nesse momento que Harlow sente vontade de me estapear. Porém, não faz isso. Apenas assente e estende o braço sobre a mesa para segurar a minha mão.


Depois do café da manhã, envio uma mensagem de texto simples a Oliver: Oi, como você está? Mas ele não responde. Na manhã seguinte, desligo o celular para parar de olhar para ele. Assim deixo o desejo de lado. Fiquei trancafiada em minha “caverna do trabalho” até a noite de quarta-feira, antes de me entregar e ir andando à Downtown Graffick. Já dei milhares de passos pelo caminho entre meu apartamento e a frente da loja, e estar aqui, na frente dela, traz uma estranha sensação de nostalgia. Há menos de uma semana eu estava descendo do carro e me jogando nos braços de Oliver. Agora, sinto náusea só de me imaginar entrando e agindo como se tudo estivesse normal. Ao longo dos últimos dois dias, comecei a sentir como se talvez eu fosse a maior idiota do planeta. Talvez isso não ajude a afastar a tentação. Talvez seja pior perceber que uma pausa significa que ele não é mais meu. Toco a campainha e alguns clientes olham para mim, sorrindo vagamente antes de voltarem a olhar os livros. Atrás do balcão, Grosseirão acena com um sorriso que lentamente se torna pálido. – Oi – ele cumprimenta, abaixando o livro que está lendo. – Oi. E agora, o que eu faço? Finjo que só vim até aqui para comprar alguns livros? – Oliver está por aqui? – pergunto, deixando imediatamente de lado qualquer simulação. Grosseirão agora fica com uma expressão de desconforto e olha para a porta. – Por pouco você não o pega por aqui. Merda! – Tudo bem. Obrigada. Dou meia-volta, sigo andando pelo corredor de mangás, tentando decidir se devo ou não ligar para ele, ou se devo simplesmente ir à sua casa e dizer que sou uma idiota, que não quero terminar, que não quero nem mesmo fazer uma pausa, será que podemos fingir que nada aconteceu? Olho distraidamente as páginas de um livro quando sinto alguém vir atrás de mim. – Então… – começa Grosseirão em voz baixa. – Porra, o que está acontecendo? Coloco o livro de volta na prateleira e me viro para encará-lo. – Como assim, o que está acontecendo? Ele inclina a cabeça, franzindo a testa. – Qual é?! – Entre mim e Oliver? – pergunto. Tipo, não é da conta de Grosseirão, mas desde quando isso o impede de querer saber? Ele assente. – Não sei – continuo. – Tivemos uma briguinha e eu queria conversar com ele. – O motivo de eu estar perguntando… – ele diz, franzindo a testa. Então esclarece: – O motivo de eu estar confuso é que ele acabou de sair com Hard Rock Allison. Olho incrédula para ele. – Os dois foram jantar.

Como um zumbi, ando até em casa, como um pouco de Rice Krispies direto da caixa e coloco meu


fone de ouvido. Trabalho como uma maníaca até três horas da manhã. Eu me desligo totalmente, a ponto de sequer pensar no que Grosseirão disse. Ou então ficaria completamente revoltada. Quando acordo, às sete horas, vou tropeçando até o computador e olho para a tela. Aperto os olhos, abro-os novamente, tentando limpar a vista. Nada. Nada me vem à mente. Preciso me alimentar. Preciso de ar fresco. London está preparando o café na cozinha e me entrega uma xícara quando chego. Ela não diz nada. – Obrigada – murmuro. Meu celular vibra em minha mão e vejo uma mensagem de London no grupo em qual estamos também eu, Harlow e Mia: Ela acordou. Lanço um olhar para London. – São… 7h15. Vocês estavam esperando eu acordar? – Mais ou menos – responde London, sorrindo gentilmente. Harlow responde: Lola, a gente vai se encontrar hoje à noite no Regal Beagle. Olho para o celular e o coloco sobre a mesinha de centro. Pego minha xícara. Ainda não estou pronta para enfrentar Harlow. London dá a volta no balcão e vem até a sala de estar. – Você vem com a gente? Eu me sento. – Acho que não. – Isso quer dizer que sim? – Quer dizer que provavelmente não – retorço o lábio como quem sente muito. – Preciso trabalhar. London se senta ao meu lado no sofá e, pela primeira vez desde que a conheci, não traz um sorriso no olhar. – Você passou um total de uma hora e meia fora daquele quarto desde sábado à noite. Hoje é quinta-feira! Concordo com a cabeça enquanto tomo um gole de café. – Estou me colocando em dia, isso é bom. – Entenda… – ela começa. – Você não precisa fingir que está bem e que não quer conversar com ninguém. Se estiver triste, peça para eu ficar em casa e você pode desabafar. Se não quer conversar com a gente, continue fingindo que ser uma louca obcecada por trabalho é normal, mas sente esse seu rabo à mesa do bar pelo menos por uma noite, porra! – Oliver vai estar lá? – Sim – ela responde. – Seu amigo Oliver vai estar lá. Inclino o corpo contra as costas do sofá e fecho os olhos. Meu coração já está acelerado, a duzentos batimentos por segundo.


Esta noite demoro uma eternidade para ficar pronta. O que sinto é fúria ou culpa? Não tenho a menor ideia. O que sei é que tenho todo um armário cheio de roupas novas, compradas para sessões de autógrafos e eventos com o público e sabe-se lá mais o quê. Porém, detesto todas elas. Um vestido é curto demais, o outro é longo demais, o outro é apertado demais. Devo apostar em um decote ou manter tudo escondido? Estou com cara de acabada demais para mostrar a ele que não dou a mínima para com quem ele sai ou deixa de sair? Ou devo me esforçar para estar maravilhosa? Por fim, aposto em um suéter preto com gola em V (um pouco de decote), minha calça jeans favorita e bota. Meus cabelos estão maiores do que nunca – batem na metade das costas – e, em vez de usar rabo de cavalo ou coque, eu os deixo longos e lisos. Mantenho-os presos atrás da orelha, mas pelo menos servem para eu me esconder, caso precise. Nunca usei muita maquiagem – nunca precisei de base ou pó – e esta noite uso apenas gloss. Detesto beijar usando gloss; ele funciona como o cinto de castidade para beijos inocentes em momentos de embriaguez com homens que amo desesperadamente, mas que talvez tenham saído com outra mulher ontem à noite. O pessoal está na mesa de costume, situada na parte de trás do bar, quando chego. Vejo Ansel, Mia, Finn, Grosseirão, London e Oliver, que está de costas para mim e cujos ombros largos suponho estarem bloqueando minha visão de Harlow, afinal, eu ouvi a risada dela do outro lado do bar. Meu estômago se arrasta até a garganta. Aceno para cumprimentar Fred e fico parada na lateral da cabine, esperando Oliver perceber que estou ali e me deixar entrar. É mais ou menos como ver um dominó cair: todos me veem em sequência, sorrindo instintivamente antes de os sorrisos se desfazerem, quando eles se lembram do que está acontecendo e olham para Oliver. Tenho certeza de que meu coração vai saltar para fora do peito. Pelo amor de Deus! Ele perde a respiração quando me vê parada ali e apenas olha direto para o meu rosto durante o que parecem ser 1 milhão de fortes batimentos cardíacos. E, nesse momento, sinto que tomei um tapa na cara. Não apenas sinto saudade dele; eu preciso dele. Não quero essa distância. Não quero que nosso relacionamento tenha chegado ao fim. Não quero perdê-lo. Puta que pariu, como eu faço para dar conta de tudo? Ele enfim se mexe para eu poder entrar; sorri um pouquinho, olhando para baixo. – Entre. Oliver está usando uma camiseta verde-escuro da série Preacher e a mesma calça jeans escura que usava na outra noite, quando eu o despi e fiz sexo oral nele pela primeira vez. Ainda posso sentir sua pele em meus lábios, suas mãos trêmulas em meus cabelos. Ainda me lembro da forma como ele soava no banho. O que nós fizemos. O painel mostra a garota parada na frente do espelho, as palavras Eu não estou pronta para isso. eu não estou nem um pouquinho pronta para isso serpenteando em volta do seu corpo. – Oi – consigo dizer. – Oi. – Oliver engole em seco, mantendo o olhar em minha boca por um instante, antes de recobrar a expressão, fazendo aquela poker face tão típica dele. A última vez que o vi foi numa tarde de domingo e tenho a sensação de que meu coração foi virado de ponta-cabeça. Meu Deus! Se isso é difícil para mim, não consigo imaginar como deve estar sendo para Oliver. Terrível. Olho para ele, calmo e tranquilo, sempre sereno. Acho que nunca admirei ninguém da forma como o admiro. – Oi, Lola – Ansel me cumprimenta, abrindo um sorriso tão grande que suas covinhas se afundam


até Marte. Ofereço um sorriso em resposta. – E então, como está indo com o livro? – pergunta Harlow com uma voz um pouco alta demais. Respondo com um olhar de “Sério? A gente vai, mesmo, falar disso aqui?” e simplesmente digo: – Tudo bem. – Tudo bem – ela ironiza, e vejo Finn cutucá-la discretamente com o cotovelo. Este é o momento mais desconfortável da História, então fico aqui sentada, pensando em minha decisão e me consumindo por dentro enquanto a conversa começa à minha volta. Retorno aos meus instintos, pego uma caneta na bolsa e começo a rabiscar em um guardanapo. Posso sentir a cabeça de Oliver se virando em minha direção, seus olhos me vendo desenhar. Esse é o instinto dele, e eu me sinto derretendo enquanto lembro que ele sempre fez isso: esteve perto, quis me acompanhar no processo. É como se houvesse um filme entre nós, uma espécie de restrição arrancada assim que nos beijamos. Antes, eu tinha sentimentos, ele tinha sentimentos, mas continuávamos a vida, respirando, conversando, brincando, bebendo. Agora eu não passo de… um fio desencapado, parado próximo demais de uma faísca. Quero socá-lo por ter saído com Allison, quero acariciá-lo e implorar para que me perdoe. Entre nós, o ar congela e ferve. Quase posso sentir sua mão – tão calorosa – em sua coxa ao lado da minha. De canto de olho, vejo seus dedos se agitarem. Eu também, digo a ele em silêncio. Pensei que estivesse tomando uma decisão difícil – mas positiva – e agora olho para trás, para aquela Lola do último domingo, e tenho a sensação de que ela era a pessoa mais ingênua que o mundo já viu. Não tenho ideia do que fazer – se deveria apenas me virar para ele e dizer, agora mesmo, que sinto muito… E, sentada aqui com ele, sequer consigo lembrar por que achei que seria capaz de continuar a vida assim. Deixar de lado a bruma do estresse por uma noite, estar tão perto assim dele – o cheiro de seu amaciante de roupas, a proximidade de suas mãos fortes, de suas pernas, de seu pescoço macio, de sua risada discreta… Ele está certo. As coisas não funcionam assim. Eu amo esse homem. Quero estar com ele. Pedir para ele apertar o “pause” foi uma enorme besteira. Santo Deus, eu sou uma idiota. Com um movimento brusco, Oliver ajeita o corpo, respira fundo e aparentemente decide desfazer essa maldito silêncio que se instalou em nossa mesa. – Joe, o que você está assistindo? Grosseirão afasta os cabelos da frente do rosto. – Vídeos de vacas sendo ordenhadas. Ergo o olhar. Todo mundo está observando Grosseirão, cenhos franzidos, sem palavras. Harlow ergue uma mão, parando toda a conversa. – Eu nem quero saber. – Ela acena para Fred no bar. – Tenho três atualizações importantes. Em primeiro lugar, estou enjoada de aviões. Em segundo lugar, estou enjoada de barcos. Agradeço ao universo pela habilidade de Harlow de acabar com essa muralha de silêncio. – E, em terceiro lugar – ela continua –, uma cretina horrorosa tentou trepar com meu marido hoje. Todos ficamos boquiabertos e olhamos para Finn enquanto ele murmura contra a caneca de cerveja: – É mentira. Com os olhos arregalados, descrente, Harlow se vira para ele. – Ela colocou ou não colocou a mão no seu braço e ficou dando risadinhas como uma baita cretina?


– Colocou, sim – ele concorda, rindo. – E ela apertou ou não apertou esse seu bíceps delicioso? Ele concorda com a cabeça. – Apertou, sim. Aproximando-se, ela rosna: – E ela entregou ou não entregou a chave do quarto dela para você? – Chave que eu devolvi imediatamente – ele a lembra. – Isso não é tentar trepar. É falhar em trepar. Finn ergue a mão e troca um toque com Ansel. – Que nojo! – exclama Harlow. Ela toma um gole de vinho. – Ela tinha os peitos mais falsos que já vi na vida – conta, deixando claro que aquilo ficou para trás. – O que me faz lembrar… – Ela leva o dedo em riste à frente do rosto dele, que, em tom de brincadeira, mordisca a ponta. – Essa coisa de ficar sem camisa que você tem que fazer durante as filmagens? Não gosto nada, nada da ideia. – Você está ficando louca – provoca Mia. – Você não gosta de me ver sem camisa? – pergunta Finn com um sorriso de quem já sabe a resposta. Harlow coloca a taça de vinho sobre a mesa e parte da bebida espirra pela borda de vidro. – Não quando outras pessoas comem meu marido com os olhos. – Está ficando louquíssima – concorda Oliver, assentindo para Mia. – Você sabia que seria difícil – Ansel lembra Harlow. – É claro que estou ficando louca! – Harlow grita. – Todo mundo quer trepar com o meu marido! Um grupo de pessoas à nossa volta nos encara, mas Harlow apenas fecha uma carranca para eles, até voltarem a olhar para o bar. – Eu não – digo a ela. Finn ergue sua garrafa para mim. Mia toma um gole de sua bebida e assente: – Nem eu. – Gosto de você, Finn – diz Oliver. – Mas também estou fora dessa coisa de querer trepar com você, cara. Lentamente, muito lentamente, a tensão se dissolve em nossa mesa e eu quase sinto vontade de cantar. O som da voz de Oliver, tão profunda, tão perfeita, faz minha pele vibrar. – Eu comeria ele – fala Grosseirão, ainda olhando para a tela do celular, que mostra vídeos de vacas. Todos olhamos por um segundo antes de decidir mudar de assunto. – Harlow… – começa Ansel. – Você se casou com um dos três homens mais leais do mundo. Eu trepo com Mia. Finn trepa com Harlow. Oliver trepa com Lola. As coisas simplesmente são assim. Meu coração para repentinamente e, ao meu lado, Oliver fica completamente paralisado. – Ei! – resmunga London, fingindo sentir-se insultada por ter sido excluída. Até agora, somos os únicos a perceber o fora. Oliver começa a rasgar lentamente seu guardanapo. – Você pode trepar com Grosseirão – propõe Ansel. London olha para Grosseirão e dá risada, negando com a cabeça. – Fica estranho se eu disser que não sei se dou conta dele na cama? O silêncio se espalha como em uma brincadeira desconfortável de telefone sem fio, primeiro com Finn olhando para nós, depois Mia, depois Harlow. As palavras de Ansel finalmente parecem ter sido entendidas e ele leva a mão à boca.


– Merde. Eu não queria… – Tudo bem – Oliver interrompe com uma voz embargada. – Talvez seja um sinal de que eu deva dar um pulinho no banheiro. Ele pede licença em voz baixa, retorcendo o lábio porque tenho que me levantar para que ele consiga sair da mesa, e então passa por mim. Sua mão acidentalmente encosta-se à minha e ele estremece, desculpando-se outra vez. Sinto como se seu toque tivesse me queimado. Nós o vemos sair e, quando ele está fora da vista, eu me inclino para a frente e descanso a testa na mão. – Por que eu estou aqui? Estou arruinando a noite dele. – Eu sou tão idiota! – lamenta-se Ansel. – Foi mal, Lola. – Não – digo a ele. – Eu não deveria ter vindo. Ele estaria se divertindo se eu não estivesse aqui. – Isso não é verdade – Finn rebate com firmeza. – Vocês dois precisam acertar as coisas. Isso é uma besteira sem tamanho. – Olha só quem fala! – esbraveja Harlow. – Veja o jeito como ele olha para você – sussurra Mia. – É como se ele estivesse tentando acender uma fogueira debaixo da sua pele. – Ele sempre foi assim – argumenta Harlow, que então toma mais um gole de vinho. – Olha para você como se, com a força do olhar, conseguisse fazer vocês dois dividirem pensamentos sem ter de dizê-los em voz alta. Como se quisesse estar em sua mente, como se quisesse que você estivesse na mente dele. – Não é verdade – digo a ela. – É sim. – É verdade o quê? – pergunta Grosseirão, erguendo o olhar do celular. – Eu estava dizendo a Lola que Oliver sempre a olhou como se quisesse absorvê-la. – Não é querendo absorvê-la – Grosseirão corrige educadamente. – Ele só quer ter uma parte dela que ninguém mais tem. E claramente conseguiu. Grosseirão ergue o queixo na minha direção, como se para provar que está certo. Eu percebo quando me viro para olhar para ele de onde estou, esperando Oliver retornar. Caímos em um silêncio contemplativo, meio impressionados com tudo isso. – Tipo… Ele não é a Vampira do X-Men nem nada disso – murmura Grosseirão, erguendo a mão para tocar o braço de Mia e fingir absorver sua força, como a Vampira costuma fazer, antes de distraidamente voltar ao telefone. – Então, diga a Oliver que ele tem um pedaço de você. Conserte o que foi quebrado. Ansel e Finn agora brincam com o porta-copos, mas Mia, Harlow e London olham para mim. – O que foi? – pergunto. – Eu concordo com Grosseirão. E isso é… uma novidade – diz Mia, oferecendo um sorriso constrangido. – Você precisa fazer alguma coisa. Vocês dois estão péssimos. Vá conversar com ele, diga como se sente, mesmo que a situação seja difícil. – Acho que agora não é a melhor hora – argumento. Não consigo imaginar nada que eu gostaria de fazer menos do que conversar com Oliver em um bar sobre o que eu fiz e sobre seu jantar com Allison. O simples pensamento de ter essa conversa em público faz meu estômago revirar e dar um terrível nó. Olho na direção dos banheiros, querendo ver Oliver sair e também temendo a forma como vou me sentir quando isso acontecer. Mas outra coisa atrai minha atenção… Um rosto que não vejo há muito


tempo. Meu cérebro precisa de vários segundos antes de se dar conta de quem estou vendo. Olho para Harlow: ela está sorrindo para algo que Finn disse. Olho para Mia: ela está lendo alguma coisa que London mostrou no celular. Mas a atenção de Ansel se concentra entre meu rosto e a pessoa que avistei no bar. Ansel sabe que alguma coisa está acontecendo… só não sabe por que fiquei com os olhos arregalados. Afinal, ele não necessariamente reconheceria Luke Sutter. Do outro lado da sala, Luke me vê e abaixa o olhar. Posso quase sentir que não quer ver o restante da mesa, não quer saber. Mas não consegue: seus olhos deslizam pela mesa, tropeçando sem dar atenção a Grosseirão, London, Harlow, Finn… por fim, param em Mia. Por um segundo, a duração de um palpitar do coração, vejo a vida ser arrancada de seu corpo. – Quem é? – Oliver me pergunta quando retorna à mesa, o ciúme tornando sua voz aguda. Fico assustada com o som e o calor que vibra para fora de seu corpo tão próximo de mim antes de me levantar para deixá-lo entrar. Ao ouvir a pergunta, Mia ergue o olhar, focando a atenção onde Luke está, e fica pálida. Não lembro quando foi a última vez que vi Luke, mas sei que ainda é difícil para ela; ainda é estranho perceber como as coisas mudaram. Ele quase nem é mais a mesma pessoa. – Hum… É Luke – respondo, e me dou conta de que o corpo de Ansel fica rígido com minhas palavras. – O ex de Mia. Percebo que não sei quanto ele sabe sobre Luke, se tem a informação de que os dois eram inseparáveis desde os onze anos, que todos nós imaginávamos que Luke e Mia ficariam juntos para sempre. Será que ela contou a Ansel sobre as piores brigas que os dois enfrentaram? Aquela em que Luke sussurrou, aos prantos, que sentia que Mia tinha morrido durante aquele acidente em que o carro a deixou caída na rua? Ao longo dos últimos anos, Luke se transformou em um cara muito diferente daquele que eu conhecia, mas sempre o adorarei, mesmo se, por fora, ele pareça um idiota arrogante. O acidente arruinou dois sonhos: o dela, de dançar; e o dele, de ter Mia para sempre. Ele superou, mas agindo da única forma que parecia ser possível: dormindo com todo mundo. Olho outra vez para Ansel e Mia e me dou conta de que nunca vi isso antes – a raiva no rosto de Ansel –, mas imediatamente percebo o que está acontecendo: suas bochechas ligeiramente coradas ficam vermelhas; seus olhos também. Mia desliza a mão pelo braço do marido, sussurra algo em seu ouvido, envolve seu rosto com as mãos e pede para ele olhar para ela. Num primeiro momento, Ansel resiste, continua olhando para Luke, e então assente, fechando os olhos e finalmente se virando para alcançar a boca dela, que já o espera, tomando-a toda para si. – Je t’aime – ele sussurra. – Eu te amo tão selvagemente que às vezes esqueço que você não é tão frágil. Por fim, desvio o olhar, oferecendo privacidade aos dois. Quando volto a localizar Luke do outro lado da sala, posso ver seu maxilar estremecer enquanto ele vê os dois se beijarem, mas logo seu sorriso suave retorna e ele se vira, flertando com algumas mulheres perto do bar. – Então esse é o tal Luke? – começa Oliver tão próximo ao meu ouvido. Arrepios percorrem meus braços. – Aquele que a levava aos shows? Confirmo com a cabeça, querendo chorar com o esforço que ele está fazendo para conversar comigo. – Ele e Mia passaram o colegial juntos. E mais algum tempo… depois… – Depois… Você quer dizer depois do acidente? – pergunta em voz baixa. – Sim. Não foi uma época fácil para Mia, e Luke ficou muito chateado por ela nunca mais ter sido a mesma.


– Então, você gostava dele nessa época? Viro-me para Oliver, meus olhos encontram os seus – e tão perto – pela primeira vez durante toda a noite. Tudo aquilo que estou tentando manter dentro de uma bolha ameaça explodir com a forma como ele consegue se manter sereno. Quero me lançar na direção de Oliver e alternar entre sacudi-lo e beijá-lo. Posso ver a dor estampando levemente seus olhos azuis, mas ele é o mesmo Oliver de sempre, o mesmo Oliver estável e plácido que conheço há meses. E odeio isso, porque eu também conheci o outro Oliver, aquele que me deu prazeres tão intensos a ponto de me fazer ver estrelas. E desejo uma reafirmação de que voltarei a ver esse segundo Oliver. Que ele vai me deixar ver esse lado outra vez. – Gosto dele, sim – respondo. – Ele falou algumas merdas e fodeu as coisas mais vezes do que eu conseguiria contar, mas ainda assim é um cara legal. Recebo um franzir de sobrancelhas por meu comentário, mas, antes que Oliver possa responder em voz alta, Ansel lança: – Bem, foi muito bom estar com vocês, amigos, mas sinto que preciso levar minha esposa para casa e fazer um herdeiro. Oliver pega a carteira na mesa e seu corpo se aproxima do meu quando ele a enfia no bolso de trás. – Você também já vai? – pergunto. – Eu acabei de chegar. Ele faz que sim com a cabeça. – Eu sei. Sinto Muito. Foi uma boa experiência, mas prefiro ir para casa e limpar os banheiros. Dou risada com o comentário, ainda que não esteja pronta para deixá-lo ir embora. – Acho que sei o que quer dizer. Quando saio e ele me segue, seguro seu braço, por impulso, para evitar que ele vá embora imediatamente. Ele olha para baixo, surpreso, mas me segue sem resistir quando o levo um pouquinho mais longe da mesa, para um lugar escuro. Solto seu braço, dou um passo para trás e respiro profundamente algumas vezes. Eu não planejava conversar com ele sobre esse assunto hoje. Não sou boa em improvisos assim, mas não consigo deixá-lo ir embora sem dizer alguma coisa, sem lhe oferecer algo mais. – Está bem, então… – digo com uma voz um pouco vacilante enquanto ele permanece em silêncio. – Esta noite foi um saco. – Um pouco, sim – ele concorda apaticamente e não deixo passar a forma como seus olhos deslizam rapidamente por meu rosto até chegarem aos meus lábios. Eu quero. Eu quero. Eu quero. – Sinto muito. Muito, mesmo – digo. – Sei que é difícil… Oliver encolhe os ombros e assente uma vez. Estremeço por dentro. Meu Deus, como é doloroso! Estou tentando encontrar uma forma de expor que não sei como fazer isso, mas quero tentar equilibrar ser sua amante, tê-lo como tábua de salvação e manter o ritmo com tudo o que tenho que fazer. Parece impossível expor tudo, especialmente quando estou tão próxima dele e não consigo encontrar as palavras em meio à minha necessidade de tocá-lo. Por fim, digo: – Ontem à noite, fui à loja para vê-lo. Ele contrai um pouco o rosto. – Você foi? – Você saiu com Allison? Ele esfrega a mão no queixo, parecendo surpreso por eu ter lançado essa pergunta.


– Sim. O painel mostra uma poça com a forma de uma garota no chão. O calor faz meus olhos queimarem. – E foi… – Caramba! Olho para o lado, sentindo que estou me abrindo, vibrando. – Foi um encontro romântico? Quando olho outra vez para Oliver, ele me encara apaticamente. – Ou… – recomeço. – Quero dizer… É isso que você está fazendo agora? – Se é Allison o que eu estou fazendo? – ele pergunta com uma entonação forçada. – Você está falando sério, Lola? – Eu não sabia se era um encontro e me dei conta de que não tenho o direito de perguntar… – Você não tem. – Eu sei – concordo rapidamente. – Mas me sinto mortificada com a ideia de vocês dois estarem juntos. Ele não diz nada, porém, seu maxilar se aperta e tudo fica paralisado em meu cérebro. Em meio a meu choque silencioso, ele rosna: – Mas eu não deveria estar fazendo justamente isso? Tentando passar o tempo até você estar pronta para apertar o “play”? Ele ainda não respondeu à minha pergunta. Percebo que está ofendido – que eu o ofendi –, mas nunca vi esse seu lado ácido e sarcástico. Eu me odeio tanto agora, e também o odeio um pouquinho, porque sinto que ele me traiu… muito embora tenha sido eu mesma quem pediu que isso acontecesse. Meu peito se aperta e se aperta até eu começar a arfar. Sinto minha garganta queimar com a chegada das lágrimas. Balanço a cabeça, tentando sorrir, mas não consigo, e me viro antes que ele me veja. Corro pelo corredor até o banheiro feminino, engolindo as lágrimas, mas ouço alguns passos rápidos e sinto a mão de Oliver segurar meu ombro. – Porra. Não, Lola, não faça isso. Eu sou um idiota. Não me viro para encará-lo enquanto seco loucamente as maçãs do rosto. É devastador. Odeio chorar quando estou sozinha, odeio ainda mais quando alguém está testemunhando, e agora é como se alguém estivesse mirando uma mangueira contra meu rosto; em um piscar de olhos, deixo de ter o rosto seco e o vejo totalmente úmido. – Você não é um idiota. Eu sou – digo. E, a julgar por minha voz, fica claro que estou chorando. – Eu estou com tanto medo de estragar tudo e perder minha chance de ser publicada e agora acabei estragando tudo entre nós. Ele me vira gentilmente em sua direção e eu o encaro, imagino esse homem em meu quarto, arrancando minhas roupas e minha sanidade e nós dois apenas sendo nós. – Eu não beijei Allison – ele admite. – A gente jantou, mas, no fim, não permiti que nada acontecesse. Mexo a cabeça, engolindo um soluço, aliviada. – Mas você espera que eu não tente seguir com a vida? – ele pergunta em voz baixa. – Você me disse que eu deveria esperar enquanto você ajeitasse sua vida sem mim. É horrível pedir isso, Lola. Levo a mão ao peito, as palavras saem bagunçadas: – Não acho que a gente esteja pensando que… que era a mesma coisa – gaguejo. – Não acho que você esteja querendo dizer o que acha que eu estava querendo dizer. Ou o que eu falei. Sinto muito. Ele se afasta um pouquinho de mim. – Não acredito que toda essa coisa de dar um tempo tenha sido apenas… um mal-entendido. Para


mim, ficou muito claro o que você disse. – Não quero falar disso – digo a ele. Estou tentando organizar meus pensamentos de alguma forma, mas a música está alta e posso sentir nossos amigos nos observando. – Não aqui, assim. Mas talvez… em breve? Ele assente, olha para a minha boca. Mas logo começa a negar com a cabeça, dizendo: – Não sei, Lola. Não sei. Isso tudo está uma bagunça do caralho. O pânico começa a subir por minha garganta. – Não quero que nossa relação termine e… Oliver me interrompe com um suave “shh”, estendendo a mão para prender meus cabelos atrás da orelha. Ele olha para a mão como se ela tivesse se movimentado por instinto, e então solta os braços na lateral do corpo. Meu coração bate desesperado, nas profundezas da selva em meu peito. E bate e bate e bate e bate por ele. Sei que isso nunca vai diminuir. Não existe um relógio capaz de nos fazer voltar no tempo, não há como parar o tempo. – Sinto saudades de você – confesso. Ele ri com o rosto voltado para o chão, olhos azuis suaves atrás dos óculos. – Também sinto saudades de você, Lola Love. Uma mistura de dor e alívio se espalha por mim. Quando ele me chama de “Lola Love”, eu me pergunto se existe pelo menos a chance de uma amizade depois de tudo isso, e se essa amizade seria maravilhosa ou uma tortura. – Pensei que você fosse me dizer que beijou Hard Rock Allison. Oliver olha para mim com uma expressão que é ao mesmo tempo doce e triste. – Acho que eu não faria isso. Não sinto nada assim por ela. – Ele desliza a mão pelo maxilar, piscando os olhos. – Eu estava com raiva e queria me distrair, é verdade, mas jamais trairia meus próprios sentimentos assim. – Ele ri sem achar graça antes de prosseguir: – O seu amor está gravado no meu cérebro. O seu beijo é o único que ainda desejo. O peso dos meus sentimentos faz algo dentro de mim se revirar e, antes mesmo de me dar conta, já estou dizendo: – Quer ir para casa hoje à noite? Oliver fecha os olhos por um instante, tentando sorrir, mas sua boca quase não se curva. – Não acho que… Ah, Deus! Meu interior se torna líquido, aterrorizado. – Porra, deixe pra lá. Sinto muito. É claro que você não quer. Oliver dá um passo para trás, lança um olhar desamparado à nossa volta antes de esfregar o rosto e virar-se outra vez para mim: – Não faça joguinhos comigo. – Ele me encara, seus olhos me analisam. – Por favor, posso ver nos seus olhos que você ainda está confusa. Percebo que também não gosta do que fez. É que… dias depois, parece tarde demais para me procurar com essa mistura de sentimentos e pânico, e não consigo evitar sentir que seu gesto está ligado a você ter ficado sabendo que saí com Allison. – Não, Oliver, não é… Ele continua me analisando, negando enfaticamente com a cabeça. – Não sei se você realmente tinha medo de que esse relacionamento acabaria interferindo em sua carreira ou se esperava dar um tempo até começar a me amar. E, de qualquer forma, não sei o que fazer. As duas alternativas são péssimas. – Oliver se aproxima e me beija logo abaixo da orelha. E continua em silêncio, com os lábios a meio centímetro da minha pele. – Estou apaixonado por você,


Lola, mas tambĂŠm tenho muito medo de vocĂŞ me arruinar.


Capítulo 15

Oliver Não tenho a menor ideia de como me comportar perto de Lola. E Joe claramente também não. Não a via na loja há mais de uma semana e, na manhã seguinte à nossa desconfortável conversa no bar do Fred, quando ela finalmente entra e segue imediatamente para a seção da Marvel após apenas acenar em minha direção, Joe sequer grita seu nome ou faz brincadeiras na frente de todos. Posso senti-lo me observando, analisando minha reação. – Lola está aqui – finalmente diz, erguendo o queixo na direção do corredor onde ela desapareceu. Meu coração afunda no peito. – É, está sim. Ela tinha me pedido para acompanhá-la ontem à noite – e porra!, como foi tentador imaginar deixar tudo isso de lado e ir para a cama, desfrutar do sexo –, mas nem em um milhão de anos eu teria concordado. Eu praticamente conseguia sentir sua culpa, seu arrependimento, ontem à noite, mas Lola não tem ideia do que quer agora; ela é uma mina de emoções, e uma mina sobre a qual não estou pronto para andar por vontade própria. Joe dá a volta no balcão para se posicionar ao meu lado. – Você não vai lá cumprimentá-la? – pergunta. – Não que seja problema seu, Joe, mas não. Talvez daqui a pouco, mas parece que ela está aqui apenas para dar uma olhada nos livros. – Simplesmente não entendo vocês dois – ele comenta em voz baixa. – Não vou surtar com base na opinião de um homem que passou grande parte da noite de ontem assistindo a vacas serem ordenhadas antes de começar a ver vídeos de homens puxando caminhões com cordas amarradas a seus paus. É mais fácil lançar uma brincadeira, afinal, o que mais posso dizer? Agora percebo que eu também não entendo. Existe um lado meu – a parte cheia de amor, que há muito tempo percebeu que Lola é incapaz de fazer mal a qualquer um – que quer se responsabilizar por tudo isso, que sente que eu deveria ter imaginado que ela entraria em pânico por conta da relação trabalho versus nós dois, que eu deveria ter facilitado as coisas com base no que ela disse, que ter saído para jantar com Allison realmente foi


uma péssima ideia. Mas a conversa em seu quarto – aquela em que ela me disse que queria que eu simplesmente esperasse enquanto ela mantivesse o foco em realizar seu trabalho – me mostrou como ela é jovem. Ou melhor, ingênua. Eu sabia. No fundo, eu sabia. Porém, nunca pensei que isso seria um tapa tão forte na minha cara. Talvez eu tenha sido o ingênuo. Quero que Lola tenha todo o sucesso do mundo, mas ainda fico desnorteado com a ideia de estar atrapalhando seu caminho de alguma forma. E talvez me sinta mais do que apenas um pouco ferido com isso. Sou o maior fã de Lola – caramba, eu uso minha camiseta de Razor Fish sempre que está limpa! Também fui o amante mais dedicado… embora apenas por uma semana. E doeu ter sido colocado de escanteio com tanta facilidade. Mesmo com tudo isso, quando ela está por perto, fico ciente de que nunca desejei ou precisei de alguém assim. Existe uma força, uma espécie de gravitação, que me leva a estar perto dela. O simples fato de eu saber que ela está na loja faz um enxame de abelhas invadir meu peito até eu sentir que estou queimando por dentro. Seus cabelos estão soltos, os lábios cheios e expostos. Lembro-me do inclinar preguiçoso de sua cabeça, lembro-me de beijá-la por todo o corpo, da sensação de suas coxas em meus ombros, do mel de sua boceta deliciosa em minha língua. Lola lança um olhar, vê que a estou observando e acena discretamente. Retribuo o aceno e me viro para encontrar Joe bem ao meu lado, seus olhos deslizando de mim para Lola antes de ele finalmente negar com a cabeça. – Puta que pariu, isso é uma merda – comenta. – Tudo bem. Abro um saco de moedas e as jogo no caixa. – Tudo bem?! – ele pergunta. – Há uma semana, Lola apareceu aqui e pulou em você como se estivesse trepando em uma árvore. Mas hoje ela age como se você fosse o atendente estagiário. – As coisas andam… complicadas – suspiro. Eu amo essa mulher, mas não quero estar com ela ainda. Quero vê-la em uma situação melhor. – Ela ainda está interessada em você, sabia? Fechando a máquina registradora, lanço um olhar exasperado de “isso não é da sua conta”. – Eu sei, Joe. Mas Joe não desiste. – E…? – E eu estou começando a me perguntar se ela estava certa quando passou a se preocupar com a possibilidade de termos estragado tudo – conto a ele. – Talvez funcionássemos melhor como amigos. Cumprimento um cliente que se aproxima do balcão e Joe dá um passo para o lado quando fecho a compra. Com o pagamento feito e a compra na sacola, sorrio e a entrego ao cliente. Joe continua me observando com expressão de desaprovação. – Talvez você esteja esquecendo um detalhe: o de que está apaixonado por ela. Apoio o corpo no balcão e esfrego as mãos no rosto. – Eu não esqueci. – Então o que está fazendo aqui quando ela está lá do outro lado, porra?! Balanço a cabeça e encaro com olhos cansados para onde ela folheia as páginas de uma HQ, ouvindo alguém ao telefone. – Joe, isso não é da sua conta. E não é tão simples assim. – Você vai sair outra vez com Allison? – ele questiona.


Meu estômago se contorce. – Foi só um jantar. Ele assente, compreendendo. – É tipo quando você cresce comendo chocolate da Hershey’s e pensa: “Esse chocolate é delicioso”. Mas aí você experimenta um Sprüngli e pensa: “Cara, Hershey’s é uma merda!”. Olho para ele. – Sprüngli? – É uma loja de chocolates suíços – diz acenando vagamente com a mão. – Minha família tem uma casa nos Alpes suíços. Agora eu me viro para encará-lo. – Porra, quem é você? Rindo, ele responde: – Definitivamente não sou um cara chamado Joe. – Nem me conte quem é! – exclamo, erguendo a mão. – Isso arruinaria todo o mistério. Dando de ombros, ele vai até o escritório. O sino em cima da porta toca e vejo Finn e Ansel entrarem. – Bom dia, Finnigan – cumprimento. – Não sabia que você estaria por aqui hoje. Ele lança um olhar agressivamente paciente ao ouvir o apelido, enquanto tira a jaqueta. – Tenho o resto da semana de folga. Ansel dá início à conversa fiada: – Nós vamos almoçar? Estou morrendo de fome. – Finn e eu trocamos um olhar bem-humorado: Ansel faminto é a única versão afiada de nosso amigo. – Sim… Só me deixe… – começo a dizer, mas Lola percebe o que está acontecendo e se aproxima. – E aí? – ela diz aos dois antes de virar-se para mim. Suas bochechas ficam coradas, seu sorriso se torna enorme: – Oi. Eu te amo pra caralho. Finn vira-se para Lola. – Você não teria, por acaso, conversado com a minha mulher na última hora, teria? – Nunca vai deixar de ser estranho ouvi-lo chamando ela assim – comenta Lola, sacudindo a cabeça. – Mia é esposa de alguém. Harlow é esposa de alguém. E Lola foi a minha, por doze horas. Depois, foi outra coisa, algo ainda melhor, por alguns poucos dias. Finn a encara, pressiona os lábios em uma linha reta enquanto espera a resposta. – Na verdade, sim – responde Lola, estendendo a mão para dar tapinhas na cabeça dele, que desliza o olhar na minha direção como se eu tivesse algo a ver com isso. – Ela estava no carro, a caminho de Del Mar, para coletar algumas assinaturas de… alguém… E você sabe que o sinal de celular é horrível por lá. Finn assente, estendendo a mão para pegar uma barra de Snickers guardada no balcão, debaixo da máquina registradora. Ansel vê e praticamente a derruba para também pegar um chocolate. – Lola – diz Finn, praticamente rasgando o embrulho. – Deixe-me perguntar uma coisa. Ela arqueia as sobrancelhas em expectativa e a expressão é tão doce que tenho que desviar o olhar para não me aproximar. – Estou planejando levar Harlow a Sequoia para passar o fim de semana. Acampamento,


tranquilidade… você entende. Por acaso sabe se ela vai trabalhar no próximo fim de semana? Lola oferece um sorriso afetado a Finn ao mesmo tempo em que sinto meus olhos arregalarem. – Você vai dirigindo? – ela pergunta. Ele afirma com a cabeça. Lola olha para mim e, por um momento, o ar estranho entre nós se desfaz e estamos no mesmo time. – Você vai dirigir por seis horas para levar Harlow para acampar na floresta durante um fim de semana inteiro? – ela diz. Ele repuxa as sobrancelhas e se vira para me encarar. – Exatamente. – Você conhece a sua esposa? – pergunta Lola. A boca de Finn se curva, formando um sorriso orgulhoso. – Ela vai gostar da ideia. – Se você diz… – ela cede, piscando com apenas um olho. Porra. Meu peito se retorce quando percebo o lado divertido de Lola vindo à tona. – E sim, sua mulher vai ter folga no fim de semana – ela continua. – Lola, você ainda está aqui! – comenta Joe, saindo do escritório aos fundos com uma banana, descascando-a de forma sugestiva. – Está pronta para fugir comigo? – Ainda não – ela rebate, rindo. – O que você estava fazendo ali atrás, afinal? – ele pergunta. Ela o encara antes de lançar um rápido olhar em minha direção. – Dando uma olhada. E aí Benny ligou. Tenho algo importante para entregar na próxima semana, então… vou mudar a viagem que tinha agendado para Los Angeles para a semana seguinte. Registro suas palavras. Eu nem sabia que Lola tinha uma viagem agendada, menos ainda que a havia adiado. Detesto essa distância entre nós – a falta de sentido de tudo isso, o absurdo –, a forma como as coisas parecem seguir em frente em nossos mundos separados e não estarmos dividindo compulsivamente nada do que acontece. Sinto saudade de Lola. Caralho, preciso superar isso. – Bem, fico contente por você estar aqui – diz Joe. – Porque eu queria mostrar uma coisa. – Ele vai até onde estava um instante atrás, fazendo Lola voltar a atenção para uma prateleira. Então, prossegue: – Veja o que chegou. – Ah, meu Deus! – ela exclama, aproximando-se para ver melhor. De onde estou, não consigo avistar o que os dois estão olhando, mas Lola logo acrescenta com animação: – Como você consegue arrumar essas coisas?! Joe sorri para mim. – Oliver? Pode pegar o novo item em consignação? – Eu pego – Finn se oferece, dando um passo na direção da escada, mas Joe o contém com uma mão no peito. – Acho que Oliver sabe do que preciso. Ofereço um olhar de advertência, sentindo que ele está aprontando alguma coisa. Mas, assim que subo na escada e olho para cima, imediatamente me dou conta do que os dois estão falando. Joe de alguma forma conseguiu encontrar um conjunto de bonecos baseados no livro de Lola e os colocou na prateleira para ela. Começo a explicar que ainda não consegui trazer mais desses itens para a loja, mas, quando viro-me para entregá-los a ela, percebo que seus olhos não estão voltados para a caixa, mas para minha barriga exposta, onde a camiseta está subindo.


Limpo a garganta e Lola pisca os olhos para mim antes de enrubescer em seis tons diferentes. Joe já está rindo e com a cara mais convencida, com ares de “eu avisei”, que já vi. – Você é um grande cuzão – Lola diz baixinho a Joe, rindo e dando-lhe um soco no ombro antes de pegar a caixa das minhas mãos. Estou um pouco irritado com ele, mas parte de mim acha graça em sua persistência. – Onde você arrumou isso? – ela pergunta, evitando me olhar nos olhos. Balanço a cabeça, pois jamais tinha visto aqueles bonecos. Eles não estão disponíveis nem na internet ainda. – Eu não sabia que tínhamos esses itens na loja. – Comprei hoje – conta um Joe orgulhoso. – Foi a primeira vez que vi. – Já estão vendendo? – pergunto. E me dou conta de que até mesmo Finn – um cara que se parece com o Super-Homem, mas que provavelmente seria incapaz de diferenciar a Mulher-Gato da Batgirl – aproximou-se para ver de perto. Até Ansel está interessado. Joe balança os ombros como se aquilo fosse irrelevante e, em seguida, dá uma mordida na banana. – Sim. – Fizeram isso para o livro? – questiona Ansel, olhando por sobre o ombro de Lola para enxergar melhor. Assentindo, ela diz: – É parte da promoção do lançamento da versão brochura, que deve acontecer em alguns meses. Nem eu mesma tenho um boneco desses. Estou esperando há semanas por receber um deles. Adoro o fato de ela se sentir assim, e adoro ainda mais o fato de eu estar aqui, neste momento, pois o trabalho tem sido um saco para ela nos últimos tempos e Lola precisava dessa pequena alegria. Estendo a mão e pego o boneco da mão dela para colocá-lo em uma sacola de compras de tecido com o logo da loja. – Agora é seu. Ela fica boquiaberta. – Não posso aceitar isso. Joe nega com a cabeça. – O cara trouxe com várias outras coisas. Tenho a sensação de que ele roubou esse item de um conjunto de produtos promocionais enviado a seu trabalho e não tinha ideia de que o boneco ainda não havia sido lançado. Não paguei muito por ele. – Eu seria capaz de beijá-los agora! – ela diz, olhando para a sacola, antes de se dar conta do que disse. Seu lábio inferior está recolhido entre os dentes. Ela olha para baixo. Apesar de Lola ter causado um climão, alguma coisa primitiva ganha vida em mim, então preciso desviar o olhar. – Eu a deixaria fazer isso numa boa – comenta Joe. – Mas tenho um encontro. Oliver pode ficar com a minha parte. É como se um enorme elefante tivesse caído no meio da sala e, de repente, alguém encontra alguma coisa para analisar intensamente. Joe resmunga: – Ora, por favor! Não sei por que os dois estão brigando assim. Vocês nunca vão conseguir ser apenas amigos. E, com isso, ele pega seu chaveiro do Greenpeace atrás do balcão e sai pela porta. Ninguém diz nada durante os dez segundos mais desconfortáveis de toda a História.


Enfim, Ansel limpa a garganta: – Então… o almoço… Lola, quer vir com a gente? – convida, sorrindo gentilmente para ela. Os olhos dela ficam arregalados e ela me encara como se perguntasse o que fazer. Ofereço um sorriso, esperando que esse sorriso pareça melhor do que realmente é, afinal, por dentro sou uma bola gigante de incerteza. Quero Lola perto de mim, mas quero que ela descubra o que deseja primeiro. O telefone vibra em sua mão e ela olha para baixo. Lê a mensagem. Todos vemos seus ombros caírem e ela exclamar, em voz bem baixinha: – Porra! – O que foi? – pergunto, o instinto protetor vindo à tona. – É o Greg – ela explica, apagando a tela com um suspiro. – Ellen terminou com ele. – Olha para Ansel e diz: – Obrigada pelo convite, mas tenho alguns telefonemas para fazer e depois vou à casa do meu pai. – Espero que tudo esteja bem – digo. Finn e Oliver ecoam meus votos. Ela lança um sorrisinho tímido para mim enquanto ergue a sacola da loja. – Obrigada mais uma vez, Oliver. Isso significa muito para mim. O sino sobre a porta toca outra vez quando ela sai e nós três a observamos na calçada. Por dentro, sou um grande nó. Detesto vê-la ir embora, quero ficar perto de Lola mesmo quando estou nervoso, mas, ainda assim, sinto que preciso construir uma gaiola para proteger meu coração. Viro-me de volta a meus amigos, coço a lateral do pescoço e digo: – Lembrem-me de demitir Joe da próxima vez que ele aparecer. A loja está vazia, já está tarde, tudo está morto. Pego as chaves e mudo a placa para “fechado”. Por fim, gesticulo para que eles vão na frente.

Caminhamos alguns quarteirões até o Bub’s, perto do Petco Park, e somos conduzidos até uma mesa perto do pátio. – Como estão as coisas com Lola? – pergunta Finn, olhando-me por sobre sua bebida. – Vocês pareceram… – Hesitantes – Ansel conclui para ele. – O que, devo dizer, é muito estranho de observar. – As coisas estão iguais. – Cutuco o gelo em minha água com o canudo. Desde minha conversa com Lola, não me sinto muito inspirado para conversar detalhes com meus amigos, mas contei o suficiente para saberem que as coisas não estão em seu melhor momento. – Ainda estamos “no pause” – continuo, hesitando. – Mas acho que ela queria sair do modo pause. E me convidou para ir à casa dela ontem à noite, enquanto estávamos no bar do Fred. A garçonete para perto da mesa e cada um pede um hambúrguer e anéis de cebola. Quando ela se distancia, os dois estão me encarando à espera de mais informações. – Tipo… É claro que eu disse não – relato. O silêncio toma conta da mesa. – Porque me parece óbvio que, antes de qualquer coisa, ela precisa dar um jeito na própria vida – prossigo. – E ela não pode fazer isso com seu pau na boca? – questiona Ansel, o que leva Finn a lhe dar um soco no ombro. – O que foi, cara? Fiz uma pergunta séria. Finn ergue o queixo e pergunta:


– Será que Lola chegou a pensar que talvez esteja ainda mais ocupada daqui a quatro meses? As filmagens nem começaram. Quero dizer… Às vezes passo uma semana inteira sem ver Harlow, e é um saco, mas não vai ser sempre assim. – Não sei – respondo. – Não posso fingir saber o que está acontecendo no cérebro de Lola agora. – Sempre tive a impressão de que vocês dois têm uma linguagem secreta – lança Ansel. – Eu também – admito. A garçonete coloca a cesta gigante de anéis de cebola no centro da mesa. Então, prossigo: – E como sou um grande cuzão, só fiz piorar as coisas saindo com Allison na quarta. Ansel arregala os olhos. – Hard Rock Allison? – Confirmo e ele bufa e pega a cerveja. – Por que fez isso, cara? Dando de ombros, admito: – Foi uma coisa impulsiva. Ela apareceu e perguntou se eu queria jantar. Estava irritado com Lola e concordei. – E ela pensou que era um encontro? – questiona Finn. – Pensou, sim. Finn me observa. – E você não fodeu ela? – Não – rebato rapidamente. – Expliquei qual era minha situação assim que nos sentamos. Mas ainda sinto que traí Lola porque eu sabia que ela ficaria com ciúme quando descobrisse. Eu queria rasgar a minha própria pele quando cheguei em casa. – E se Lola tivesse feito a mesma coisa? – Finn questiona. Minha pele enrubesce, queimando com a ideia de Lola estar com outro cara. – Eu arrancaria a pele dele. – E Lola soube? – pergunta Ansel, estremecendo. – Sim, ela foi me procurar. A porra do Joe contou para ela. – Mas você teria contado de qualquer forma – constata Ansel, franzindo o cenho. – Não teria? – É claro – afirmo, lançando um olhar exasperado. – Quase telefonei para ela no meio do encontro porque me senti extremamente culpado. Mas não liguei, afinal, pensei: “E se ela estiver trabalhando e ficar irritada por eu ter ligado para confessar que estou em um jantar platônico com outra mulher?” – Corro a mão pela boca. – Está tudo uma zona. E eu claramente ando mais preocupado com nossa relação do que ela. Não sei mais interagir com Lola, e isso me parece… errado. – Vocês são dois idiotas – comenta Finn. – Lola também está acabada, se me permite dizer. – Mas é isso que é se apaixonar, está bem? – explica Ansel, sorrindo. – Sou um idiota feliz por causa de Mia. – Eu… – começo a dizer e sinto o riso borbulhar dentro de mim. Apesar de tudo, estar perto de Ansel é muito animador. – Lola é, sem dúvida, uma das pessoas mais inteligentes que conheço, e receio que ela seja, para usar uma expressão de Harlow, extremamente idiota quando o assunto é relacionamentos. – Mia comentou que Lola tem a tendência de colocar seus quadrinhos sempre em primeiro lugar – relata Ansel, cruzando os braços. – Ela é assim desde que as duas eram adolescentes. O instinto de proteção se aperta em meu peito e saio em defesa de Lola: – Ela passou por um momento difícil. Não foi fácil para ela, é só isso. – Bem, porra, Oliver, talvez seja justamente isso – comenta Finn. – Talvez ela precise saber que essa… coisa entre vocês dois não é tudo ou nada, que você não a está cortando por completo só porque ela ainda se esforça para entender o que está acontecendo. Pego um anel de cebola e ofereço um sorriso bem-humorado.


– É bom ouvir você soando tão sábio sobre o assunto, Finn. Ele ergue o queixo para mim, retribuindo o sorriso. – Também é bom ver vocês dois fodendo tudo, Oliver.

O céu está escurecendo quando consigo fechar a loja e chegar ao apartamento. Fico aliviado ao ver o carro de Lola quase imediatamente – ela ainda não saiu para ir à casa do pai – e estaciono na primeira vaga que encontro. Saio do carro e vou até a entrada principal. O saguão do prédio costuma ter movimento a essa hora; os elevadores em geral estão cheios de gente voltando do trabalho ou saindo para se divertir, mas esta noite as coisas estão estranhamente tranquilas. Encontro-me sozinho no elevador quando o número dos andares é mostrado no painel iluminado, sozinho com meus pensamentos enquanto tento definir como exatamente ter essa conversa. Ainda não sei o que vou dizer. Só quero vê-la. Talvez apenas peça desculpas mais uma vez pelo encontro com Allison; aquilo foi péssimo, especialmente porque eu tinha certeza de que Lola de alguma forma ficaria sabendo. Talvez eu apenas diga, agora que estou mais calmo como – muito embora não fosse sua intenção – foi brutal ser deixado tão imediatamente de lado, ter sido transformado em uma distração, um obstáculo. Não acredito que estejamos prontos para voltar ao ponto em que estávamos antes de tudo derreter. Eu só preciso que ela converse comigo. Por mais horrível que possa parecer, foi bom vê-la tão chateada no bar do Fred porque pelo menos pude perceber que a situação também foi difícil para ela. Eu costumava me sentir completamente seguro com Lola. Mesmo sem falar sobre nossos sentimentos, eu sabia em que situação estávamos pela forma como ela buscava minha companhia, minha opinião, ou mesmo um simples contato visual. Ela foi a primeira americana que não tive dificuldade para ler. Lola sempre se mostrou deliberada em suas tomadas de decisão, e não foi diferente quando o assunto era nós dois. Então, fui pego de surpresa quando ela terminou as coisas de uma forma um tanto histérica depois que senti que tudo estava dando certo entre nós. Sei que, naquela noite em minha casa, eu não era o único completamente apaixonado. Sei que não imaginei como as coisas foram intensas na cama, durante toda a noite, durante o banho. Meus passos são leves enquanto ando pelo corredor. Paro quando ouço a voz de Lola passar pela porta de correr feita de aço. Puxo o celular para ver que horas são. Não vi o carro de London lá fora e definitivamente é tarde demais para ela estar no trabalho. Harlow deve passar o dia todo em Del Mar e, posso estar errado, mas acho que Mia dá aulas a essa hora. Com quem ela estaria conversando, então? Seu pai? Benny? Quando ela começa a falar mais alto, paro diante da porta enquanto decido se devo bater e correr o risco de interromper a conversa de Lola com outra pessoa ou se devo simplesmente virar as costas e ir embora. – Eu sei – ela diz com um tom firme e ríspido. – E a gente conversou sobre isso na semana passada. Como eu disse, tenho meus próprios prazos para cumprir. Sinto muito se parece que isso vai atrapalhar o seu cronograma. Mas, se você e Langdon tivessem falado sobre esse assunto em algumas das vezes em que tentei falar durante o encontro, ainda assim minha resposta seria a mesma de agora. Fico paralisado onde estou. Nunca ouvi Lola conversar assim com… bem, com ninguém. A parte lógica do meu cérebro me diz para dar meia-volta e telefonar mais tarde para ela e que ninguém nunca ouviu nada agradável enquanto bisbilhotava. Mas uma parte ainda maior de mim está intrigada, morrendo de vontade de saber com quem ela está conversando. Essa parte maior de mim se


sente fascinada por esse lado de Lola. Ouço um bater ritmado do outro lado da porta, o som de suas botas enquanto ela anda de um lado para o outro pelo chão de madeira da cozinha. Estou prestes a ir embora quando o som para abruptamente. – Não… Eu entendo perfeitamente o que você está dizendo. Mas o que eu estou dizendo é que Razor jamais faria isso. Sei que você está buscando criar uma certa sensação, mas isso é um contraste direto com o que o personagem principal faria. Meus olhos ficam arregalados e meu estômago evapora, transformando-se em vazio. Ela está conversando com Austin. Puta merda! Em seguida, vem um minuto de silêncio pontuado por “a-hãs” e “sim” e “entendo” e eu seguro a respiração, perguntando-me se ela vai usar suas armas ou se vai deixá-lo virar a mesa e lançar mão de manipulações para conseguir o que quer. Meu coração bate tão forte no peito que, por um momento, me preocupo se ela vai conseguir me ouvir lá de dentro. Até agora, eu não tinha percebido que precisava vê-la assumir novamente o controle de sua carreira, dessa carreira que a consumia viva, que a transformava. – Ouça – ela diz, e posso ouvir a calma forçada em sua voz. – Sinto que venho acomodando muitas das mudanças que você pediu e, conforme já deixei claro, entendo o que você quer fazer, realmente entendo. Você produz filmes, eu não. Mas o que eu faço é escrever histórias e criar personagens e seus mundos, e os dois personagens nesse mundo não estão apaixonados um pelo outro. Não existe um romance para você trabalhar em cima, nenhuma tensão sexual. Se você mudar isso, os motivos e cada uma das ações de Razor podem ser colocados em xeque. Ele faz o que faz porque enxerga aquilo em que ela pode se transformar, e não porque está apaixonado por ela. Pressiono a mão contra o batente da porta e sinto meu peito se abrir. E, apesar de tudo o que aconteceu entre nós nos últimos dias, estou sorrindo, ciente de que Lola está lutando por aquilo que ama. Ela pode cuidar de si mesma. E, se é capaz de enfrentar um estúdio repleto de executivos, então é capaz de lutar para voltar para mim. As palavras de Finn correm outra vez por minha cabeça e, embora ele tenha razão em alguns pontos, eu conheço Lola. Ela pode ser inexperiente quando o assunto é relacionamentos, mas, quando quer algo, sabe lutar por isso. Não precisa de socorro. Se eu entrasse no apartamento agora e tentasse apresentar a ela tudo o que há entre nós, me perguntaria para sempre se ela voltaria sozinha para mim. Tenho que acreditar que ela vai lutar por nós, que não estou errado a seu respeito. Tenho que acreditar que quero estar lá por ela, sempre, mas que ela não precisa que eu esteja. Afasto-me da porta e me viro outra vez para o elevador. O som da voz de Lola se torna mais fraco a cada passo que dou.


Capítulo 16

Lola Há tanto tempo não durmo na cama da minha infância que, quando acordo, preciso de cinco segundos para descobrir onde estou. É o puxador de vidro no guarda-roupa que me dá uma pista. Cada uma das portas dessa casa tem essas maçanetas ou puxadores gigantes, imitando cristal. Minha mãe as comprou por capricho durante uma das épocas em que meu pai esteve fora; ela passou todo um fim de semana furiosamente arrancando as maçanetas genéricas, de latão, e substituindo-as por essas. São pesadas e parecem brilhar como um olho em cada porta. É uma das coisas que sempre adorei sobre esta velha casa e seus toques artesanais: tudo parece tão firme, mesmo quando o conteúdo humano parece capaz de se desfazer com o mais leve espirro. Ouço um leve bater em minha porta. – Lorelei? – Oi, pai. Ele espera um instante e então gira a maçaneta. Coloca a cabeça para dentro do quarto e diz: – Não ouvi quando você chegou ontem à noite. – Vim ver como você estava, mas você já estava no quinto sono. Não fico surpresa por não ter me ouvido. Ele dá risada, entrando no quarto, e percebo que está segurando duas canecas de café em uma mão. – Não lembro quando foi a última vez que você dormiu aqui. – Eu também não. Sento-me e afasto os cabelos do rosto. Uma olhadela no relógio me diz que são apenas seis horas da manhã. Meu pai sempre acordou cedo, desde os dias na Marinha; ele considera a ideia de me deixar continuar dormindo. – Você não precisava ter se incomodado em vir. Pegando o café de sua mão, respondo: – Eu queria vir. Já fazia algum tempo que você não gostava tanto de alguém quanto gostava de Ellen. E eu quero vê-lo feliz. Meu pai me encara com ceticismo.


– Você a detestava. – Certo, talvez eu não gostasse dela, mas de qualquer forma queria estar aqui por você, bobão – argumento. – Eu estou bem. – Ele abre um sorriso. – Talvez você precisasse mudar de ares. Inspiro a fumaça do café, deixando-a acordar meu cérebro. – Talvez. Meu pai se senta na beirada da cama, perto dos meus pés, e toma um gole direto de sua xícara, olhando para a parede. Posso sentir o início iminente de uma conversa assim que ele falar sobre Ellen ou me perguntar mais sobre o que está acontecendo com o trabalho, comigo. Sinto-me inquieta, como se não tivesse certeza de que quero estar aqui, mas também não quero ir para casa. Para ser sincera, me sinto assim com relação a tudo em minha vida ultimamente: quero essa carreira que criei, mas, ao mesmo tempo, quero que ela seja menor, mais simples, mais administrável. Quero ter Oliver, mas não quero precisar tanto dele. Quero conseguir respirar sem sentir que meu peito está amarrado com uma corda, com tudo no limite. E, acima de tudo, quero encontrar uma forma de consertar o problema que causei. Pensar nisso me deixa sobrecarregada. Os olhos de meu pai focalizam minha mochila, arrumada rapidamente ontem e agora encostada em um canto. – Você sabe, a gente conversa, mas não conversa – ele começa. Sua voz sai muito fraca, um tanto esganiçada, e isso é o que sempre acontece quando ele fica emotivo. Nenhum de nós sabe o que fazer. É como colocar uma criança em uma bicicleta pela primeira vez. Ela observa os pedais, ergue o olhar e diz: “O que é para eu fazer?”. Assim somos nós conversando sobre sentimentos. – A gente conversa quase todo dia – lembro-o. – Sei de tudo que você faz, mas não sei bem o que você sente. Bufo sobre o meu café. – Pensei que estivéssemos aqui para conversar sobre você e Ellen. Ele ignora meu comentário. – Você anda trabalhando demais – ele arrisca, virando-se para olhar para mim. – Estou falando sério. Quero conversar com você. Você está péssima. Meu pai sabe de cada uma das minhas melhores e piores escolhas. Conhece cada parte da minha história, então, sempre acreditei que ele soubesse o que eu sentia, afinal, ele me conhece. Mas está certo: a gente não vai fundo em nossas conversas sobre sentimentos. Nunca fomos. Lançamos mão de piadas e usamos sarcasmos para fazer um ao outro dar risada, mas não definimos as emoções. Não sei se me sinto melhor ou pior sabendo que estou agindo da mesma forma com Oliver. – Vamos à cozinha para tomar café da manhã. E conversar. Corro o olhar pela sala para ver onde deixei minhas coisas quando corri para a cama ontem à noite. – Na verdade, se eu soubesse que você estava tão bem, teria ido para casa. Tenho uma montanha de trabalho me esperando. – Fecho os olhos, engolindo a bolha de pânico que já começa a subir por minha traqueia. – Não – diz meu pai. E ele adota um tom severo que acho que não ouço desde que era uma criança arrumando encrenca. Aquilo faz meu cérebro se retorcer, me leva a desejar um espaço aberto e uma maior distância física. Coloco a caneca na mesa de cabeceira e me levanto da cama. – Cozinha – ele insiste. – Em dez minutos.


– Você está com uma aparência péssima, minha filha. – Você já disse isso. – Passo por ele para pegar mais uma caneca de café. – É que tem muita coisa rolando no trabalho. Mas me conte o que aconteceu com Ellen. Ele se ajeita em um banco e o faz girar em pequenos arcos enquanto fala: – Ela aparentemente começou a ver outro cara com quem trabalha. – Está usando o termo “ver” como eufemismo? – pergunto, inclinando o corpo sobre o balcão, encarando-o. – Por respeito à sensibilidade delicada da minha filha. Para ser mais exato, ela estava fodendo com um cara do bar. Estremeço. – Ela contou para você? Meu pai dá risada, falando com uma voz trêmula: – Não. Eu a vi com ele quando fui fazer uma surpresa depois de seu turno. Ela andava de um lado para o outro do bar com a língua na garganta dele. Os dois pareciam bem à vontade. – Quer que eu dê um soco nela? Rindo outra vez, ele nega com a cabeça. – Quero que prepare para mim aqueles ovos especiais e me conte alguma coisa positiva. Viro-me na direção da geladeira, pego uma cartela de ovos e um pote de manteiga. – Não tenho nada para contar. – Nada? – ele ecoa, rindo. – Como está Oliver? Encolho os ombros e ainda bem que estou de costas para ele enquanto pego o pão. – Estamos mais ou menos como você e Ellen. – Oliver traiu você? – ele questiona. – Não – apresso-me em rebater, imediatamente na defensiva. – Não foi nada desse tipo… É uma longa história. – Você deve ter percebido que agora perdi a namorada, então tenho bastante tempo. Ele me observa enquanto puxo duas fatias de pão do pacote e retiro parte do miolo no centro para preparar seu café da manhã favorito. Meu pai sempre me olha com uma expressão maravilhada no rosto enquanto faço isso, com se houvesse alguma magia ou vodu envolvido nessa receita. É adorável; o segredo é pão e ovos preparados na frigideira. Às vezes me surpreendo por ele conseguir viver sozinho aqui. – O que está acontecendo? – ele insiste. – Vocês dois estavam aqui há poucos dias e mal conseguiam manter as mãos longe um do outro. E agora você está aqui, dormindo na sua velha cama pela primeira vez em anos. Converse comigo. Coloco os ovos e o pão no balcão e pego uma frigideira. – Não quero falar sobre Oliver – respondo e me pego surpreendida pelas lágrimas surgindo do nada. Sei que meu pai me vê secando-as, então murmuro: – Desculpe, só estou confusa. Estou estragando tudo. O filme, a nova série. Oliver. Tudo. – Nem parece ser você, especialmente não com Oliver. Dou risada enquanto acendo o fogão. – Não parece ser eu? Lembra-se da primeira vez que Oliver veio aqui? Você olhou para ele como se fosse uma espécie em extinção. – Foi uma novidade – ele diz em sua própria defesa. – Você nunca tinha trazido um cara para casa


antes. – Entrei em pânico com o trabalho e disse a ele que queria um pouco de espaço. E aí ele saiu com outra mulher – conto, esfregando a mão nos olhos. – Ele está nervoso e acho que pensou que fazer isso pudesse ajudar. – Coloco um pouquinho de manteiga na frigideira e vejo-a derreter. Então, prossigo: – Me arrependo por dizer o que eu disse e agora não sei como consertar a situação. – Mas você só… – Ele faz uma pausa e balança a cabeça. – Devo admitir, Lola, que talvez eu esteja mais chateado com isso do que com Ellen. E agora, o alívio. Em alguns pedacinhos do meu cérebro, havia a imagem de meu pai depois que minha mãe foi embora. E eu estava preocupada com a possibilidade de ele voltar àquele lugar terrível se Ellen em algum momento o deixasse. Graças a Deus, não vai ser assim. – Então, voltando ao assunto… O que aconteceu com o trabalho? – ele pergunta. – Perdi um prazo. E perdi três entrevistas porque passei um dia inteiro dormindo. As sobrancelhas de meu pai saltam ao teto. – Nunca perdi um prazo na vida, mas agora ando tão distraída que estou entregando livros com atraso e não consigo me concentrar… – Arrasto o pão pela manteiga derretida e o viro para cobrir os dois lados. – Mas… Está bem, não se chateie com o que vou dizer porque só estou tentando entender: o que isso tem a ver com Oliver? – ele questiona. Sinto meu estômago revirar com o desconforto de ter que falar disso com meu pai, mas agora que já começamos… – Ultimamente, eu me sento para trabalhar e me pego viajando, querendo saber o que ele está fazendo ou pensando em alguma coisa que ele disse. Ando tão preocupada que pensei que teria mais uma semana para terminar Junebug. – E deduzo que você não tinha. – A essa altura, o livro está três semanas atrasado. Acho que culpei Oliver pelo que estava acontecendo, em vez de… bem… não sei… Ele me dá alguns momentos para terminar a frase antes de comentar gentilmente: – Em vez de você estar completa e compreensivelmente sobrecarregada? – De certa forma, o comentário sugere que a raiz do meu surto está muito clara para ele. – Lola, querida, sua vida foi virada de cabeça para baixo, mesmo antes do relacionamento com Oliver. Quebro dois ovos sobre a frigideira, ajusto o fogo para as gemas não estourarem ou queimarem. O fato de meu pai ter entendido tudo com tanta facilidade faz lágrimas brotarem outra vez em meus olhos. – Nos últimos meses, você esteve em mais voos do que o piloto da United Airlines que mora ali no fim da rua. – Eu sei. – Você se lembra de quando começou a desenhar? – ele pergunta. Penso por um instante, seco os olhos e, por fim, respondo: – Não. – Está vendo? É porque sempre desenhou. Tracinhos aqui e ali, os concursos de colorir da mercearia. Mas tudo mudou quando sua mãe foi embora. Em vez de ser algo que você fazia para se divertir, desenhar era tudo o que você fazia. Uma compulsão. Eu não dormia muito e passava por seu quarto no meio da noite, e a via inclinada sobre a escrivaninha, trabalhando. Os desenhos eram seu porto seguro. Naquela época, eu não era a mais comunicativa das pessoas e você colocava todos os seus pensamentos e sentimentos e desejos no papel.


Não digo nada. Apenas vejo os ovos cozinhando enquanto espero meu pai continuar. As gemas são amarelas e brilhantes como raios de sol; as claras, tão branquinhas… e pouco a pouco se ajeitam no pão. Praticamente consigo ver o calor na frigideira e a forma como as ondas de ar quente sobem da superfície. – Você precisava escrever Razor Fish. Precisava daquele mundo controlado por você, no qual não precisava dizer nada ou arriscar e errar porque os personagens eram seus. Eles diziam coisas que você não conseguia dizer e não se importavam se você errasse. Razor jamais iria embora. Ele é a sua família. – Meu pai faz uma pausa antes de prosseguir: – Tenho certeza de que é assustador desejar alguém da forma como você deseja Oliver. Lanço um olhar totalmente apático. – Pai. Ele retribui o olhar, mas com uma feição mais suave, mais compreensiva. Mais sábia. – Tenho certeza de que tudo isso é muito assustador e esmagador, sei que é aterrorizante sentir que você tem que dividir sua atenção entre duas coisas que ama. Você não quer perder nenhuma delas. Não quer deixar nenhuma delas. E você conhece Razor há mais tempo. Olho outra vez para a frigideira, viro o pão e o ovo coordenadamente. – Você fez uma besteira e, em vez de Oliver ser a rocha à qual você estava acostumada, ele fez o que você sugeriu e lhe deu uma pausa. E saiu com outra para provar que estava dando uma pausa. Posso senti-lo chegar mais perto, apoiar os cotovelos no balcão. – Acha que entendi a situação? Cutuco o pão com a ponta da espátula, ignorando o que certamente será um enorme sorriso em seu rosto e detestando a forma como essa conversa passa por todas as arestas abertas deixadas desde minha briga com Oliver no bar. – Sim. Ele se levanta e vai até o armário para pegar um prato. – Mas pelo menos ele fez o que você falou para fazer, então você não foi pega de surpresa. Só consigo tossir um riso incrédulo. – Está insinuando que sabotei intencionalmente toda a relação com Oliver? Meu pai nega com a cabeça. – Só estou dizendo que você é complicada. Tem uma bagagem de relacionamentos e, independentemente de quanto ache que resolveu tudo, não resolveu. Sempre me preocupei com a possibilidade de você ter problemas por ter sido abandonada por sua mãe… e você de fato os tem – ele admite. Boquiaberta, olho para ele enquanto compilo, mentalmente, uma resposta. Mas meu pai continua: – A questão é que acho que você não tem medo de ser abandonada, Lola. Você tem medo de abandonar aquilo que ama. Alguma coisa sacode dentro de mim. – Pai… – Então, você as abandona preventivamente. Ou, se eu a conheço tão bem quanto acho que conheço, você não deixa as relações se aprofundarem muito. Quero engolir, mas sinto um inchaço pesado na garganta enquanto uso a espátula para deslizar o café da manhã no prato que meu pai segura à minha frente. Lanço um olhar rápido e nossos olhos se encontram. – Mas, querida, você não é a sua mãe – ele sussurra. Minha garganta se aperta. – Eu sei.


– Não – ele reforça, segurando o prato com apenas uma mão para conseguir se aproximar e acariciar minha bochecha. Ele me força a olhá-lo outra vez nos olhos. Então, enfatiza: – Ouça o que estou dizendo: você não é a sua mãe. Concordo com a cabeça – rápida e silenciosamente –, tentando afastar as lágrimas. – Aprenda a equilibrar Oliver com a carreira que você passou a vida construindo – ele aconselha. – Porque, se achar que precisa escolher, você vai acabar ficando sem os dois.

Saio do elevador e vejo London do outro lado do corredor. Ela está de shorts e regata e posso perceber seu biquíni amarrado atrás do pescoço. Após trancar a porta, ela ajeita o corpo e me vê por sobre o ombro. – Oi, estranha. Tentei telefonar ontem, mas você não atendeu. – Foi mal – respondo. – Eu estava na casa do Greg. Ela assente e joga a chave em sua pequena bolsa. – Eu imaginei. Sua escova de dente não estava no banheiro e você não estava com Oliver. Confirmo com a cabeça, pegando a mochila em meu ombro. – Ellen terminou com meu pai, então fui ver como ele estava. Ela fecha uma carranca que captura perfeitamente minha ambivalência. London sabe que eu não era a maior fã de Ellen. – E ele está bem? – Está, sim. – Mordisco o lábio, tentando garantir que não soe como uma louca ou ciumenta ou… qualquer outra coisa quando pergunto: – Como você soube que eu não estava com Oliver? As covinhas de London são as mais lindas covinhas do mundo e, quando ela sorri para mim, sintome mais segura e quero abraçá-la. – Ah, eu encontrei com ele no Regal Beagle. Oliver sem mim no bar do Fred? Meu coração imediatamente se afunda. – Encontrou, é? – Fui conversar com o Fred sobre um trabalho – ela explica. – Quando saí do escritório, Oliver estava no bar. Evito olhá-la nos olhos e procuro minha chave da casa. – Ele estava… com Finn ou Ansel ou alguém? London me oferece um sorriso atento enquanto cruza os braços e se encosta à parede. – Não. Estava apenas sentado lá, sozinho, todo tristonho e patético. Ficamos conversando por alguns minutos e, quando eu disse que você tinha ido passar a noite fora, ele perguntou se eu queria fazer companhia. – Ah. A imagem de Oliver precisando de companhia me deixa triste. Imediatamente agradeço aos céus por London estar lá, com seu bom humor e capacidade de afastar todo e qualquer drama. London é como um teflon para dramas. Seus cabelos estão puxados para fora do rosto e presos em um coque bagunçado sobre a cabeça. Ela assente e as mechas soltas se mexem. – Acho que ele precisava de companhia e não queria beber sozinho. E tudo bem, porque todos nós sabíamos que eu também não tinha planos. – Ela ri antes de inclinar a cabeça na direção do nosso apartamento e anunciar: – A propósito, ele ainda está aí.


Minha pele ferve, meus olhos voltam-se para a porta. – Ele está o quê? – Esse cara é muito fraco. Depois de algumas cervejas e três episódios de The Walking Dead, ele apagou. E continua apagado. – Ela aponta por sobre o ombro na direção do apartamento. – No sofá. Olho para a chave em minha mão. Eu planejava telefonar para Oliver quando chegasse em casa, ou talvez até mesmo passar na loja, mas achei que precisava de um pouco mais de tempo para pensar antes. – Obrigada por fazer companhia para ele. – Sem problemas. Ele é muito divertido. Se não fosse seu e eu não tivesse jurado não pegar ninguém até a menopausa… – ela diz, rindo enquanto se afasta da parede. – Mas enfim, vou indo nessa. – Praia? – A maré vai estar alta em 45 minutos. Mas volto na hora do jantar, caso queira fazer alguma coisa. Concordo com a cabeça e a deixo ir. – Sim, tenho que trabalhar esta noite, mas estarei aqui. London desce as escadas e eu a espero ir embora antes de me virar para a porta e finalmente introduzir a chave na fechadura. Tudo está em silêncio aqui dentro, ainda é cedo e as cortinas estão fechadas, deixando o apartamento frio e escuro. Fecho a porta o mais silenciosamente que consigo e espero, deixando meus olhos se ajustarem à luz fraca. Ouço o barulho suave e rítmico da respiração vinda do sofá e ajeito minhas coisas antes de ir à cozinha para beber um copo de água. E talvez uma dose de vodca. A lata de lixo reciclável está cheia de garrafas vazias e meu estômago se aquece com uma imagem que me traz saudades: Oliver embriagado é tão adorável, todo sorrisos bobinhos e olhinhos azuis felizes. Na verdade, fico ressentida por não ter visto isso ontem. Mas então lembro por que ele está aqui – porque precisava de companhia – e então essa sensação de calor imediatamente se desfaz, sendo substituída pela mesma sensação esquisita que venho enfrentando há dias. Pego um copo e o encho de água. Engulo tudo em alguns poucos goles. É estranho perceber como isso parece familiar. Oliver está outra vez no sofá, um pé dependurado para fora, o outro dobrado em um ângulo curioso e enfiado debaixo da outra perna. Ele está de barriga para cima, um braço estendido sobre a cabeça, o outro descansando no peito. Sua camiseta, repuxada; o tecido fino apertado contra o torso, deixando a maior parte da barriga e os ossos do quadril descobertos. Seus óculos estão na mesa, ao lado do telefone, e há um cobertor caído no chão. Uma noite no sofá certamente significa que ele estará dolorido quando acordar, então não sei se devo chamá-lo ou simplesmente continuar olhando para ele. Olhar definitivamente é mais fácil e, depois desses dias sem Oliver, meus olhos estão famintos. Sinto falta de suas mãos, de como são fortes e ávidas. Sinto falta de sua barriga, da pele firme, dos pelos macios. Sinto falta de suas longas pernas, seu quadril, seu… – Lola? – ele chama, me fazendo dar um salto, piscar rapidamente e olhar para seu rosto. – Oi. Ele esfrega a mão nos cabelos e desliza o olhar pelo apartamento. – Ei… Sinto muito, acabei apagando aqui. Nem ouvi você entrar. – Sou uma ninja – digo, e ele me oferece um sorriso abatido. – Você sabe que pode ficar aqui quando quiser. A oferta pesa entre nós, significando algo diferente a cada segundo que passamos em silêncio. Ele


esfrega a mão nos olhos antes de inclinar o corpo para pegar os óculos e colocá-los no rosto. Até recentemente, as coisas nunca foram tão desconfortáveis entre mim e Oliver. Sinto algo dentro das minhas costelas se revirar por a situação estar assim. – London me viu no bar do Fred – ele explica, puxando o cobertor do chão. – Perguntou se eu queria ficar com ela… tipo, só se divertir, beber e coisas assim… Na verdade, ela meio que ficou insistindo e… – Tudo bem – eu o interrompo, lutando contra um sorriso. A sensação é a de ter água quente em minhas veias: alívio por ouvi-lo sentindo a necessidade de explicar por que veio para casa com outra mulher, mesmo que essa mulher seja minha amiga. Então, prossigo: – Eu a encontrei no caminho. E ela me disse que encontrou você ontem. Ele assente lentamente. – Você não veio para casa ontem à noite? Ah, será que ele esqueceu? – Eu fui à casa do Greg. Ele bufa, esfregando a mão na testa. – Porra, é mesmo. O alívio em sua voz é tudo para mim. – Ele e Ellen terminaram. Erguendo o olhar na minha direção, Oliver pergunta: – E Greg está bem? Faço que sim com a cabeça. – Ele pareceu estar bem, sim. Na verdade, acho que ela não passava de um par de seios falsos muito disponíveis. Ele ri, esfrega a mão na parte de trás da cabeça e pergunta com mais cuidado: – E você? Está bem? Santo Deus, essa é uma pergunta pesada. – Sim e não. O silêncio pesa entre nós e me pergunto se ele quer segurar minha mão, se essa é sua maneira de me forçar a falar. – Disse a Austin ontem que havia algumas coisas que ele não estava autorizado a mudar e que a questão do romance era uma dessas coisas. Oliver inclina-se para a frente, descansa os cotovelos na coxa. – E como ele aceitou essa informação? – Não aceitou muito bem, não. Disse que conversaríamos mais, mas não tenho intenção de mudar de ideia. Se eles querem saber o que penso, já deixei bem claro. Ele assente. – Isso é muito bom. Estou orgulhoso de você. E, para deixar registrado, acho que está certa. – Também venho pensando muito. Sobre nós. O silêncio que se segue é um abismo terrível, mas eu apenas espero, precisando que ele me mostre que podemos voltar a falar sobre esse assunto. – Certo – ele finalmente diz. – Em que esteve pensando? – Que sinto muito, muito mesmo, por aquela noite. Eu fiquei com medo. Oliver estreita os olhos e inclina a cabeça enquanto me analisa. Está cansado, com a barba por fazer, e deixa a impressão de que os últimos dias também não foram fáceis para ele. – Você não precisa se desculpar por ter ficado com medo, Lola.


Balanço a cabeça. – Eu fiz burrada. Oliver se levanta, pega a jaqueta no braço de uma cadeira e a veste. Calça os sapatos e pega o telefone. – Você trabalhou a vida toda por isso, é compreensível que lute para proteger o que conquistou. É compreensível que não queira deixar tudo desmoronar. Ele dá alguns passos em minha direção, aproxima-se o suficiente para eu precisar inclinar o queixo para olhá-lo. Então, prossegue em voz baixa: – O que dói foi você ter achado que seria mais fácil simplesmente se livrar de mim. Doeu ver que você pareceu ter tomado aquela decisão ali, bem na hora. As lágrimas fazem meus olhos queimar. – Não é mais fácil. É horrível. Ele concorda com a cabeça. – E eu também fiz burrada – diz, mantendo os olhos fixos aos meus. – Eu me odeio por ter saído com outra mulher, mesmo sem a menor intenção de tocá-la. Sinto meu coração rasgar. – Quero que as coisas voltem a ser como eram – sussurro, tentando não me entregar ao pranto. – Não acho que possamos fazer isso – ele responde, olhando para onde seus dedos distraidamente tentam pegar uma mecha dos meus cabelos. Sinto mais lágrimas queimando minha garganta, atrás dos olhos; sinto meu peito se apertar. – Não acho que devamos… – Oliver, não! – Estendo o braço para secar o rosto, mas ele segura minha mão, desliza os dedos entre os meus. – Não – ele diz com uma urgência dócil. – Quero dizer, acho que precisamos ser mais abertos um com o outro da próxima vez. – Esfrega os dedos na palma da minha mão, massageando-a. – Acho que precisamos chegar a um ponto em que você converse comigo em vez de me forçar a extrair informações de você. Engulo em seco, e engulo outra vez, tentando processar o que acho que ele está dizendo. – Você está dizendo que podemos tentar outra vez? – Ele olha para cima, seus olhos azuis atentos deslizando de um lado para o outro entre os meus. – Você ainda quer ficar comigo? Um leve sorriso faz sua boca se curvar. – Eu nunca deixei de querer estar com você. Só precisava que você definisse o que queria antes. Praticamente bufo uma risada em meio às lágrimas enquanto o alívio me deixa um pouco abalada e histérica. Concordo rapidamente com a cabeça, secando o rosto, tentando arrumar minha vida agora, na frente dele. – Pare com isso – ele pede em voz baixa. – Eu não quis dizer isso. Não quis dizer para você esconder suas emoções. Só estou dizendo que você deve reconhecer que eu sou o cara que quer saber como você está se sentindo, que quer ouvir você falar sobre seus sentimentos. Soluço e só consigo falar com uma voz rouca: – Estou me sentindo aliviada. Muito, muito aliviada. Ele mordisca o lábio, observando a área onde seu polegar acaricia minha maçã do rosto. – Entenda, Lola, eu estava falando sério quando disse que não espero que as coisas sejam simples ou perfeitas. Mas eu realmente preciso saber… – Ele se afasta, repuxando as sobrancelhas e franzindo ligeiramente. – Só preciso ouvi-la dizer que não vai fazer isso outra vez. Você realmente acabou comigo. – Não vou fazer. – Só de pensar já sinto algo se apertar dentro de mim, perfurando-me. Estendo a


mão livre para o seu peito, para ter um apoio. Posso sentir o tu-dum-tu-dum-tu-dum forte de seu coração debaixo da minha palma. – Eu não conseguiria – reafirmo. O silêncio preenche o espaço entre nós. Sei que há muito mais a dizer, mas sinto que não faremos isso agora. De qualquer forma, sei que ficaremos bem, afinal, o peso do silêncio não é sufocante. Somos apenas Oliver + Lola outra vez, reunindo as palavras certas em nossas cabeças. – Como estão indo as coisas com Junebug? – ele quer saber, estendendo a outra mão para prender meus cabelos atrás da orelha. Dou uma fungada, olhando por sobre o ombro de Oliver. – Tenho mais ou menos três quartos prontos. – E você gostou do resultado? Estremeço ao admitir: – Por enquanto, não. Mas vou gostar. – Já é um começo. – Ele aperta minha mão antes de soltá-la. – Pode me enviar mensagem de texto quando quiser. Ou telefonar, se quiser discutir alguma coisa. Pisco os olhos, não quero que ele se vá agora. – Onde você vai estar? Pode ficar aqui se… – Vou estar ou em casa, ou na loja – responde gentilmente. – E eu? Não entendi o que eu mesma quis dizer. Ou entendi, mas não sei como ele poderia responder a essa pergunta. Mas, por mais que eu precise trabalhar, também preciso dele. Ao mesmo tempo, percebo que, para ele, parece que a admissão está na pergunta, então ele se inclina para a frente e oferece um sorriso. – Você vai me ligar todos os dias. E responder minhas mensagens de texto. – Ele encosta os lábios aos meus, só uma vez, e procuro seu toque quando se afasta. – Se precisar de almoço, posso trazer para você. E se precisar de alguma outra coisa… Bem, ligue para mim. – Se você precisar de algo, ligue também – digo, sentindo como se estivesse tropeçando nas emoções se rebelando em meu peito. Oliver sorri. – Está bem. Vá para a sua caverna. – Ele passa gentilmente os polegares debaixo dos meus olhos, secando minhas lágrimas. – Isso não se trata de um “pause” para nós, mas de você se concentrar para terminar. Administrar isso será parte da nossa vida. Haverá momentos quando a terei todas as noites… – ele diz, deslizando o olhar por meu rosto. – Em outros momentos, terei que deixá-la cuidar de outras coisas por uma ou duas semanas. Ele precisa secar meu rosto outra vez quando mais lágrimas escorrem, provocadas por essas palavras. Rindo, Oliver beija meu nariz e me diz: – Então, vá trabalhar, Lola Love. Quero voltar a ter minhas noites ao seu lado o quanto antes.


Capítulo 17

Lola Detesto todas as palavras, todos os painéis. Na minha área de trabalho, a pasta chamada “Porcarias” tem quatro vezes mais ilustrações do que a pasta chamada “Aproveitar”, mas tudo bem. A lição – que me chega por todos os ângulos nesses últimos dias – permeia meu cérebro com a sutileza de uma picareta: às vezes, você precisa fazer tudo errado antes de aprender a fazer certo. Não vejo Oliver por um dia, depois dois, e uma semana se passa. Sinto sua falta com uma dor feroz. Porém, conversamos todas as noites. E ele vê cada linha, cada palavra que coloco no papel – vê o bom e o ruim e tudo aquilo que é realmente detestável, pois envio-lhe tudo, já que preciso de outros olhos analisando meu trabalho. E os olhos dele são um bálsamo para o queimar do meu pânico. Atrás deles está um homem comedido e justo, capaz de deixar para trás seus instintos para se manter calmo e perceber que agora realmente preciso de críticas sinceras. O painel mostra a garota, mãos em forma de concha, esperando a chuva. Ele a bloqueia da febre do sol.

– O que você está fazendo? – ele pergunta. É uma noite amena de terça-feira, meu prazo renegociado é daqui a dois dias e Oliver ligou para conversar depois de jantar com Harlow e Finn. Sua voz soa grave, dando a impressão de que está deitado na cama. Imagino-o sozinho em casa, com a mão descansando sobre o peito, olhando para o teto branco. Está vestido? Ou está só de cueca? Com que frequência ele se imagina me beijando, me tocando, me invadindo? – Sentada na frente da minha mesa – conto a ele. – Olhando para minha bagunça. Oliver fica em silêncio e um instinto ganha força em meu interior, dizendo que ele agora se


pergunta as mesmas coisas. – Terminou a última cena de briga? – pergunta com uma voz arrastada. Nego com a cabeça e tomo um gole de chá antes de falar: – Ainda não. Mas estou quase. Só falta essa cena e aí terei terminado. – esfrego a mão no rosto. – Estou dando os toques finais nos painéis. – Gostei daqueles com fundo verde que você enviou. – Sua voz sai lenta, preguiçosa, carregando em si a sensação de um xarope aquecido sendo derramado em minha pele. – Fez Junebug de alguma forma parecer mais triunfante, como se ela estivesse cercada por árvores. Esboço um sorriso. – Também acho. Vou dar mais uma olhada nesses painéis. Mas agora meu cérebro precisa de um descanso. – Entendo – ele diz, e ouço o leve gemido que solta quando se senta. – Vamos ver o que está passando. Ao fundo, ouço seus pés dando passos pelo corredor, ouço o farfalhar do telefone contra seu ombro antes de ele voltar. – Suas escolhas são Duro de matar… hum… Segurança de shopping ou Matrix. Afundo o saquinho de chá mais algumas vezes na água quente. – Você está falando sério? Ele fica em silêncio por um instante. Sua voz então retorna, incerta: – Estou, não? – Matrix. Posso ouvir seu sorriso quando ele diz: – Está passando no FX. Agora, vá pegar uma cerveja, desligue o computador e reserve duas horas para assistir ao filme. Entendo o que ele está me dizendo: a criatividade precisa respirar. – Por que você não vem aqui para assistir comigo? – choramingo bem baixinho. Já faz uma eternidade que não vejo Oliver. – Porque eu foderia você assim que passasse pela porta, e você está na sua caverna. Meu coração explode e imagino um raio de luz solar saindo do peito. – Ah… Oliver dá risada. – Boa noite, Lola Love. Quero que ele diga que me ama. Preciso sentir sua voz formando as palavras, mas meu prêmio só virá no fim de tudo isso. Sei que virá. Quando o filme termina, coloco minha garrafa de cerveja vazia no cesto de lixo reciclável e volto ao meu quarto, onde, em uma hora, termino a cena.

Só imprimi duas cópias completas de Junebug, mas não consigo parar de tocá-las. Caprichei na bela capa, usando fonte preta e fosca no título. No miolo, as páginas espessas explodem com cores. E na frente as cores também explodem. Não sei se Erik vai querer manter essa capa, mas vou brigar por ela: azuis, verdes, vermelhos e amarelos iridescentes em volta de minha June alada e seu amado Trip. O caos se desfaz atrás deles, prometendo que, independentemente de qual história se desdobre nessas páginas, há um triunfo aqui dentro.


Estou orgulhosa do trabalho e ansiosa por mostrá-lo a Oliver. Estaciono rente ao meio-fio e ouço meu carro antigo silenciar. A casa de Oliver é uma pequena marca azul no terreno. A grama na frente tenta crescer desesperadamente, mas ele se recusa a regá-la tanto quanto seria necessário, afinal, estamos passando por uma seca. A tinta está apagada, a passarela tem algumas rachaduras. Tudo é, ao mesmo tempo, banal e perfeito. Posso me ver aqui. Posso nos ver aqui. Meu coração parece se arrastar até a garganta quando me imagino ao lado dele, fazendo coisas casuais, cotidianas. Sinto falta das conversas diárias. Sinto ainda mais falta do tempo que passamos sozinhos juntos, amando, sendo amada, fazendo aquilo. Pego os livros e os seguro sob a luz do sol. Uma cópia é para mim; a outra, para Oliver. Não preciso que ele me diga que o trabalho está bom; sei que está. Mesmo assim, quero que seja o primeiro a ler a história inteira, porque essa também é a nossa história. Ele já a viu em partes, mas me pergunto se vai perceber que é a nossa história quando a ler inteira. Percebo que é assim que crio, pelo menos por enquanto: descarrego minha vida nas páginas, transportando-me para um mundo diferente e vendo como posso reagir, sobreviver, vencer. Ergo a aldraba em forma de R2-D2 e a deixo cair contra a pesada porta de madeira. Oliver atende com um ar de tranquilidade. Está usando camiseta e calça jeans, os cabelos estão despenteados; na mão, uma maçã já mordida. Apesar de tudo o que aconteceu entre nós ao longo das últimas semanas, ele ainda é o homem que eu amo. Oliver sorri feliz quando me vê, abre mais a porta e me pergunto, em um pulsar do coração, se eu poderia estar com outro homem que não ele. Oliver Lore: agora transparente para mim. – Oi – ele me cumprimenta. – Que ótima surpresa! – Oi. Quase me afogo ao pronunciar essa única sílaba. – Achei que você só fosse conseguir vir na sexta-feira. O olhar dele corre para o que estou segurando e então entrego a cópia do livro. – É o meu tíquete para entrar, acredito. Sua risada é interrompida quando ele dá uma olhada na arte da capa. Meu coração bate forte quando Oliver arregala os olhos e sua boca solta um lento: – Caraaaalho! O painel mostra a garota, gotas de chuva escorrendo de suas mãos. – Eu te amo – digo em um golpe discreto, mas desesperado. Ele desvia a atenção da capa e olha outra vez para mim, surpreso. Oliver sai na varanda. Distraidamente, joga a maçã no chão e coloca o livro sob o braço. Suas mãos encostam em meu rosto, alisam meu maxilar, seus olhos buscam os meus. – Ah, é? – ele sussurra. Confirmo com a cabeça, repetindo: – Eu te amo. Seus olhos são azuis, mas pontuados por pequenos riscos esverdeados: um oceano contido em uma íris. Com um leve sorriso, seus lábios se encostam nos meus, roçando de um lado ao outro enquanto ele geme e todo o meu mundo retoma o foco. – Ela me ama. – Ela ama, sim. Não consigo respirar fundo o suficiente. Quero mais. Preciso dele mais perto. Passei a última semana e meia trabalhando justamente por esse momento, motivada pela possibilidade do perdão na


forma de um beijo. Mas ele só me beija mais uma vez, agora um pouquinho mais demorado, lábios entreabertos, deixando sair apenas a ponta da língua. – Deixe-me entrar – imploro, alongando o corpo para saborear seu pescoço, seu maxilar. – Vou entrar em você a noite toda – ele promete antes de me dar mais um beijo. – Mas, primeiro, vamos conversar. Oliver entra rapidamente pela porta, pega o casaco e segura minha mão, fechando a porta ao sair. Nos últimos dias, só conversamos sobre assuntos mais superficiais – a loja, meu livro, Grosseirão, Harlow e Finn, os novos lançamentos que não tenho tempo de acompanhar –, nada mais intenso. Embrulhamos nossos corações como se fossem presentes colocados cuidadosamente debaixo da árvore. São três quadras até a praia e, nesse horário estranho, não há surfistas espalhados pela água. Só vimos uma figura solitária ocasionalmente na praia, acompanhada por um cachorro que dita seu caminho. Encontramos um lugar tranquilo na areia, decorado apenas com algumas pegadas, e ficamos a alguns metros do limite do oceano. Venta, faz um pouco de frio, mas estou aquecida com uma blusa de manga longa e Oliver a poucos centímetros de distância. Observamos as ondas rebentarem algumas vezes e então o ouço limpar a garganta, como se quisesse dizer algo. Ele se aproxima lentamente de mim, abre um sorriso, e é como assistir a uma silhueta se movimentando pela água. Atrás dele, o céu é como uma violeta límpida; ainda está escurecendo pela costa, em direção ao centro da cidade, e vemos o céu azul com as luzes urbanas sangrando por todos os cantos. – É aqui que vamos conversar? – pergunto com um sorriso e forço um tom de desafio em meus olhos. Francamente, não tenho a menor ideia de por que estamos na praia e não no sofá de sua sala de estar, olhando um para o outro. Eu no colo dele. Suas mãos por debaixo da minha blusa. Sua boca em meu pescoço. – Acho que não sei o que mais precisamos dizer – ele comenta, dando de ombros com muita doçura. – Mas sei que, se estivéssemos em minha casa, acabaríamos transando. E quero passar um tempinho com você antes. Quando o olho no rosto, percebo que a forma como ele me encara é mais íntima do que seria qualquer beijo, qualquer sexo, qualquer coisa. Tenho essa visão selvagem na qual monto nele, arranho sua pele, tento penetrá-lo de alguma forma. Apenas preciso do contato. – Ainda está bravo comigo? – pergunto, sentindo a dor no peito. – Um pouquinho, talvez? Ele nega com a cabeça, observo através das lágrimas em meus cílios. Não sei por que essas lágrimas estão se formando. Talvez sejam de alívio. Provavelmente de exaustão. Mais do que apenas um leve triunfo. Ele estende a mão, secando a primeira lágrima que derramo. – Não estou bravo. Só consigo assentir, na esperança de que, se eu engolir, não vou chorar ainda mais. – Eu não vou deixá-la – ele garante. – Você sabe disso, não sabe? Um rio de lágrimas vem em seguida; as comportas se abriram. – Não é isso.


Mas é. Meu medo durante as duas últimas semanas é composto, pelo menos em parte, por isso – pela possibilidade de eu ter alterado seu amor, destruído esse amor de alguma forma, assim como minha mãe destruiu o meu. E agora, os centímetros que nos separam não estão nem próximos de diluir minha necessidade de tocá-lo. – Lola – ele chama, agora com uma voz mais forte. – Não quero ficar sem você. Não vou deixá-la. Mesmo se estiver ocupada. Mesmo se estiver com medo. Mesmo que estiver irracional ou louca, não vou deixá-la. – Não é… – Mas preciso ter certeza de que você também não vai me deixar. Não posso sentir como se estivesse em segundo lugar – ele esclarece. – Nunca vou querer separá-la da sua arte, mas não quero sentir que sou uma distração para você. – Ele me observa enquanto seus dedos secam mais lágrimas que escorrem por meu rosto. Então prossegue: – Eu percebi que… nunca precisei ser importante para alguém como preciso ser importante para você. Oliver se aproxima, seu casaco roça contra meu peito. Inclino-me na direção dele, passo meus braços em volta de sua cintura e encosto o rosto em seu pescoço. Seu cheiro é tão bom. Familiar, de limpeza. Oliver cheira a livros e amaciante de roupas e o oceano. Seus braços repousam em meus ombros, uma mão em minhas costas e a outra em meus cabelos. – Está bem? – ele sussurra em busca de uma garantia. – Você é importante – esclareço em tom de urgência. – Você é muito importante, Oliver. Aliás, você se tornou tudo para mim e isso me assustou. Acho que a ideia de estragar tudo com os livros trouxe uma sensação como a de perder alguém da família. Oliver me observa. – Eu sei. – Acabei perdendo a razão e me expressando de uma forma terrível. Acho que agora preciso aprender a administrar isso. – Encolho os ombros, ainda sob seus braços. – E acho que dou conta, entende? Pedir para ter espaço só piorou as coisas. Tudo ficou muito pior. Ele beija o topo da minha cabeça e assente. – Você disse que sabia que seria intenso assim – lembro-o. – Mas estava certo: eu não sabia. Nunca senti algo assim antes. – Mas fico feliz por isso – ele responde. – Quero ser o amor da sua vida. – Inclinando a cabeça, ele reconsidera e acrescenta: – Pelo menos quero ser seu amor humano. Posso dividi-la com Razor. Tento dar risada, mas minha garganta está apertada por todas essas emoções, o que faz minha voz sair um pouco estrangulada quando pergunto: – Você voltou a ver Allison? – Não – ele responde rapidamente, afastando-se para me olhar no rosto. – Lola… Eu te amo. Já disse: não quero ficar com nenhuma outra mulher. Um enorme nó se desfaz dentro de mim. – Certo. Certo. Não sei por que precisava perguntar isso, mas o fato é que perguntei. Allison gosta dele. Ela é uma opção para Oliver. Ele expira, seu peito encostando-se ao meu. Posso praticamente sentir sua culpa. – Sei que o fato de eu ter feito isso parece um pouco uma traição. Para mim também parece. Concordo com a cabeça, engolindo mais um soluço. – Mas é algo pequeno em comparação ao que fiz. Oliver, eu sou uma idiota. Ele dá risada.


– Mas é bom finalmente falar sobre tudo isso – afirma. – Sobre os sentimentos e o que há entre nós. E não apenas enquanto transamos. Quero dizer aqui, na praia. – Certo – concordo, rindo. – Acho que concordo que foi bom não termos ido à sua casa. – Estaríamos fazendo muito barulho, mas nada inteligível – ele diz, inclinando-se para pressionar sua testa contra a minha. A necessidade desesperadora explode em meu sangue e sinto a dor se espalhar como uma videira no meu peito. – Oliver… Mas ele se afasta, olhos pesados com desejo, decidido a manter nossa conversa. – Passei tanto tempo desejando você – diz. – Às vezes, o sentimento era tão forte a ponto de me fazer sentir um pouco de náusea. Logo depois que nos conhecemos, tive um encontro romântico e aí me mudei para San Diego. Eu estava péssimo. Ia para casa e ouvia várias e várias vezes aquela mensagem que você deixou no meu telefone. Era um monólogo sobre o quanto você detesta Pringles, mas, ao mesmo tempo, era uma carta de amor à Pringles. Dou risada; sei exatamente de qual mensagem ele está falando. – Eu me masturbei ao som da sua voz naquela noite – admite, olhando fortemente para mim. Meu coração dá um salto, o calor se espalha do meu peito até a região entre minhas pernas. – Fiz coisas muito, muito sacanas pensando em você. – Tipo o quê? – pergunto. – Lambidas, mordidas, fodidas – ele responde em voz baixa. – Gozar dentro de você. Em você. Logo depois de você ou, às vezes, antes de você, e eu fazia você brincar comigo até eu estar duro outra vez. Não consigo respirar, não consigo engolir. Seus olhos se tornam mais intensos quando ele diz: – E aquela coisa que fizemos no banho. De repente, me torno muito, muito consciente do fato de que ele não me beijou desde que saímos de sua casa. Já faz mais de duas semanas que ele não coloca as mãos em mim e ainda mais tempo desde que me entreguei completamente a elas. Ele olha para baixo, esfrega os lábios em meu maxilar. – É a sua vez de fazer uma retrospectiva. – Eu me apaixonei por você em Vegas, mas meio que superei quando pensei que não estava interessado – admito. – E depois me vi enterrada no lançamento de Razor e tudo o que aconteceu e apenas… bem… fantasiava com você. – Ah, é? – Sim – confirmo. – Lambidas, mordidas, fodidas. E aquilo que fizemos no banho. – Ele ri em silêncio, mas sinto o rugir gentil em seu peito contra meu corpo. Então prossigo: – Mas aí eu o desenhei quase nu e a fantasia já não era mais suficiente. Tipo, tenho mais ou menos vinte desenhos só do seu pau. – Deve ter sido difícil encontrar lugar para guardar todos esses pôsteres – ele brinca, sorrindo. – É claro. Se vai fazer alguma coisa, que faça direito. Suas mãos deslizam por meu casaco, passado por debaixo da bainha da blusa. As pontas frias dos dedos encontram-se com a pele aquecida da minha cintura, sobre minhas costelas, meus seios inchados sob o sutiã. Nossos olhares se encontram por alguns segundos até ele se inclinar para a frente e me beijar outra vez. – Oi, namorada.


Sinto meu sorriso descer até os joelhos. – Oi. – Você está bem? Concordo com a cabeça. – Muito, muito bem. A comunicação silenciosa não é novidade para nós, mas a mensagem em seus olhos é. Não existem palavras para o que ele está dizendo, pelo menos na língua que conhecemos. Ele está desesperado, mas exultante; seu corpo está excitado, mas não é apenas para foder e chegar ao orgasmo ou resolver nossos problemas com prazer. O que ele sente é essa ligação intensa, perfeita. Sei disso porque a mesma coisa palpita em mim. Abro o primeiro botão de sua calça jeans enquanto seus olhos se mantêm fixos aos meus, concedendo a permissão silenciosa. Os três outros botões se abrem com apenas um leve movimento. A respiração de Oliver é rápida e aquecida contra minha bochecha. – O que você está fazendo, Lorelei? – Te tocando. Olho para baixo e vejo minha mão deslizar debaixo da cueca, mas consigo sentir quando ele ergue o rosto e olha para trás, na direção da praia, para ter certeza de que estamos realmente sozinhos aqui. Inclino minha cabeça na direção da cabeça dele, silenciosamente pedindo um beijo. – Esse amor é enorme, enorme… – ele murmura contra meus lábios, olhando na direção dos meus dedos, que deslizam pela cabeça inchada e úmida de seu pau. Oliver joga seu casaco em cima de nós dois, escondendo meu braço dobrado e minha mão puxando seu pau para fora da cueca. Sua boca se abre contra a minha, a língua deslizando em pequenos golpes, mãos unidas nas minhas costas para manter nosso esconderijo protegido. Existem tantas formas de se declarar o amor, de se fazer amor. Engulo seus gemidos, acariciando-o desse jeito lento, quase preguiçoso, até ele se empurrar contra mim, até ele tremer, até seus beijos cessarem e ele estar totalmente concentrado no prazer dos meus movimentos. Seus lábios ficam indolentes, simplesmente pressionados contra os meus, e me pego ávida pelos leves gemidos que surgem quando ele está próximo do orgasmo, inchado, prestes a explodir, com os nós dos dedos pressionados contra minha coluna, implorando. Estamos quase em silêncio: um casal se abraçando, se beijando na praia, na escuridão, mas, quando alguma coisa explode em mim – alívio, alegria, tensão –, solto um gemido forte e Oliver se inclina para a frente, gozando com um rugido discreto. Seu pau está quente em minha mão, úmido e escorregadio, e Oliver implora, ao afastar ligeiramente os lábios, para que eu pare de movimentar os dedos. Mas não quero soltá-lo; gosto da sensação de dividir esses beijos lânguidos, de sentir o peso desse pau satisfeito em minha mão, de sentir o calor de seu corpo com as ondas rebentando no enorme oceano à nossa frente. Por fim, afasto a mão e ele fecha os botões da calça, rindo do que fizemos. Quando está recomposto, beija meu nariz, sem querer se livrar do esconderijo de sua jaqueta. E, com a água batendo perto de nossos pés, parece que Oliver e eu estamos juntos há anos; o silêncio entre nós é muito confortável, e não um problema. Quando olho para Oliver, ele está observando a água. Mas, ao sentir minha atenção, ele logo se vira para mim, sorrindo: – Gosto daqui – diz. – Eu também gosto. – Eu estava pensando… acho melhor você não comprar uma casa – ele diz. – Eu tenho uma casa espaçosa.


A animação e o desconforto fervem juntos em meu estômago. – Eu estava pensando a mesma coisa enquanto vencia o nervosismo e caminhava em direção à sua porta. Mas aí pensei melhor e… Bem, uma coisa de cada vez. Seus olhos sorriem primeiro e só depois esse sorriso se espalha por sua boca. – Uma coisa de cada vez – ele repete. – Mas não compre uma casa. Será um grande desperdício de dinheiro. Alongando o corpo para beijar seu queixo, suponho que agora seja uma boa hora para contar que francamente não sei se quero me casar outra vez, não sei lidar com casamento e tenho certeza de que vou falhar se tentar… Aliás, sei que vou falhar feio. – Mas eu não… A ponta de seu dedo aproxima-se dos meus lábios, e ele os cobre com um rápido beijo. – Shh. Nós não somos nossos amigos. Vamos seguir nosso próprio caminho, entende? Só estou sendo otimista. Com um sorriso, eu o puxo para perto de mim na areia e nos sentamos e assistimos à lua iluminando a espuma formada pelas ondas. Oliver me conta histórias sobre seu primeiro ano nos Estados Unidos; eu lhe conto histórias de quando minha mãe foi embora. Ficamos em silêncio e quase dormimos na praia antes de brincarmos na areia e discutirmos, sem chegar a nenhuma conclusão, o que preparar para o jantar. Tenho tanta sorte. Tenho tanta sorte. O painel mostra a garota e seu namorado, mãos erguidas, sujas de areia, enquanto eles tentam contar as estrelas.


Agradecimentos

A lição de Lola também é a de todos nós: às vezes, precisamos fazer tudo errado antes de aprender a fazer o certo. Esperamos que você não tenha percebido que escrevemos este livro duas vezes. Na primeira, levamos três meses. Era um bom livro, mas não era a história de Oliver e Lola. Na segunda vez, levamos apenas cinco semanas, e, conforme colocávamos as palavras nas páginas, sabíamos que isso isso isso é Loliver. Obrigada Adam Wilson por cuidar de tudo. Você não nos disse como deveria ser, mas sabia como não deveria ser e – como sempre – estava certo. Você tomou alguns shots antes daquela ligação? Nós certamente precisamos tomar alguns depois. Mas fico superfeliz por você também conhecer esses personagens e por saber que os livros são tão importantes para você quanto para nós. E obrigada Holly. Você chamou o livro de explosivo, usou as roupas de Ansel e esteve presente em todos os pequenos e enormes momentos. Isso significa muito, muito mesmo, mas você sabe disso, afinal, é Holly. Erin, você aparecia num piscar de olhos com alguns dos mais inteligentes e detalhados feedbacks. É impressionante ver as coisas que você encontra e nós deixamos passar depois de vinte leituras, mas seu cérebro é mágico e seu entusiasmo é maaaais ou meeeeenos tudo para nós. Obrigada, obrigada, obrigada. Este trabalho traz uma quantidade indecente de diversão, e parte disso é porque podemos escrever sobre pessoas “fazendo aquilo”, mas a maior parte é porque temos Kristin Dwyer, Kresley Cole, Alice Clayton e Nina Bocci para ajudar a manter vivo o humor impróprio. O que faríamos sem vocês? Preferimos nem imaginar! Obrigada aos primeiros leitores, Erin Service, Tonya Irving, Sarah J. Maas e Alex Bracken. A opinião de vocês é aquela que precisamos ouvir, e vocês nunca estão errados. Marion Archer, obrigada por dedicar tempo para fazer uma leitura tão cuidadosa. Seu feedback não apenas nos ajudou a lapidar o texto, mas também a costurar alguns buracos na narrativa. Obrigada Lauren Suero pela enorme quantidade de trabalho que você realiza todos os dias, Jen Grant por ser Team CLo desde o dia -365, Heather Carrier pelos gráficos que ainda nos fazem reagir em voz alta, mesmo sozinhas em nossos escritórios. Obrigada Caroline Layne pelas ilustrações inacreditáveis que deram


vida a Loliver. Adoro todos da nossa família da Gallery Books: Jen Bergstrom, Louise Burke, Carolyn Reidy, Adam Wilson, Kristin Dwyer, Theresa Dooley, Jen Robinson, Sarah Lieberman, Liz Psaltis, Diana Velasquez, Melanie Mitzman, Paul O’Halloran, Lisa Litwack, John Vairo, Ed Schlesinger, Abby Zidle, Stephanie DeLuca, Lauren McKenna e Trey (mais tarde, skatista). Esta obra é dedicada a Eddie Ibrahim, o Oliver original, que nos forçou a receber o feedback dos fãs, deu a Lo todas as portas de entrada para o mundo dos quadrinhos há muito tempo e tem sido o alicerce firme de nossa construção confusa. Nós te adoramos, Super-Homen, de verdade. A Blondie, Dr. Mr. Shoes, Carebear, Cutest e Ninja: melhores famílias que se poderia desejar. A verdade é que não teríamos chegado a lugar nenhum sem nossos leitores e nossas leitoras, seríamos apenas duas garotas escrevendo histórias em nossos computadores e sem os comentários dos blogueiros. Por causa de todos vocês, agora temos best-sellers nas prateleiras das livrarias. Somos muito gratas por tudo o que vocês fazem para nos apoiar, seja escrever uma resenha ou simplesmente sugerir nosso livro a um amigo. Esperamos que, para vocês, tenhamos acertado mais uma vez, e confiamos que vão nos contar a verdade. Obrigada por estarem aqui com a gente.


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