ASSOCIADOS DO CLUB RECREATIVO IBOENSE EM MAUS LENÇÓIS (1920)

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PARA A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE COLONIAL

PARA A HISTÓRIA DE CABO DELGADO NA VILA DO IBO, ASSOCIADOS DO CLUB RECREATIVO IBOENSE EM MAUS LENÇÓIS. (1920)

Professor Dr. Carlos Lopes Bento, Monte da Caparica, Abril de 2016 © ForEver PEMBA 2016


PARA A HISTÓRIA DE CABO DELGADO NA VILA DO IBO, ASSOCIADOS DO CLUB RECREATIVO IBOENSE EM MAUS LENÇÓIS. (1920)

Carlos Lopes Bento1

Centro histórico da Vila do Ibo. CB.1971

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- Administrador dos concelhos dos Macondes, Ibo e Pemba, entre 1967 e 1974. Antropólogo. Director Tesoureiro da Sociedade de Geografia de Lisboa.

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A vila do Ibo, capital política, económica e cultural de Cabo Delgado, durante mais de 200 anos, com uma intensa vida social, foi uma das vilas mais famosas e relevantes de Moçambique. Teve dois Jornais( O Nyassa e o Echo do Nyassa), um Teatro(Almeida Garret), vários Consulados,

: , dois clubes recreativos(Club 5

d’Outubro e Club Recreativo Iboense), duas bandas musicais2 e uma escola de música. ***** Nos finais de 1912, foi fundado o Club 5 de Outubro, cujos Estatutos foram aprovados pela Ordem nº 1743, de 12 de Março de 1913(Boletim da Companhia do Nyassa, n´º 181, de 12 de Março, p.p 1666-.1667). Foi a primeira sociedade de instrução, recreio e beneficência a aparecer na Vila do Ibo. Funcionou, regularmente, sem sobressaltos até 1918, data em foi presidente o farmacêutico João Alves Brandão de Carvalho que passou a receber críticas permanentes e sistemáticas do médico Rodolfo Fernandes do Amaral, que não via com bons olhos um subordinado seu em tal desempenho, tratando de envenenar os outros sócios, que “cativos pela sua lábia o fizeram eleger”. Em vez de corrigir os defeitos que vinha apontando à gerência anterior apenas contribui para a desorganização total do Club que teve de encerrar portas. Meses depois, um grupo de ex-sócios daquele Club promoveu a fundação de uma nova sociedade com os objectivos do extinto, o Club Recreativo Iboense, cujos Estatutos foram aprovados pela Ordem nº 2273, de 6 de Abril de 1920, publicados no Boletim da Companhia do Nyassa, de 30 de Abril, p.p 2537-2541. Com o argumento de “que a ideia da fundação no novo clube partira de filhos das terra e traduzia o seu ódio ao europeu- quando o certo é que alguns dos seus fundadores são europeus e descendentes de europeus, # -, propôs-se o dr. Fernandes Amaral reorganizar o antigo Club 5 d´Outubro, para combater um inimigo fantástico-ódio de raça- que, evidentemente, não pode existir de europeu para europeu, nem deste para descendente de europeu e vice-versa” Reaberto o Club 5 d´Outubro, que funcionou sob a direcção do dr. Amílcar José Ribeiro, conservador do registo predial da Comarca da Cabo Delgado e juiz da mesma, que foi quem ordenara a prisão, na noite de 6 de Abril de 1920, de 26 indivíduos que estavam no “Club Recreativo Iboense, numa pequena festa em honra do advogado Domingos Barreira Diogo, a quem havia sido cassada a licença de

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- Ver: https://issuu.com/gotael/docs/para_a_hist_ria_da_m_sica_em_mo_ambique

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advogar, agora ganha em recurso, sob o pretexto de que nela se estava fazendo uma manifestação pública ofensiva ao poder judicial. O relato dos acontecimentos segundo o quinzenário Eco do Nyassa: “ ………………………………………………………………………………………………….. Reabriu, pois o Club 5 d´Outubro, que funciona agora sob a direcção do snr dr. Amílcar José Ribeiro, conservador do registo predial desta Comarca, servindo de juiz da mesma, que foi quem ordenou a prisão acima referida efectuada na noite de 6 do mês passado, no Club Recreativo Iboense, sobre o estranho pretexto de que nele se estava fazendo um manifestação pública ofensiva do poder judicial-depois de muito instigado por 3 ou 4 sócios do club que dirige segundo informação que temos por segura e sobre participação do agente do Ministério Público em que o snr.dr. Artur Águedo, que também é membro da mesma sociedade, lhe apresentou, como crime averiguado, um facto que de criminoso só poderia ter aquilo que na sua imaginação que quisesse adicionar quem andasse meditando um plano de perseguição de morte à sociedade em cujo o seio o facto se deu, e que aqui vamos relatar tal qual se passou, com todas as circunstâncias que o precederam, para bem evidenciarmos, como convém, a ilegalidade do procedimento que ele determinou da parte da justiça local e que se acha compreendido no título deste artigo. Relatemos, pois, o caso sem mais preâmbulos. Contra o advogado provisionário desta comarca, Domingos Barreira Diogo, que vive aqui há 20 anos, exercendo há 8 a advocacia, foi pelo substituto legal do juiz de direito, o snr dr. Amílcar José Ribeiro, que chegou a esta vila há apenas 6 meses, instaurado, em Janeiro, um processo disciplinar de cassação da licença de advogar, que teve a sua origem na pessoa do dr. Rodolfo Fernandes Amaral, na sua dupla qualidade de substituto do juiz de direito e de chefe do concelho. Do despacho lançado no processo cassando-lhe a licença interpôs o advogado Barreira o competente recurso, obtendo provimento. Ao terem conhecimento da boa noticia por ele recebida, em telegrama de Lourenço Marques, na manhã de 6 do mês passado, os sócios do Club Recreativo Iboense, de que ele também faz parte, quiseram, como seus velhos e bons amigos, significar ao referido advogado que participavam da satisfação que ele devia estar cheio naquele dia, e, para isso, fizeram à noite, no seu club, uma pequena festa em sua honra, sendo ele presente, é claro. Estando assim reunidos em festa íntima, aí pelas 22 horas, mais ou menos, entrou no club o senhor Rui Leitão, intendente do Governo da República, nesta vila, com 6 polícias, deixando postado o grossa da força que levava em frente da porta de entrada

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e da do quintal e à ordem do snr juiz prendeu todas as pessoas que lá encontrou, com excepção de 2 sócios estrangeiros (um inglês e um suisso) e de umas senhoras e duns menores de 10 anos, família de sócios que com estes lá estavam também. Os presos foram 26, havendo entre eles, alguns menores de 18 e 14 anos. Quase todos membros da banda de música da vila, que agora só club mantem e que ali estavam tocando, como tocam todos os dias em que não haja qualquer impedimento da parte dos elementos que a compõem. Antes de efectuar a prisão foi um dos sócios presentes chamado à Intendência, onde de achavam reunidos, como que em conciliábulo, em que ela houvesse de ser deliberada, quase todos os sócios do Club 5 d´Outubro-talvez para não ser envolvido na rêde- por isso não deveria convir ao senhor intendente, visto tratar-se do seu secretário. E, como não estava na reunião da intendência certo sócio do Club 5 d ´Outubro bem relacionado com todos os do Club Recreativo Iboense, e agora já sócio, tratou-se de saber se estaria lá na festa, para se proceder para com ele como se procedeu com o secretário da Intendência, talvez por, além da qualidade já referida, reunir em si também a de director dos serviços aduaneiros do Territórios. Levada a efeito a prisão, foram os presos conduzidos directamente à cadeia apesar de terem desde logo, reclamado a sua apresentação ao senhor doutor juiz, afim de prestarem caução e serem postos em liberdade. Chegados à cadeia, onde os esperava o senhor doutor Artur Águedo, como representante do Ministério Público, para ter a satisfação de nela os encerrar, insistiram os presos em reclamar a sua apresentação ao senhor doutor juiz, sendo levados â Intendência, onde se prontificaram a prestar caução por meio de deposito da quantia que lhe fosse arbitrada, mas debalde, porque sua excelência o senhor juiz, sendo então atendidos, não sem certo custo, que tinha ainda junto de si todas ou quase todas as criaturas que o rodeavam, quando ordenara a prisão nem sequer lhes quis aparecer, dizendo lá dentro, em voz tonante, ao senhor Intendente, por intermédio de quem lhe a apresentaram a sua pretenção, que fossem para a cadeia e de lá requeressem então para prestarem a caução que se ofereciam a prestar. Em vista de uma atitude assim em tão flagrante colisão com a Constituição que, há nove anos, vem regendo a Nação Portuguesa, os presos reconheceram que havia, da parte da justiça local, o propósito firme de os vexar até á sua entrada para a cadeia e consequente inscrição dos seus nomes nos registos da mesma, pelo que, para não ser acusados de rebeldes, como seriam, de certo, se usassem do direito de resistência à ordem do seu encareçamento, apesar de tão evidentemente ilegal, que até leva a supor que o seu autor possa ter por divisa o Oderint dum metuant(Que me detestem,

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contanto que me temam), citado por Cícero, resolveram-se a dar entrada na prisão, para de

lá pediram, em acto contínuo, como pediram, estando presente o

representante do Ministério Público, que lhes fosse arbitrada a importância da caução que desejavam prestar e se lhes desse a liberdade. Apresentado o requerimento ao juiz substituto legal, dr Amílcar José Ribeiro, declarouse ele impedido, passando por isso, a resolução do assunto a pertencer ao juiz substituto de nomeação, dr Rodolfo Fernandes do Amaral. Este, por sua vez, mandou dar vista dos autos do incidente ao Ministério Público o snr dr. Artur Águedo, que, com tanto interesse, havia acompanhado até então o desenrolar do estranho acontecimento, eclipsara-se precisamente na altura em que o seu zelo de magistrado era chamado ao caso, para não mais aparecer nessa noite, apesar de se empregarem os melhores esforços para o encontrar. Devido ao desaparecimento do agente do Ministério Público ficou o assunto da caução para o dia seguinte e lá tiveram os presos, atirados ao páteo da cadeia com toda a sem cerimónia, que acomodar-se o melhor eu puderam, dormindo quase todos ao relento por acharem isso menos prejudicial ao físico, do que amontoarem-se numa única pocilga que estava vaga e que, mesmo assim, nem sequer lhe fôra oferecida. El relíquia. No dia seguinte lá lhes foi emfim arbitrada a importância da caução de 300$00 poe cabeça, mas a sua soltura só foi ordenada cerca das 20 horas, porque se tratou primeiro de os submeter a perguntas, começando o serviço aí pelas 16 horas para se interromper, depois do terceiro interrogatório, à hora referida, devido à reclamação verbal dum dos interrogados, apresentada pelo advogado que tratava da caução ao juiz autor da prisão, que a deu favoravelmente, e a fez valer junto do juiz que tão irregularmente vinha organizando o processo. E assim desenvolvido o assunto do nosso tema, fecharemos perguntando: onde estará o verdadeiro motivo de tanta arbitrariedade, visto a sua razão aparente ter um desmentido formal na flagrante incoerência em que se exceptuaram da prisão os 2 sócios estrangeiros, as senhoras e o secretário da Intendência- por a festa, em todos tomavam parte, não poder ser ofensiva e não ofensiva, ao mesmo tempo? Pedro Diniz.”3

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- Trabalho baseado no artigo” JUSTÇA LOCAL. Cúmulo da arbitrariedade- Prisão de 26 indivíduos em festa intima num Club “ inserido no Quinzenário Eco do Nyassa, nº 20, de 15.5.1920 p. 1 e 2, da autoria Pedro Diniz e Boletins da Companhia do Nyassa. Grafia segundo o original.

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Estamos perante um caso flagrante de discriminação e de injustiça praticadas por altas individualidades administrativas e judiciais, responsáveis pela administração colonial, em que foram presas, alegadamente, por prática de manifestação pública ofensiva ao poder judicial, entre menores e maiores de idade, mais de duas dezenas de cidadãos, por estarem reunidos, no seu Club, numa festa íntima realizada em honra de um amigo que havia tido provimento de um recurso que apresentara. Na origem, não terão existido, no presente caso, factos de outra natureza, como o preconceito e discriminação social e racial, que levariam à prisão de tão elevado número de moradores da Vila? Quais os motivos que teriam levado à cassação da licença para advogar a Domingos Barreira Diogo? As respostas a estas duas questões só uma investigação sistemática ao processo disciplinar instaurado a poderá fornecer. Pesquisa e texto de Carlos Bento.

Professor Dr. Carlos Lopes Bento, Monte da Caparica, Abril de 2016 © ForEver PEMBA 2016

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