Trabalho Final de Graduação - Casa de Parto: UFFS / 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FERREIRA SUL cAMPUS ERECHIM - RS | aRQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO | 2016/2 ACADÊMICA: GLÁUCIA ALINE DA SILVA ANDRADE oRIENTADORA: lUÍSA sOPAS rOCHA BRANDÃO

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motivacao A escolha deste objeto de estudo reflete um caminho percorrido e surgiu do desejo de encontrar um ambiente adequado e acolhedor para a transição mais importante na vida da minha filha: o nascimento. Diante da realidade de assistência ao nascimento em Erechim, percebi que as possibilidades de realização do parto são restritas ao ambiente hospitalar, reduzindo-se a padronizações de assistência que não considera a individualidade e as necessidades específicas de cada mulher. Neste contexto, o diagnóstico referente ao elevado número de partos por cesariana entre outras intervenções consideradas invasivas e violentas também surgiu como uma problemática no processo de nascimento.

Em ascensão desde a década de 70, as taxas médias de cesarianas correspondem atualmente a 46% dos partos no Sistema Único de Saúde (SUS) e 88% na rede privada.

Deste modo, o presente trabalho tem como objeto de estudo uma CASA DE PARTO NORMAL, vinculada à Fundação Hospitalar Santa Terezinha (FHST) no município de Erechim - RS, através do Sistema Único de Saúde (SUS), que dispõe-se a desenvolver atividades de Educação perinatal¹, além de oferecer apoio, acolhimento e acompanhamento às gestantes e familiares antes, durante e depois do parto, com ênfase em um atendimento pluriprofissional. Perinatal¹: O período perinatal começa em 22 semanas completas (154 dias) de gestação e termina sete dias após o nascimento. Informação obtida no site da Secretaria de Saúde

80 -90%

40-50% 35-40% 35-40%

90-100% Setor privado

Setor público

do Paraná, disponível em <http://www.saude.pr.gov.br modules/conteudo.php?conteudo=668]. Acessado em 27 abr. 2016.

Gráfico 2: Taxas de cesárias segundo região brasileira e tipo de serviço de saúde. Fonte: Pesquisa Nascer no Brasil - Fiocruz Disponível em: <http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/principais-resultados2/> Acessado em < abril de 2016>.

panorama brasileiro

A mudança do ambiente e a hospitalização do nascimento acarretou transformações significativas na dinâmica do trabalho de parto. A principal influência foi ditada pelo modelo tecnocrático¹, hegemônico na assistência ao parto e nascimento brasileiro, que compreende o corpo humano como uma máquina divisível que pode ser ajustada a partir de soluções técnicas. Para Santos (2002), “dentro do modelo tecnocrático o corpo feminino é abordado como anormal, imprevisível e inerentemente, uma máquina defeituosa”, que necessita de intervenção e processos de rotina para auxiliar o nascimento. No Brasil, a maioria das maternidades não tem espaços apropriados para realização dos partos ou sequer uma conduta diferenciada da equipe médica quanto ao atendimento à mulher e à criança. O parto e o nascimento são tratados como processo clínico cirúrgico, onde a mulher é submetida a posição litotômica², que favorece o campo visual do médico e a procedimentos (amniotomia³, colonterapia 4, tricotomia5,episiotomia 6) e manobras (Kristeller7) intervencionistas, além da infusão de hormônios sintéticos e uso de farmacologia para indução do parto. Na tentativa de reverter este modelo de assistência intervencionista, que interfere na liberdade da mulher no processo natural de parir, o Ministério da Saúde (MS) tem investido em políticas de assistência às mulheres gestantes e aos recém-nascidos através do programa “Rede Cegonha” tendo, entre seus objetivos, a qualificação e humanização da atenção básica no acompanhamento pré-natal, parto, puerpério e na primeira infância da criança, com ênfase nos seus dois primeiros anos (BRASIL, 2011). Segundo Pasche, Vilela e Giovanni (2014) “ Está entre os desafios da Rede Cegonha a necessidade de mudanças no modelo tecnoassistencial da atenção ao parto e ao nascimento vigente no Brasil, que produz excesso de medicalização, banalização da cesária, desrespeito aos direitos da mulher e da criança”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as taxas de nascimento por cesariana não ultrapassem 15% dos trabalhos de parto (WHO, 1985). Estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz, através da pesquisa “Nascer no Brasil” (2012), revela que o Brasil está entre os países que mais realizam cirurgias cesarianas, com taxa de 52% dos partos. Segundo Amorim (2009) “[...] o alto índice de cesariana desnecessária expõem as parturientes a risco de infecções e complicações pós operatórias, e os recém nascidos a prematuridade e baixo peso”.

Em Erechim, norte do Rio Grande do Sul, a média de nascimentos por cesariana dos últimos três anos atingem taxas alarmantes de 66%. Em 2015, o índice de Cesária, apresentou queda proporcional de 4 pontos percentuais, contudo, houve crescimento do número de nascimentos e de cesarianas, se compararmos com os anos anteriores.

2013 1313 nascimentos

67% cesarianas (880 cesárias) 33% parto via vaginal (433 partos)

2014 1230 nascimentos

68% Cesariana (843 cesárias) 32% Parto via vaginal (387 partos)

índices de cesariana por país 35.1 - 56% 25.1 - 35% 15.1 - 25%

Índice recomendado pela OMS

10 - 15% 6- 9.9% 1- 5.9% 0- 0.9% Sem dados

Gráfico 1: Índices de cesária por país. Fonte: Organização M u n d i a l d a S a ú d e . D i s p o n í v e l e m : <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150719_ cesarianas_mundo_rb> Acessado em <abril de 2016>.

sintese da proposta

NOTAS DE RODAPÉ Modelo Técnocrático¹: Influenciada pela filosofia mecanicista, originada na Revolução Científica Europeia. Segundo Robbie Davis-Floyd, ‘o paradigma tecnocrático em medicina se baseia no conceito de separação.[...] a matéria pode ser mais bem entendida se extraída de seu contexto, separada dos objetos e das relações que a rodeiam. Assim a medicina divide os sujeitos em partes e separa a experiência do nascimento do fluxo maior da vida’.

Amniotomia³: ‘Ruptura artificial das membranas que envolvem o feto para induzir o parto.’ (LOPES, 2016) Colonterapia4: lavagem intestinal. (LOPES, 2016) 5

Tricotomia : ‘Retirada dos pelos pubianos antes do parto com uma lâmina’. (LOPES, 2016) Episiotomia6: ‘Incisão nos tecidos que rodeiam a abertura da cavidade vaginal, com a finalidade de facilitar a saída do recémnascido durante o parto’. (LOPES, 2016) Manobra de Kristeller 7: ‘Prática em que um enfermeiro faz pressão constante na parte superior do útero para facilitar a saída do bebê. Não é recomendada pela Agência Nacional de Saúdee pode ser considerada uma violência obstetrícia.’(LOPES, 2016)

IMPLANTAÇÃO

CASA DE PARTO

humanização

hormônios e a relação com o espaço

Implantada em Erechim -RS, nas proximidades da Fundação Hospitalar Santa Terezinha (FHST) e da Unidade de Pronto Atendimento com a intenção de criar uma rede de equipamentos de saúde.

O QUE É A casa de parto é uma unidade de saúde

A arquitetura desempenha um papel significativo no processo de humanização dos espaços de assistência à saúde; por meio dela podemos qualificar o ambiente e promover espaços saudáveis, que disponham de conforto físico e psicológico, que transmitam a sensação de acolhimento e de pertencimento a seus usuários. Contudo, cabe ressaltar que a humanização do espaço não está vinculada somente à arquitetura.

Considerando a importância das secreções hormonais liberadas durante o parto, pode-se assegurar que características presentes nos ambientes de parto e nascimento podem intervir diretamente sobre este processo.

REDE DE EQUIPAMENTOS DE SAÚDE

materno infantil de estimulo ao parto normal, vinculada a FHST. A mulher e seus familiares são orientados durante o pré-natal e no pós parto e, assistidos durante o parto de gestantes nas quais não tenha detectado nenhum fator que as classifique como de risco.

COMO SERÁ Unidade de Pronto Atendimento

FHST

INSERÇÃO NA PAISAGEM

URBANIDADE

PROMOÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA E DE EDUCAÇÃO SOCIAL Espaços educativos e com atividades que incentivem uma vida saudável Equipamento de Saúde

Espaço orientado por uma equipe pluriprofissional que visa dar apoio, acompanhamento, acolhimento e informação sobre os processos fisiológicos relacionados ao nascimento; instrução quanto ações que favorecem a evolução do parto e a importância do protagonismo da mulher durante todo o processo.

LOGÍSTICA INTEGRAÇÃO COM A CIDADE Espaço Social de informação e formação

Qualidade Ambiental ESPAÇOS DE ENCONTRO

INTEGRAÇÃO SOCIAL

TROCA DE EXPERIÊNCIA DIVERSIDADE CULTURAL Indivíduo

Comunidade

Esquema 1: proposta conceitual da implantação

A internação acontecerá apenas quando a gestante estiver em trabalho de parto e a presença do acompanhante é garantida, conforme o desejo da parturiente. Neste sentido a admissão será autorizada após avaliação do risco da gestante e do histórico do pré-natal. Gestantes que apresentam complicações ou alto risco serão encaminhadas imediatamente para a FGST com a ambulância da Casa de Parto. Ainda serão garantidos à parturiente o direito a liberdade de movimentação e a utilização de métodos naturais para alívio da dor . Em média, após 12 horas do parto a mulher receberá alta.

COMO SERÁ Neste sentido, entende-se que a humanização da Casa de Parto se dará também por meio de um conjunto de medidas adotadas em todas as esferas de atenção ao ciclo de nascimento, que juntamente com o desenho voltado para usuário, o atendimento por uma equipe qualificada e uma mulher informada, tornarão o processo de assistência ao parto nascimento realmente humanizado. Kowaltoviski (1989) ressalta que uma arquitetura humanizada deve privilegiar a escala humana em relação ao porte do edifício, considerar a variação da forma do espaço, a relação da arquitetura com o paisagismo que aliado a harmonia entre as cores, mobiliários e materiais utilizados promovem conforto visual. Assim, o projeto propõe-se a fortalecer a relação dos espaços com a natureza, conceber ambientes adequados e acolhedores para parto e nascimento e privilegiar níveis de conforto visual, luminico, acústico e térmico.

63% Cesariana (898 cesárias) 37% Parto via vaginal (516 partos)

Gráfico 3: Índices de nascimentos por tipo de parto, considerando os nascimentos dos residentes em Erechim. Fonte: Secretaria da Saúde com edição da autora.

Posição litotômica²: Paciente deitada com o ventre pra cima, com as coxas flexionadas sobre o abdômen, afastadas uma da outra e as pernas sobre as coxas. (META,2014)

Legenda

2015 1414 nascimentos

Ao longo do trabalho de parto o órgão mais ativo no corpo da mulher é o cérebro. Durante as contrações e no período expulsivo, o corpo feminino libera um 8 coquetel hormonal.. importantíssimo para a evolução do parto e para o fortalecimento do vínculo afetivo mãe9 bebê... Nesse período a mulher tem uma redução significativa da atividade neocortical (parte do cérebro responsável pelo intelecto e pelo raciocínio lógico), e passa a utilizar ativamente o hipotálamo... (responsável 10 pela regulação dos processos emocionais e biológicos involuntários, tais como contrações, dilatações uterinas, expulsão da placenta). Qualquer estímulo que provoque a ativação da parte racional do cérebro (neocórtex11 ..) faz com que o parto pare de progredir. Assim, destaca-se situações presentes nos ambientes que facilitam a ativação do sistema neocortical: falta de privacidade; falta de conforto térmico (ambiente muito frio); falta de conforto luminoso (ambiente muito iluminado); falta de conforto acústico (ambiente com muitos ruídos); falta de liberdade para escolher a posição de parir. Fatores psicológicos também pode influenciar: insegurança por desconhecimento do processo; excesso de intervenção (toques vaginais, muitas perguntas); sensação de estar sendo observada; medo da dor do parto e das alterações que a maternidade provoca; vergonha de externalizar os sentimentos durante o parto (gritar, gemer, se movimentar, rir, chorar).

Coquetel hormonal 8 :principais hormônios liberados durante o trabalho de parto: Ocitocina: considerado hormônio do amor e do prazer; Prolactina: está relacionado a produção de leite e comportamento defensivo perante o filho; Endorfinas: são consideradas analgésicos naturais, hormônio ligado a sensação de bem estar. Informações disponíveis em < http://www.comparto.com.br/blog/os-hormonios-do-parto/> Acessado em 13/04/2016. Vínculo afetivo mãe- bebê 9: O Zoológo e fundador da Etologia moderna (estuda comportamento dos animais e dos seres humanos) sugere que após o nascimento, existe um ‘período sensível’ no processo de formação do vínculo entre mãe e bebê.(ZUANON, 2007). Segundo o psicólogo PhD em perinatalidade William Emerson, ‘essa experiência serve de alicerce para o resto da vida’. O Médico Michel Odent complementa que esse evento primária é ‘o protótipo de todas as formas de amor’ . Informações disponíveis em <https://birthpsychology.com/person/william-remerson>.Acessado em 23/05/2016. Hipotálamo10: É a parte do cérebro mais primitiva, presente em todos os mamíferos. Segundo Medeiros (2008), “O hipotálamo é a área do sistema nervoso que comanda a liberação hormonal de uma glândula chamada hipófise. Esta glândula é a principal responsável pela liberação de substâncias relacionadas às sensações emocionais.” Neocórtex11: É a parte do cérebro responsável pelo intelecto e pelo raciocínio lógico. Segundo Medeiros (2008), “Neocórtex é o local no cérebro relacionado à racionalidade. É a área que teria se desenvolvido por último na escala evolutiva animal”

Modelo de assistência holística ao parto e nascimento PORQUÊ Termo concebido pela antropóloga feminista Robbie Davis-Floyd para definir o modelo de assistência ao parto tradicional realizados por parteiras em detrimento ao parto centrado na tecnologia médica, denominado por ela modelo tecnocrático. Este modelo, considera o processo fisiológico do parto como fenômeno saudável e seguro. Foi adotada como estratégia de ‘superação do atual modelo medicalizante’ (portaria nº11| MS de 2015) afim de garantir à mulher sua autonomia de parir de forma espontânea e sem intervenção. “Para o modelo tecnocrático a gravidez é algo fora do controle e desagradável. Nesse caso, o corpo gravido é considerado um recipiente para o para o feto entendido como um ser independente. Por outro lado, para o modelo holístico, embora a gravidez não seja passível de controle, ela gera prazer. A mãe e o bebê são uma coisa única, um sistema integrado. O modelo tecnocrativo vê o parto com um processo mecânico em que a tecnologia é mais confiável que a própria natureza. O modelo holístico considera o parto um duro trabalho desempenhado pela mulher, em que a natureza é confiável e que a tecnologia deve apoiar, mas não interferir.”

(Santos; Bursztyn

2004) ‘O corpo humano é visto enquanto um organismo vivo, com sua sabedoria própria e natural. O corpo feminino entendido como normal nos seus próprios termos, não deve ser julgado ou comparado ao corpo masculino. Os processos fisiológicos femininos, incluindo o parto, são assumidos como saudáveis e seguros.’ (SANTOS, 2002)

Imagem de fundo: Parto na banheira. Fonte: Disponível em < http://chatadegalocha.com/2015/12/vinte-e-cinco-de-novembro/> Acessado em <abril de 2016>.

Tradicionalmente, os partos eram eventos de cunho familiar e essencialmente feminino, realizados em casa. No Brasil a migração do parto para o ambiente hospitalar ocorreu por volta de 1940, a partir da necessidade de ampliar a segurança e diminuir os riscos de mortalidade materna-infantil. O processo de hospitalização cresceu significativamente, e a partir deste momento um fenômeno fisiológico e natural como o parto passou a ser um procedimento médico, centrado em um único profissional, o obstetra.

Considerando tais evidências, pode-se dizer que a cesariana deixou de ser um procedimento para salvar vidas e passou a ser banalizada nas maternidades brasileiras. Este fator, associado a falta de informação durante o pré-natal quanto aos benefícios do parto normal, da carência de esclarecimentos do que acontece durante o trabalho de parto aliado a cultura de assistência intervencionista, contribuem para que as mulheres optem pela cesariana como a melhor maneira de se ter um filho. A pesquisa ainda aponta que em 92% dos casos, a cesariana foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto, elevando as taxas de nascimento de bebês prematuros e de baixo peso, além de expor a mulher a complicações anestésicas, riscos de infecção e de complicações pós operatórias.


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