TGI II _ Parque Cultural: Entre Paisagem, memória e percepção

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IAU | USP TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTEGRADO

PARQUE CULTURAL ENTRE PAISAGEM, MEMÓRIA E PERCEPÇÃO

SÃO CARLOS, NOVEMBRO 2019 GIOVANNA EIDLER MOLES



PARQUE CULTURAL ENTRE PAISAGEM, MEMÓRIA E PERCEPÇÃO

MEMBROS DA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO PERMANENTE Prof. Drª Aline Coelho Sanches Corato Prof. Dr. David Moreno Sperling Prof. Drª Joubert José Lancha Prof. Drª Lucia Zanin Shimbo

COORDENADOR DO GRUPO TEMÁTICO Prof Drª Luciana Bongiovanni M. Shenk

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. David Moreno Sperling

Prof Drª Luciana Bongiovanni M. Shenk

Professor Convidado



RESUMO As cidades contemporâneas se caracterizam por uma crescente fragmentação urbana, a qual é reverberada na conformação da paisagem, na dinâmica dos espaços públicos e na relação do corpo - cidade. A priorização do carro somada a um mercado imobiliário ansioso em preencher todo vazio existente nas cidades muitas vezes colaboram para o desenvolvimento de cidades cada vez mais monótonas e menos ricas em urbanidade. Diante desse contexto, este trabalho traz para análise as cidades de Valinhos e Vinhedo, conurbadas, localizam-se na Região Metropolitana de Campinas, onde são exemplares cidades-dormitórios. Importantes centros econômicos, com paisagens belíssimas e peculiares, patrimônios históricos interessantes, plantações que alcançam a vista mesmo à distância e com as tradicionais festas do circuito das frutas, são cidades que possuem dinâmicas citadinas complexas que refletem um processo histórico iniciado com os tropeiros já no século XVIII, o que expressa o vínculo inseparável entre tempo e espaço (SANTOS). Partindo-se de um embasamento teórico muito poético envolvendo a fenomenologia de Merleau-Ponty, o caminhar como uma experiência sensorial e estética (CARERI) e a relação íntima, profunda, quase biológica do corpo com o espaço que o circunda, foi considerado apropriado, como partido primeiro de projeto, desbravar ambas as cidades. Encontrando na ferrovia e no córrego do Ribeirão dos Pinheiros um eixo de extrema importância histórica e ambiental e, em suas margens, diversos patrimônios históricos ímpares, a proposta de projeto abrange desde a escala do território até a escala do corpo. Da proposição de um sistema de espaços livres que se estrutura ao longo da linha férrea nas duas cidades, é na fazenda Capuava, no norte de Valinhos que o projeto ganha efetivamente vida na forma de um parque cultural. Projetada e habitada por Flávio de Carvalho - notável personalidade do modernismo brasileiro - a Casa Capuava, localizada nos espaços livres que ainda restam da fazenda, é um patrimônio histórico de valor único que encontra-se atualmente abandonada e ameaçada pelo mercado imobiliário. Considerando essas questões, o processo histórico complexo das cidades de Valinhos e Vinhedo e a importância de se manter viva a memória de um personagem artístico significativo, a proposta de um parque cultural objetiva resistir ao processo de produção contemporâneo das cidades do interior paulista, assim como constituir um espaço de encontro e convívio, de exploração dos sentidos, de cultura, educação e história. PALAVRAS-CHAVE:

Paisagem, percepção, memória, patrimônio, parque, sistema de espaços livres, centro cultural.



AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por tudo. À minha família por ser uma fonte de inspiração, por me oferecer apoio e incentivo incansáveis. Agradeço por todos os conselhos, ensinamentos e valores passados que me permitiram chegar até aqui. Ao Orlando por estar presente durante toda essa minha jornada, por me amar, me acalmar e acreditar tanto em mim. À Regiane e Célio pelo apoio, conversas e estímulos. À Júlia, Karen, Diana e Mariana por me acompanharem mesmo de longe. À Ana Flávia, pelos conselhos sensatos e por ter compartilhado comigo tantos momentos de pura arte, arquitetura e cultura que influenciaram tanto o meu ver arquitetônico. À todos os amigos que enfrentaram os dias calorentos e as noites frias no atelier ao meu lado, tornando tudo mais leve. Aos professores, em especial David, Luciana e Aline pelas orientações enriquecedoras e por construírem esse trabalho junto comigo. Ao Murilo e Allana pela compreensão e apoio.


UM BREVE PERCURSO É pertinente justificar a estruturação desse trabalho e falar, brevemente, do seu processo: Ao longo desse trabalho é expressa uma interpretação muito pessoal da arquitetura, àquela que surge a partir de todas as referências, histórias e vivências individuais. A narrativa desse percurso se iniciou ao longo do curso de arquitetura, em que, das diversas questões trazidas me sensibilizei para investigar principalmente as questões da dimensão sensível e poética, da relação do indivíduo com o mundo e a forma como a arquitetura se apresenta diante disso. Principalmente considerando as dinâmicas contemporâneas de relacionamentos que são amplamente afetadas pelo mundo digital e pela pouca valorização de espaços coletivos de convívio. Acredito em uma arquitetura funcional, mas que possui uma respon-

sabilidade de extrapolar a técnica: de internalizar em suas estruturas, mesmo que minimamente, a complexidade humana, de explorar os sentidos, de dialogar de alguma forma com a memória de uma comunidade ou cidade Como uma pessoa sem raízes em uma cidade específica me propus a explorar cidades que não conhecia muito, me deparando com Valinhos e Vinhedo. Partindo da poética do caminhar e de toda sua carga perceptiva, foram realizados diversos percursos nessas cidades onde foi possível encontrar diversas problemáticas e potencialidades, das quais destaco o Córrego Ribeirão dos Pinheiros, a ferrovia e a Casa do artista Flávio de Carvalho, dando a esse trabalho, três dimensões principais: Paisagem, memória e percepção. Quanto à estrutura do caderno, optou-se por uma estrutura linear em que a cada capítulo há um aprofundamento maior, tanto em nível teórico quanto projetual, o que é importante já que esse trabalho é, acima de tudo, um trabalho de escalas: Parto da escala do território para chegar na escala do corpo, dos sentidos - através do paisagismo e da materialidade.


CAPÍTULO 02

CAPÍTULOS 03 E 04

Escala do Sobrevoo Nessa escala são trazidas análises e problematizações gerais das cidades.

Escala do Percorrer e da proposição de diretrizes mais genéricas. Para essa escala é proposto um parque interubano ao longo da ferrovia.

CAPÍTULO 05 Escala de diretrizes pontuais e de projeto. Nessas escalas são trazidas diretrizes para parcelamento de solo, conexões de ruas e a proposta de um parque cultural.



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INQUIETAÇÕES

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REFLEXÕES SOBRE ARQUITETURA O ESPAÇO DA CIDADE MEMÓRIA, PERCEPÇÃO E PAISAGEM

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O SOBREVOO

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O PERCORRER

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PRIMEIRA APROXIMAÇÃO

05 06

ENTRE VALES E VIDEIRAS AS CIDADES DO ONTEM REFLEXOS CARTOGRAFIAS DO TERRITÓRIO

PERCORRER, PERCEBER, DESCOBRIR IMERSÃO FÍSICA SÍNTESE

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UM PARQUE INTERURBANO REFERÊNCIAS DIRETRIZES PRIMEIRAS CARTOGRAFIAS DO PARQUE INTERURBANO SÍNTESE DE DIRETRIZES

SEGUNDA APROXIMAÇÃO PROPOSTA DE INTERVENÇÃO FAZENDA CAPUAVA FLÁVIO DE CARVALHO CASA CAPUAVA REFERÊNCIAS O PROJETO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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01 INQUIETAÇÕES Neste capítulo são tratadas questões consideradas anteriores, que foram objeto de reflexão ao longo do curso e se tornam pertinentes por introduzem conceitos e ideias presentes no desenvolvimento projetual.



REFLEXÕES SOBRE ARQUITETURA Ao longo dos anos de arquitetura, muitas foram as reflexões a respeito do papel do arquiteto nas cidades. Quando se está diante das possibilidades da arquitetura é tentador acreditar que o arquiteto, com lápis na mão, pode transformar o mundo. Apesar desse ímpeto, sabe-se hoje que o projeto arquitetônico é muito mais um meio, uma possibilidade do que uma resposta. É um meio que torna possível determinadas apropriações, mas não as garantem. Ainda assim, é impossível desconsiderar a imensa responsabilidade que tange o fazer arquitetônico: por ser uma atividade prática de ação direta no espaço, ela sempre irá afetar positivamente ou negativamente o indivíduo e o coletivo, partindo do princípio de Newton de que para toda ação existe uma reação. Isso expressa a relação intercambial entre corpo-espaço. O

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indivíduo não é alheio ao seu entorno, mas sim uma parte essencial dele. O corpo afeta o espaço e o espaço afeta o corpo, como afirma Pallasmaa (2007): “à medida que me assento no espaço, o espaço se assenta em mim. Vivo em uma cidade, e a cidade vive em mim. Estamos em um constante intercâmbio com nossos entornos; internalizamos o entorno ao mesmo tempo que projetamos nossos próprios corpos no entorno”

É nessa relação de intercâmbio que está expresso o compromisso do arquiteto com a sociedade: ao atuar no espaço, locus de todas as interações - interação indivíduo-natureza, indivíduo-cidade e de um indivíduo com outro - o arquiteto atua também na arte, poesia, nos percursos, no trabalho, enfim, no cotidiano, no íntimo da sociedade.


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O ESPAÇO DA CIDADE LOCUS DA CULTURA,IDENTIDADE E DO COLETIVO De complexidade inigualável, o espaço da cidade, aquele de maior atuação arquitetônica, torna-se instigante como objeto de estudo e investigação: Locus da memória coletiva (ROSSI), da urbanidade (NETO), do encontro, espaço da arte, espaço do convívio, espaço de produzir arquitetura e de viver arquitetura. A cidade deve a sua existência ao ser humano: ela nasce para abrigar, oferecer trabalho, moradia, facilidade, comunidade. Soa contraditório se se pensar que as cidades vêm sendo produzidas não mais em função do ser humano, mas sim de um mercado, de uma economia. Os espaços da cidade que não geram uma renda lucrativa para alguém como parques, ruas e praças se tornam cada vez mais esvaziados e abandonados. O problema se intensifica ainda mais nos países com maiores desigualdades sociais, em que a questão da segurança gera exclusão, preconceitos, enclausuramentos e medo.

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Os espaços públicos da cidade são onde a vida citadina realmente acontece. Diferentemente das casas ou ambientes de trabalho, no espaço comum e coletivo é possível o desenvolvimento de uma cultura e identidade características de cada lugar, o que produz uma diversidade essencial em um mundo globalizado com uma tendência a homogeneização. Assim, o coletivo encontra sua morada no espaço urbano: “Assim como uma família torna-se o que ela é nos espaços de uma casa, uma comunidade inteira forja-se nos espaços comuns de uma cidade. “ (LIMA 2007) A dinâmica e a beleza do mundo estão na diversidade, nas diferentes formas de vestir, de comer, de brincar e festejar. As cidades estão intrinsecamente ligadas à sua cultura e esta ao espaço público: Rio de Janeiro e Copacabana, Salvador e seu carnaval, Paris e a promenade da Champs-Elysees, Nova Iorque e a Times Square. Além de ser o espaço da cultura é também o espaço do encontrar: Não há estrutura no mundo que se assemelhe ao da cidade em potencial de encontro e convívio. O encontro com o diferen-


te é possível e provável nos espaços comuns. Em uma sociedade líquida (BAUMAN) em que o ser humano se cerca de relações tão frágeis, facilitar os meios de convívio saudáveis- e fora dos ambientes de habitação e trabalho - faz-se imprescindível para manter a qualidade de vida do ser humano, que é, por natureza, um ser social. Tendo partido do espaço da cidade como o espaço principal de encontro e convívio, deve-se pensar sobre o que compõe a cidade para além da dimensão humana. A estrutura urbana é formada, então, não só por pessoas mas por uma paisagem natural e urbana, que também a qualifica, sendo assim, a cidade é resultante de uma colagem de camadas históricas e de condições naturais e ambientais.

“A essência do público – seja espaço, convívio ou identidade – que é feita de diferentes linguagens e falas, de troca de olhares, de bens e de amores, acabou minguando, senão regredindo para uma espécie de administração da sobrevivência imediata transformando-se em pura burocracia” (ROLNIK

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PERCEPÇÃO, MEMÓRIA E PAISAGEM A RELAÇÃO CORPO-ESPAÇO PERCEBER O MUNDO Através dos sentidos

A cidade se conforma como um corpo vivo. Extremamente complexa em sua estrutura física, é assim como o próprio ser humano, profunda em sua dimensão sensível. Possui veias e artérias - as ruas e rios; Possui pulmões - os parques e áreas vegetadas; Possui um coração pulsante - o próprio ser humano que a habita. Nisso é perceptível que o corpo forma um sistema com o mundo (MERLEAU PONTY, 1999). As cidades, ricas em pessoas, se configuram como fontes de experiências que tocam os sentidos: As cidades são formas de mediação da nossa experiência física: nossa experiência é construída pelos sentidos que capturam, sensorialmente, o ambiente e as cidades possuem uma estru-

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tura que trazem determinados sentidos à tona - cheiros, sensações, barulhos, aspecto visual (...) tudo isso compõe uma experiência e nossa experiência do mundo se descerra a partir das tramas de canais e os topoi da cidade (NETTO 2013)

É através do sentir, tocar, cheirar, ver, saborear, ouvir que o ser humano se conecta com o mundo exterior ao próprio corpo, Merleau-Ponty (1999) afirma que o corpo é a relação do ser humano com o mundo, e os sentidos fazem parte desse processo de percepção. Algumas experiências são capazes de tensionar os sentidos, como quando se está diante de uma paisagem ou de uma edificação carregada de texturas, barulhos e cores. “quando vemos, o olho toca, e ainda antes de ver o objeto, já o temos tocado apreciando seu peso, temperatura e superfície externa. O tato é a inconsciência da visão, e esta experiência tátil escondida determina as qualidades sensíveis do objeto percebido” (PALLASMAA 2011)

Tudo isso evidencia que a relação corpo-espaço é muito física, o que prova uma certa quebra desse relacionamento quando se opta pelo carro ao invés da caminhada. Caminhar e parar (CARERI) são as formas que melhor permitem o contato efetivo do ser com o mundo. O caminhar é lento e rico em sua dimensão perceptiva. MEMÓRIA COLETIVA

Há, no entanto outras formas de sentir que são interiores no ser humano, o sentir que está relacionado com a sensibilidade individual, como é o caso da memória. A relação indivíduo espaço é uma experiência que extrapola a percepção física e o presente, que permite imaginação para o futuro e recordação do passado. O lembrar, como Pallasmaa vai afirmar, envolve o corpo inteiro, não é um evento mental mas é também um ato de corporificação e projeção, o corpo deixa de ser apenas um locus de recordação mas se

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torna o sítio e o meio de toda obra criativa. Diferentemente da memória individual, que pode surgir na solidão dentro de um quarto, a memória coletiva está diretamente relacionada com o espaço da cidade, é onde ela nasce e se desenvolve, como já afirmava Aldo Rossi “a cidade é a memória coletiva dos povos, e como a memória está ligado a fatos e a lugares, a cidade é o locus da memória coletiva”. “(...) é comum que o imaginário de alguma comunidade dependa, mais profundamente, de algum espaço tornado emblemático e, a este título, carregado de significados.” (LIMA 2007) Isso revela a importância dos espaços da arquitetura para a construção da memória coletiva. O local público é o espaço de representação simbólica e expressão cultural, de comemorações, de encontros festivos, é espaço de trocas sociais,

estabelecimento de vínculos, é o espaço de diversidade de pessoas, usos e situações. Apenas no espaço público o comércio se mistura com o transeunte, a música com a feira, o empresário com o indivíduo em situação de rua. O espaço público não só permite como estimula as mais diversas sensações e fugas da rotina. É no espaço público que há o encontro e troca espontâneos entre mundos distintos e são essas relações que constroem a história de uma cidade e uma memória coletiva. Os patrimônios são uma importante parte dos espaços públicos por carregarem em si não apenas uma memória do que a arquitetura já foi, ou da história da cidade, mas carrega uma memória coletiva associada àquele patrimônio. Os espaços urbanos se tornam então “espaços com significações compartilhadas e individuais” (Gutmann 2011). E cada edifício, esquina ou praça possui um valor único

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e particular e fazem parte do sistema de referências e identidade da cidade. Fazer as questões locais de cada comunidade, cada cidade, cada nação “vibrarem” se torna importante quando se pensa na necessidade de preservar essas particularidades diante de um mundo cada vez mais globalizado. PAISAGEM

Espaço da cultura, da cidade e da natureza A paisagem urbana está diretamente ligada com as camadas históricas das cidades e, devido a isso, está substancialmente associada à memória coletiva. Assim, a paisagem é tão dinâmica quanto o tempo, caminhando lado a lado com as transformações históricas, arquitetônicas e humanas. Além da dimensão histórica contida na paisagem urbana, há a dimensão da natureza: A natureza que permeia e que abriga a cidade, através do relevo, dos rios, parques e da vegetação. A arquitetura nunca

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está isolada da natureza, por mais que a estrutura urbana se aproprie do espaço natural. Entretanto, no mundo em que a lógica do lucro, do carro e da indústria predominam há um constante conflito do espaço natural com o processo de produção das cidades: Tamponamento de rios, sufocamento de nascentes, desmatamento, poluição. O meio natural é saudável não apenas para as cidades como para o próprio ser humano, o qual não somente faz parte da natureza, mas é natureza. Consequentemente, ir contra a natureza é ir contra o próprio ser humano. Segundo Abbud (2010), dentre todas as expressões artísticas, a paisagem é a única em que os cinco sentidos participam. Aguçar esses sentidos é colocar o ser humano em contato com a natureza, ou seja, com ele próprio - já que ele é natureza. Isso tudo evidencia a forte conexão entre corpo-espaço já citada anteriormente.


O paisagismo é a forma de mediação entre o espaço rústico da natureza nativa e o espaço urbano. E assumir, através do paisagismo, essa natureza, e todos os seus elementos - água, ar, flora, fauna, terra - é essencial para a existência de qualidade de vida nas cidades. Ainda, o paisagismo possui uma carga poética incomparável, em toda sua instabilidade, fluidez e riqueza de cores, texturas, cheiros, gostos e sons, permite ao indivíduo imaginar, explorar, brincar. A vida da contemporaneidade, tão cercada de paredes muitas vezes sufoca o relacionamento do ser humano com a natureza. O que coloca novamente o potencial do espaço público em pauta. É não somente o espaço do encontro, da memória, mas também o espaço do lazer, da qualidade de vida, do lúdico. Nas praças e parques, com espaços amplos, todas as manifestações são possíveis: brincadeiras, esportes, feiras, música, conversas,etc.

A partir de todo esse embasamento teórico trazido, é evidente a importância da cidade, associada a um patrimônio histórico e natural na construção de identidade, cultura e qualidade de vida. Todas essas questões, que tensionam o indivíduo com sua própria natureza - social e perceptiva - colaboram para o ser humano se sentir vivo e presente em um mundo cada vez mais virtual. Diante disso, a proposta desse projeto tem como principal intuito buscar, através da experimentação projetual, possíveis formas de trazer os sentidos, espaços de encontro e convívio à tona. -

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02 O SOBREVOO Ao se apropriar de um termo tratado por Merleau-Ponty e também por Flávio de Carvalho, “Sobrevoo”, traz consigo uma carga filosófica, se assim pode-se afirmar. No sobrevoo é possível entender de forma abrangente todo o território: se entende a dinâmica dos campos, onde se cultiva, onde se mora, os principais fluxos e onde estão os corpos d’água. Assim se justifica o nome desse capítulo já que nele são tratadas dimensões mais técnicas e frias - no sentido de não envolver a percepção, as sensações que só são possíveis com o corpo no espaço.




“A visão do homem em voo adquire mais uma dimensão sobre a visão do habitante da superfície, ele é capaz de prever e calcular o destino do habitante da superfície, o seu ponto de vista percorre o presente, o passado e o futuro desse personagem, porque ele enxerga a predisposição para receber e para entregar de determinado personagem (...) a vista aérea parecia multiplicar enormemente a nossa sensibilidade, englobar o mundo dos homens num pequeno esforço mental; com um golpe de vista fazíamos um levantamento geral e simultâneo de todos os afazeres da cidade(...)” (Flávio de Carvalho, Ossos mundo , p41)


ENTRE VALES E VIDEIRAS ESCOLHA DO LUGAR Distantes apenas cerca de 80km de São Paulo, Valinhos e Vinhedo são cidades do interior paulista situadas na Região Metropolitana de Campinas. Extremamente atrativas para novos moradores pela qualidade de vida e proximidade de grandes centros econômicos, possuem diversas similaridade entre si tanto em estruturas urbanas, quanto história e dinâmicas citadinas.

carregadas de contradições internas. Ao mesmo tempo que possuem tradição forte se consolidam como cidades-dormitório. “Terra do figo roxo, Vales e montes mil; Ergue-se um colosso, Num gesto, a mão gentil!” Verso do Hino de Valinhos “Neste negro asfalto traz esperança Das duas estradas mirabolantes Agricultura que traz confiança Da terra fértil, uma gente confiante” Verso do Hino de Vinhedo

Conhecidas pelo cultivo e paisagens admiráveis formadas por um terreno acidentado são cidades POPULAÇÃO EST. VALINHOS: 127.100

DADOS GERAIS IBGE 2010

POPULAÇÃO EST. VINHEDO: 77.300 SALÁRIO MENSAL MÉDIO VALINHOS: 3,3 SM SALÁRIO MENSAL MÉDIO VINHEDO: 3,4 SM

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CAMPINAS

FLUXOS

VALINHOS

VINHEDO

VALINHOS

VINHEDO

Área da unidade territorial:148,538 km² Esgotamento sanitário adequado:94,6 % Arborização de vias públicas: 93,4 % Urbanização de vias públicas: 77,2 %

Área da unidade territorial : 81,604 km² Esgotamento sanitário adequado: 95,2 % Arborização de vias públicas : 86,1 % Urbanização de vias públicas: 51,9 %

SÃO PAULO 33


RIBEIRÃO DOS PINHEIROS BANDEIRANTES POUSO DO CÓRREGO DO RIBEIRÃO DOS PINHEIOS EM VALINHOS

CAMPINAS

FAZENDAS CAFÉ

FERROVIA IMIGRANTES EUROPEUS DIVERSIFICAÇÃO DA AGRICULTURA IMPLANTAÇÃO DAS PRIMEIRAS INDÚSTRIAS

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1889 - SURTO DE FEBRE AMARELA EM CAMPINAS FUGA DE MUITAS PESSOAS PARA VALINHOS

RODOVIA ANHANGUERA

INDUSTRIALIZAÇÃO

CHÁCARAS DE LAZER TURISMO RURAL CIRCUITO DAS FRUTAS

REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS


AS CIDADES DO ONTEM A partir da breve caracterização trazida a respeito da situação das duas cidades na contemporaneidade, é essencial compreender que Vinhedo e Valinhos são o resultado de um processo histórico iniciado já no século XVIII. O esquema ao lado visa, antes de mostrar uma linha cronológica de eventos, mostrar elementos que foram essenciais para o desenvolvimento urbano dessas cidades. CÓRREGO RIBEIRÃO DOS PINHEIROS Um Primeiro Estruturador Urbano Assim como a história da maioria das cidades da Região Metropolitana, tanto Valinhos quanto Vinhedo inciam as suas histórias no século XVIII, quando os bandeirantes exploravam as densas matas do interior paulista através da “Estrada

dos Goiases”- rota estabelecida para a busca de ouro. Essas rotas permitiram o estabelecimento de pousos, os quais seriam essenciais para a formação de pequenos núcleos urbanos. É de se notar, entretanto, que uma parte importante da história dessas cidades - e anterior aos tropeiros- é a presença do córrego Ribeirão dos Pinheiros. O rio está diretamente relacionado com as rotas dos bandeirantes até os sertões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, já que suas margens eram locais de pouso para os desbravadores e sua água essencial para que os percursos pudessem ter continuidade. Portanto, o córrego foi o primeiro eixo estruturador do território dessas cidades, o primeiro elemento a guiar uma ocupação e organização urbana. Isso prova não somente a importância ambiental do córrego, mas uma importância histórica, de memória coletiva.

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TROPEIRISMO Percursos e Apropriações Os bandeirantes foram responsáveis, então, por dar à região uma estrutura caminhável e funcional de rotas, as quais serviam para o transporte de produtos (como ouro) e condução de boiadas (GONÇALVES 2015). Não somente os tropeiros entraram no território, mas deixaram suas marcas, as marcas do ir e vir, as marcas do percurso, as marcas com significado humano. Essas rotas seriam uma primeira intervenção na paisagem rumo à uma futura urbanização.. No caso de Valinhos o primeiro pouso foi implantado nas proximidades do córrego do Ribeirão dos Pinheiros. AS FAZENDAS DE CULTIVO Aos poucos, algumas atividades agrícolas foram se desenvolvendo na região, como a produção de cana de açúcar e, posteriormente, no século XIX, a produção de café. A quantidade de fazendas na região era expressiva e desempe-

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nharam um papel importante para a economia da época, além de futuramente, com os seus desmembramentos colaborar para a disseminação de condomínios fechados. A prosperidade vinda da produção incentivou, assim como a localização estratégica dessa região, os investimentos para a construção de uma ferrovia. FERROVIA Uma estrutura de conexão A importância do córrego é ainda intensificada quando a malha ferroviária é instalada paralelamente ao rio, reforçando ainda mais um eixo existente. A posição geográfica de Campinas foi determinante para o crescimento e desenvolvimento da região já que favorecia a ligação entre interior e capital, assim, já no segunda metade do século XIX a ferrovia foi implantada, permitindo uma maior integração entre todo o estado de São Paulo. Isso impactou conside-


ravelmente o crescimento das cidades de Valinhos e Vinhedo. A ferrovia, ao costurar e conectar o território, atraiu diversos imigrantes para a região, os quais foram importantes na diversificação da produção agrícola- essencial com a crise do café no século XX. Além disso, a ferrovia atuou substancialmente na transformação da paisagem das cidades já que estimulou a criação de infraestruturas urbanas iniciais como ruas e calçadas, assim como a instalação das primeiras indústrias em suas margens. RODOVIA ANHANGUERA E A INDUSTRIALIZAÇÃO Com a crise do café, no século XX, houve uma diversificação da produção agrícola permitindo mais um passo em direção à industrialização. Somado a isso, a construção da rodovia Anhanguera em 1940 e em 1960, do aeroporto Internacional de Viracopos, impac-

taram consideravelmente a região levando a uma intensificação da expansão industrial. A rodovia desempenhou um papel significativo para a expansão das cidades visto que a ferrovia estava passando por um processo precoce de obsolescência e a rodovia se tornava a principal estrutura de conexão entre cidades. Todos esses fatores foram atraindo muitos moradores e investimentos para a região. CHÁCARAS DE LAZER O marketing da Qualidade de Vida O cenário de Valinhos e Vinhedo passou a ser peculiar em relação às outras cidades da região quando se tornaram conhecidas pelas suas muitas chácaras de lazer - que atendiam principalmente a população de alta renda - as quais transmitiam uma ideia de boa qualidade de vida. Esse ideal associado com a infraestrutura viária, proximidade de Campinas e São Paulo e o porte pequeno e tranquilo dessas cidades

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atraiu diversos moradores, inclusive paulistanos, desencadeando, a partir da década de 1980 uma disseminação de condomínios horizontais de alta renda. A REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS É impossível desconsiderar a importância de Campinas para suas cidades vizinhas e também das cidades vizinhas para Campinas. Com a constituição da Região Metropolitana de Campinas em 2000 e a busca por novos investimentos produtivos alternativos a São Paulo, a região de Campinas pode se estabelecer como importante centro econômico, científico e tecnológico, atraindo diversos investimentos e uma das maiores universidades do país, UNICAMP. A soma desses fatores resultou na Região Metropolitana da atualidade: com um “complexo intercâmbio de pessoas, informações, economias e políticas” como afirma Gutman (2011). Valinhos e Vinhedo sofrem os im-

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pactos desse grande centro econômico tanto nas estruturas urbanas quanto nos seus espaços públicos, patrimônios, deslocamentos e na forma de habitar de seus residentes.


REFLEXOS Com a disseminação dos condomínios horizontais fechados e priorização do carro e dos espaços privados, os espaços públicos e o patrimônio da cidade encontram-se subutilizados, desvalorizados e até mesmo abandonados. Morar mais perto de Campinas se torna mais interessante do que morar no centro das cidades, os restaurantes, espaços de lazer, empregos, escolas, centro são todos mais atrativos em Campinas, o que causa um movimento pendular significante e um esvaziamento ainda maior dos espaços da cidade de Valinhos e Vinhedo. Por isso são caracterizadas de “cidades-dormitório” : a única função dessas cidades para grande parte dos moradores é fornecer um local agradável para dormir. Assim, como a cidades fragmentadas e dispersas, tudo fica longe demais e os pedestres e ciclistas

que ainda persistem - apesar do relevo e da hostil infraestrutura de calçadas e inexistência de ciclofaixas - ficam prejudicados. Todas essas questões configuram cidades que, apesar de muito agradáveis de dentro do carro, se tornam desagradáveis para uma parcela considerável da população que ainda trabalha e vivencia de alguma forma essas cidades. A combinação desses fatores afetama identidade e o sentimento de pertencimento da população em relação às cidades. BARREIRAS CONTEMPORÂNEAS Diante das reverberações que os extensos muros possuem nas cidades, somados à existência de estrutura de lazer interna aos condomínios os espaços públicos ficam cada vez mais esvaziados e a socialização passa a ser cada vez mais entre indivíduos da mesma classe social. Ainda, os espaços públicos passam a receber menos investimentos ain-

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da, por cada vez menos pessoas cobrarem espaços qualificados. Em entrevistas realizadas com a população de Valinhos e Vinhedo houve um consenso quanto à necessidade de parques e infraestrutura pensada para o pedestre. Além dos condomínios, a ferrovia que servia antes como uma estrutura de conexão, se torna na atualidade uma barreira, com pouquíssimos pontos de transposição seguros e agradáveis. ESPAÇO PÚBLICO: A necessidade de valorização Em relação aos planos diretores de Valinhos, é perceptível um certo descaso, se assim pode-se afirmar, com os espaços públicos e com o patrimônio. Para além dos patrimônios edificados tombados pela CONDEPHAAT - que também não apresentam atualmente qualquer cuidado, apesar do tombamento - os dois primeiros planos diretores não apresentam diretrizes que expressem uma preocupação para

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a preservação dos valores das praças e espaços de lazer públicos já existentes na cidade, segundo Gutmann (2011). Já no Plano diretor III existem algumas diretrizes em relação ao espaço público, mas faltam projetos e regulamentações bem definidos para sustentar as diretrizes apresentadas no plano. Além disso, os patrimônios tombados são dispersos, e em relação à Casa Flávio de Carvalho e à Sede da Antiga Fazenda de Cacutá Vale Verde apresentam-se isolados e não conectados com a centralidade da cidade. Considerando as diferentes escalas desse trabalho, os mapas que seguem visam uma afirmação, através da cartografia, de tudo que foi falado expressando as condições urbanas e ambientais atuais das cidades.


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O mapa de evolução urbana talvez seja um dos mais importantes para a análise em questão. É possível ver que os primeiros núcleos urbanos se concentravam no entorno da ferrovia. É perceptível, principalmente em Valinhos, a aglomeração de indústrias (as mais antigas) ao longo da

EVOLUÇÃO URBANA

ferrovia, incentivando ainda mais a ocupação dessa região na época. As indústrias mais novas se concentram principalmente em torno da Rodovia Anhanguera o que reflete também as consequências do gradativo abandono dos investimentos nas ferrovias e priorização dos automóveis em relação.

INDÚSTRIAS

Fonte Mapas: Prefeituras de Valinhos e Vinhedo e modificados pela autora

INDUSTRIAS MAIS NOVAS INDUSTRIAS MAIS VELHAS

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Apesar da gradativa obsolescência da ferrovia as cidades ainda expressam na sua morfologia, estruturação e organização essa memória. Abaixo, observa-se que os centros urbanos das duas cidades estão diretamente ligados à essa estrutura, além disso, as áreas que margeiam a ferrovia possuem um uso diversificado do solo.

ZONEAMENTO

O mapa de condomínios e loteamentos fechados permite visualizar aquilo que já foi anteriormente discuto a respeitos dessas estruturas habitacionais. É perceptível que são numerosos nas duas cidades e estão dispersos no território o que se reflete na fragmentação dessas cidades.

CONDOMÍNIOS OU LOTEAMENTOS FECHADOS

CONDOMÍNIOS E LOTEAMENTOS FECHADOS EMPREENDIMENTOS APROVADOS

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A leitura do mapa de condomínios, seguida do mapa de renda expõe o óbvio: as manchas das maiores rendas são àquelas que se sobrepõe aos condomínios e loteamentos fechados. Observa-se que a maior concentração de alta renda está à sudoeste do município de Valinhos.

RENDA (2010)

PER CAPITA NOS DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES

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Em relação à densidade, é de se notar que grande parte da cidade de Valinhos possui baixa densidade, principalmente do lado oeste da cidade onde também estão localizados a maioria dos condomínios horizontais e vazios urbanos. Além disso, as manchas que apresentam as maiores densidades são bairros de baixa renda.

DENSIDADE


Percebe-se que na área urbana praticamente não existem áreas de preservação. Sem isso, as áreas verdes que ainda se mantém nos centros correm risco de serem preenchidas por edificações.

Valinhos e Vinhedo estão inclusos nas Sub-bacias do Rio Capivari e do Rio Atibaia. Para esse estudo, porém, o que será de maior interesse será a microbacia do córrego do Ribeirão Pinheiros e a microbacia do Pinheiros, nas quais corre o córrego do Ribeirão Pinheiros.

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO

HIDROGRAFIA

RISCO DE INUNDAÇÃO

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03 O PERCORRER Esse capítulo trata da imersão física no território. Diferentemente da análise fria e superficial do sobrevoo, esse capítulo investiga a leitura sensível do território, determinante para todo o processo projetual. O percorrer e o imergir nas cidades permite a criação de significados, identificação de potencialidades muitas vezes invisíveis no plano do sobrevoo.




MEUS OLHOS JÁ ESQUECERAM O QUE VIRAM MAS MEU CORPO AINDA SE LEMBRA JUHANI PALLASMAA


PERCORRER PERCEBER DESCOBRIR Considerando a importância dada ao processo de percorrer e caminhar para a internalização e compreensão de um território, foram realizados diversos percursos pelas cidades. Os percursos - sem rumo e sem mapa - foram essenciais para encontrar, na ferrovia e no córrego do Ribeirão dos Pinheiros um eixo de referência nas cidades. Isso evidencia a linha que percorre a ferrovia e o córrego do Ribeirão dos Pinheiros como um eixo estruturador comum e com potencial ímpar para futuras intervenções.

PERCEBER

PERCORRER

O esquema abaixo mostra uma síntese do processo de transformação do percorrer como estratégia de projeto e a imagem ao lado mostra uma primeira transição de escala: da escala de sobrevoo que engloba todo o território das cidades, o foco passa a ser a área urbanizada que toca a ferrovia.

ASSIMILAR PROBLEMATIZAR

DESCOBRIR

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Dos percursos realizados, serão destacados apenas aqueles considerados mais interessantes e que se encontram na área em que será proposto o parque interurbano (ou seja, no eixo da ferrovia e do córrego).

SINTETIZAR

SELECIONAR

INTERVIR


VALINHOS VINHEDO

Limite das cidades Parque interurbano

Eixo da ferrovia e do cรณrrego Ribeirรฃo dos Pinheiros

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PERCURSOS

PONTOS DE INTERESSE AO LONGO DO EIXO CÓRREGO RIBEIRÃO DOS PINHEIROS PERCURSOS FEITOS DE CARRO PERCURSOS FEITOS À PÉ FERROVIA 52


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IMERSÃO FÍSICA PERCURSOS E PERCEPÇÕES A visão serial apresentada é formada por desenhos feitos in loco como forma de vivenciar os locais. Apesar da organização dos desenhos de maneira linear, o conjunto é resultado de seleção e síntese de tudo o que foi percorrido. Em todos os percursos realizados a ferrovia e o córrego do Ribeirão dos Pinheiros se fizeram presentes. Ao longo do eixo foram encontradas diversas potencialidades, tanto do ponto de vista ambiental, histórico, cultural quanto do ponto de vista de potenciais espaços de estar e de lazer. De acordo com as imagens tem-se, : 01| Parque dos Girassóis: É um espaço livre quase não arborizado onde corre a ferrovia, uma faixa compartilhada de ciclistas e pedestres. e um muro extenso de um dos condomínios fechados de alta renda. Por ser um ponto alto permite vistas ímpares para plantações e para a paisagem.

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02| Casa Capuava de Flávio de Carvalho - que será detalhada mais cuidadosamente no capítulo 05. 03| Centro de Lazer do trabalhor: É usado principalmente nos finais de semana por todos os tipos de pessoa. Seu acesso não é pensado para o pedestre, nem o seu entorno, assim, a maioria das pessoas que utilizam moram nas proximidades ou vão de carro. Além disso há horários específicos em que a área fica aberta ao público. 04| No processo de caminhar foi uma das áreas que davam a maior sensação de fragmentação. Haviam muitos espaços livres entre as edificações e muros extensos de condomínios horizontais - os quais faceavam um bairro de baixa renda. 05| Uma das áreas mais bonitas e poéticas por ser um dos pontos em que o córrego e a ferrovia se cruzam. É também um ponto de transposição, em que muitas pessoas atravessam o córrego, mas na falta de infraestrutura a população atravessa o córrego na


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ferrovia. 06| A Upa foi, de todo o percurso ao longo da ferrovia, o ponto mais movimento e dinâmico, Haviam muitas pessoas e crianças, não só pelo centro de saúde mas pelo ponto de ônibus existente na área. Apesar disso é um espaço extremamente amplo, com pistas de velocidade alta e estacionamentos. 07| Estação ferroviária de Valinhos:A estação ferroviária antiga e a nova de Valinhos, localizada no centro da cidade - e ao mesmo tempo, isolado dele. Atualmente seu entorno é um estacionamento e possuem muitas pessoas em situação de rua procurando abrigo nesta área. 08| Praça em frente à prefeitura: Um dos espaços públicos mais dinâmicos ao longo do eixo. 09| Área em que a ferrovia possui muros, o que apenas aumenta a dimensão de barreira que ela já possui. Apesar disso, É uma das únicas áreas da cidade com calçadas mais generosas e arborização agradável. Possui algumas

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pessoas passeando e fazendo caminhas ao longo da estrutura. 10| Áreas entre cidades: Possuem muita área para intervenção e também potencial. Havia uma ciclofaixa nesse trecho, porém atualmente o espaço deu lugar para acostamento. Não há qualquer espaço para o pedestre nesse trecho, por vezes aparecem pequenas calçadas que não conectam pontos específicos. Nesse trecho existem condomínios fechados, residências de baixa renda e alguns serviços. A ferrovia aparece e desaparece em meio à vegetação nesse trecho e o córrego se distancia da vista.


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11| Um dos pontos de transposição da ferrovia em Vinhedo. Assim como em Valinhos, são poucos os pontos de transposição e a ferrovia se torna uma barreira entre o leste e o oeste da cidade. 12| Estação ferroviária de Vinhedo: Encontra-se em um estado de total abandono, com vidros quebrados, rachaduras e sinais de que tem sido usada por pessoas em situação de rua. A conexão dessa parte da ferrovia para o centro é feita através de uma escadaria, devido a isso muitas pessoas atravessam a linha férrea nessa área mesmo não havendo um ponto de transposição seguro. 13| Represa de Vinhedo: Está muito próxima da estação ferroviária de Vinhedo, o que possibilita se pensar em um uso conjunto das duas estruturas. A ferrovia percorre todo o comprimento da represa acima da linha visual, o que promove uma relação distinta com o trem. A represa é muito usada por todas as classes sociais da região, apesar disso encontra-se com poucas investimentos na infraestrutura. Há também uma segunda represa em Valinhos, que, apesar da proximidade encontra-se desconectada da represa 1.

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SÍNTESE DAS PERCEPÇÕES

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A partir dessas percepções e análises, quatro questão pareceram mais problemáticas ao longo do eixo: Mobilidade Patrimônio Meio Ambiente (especialmente o Córrego do Ribeirão dos Pinheiros e suas margens) Espaços coletivos de lazer Para os quais serão dadas diretrizes no capítulo que segue.

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PRIMEIRA APROXIMAÇÃO A percepção promovida pelo caminhar e pelo viver as cidades, associada ao conhecimento de mapas e textos torna possível não somente o reconhecimento de questões que sensibilizam a nível pessoal, mas possibilitam o início de uma discussão projetual. Esse capítulo trata, então, de uma primeira aproximação projetual, que, por ainda abranger a escala do território, aparece de forma teórica.




PROJETAMOS CONTINUAMENTE SIGNIFICADOS E SIGNIFICAÇÕES EM TUDO AQUILO QUE ENCONTRAMOS JUHANI PALLASMAA


PARQUE INTERURBANO COSTURA URBANA Diante de um cenário de esvaziamento, descaso ou abandono de espaços público; da conurbação já existente entre as cidades somadas ao embasamento teórico exposto no capítulo 01; análise das cidades no capítulo 02 e tendo em vista todas as experiências sensoriais e perceptivas vivenciadas no percorrer das duas cidades, alguns anseios surgem em relação aos potenciais que essas cidades apresentam. A proposta de um parque interurbano tem como intuito principal fornecer , para cidades, um sistema de espaços livres - atualmente inexistente- com áreas de lazer, esporte, cultura, contemplação e descanso. Ainda, o parque pretende costurar as cidades tanto ao longo do eixo da linha férrea (no sentido norte- sul) quanto nas transversalidades do eixo.

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Para além de fornecer espaços coletivos qualificados para a cidade há uma intenção de valorizar o patrimônio histórico que percorre o eixo assim como desempenhar um papel educativo no que diz respeito à Flora e Fauna que margeiam o córrego do Ribeirão dos Pinheiros.


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REFERÊNCIAS PROJETUAIS Foram diversas as referências projetuais que fizeram parte do processo projetual. As referêcia tratam principalmente do paisagismo como estratégia de propor uma ressignificação dos espaços. Um paisagismo que se apropria e que transforma. A ideia de

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Parque do Rio Medelin | Medelin Com uma dimensão urbana considerável , o parque proposto para Medelin possui funções claras e bem definidas tais quais a de conectividade, utilização de infraestruturas subutilizadas, educar a população na perspectiva de se obter uma consciência ambiental e conhecimento da biodiversidade, melhoria da mobilidade e valorização do rio Medelin.


Parc de La Villette | Paris

Parque da Juventude | São Paulo

Famoso mundialmente, o parque possui características peculiares que trouxeram diversas reflexões a respeito da forma de se projetar um parque. As que mais influenciaram esse trabalho são principalmente a organização do parque em camadas, as folies como pontos de marcação e referência, além de sua dimensão lúdica, outro ponto absorvido desse parque é seu diálogo constante com cultura e educação através dos espaços arquitetônicos.

Com uma carga histórica relevante, o projeto traz questões contemporâneas a partir de u

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HIDROGRAFIA Caracterizações Córrego do Ribeirão dos Pinheiros e corpos d’água ao longo de seu eixo encontram-se desconectados em relação às cidades e às pessoas. Além disso o córrego encontra-se atualmente contaminado e em várias áreas suas margens estão ocupadas. O Centro de Lazer do Trabalhador em Valinhos, possui um dos maiores corpos d’água da região mas encontra-se cercado com acesso limitado.

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Diretrizes:

Recuperar : Propõe-se o Tratamento das águas do Córrego do Ribeirão Pinheiros Proteger: Naturalização dos espaços próximos ao córrego Integrar: Criar pontos de transposição do córrego - e da ferrovia. Além disso é proposta a abertura do Centro de Lazer do Trabalhador. Aproximar: Incentivar o contato com água propondo espaços de ver e tocar a água como deques, arquibancas, espaços lúdicos. Memória: Propor uma articulação entre o meio artístico e a questão da memória do córrego para elaboração de projetos que retomem esse significado e história. Consciência ambiental: Criar espaços para tornar possível aulas ao ar livre e em meio aos espaços da natureza


ESPAÇOS LIVRES Diretrizes: Recuperar: Recuperar vegetação nativa dentro das áreas urbanas em espaços subutilizados e livres. Integrar: Integrar vazios presentes na área de influência do Córrego Ribeirão dos Pinheiros e da ferrovia ao sistema de espaços livres propondo que nesses espaços se desenvolvam atividades diversificadas: esportes, cultura, lazer e espaços de hortas urbanas. Aproximar: Propor espaços que estimulem o encontro e a interação Identidade: Identificar vazios que foram fazendas no passado para propor elementos que dialoguem com essa história

Caracterizações Presença de muitos espaços livres dentro das zonas centrais das cidades (fragmentação urbana) A maioria dos espaços livres são áreas privadas Praças públicas mal cuidadas e desqualificadas Parques públicos pouco qualificados Poucos espaços públicos Inexistência de diretrizes para as áreas verdes dentro das manchas urbanas

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MOBILIDADE Caracterizações:

Priorização evidente dos carros em detrimento de outras formas de locomoção Relevo acidentado dificulta ciclismo e percursos a pé (mesmo assim eles representam 26,42 % dos viagens diárias realizadas a pé ) Os transportes coletivos representam 44% das viagens realizadas Fragmentação das cidades é outro problema para a locomoção a pé Inexistência de calçadas em grande parte das cidades

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Diretrizes: Conectar: Ciclovia no eixo da ferrovia aproveitando o relevo mais ameno Integrar: Integrar mobilidade e espaços públicos através de percursos que por hora entram na cidade, por hora em parques e praças, assim como propor ruas verdes com calçadas mais largas permitindo percursos mais confortáveis pela cidade. Qualificar: Calçadas largas, ruas arborizadas, sinalizações adequadas, ruas compartilhadas Acessibilidade: articular sistema de espaços livres com pontos de ônibus Parque como Elemento de Conexão do Território


EQUIPAMENTOS Diretrizes: Reciclar: Usar edifícios abandonados ou subutilizados ao longo do eixo ferroviário e propor novos usos, associados com o uso coletivo, público e diversificado Integrar: Integrar escolas e pontos de saúde com o sistema de parque para reforçar o uso do parque Memória: Propor não apenas um relacionamento direto entre patrimônio e espaços livres e de lazer, mas o uso das estruturas dos edifícios para atividades culturais e coletivas Estar: Mobiliário e espaços de contemplação e tranquilidade

Caracterizações: Patrimônio histórico abandonado e isolados da cidades e espaços públicos Escolas desarticuladas em relação aos espaços de lazer Pontos de saúde (como UPA Valinhos) sem mobiliário para espera, sem qualquer relação com os espaços externos, com muitas filas e crianças

Patrimônios e espaços de lazer Escolas e postos de saúde 73


BARREIRAS Caracterizações: Cidades fragmentadas e desarticuladas Muros extensos Segregação Socio-espacial Bairros de Baixa Renda cercados por condomínios e isolados dos centros e atividades Poucos pontos de transposição da ferrovia e do córrego Separação da Cidade em Leste-Oeste

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Diretrizes: Intervir: Tratamento para muros com arte, jardins verticais, iluminação e elementos lúdicos Articular: Conectar bairros de baixa renda com centralidades, utilizando de espaços vazios e requalificação de ruas Atravessar: Propo mais pontos de transposição da ferrovia e do Córrego do Ribeirão dos Pinheiros com pontes


SÍNTESE DE DIRETRIZES A partir de todas essas análises e diretrizes direcionadas para redes específicas, é possível, ao sobrepor as camadas, identificar as necessidades mais gerais que permitem um direcionamento específico de possibilidades de organização do parque interurbano, que serão expostos nas páginas seguintes.

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SÍNTESE DE DIRETRIZES

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05

SEGUNDA APROXIMAÇÃO Esse capítulo trata de uma segunda aproximação, com olhar de projeto, para a área levantada e estudada. A partir de tudo que foi visto, lido, estudado e sentido, foi iluminada uma área considerada mais problemática e instigante, àquela relativa à Casa de Flávio de Carvalho no norte de Valinhos, para propor o projeto de um Parque Urbano Cultural.



PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

05 |Necessidade de espaços coletivos qualificados

Tomando como partido o parque interurbano proposto e diante do complexo contexto em que se encontra a casa de Flávio de Carvalho e de seu grande potencial de projeto devido ao:

Foi considerado pertinente escolher essa área, da Fazenda Capuava, para proposta de intervenção.

PARQUE CULTURAL

01 | Potencial Cultural que possui de reverberações nacionais devido à Casa Capuava 02 | Ao vínculo da área remanescente da fazenda com a história nacional e paulista - em relação ao café e à ferrovia 03| Localização estratégica da área em relação à Campinas e equipamentos como escolas e centro de Lazer do Trabalhador 04 | Grande área para intervenção

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06 |À proximidade de infraestruturas viárias, facilitando o acesso ao parque


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FAZENDA CAPUAVA DISPUTA ENTRE TEMPOS CARACTERIZAÇÃO Localizada no norte de Valinho, a fazenda encontra-se onde atualmente em uma área de conurbação com a cidade Campinas, o que a torna extremamente estratégica do ponto de vista urbano e ameaçada pelos crescentes interesses do mercado imobiliário.

HISTÓRIA DO CAFÉ AO MODERNISMO

A fazenda Capuava tem uma história rica, tanto do ponto de vista nacional quanto regional. Sua história se inicia com a produção cafeeira, importante para o desenvolvimento da cidade e também para a história do Brasil como um todo, já que o café foi o principal produto de exportação do país no século XIX, permitindo grande desenvolvimento econômico nacional. Com a crise do café e intensificação da industrialização a fazenda foi aos poucos reduzindo do seu tamanho original (que inicialmente alcançava os limites

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entre Valinhos e Campinas) dando espaço à diferentes tipos de ocupação : “bairros residenciais (...) pequenas indústrias, comércio, escolas, igrejas, etc” (Souza 2009). Entretanto foi no século XX, com a compra da fazenda pela família de Flávio de Carvalho, que a fazenda ganharia outra vez atenção. No espaço da fazenda Flávio de Carvalho pôde executar o projeto da Casa Capuava, um de seus únicos projetos construídos. A casa, habitada por Flávio de Carvalho até sua morte em 1973, apesar de localizada em uma área ainda rural trazia a cidade para dentro de si: Personalidades do mundo inteiro a visitavam, era espaço de arte, cultura, teatro, encontros e convívio. Suas reverberações iam muito além dos limites da fazenda, ganhando importância nacional do ponto de vista cultural. Com o falecimento de Flávio de Carvalho a casa original passou por diversas transformações (Souza 2009) até ser tombada como patrimônio arquitetônico pela CONDEPHAAT em 1980. O tombamento, limitado apenas ao edifício e às partes construídas externas - como a piscina- excluiu o entorno


como parte constituinte do espaço da casa o que manteve o espaço da fazenda ameaçado pelo mercado imobiliário. Aos poucos se tornou visível o desmembramento da fazenda que deu lugar a condomínios fechados, habitações populares e espaços livres não qualificados, reduzindo a área da fazenda para um pequeno sítio.

para empreendimentos imobiliários de condomínios fechados. O que expressa a desconsideração não somente da importância do entorno para a casa - a qual, com construção dos condomínios muito provavelmente passará a facear muros - mas desconsidera o potencial da área como uma estrutura de importância nacional.

SITUAÇÃO ATUAL

Enquanto isso, a casa, que inicialmente era usada para atividades da A.C.E.S.A encontra-se em estado de abandono - o que deverá mudar com a recente aprovação da verba para restauro, ainda segundo Piton.

A situação atual da fazenda é complexa: cercada de muros de condomínios de alto padrão, loteamentos fechados, serviços de carros e ferrovia a fazenda encontra-se sufocada pela cidade que a envolve e seu acesso consideravelmente limitado. Dentro da área que ainda resta da fazenda foi construída uma escola para crianças especiais (A.C.E.S.A) nas proximidades da Casa Capuava, existem áreas de equitação e algumas casas dispersas que em sua maioria estão desocupadas. Segundo entrevista com Luciana Piton - uma das responsáveis pelos cuidados com a A.C.E.S.A e também por guiar turistas na Casa Capuava - a ára remanescente da fazenda já foi vendida

“ o parcelamento e o uso das terras da antiga Fazenda Capuava são objetos de estudo acadêmico por possuírem algumas das mais significativas especificidades encontradas no urbanismo moderno brasileiro. Pois que, nela, há habitações para diversos segmentos sociais (população de baixa, média e alta renta), um vazio urbano com mata remanescente, vários equipamentos urbanos que atendem às necessidades locais e que dispensam o munícipe de se deslocar para dentro da cidade, uma sede modernista tombada e com potencial turístico e cultural. Além disso, está situada em local de conurbação e que ainda possui em seu entorno uma Estação de tratamento de esgoto” (SOUZA 2009)

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A a área contempla diversos corpos d’água, O Corpo d’água mais a norte está intra-muros do condomínio Terras do Caribe, mas o córrego que se extende para dentro da fazenda está fora do condomínio, podendo ser articulado com o parque proposto. sendo de interesse integrar a área da casa de Flávio de Carvalho com o CLT

HIDROGRAFIA

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A.C.E.S.A.

RELEVO


Como é perceptível a Casa Flávio de Carvalho fica em um grande espaço livre, com floresta remanescente. A intenção é manter a área dessa mata naturalizada porém criar percursos entre árvores. Nos espaços mais livres serão propostas elementos esportivos, de recreação e lúdicos, enquanto nos espaços mais densos serão propostos espaços de estar e contemplação

ESPAÇOS LIVRES E ARBORIZAÇÃO

CHEIOS E VAZIOS

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Os muros e cercas caracterizam essa área e margeiam a floresta remanescente no norte da área, dando ao local uma sensação de insegurança, então, nas imediações dos muros é interessante que os percursos sejam mais amplos, bem iluminados e acessíveis.

BARREIRAS

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É possível observar instituições bem próximas da área de intervenção, o que justifica a criação de espaços para o público infantil e jovem, com espaços lúdicos, educacionais e de lazer.

DENSIDADE


A área de intervenção está em um miolo, cercada por muros , ferrovia e uma barreira vegetal, seu acesso se torna, assim, difícil o que limita a circulação de pessoas e ciclistas pela área. Além disso à lesta da área de intervenção existem muitos pontos de ônibus, o que não acontece à oeste devido aos condomínios horizontais.

MOBILIDADE

À esquerda é perceptível uma uniformidade de uso residencial (caracterizando os condomínios) enquanto pela esquerda existe um eixo comercial e usos mais diversos, tornando interessante relacioná-los com a área de projeto.

USOS

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FLÁVIO DE CARVALHO A ESSÊNCIA DA PERSONALIDADE Não cabe na estrutura deste trabalho um estudo completo da vida e obra do arquiteto e nem há uma pretensão de usá-lo como determinante em todo o processo de projeto, principalmente considerando que o Parque Cultural proposto não será em função apenas da Casa Capuava, mas de uma história maior que a engloba. Apesar disso há uma necessidade de apresentá-lo minimamente e afirmar suas particularidades afim de compreender a Casa Capuava assim como propor um projeto que estabeleça um diálogo coerente com o artista e com a casa.

SOBRE Importante personalidade do modernismo brasileiro, Flávio de Carvalho é conhecido pela sua atuação em diversas áreas do conhecimento: desde cenografia até cálculo estrutural. Nascido no Rio de Janeiro, logo cedo foi estudar na Europa, como era de costume das classes altas brasileiras no pe-

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ríodo. Ao retornar ao Brasil em 1922, se deparou com um cenário dinâmico no universo artístico brasileiro. Apesar disso, nos primeiros anos de seu retorno, Flávio de Carvalho atuou principalmente como engenheiro, trabalhando inclusive para o escritório de Ramos de Azevedo. O arquiteto foi responsável por projetar, em 1927 o primeiro edifício moderno do Brasil, o qual, apesar de não ter sido construído foi uma porta de entrada para Carvalho nos concursos arquitetônicos e concedeu a ele grande visibilidade. Foram diversos os projetos realizados, principalmente para concursos, porém, em toda sua carreira apenas dois foram construídos: A Casa Capuava e o Conjunto de Casas da Alameda Lorena. Entretanto, não era apenas no mundo arquitetônico que Flávio de Carvalho estava envolvido, mas no mundo do teatro, da escrita e das artes plásticas o que permitiu que o artista tivesse contato com muitos personagens do modernismo, como Oswald de Andrade. O contato com esses indivíduos influenciou a forma de ver o mundo pelo artista, que foi muito influenciado pelo movimento antropofágico: Flávio de


Carvalho buscava por uma identidade brasileira, partindo da absorção das dinâmicas da sociedade moderna do século XX somada a um primitivismo (PIERROTI)- no sentido de homum primitivo, nu (despido de religião, preconceitos, valores sociais e filosóficos). Os anos passados na Europa pelo pintor também desempenharam um papel importante na sua visão de mundo, já que, após a primeira guerra mundial efervesciam debates na Inglaterra - e no restante da Europa- questionando as formas de habitar e a eficiência nas cidades modernas. Assim da defesa de um primitivismo, Flávio de Carvalho abordava muito as questões da modernidade, da máquina, da velocidade, do homem moderno e das problemáticas da cidade moderna mostrando diversas preocupações que convergiam com os debates que vinham ocorrendo na Europa e com as ideias expostas por Le Corbusier no mesmo período. Isso expressa um contraste nos posicionamentos de Flávio de Carvalho, em que o primitivo e o moderno andavam de mãos dadas tanto em seus discursos, quanto em sua arte e arquitetura. Esse contraste fica evidente no próprio título de alguns de seus textos: Cidade do homem nu (ou seja, do homem primitivo)

e Cidade do Amanhã. O artista se mostrava uma figura extremamente polêmica, um de seus atos mais chocantes para a população da época foi o desfile feito por ele com o New Look: De saia e meia arrastão, além de ter um intuito de propor um visual eficiente do ponto de vista de conforto térmico para um país tropical, Flávio de Carvalho buscava analisar o comportamento e reação da sociedade,. Assim, o mundo para ele era um grande laboratório de experimentações, onde tudo era passível de ser estudado, analisado e explorado.

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ESSÊNCIA A sensibilidade explorada pelo arquiteto é manifestada em todas suas formas de expressão: textos, cenografia, pinturas - como no conjunto de retratos desenhados por ele do processo de morte de sua mãe - e arquitetura. Há aqui uma tentativa, através da imagem ao lado, de expor e sintetizar um pouco da essência de Flávio de Carvalho. É perceptível, ao analisar sua vida e feitos, que a arte - em seu sentido mais amplo e abrangente- era o objeto principal de experimentação para o arquiteto. Tanto na arquitetura quanto na pintura é possível observar princípios e conceitos muito bem definidos pelo artista: contraste, movimento, cor, eficiência, cidade como casa do coletivo, etc. Dentre tantos conceitos e questões trazidas nas obras de Flávio de Carvalho, serão destacadas apenas aqueles mais relevantes para o processo projetual desse trabalho.

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Primeiramente, a cidade: objeto de diversos estudos do artista e arquiteto, ele considerava que as cidades deveriam ser a casa principal do indivíduo e do coletivo, enquanto a casa em si seria uma extensão dessa cidade. Diante disso, a cidade deveria ser eficiente, com circulações adequadas, organização e simetria - em muitos casos de modo a colaborar para a vida do homem moderno e também do progresso. O progresso para o arquiteto era essencial para a evolução do ser humano, mas para que ele pudesse existir, deveria haver uma “energia primitiva” (Pierroti) para criar, ou seja, uma liberdade para descobrir e experimentar sem medo e sem preconceitos. Devido a isso e somado com as ideias do movimento antropofágico, Flávio de Carvalho enxergava nas civilizações indígenas nativas tais como aborígenes, marajoaras, maias, guaranis e astecas culturas que deveriam ser absorvidas. Tanto a arte, quanto arquitetura e decoração indígena


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foi muito usada por Flávio de Carvalho, a própria casa Capuava remete em sua fachada trapezoidal e imponente os templos maias e astecas, na decoração interna havia um contraste entre elementos extremamente modernos como alumínio e peças decorativas aborígenes. O contraste é, a partir de uma visão pessoal, o que mais resume a figura de Flávio de Carvalho: O moderno e o primitivo, a cor e a “não cor”, peso e leveza, formas circulares com retas. O contraste aparece no trabalho e na vida do artista constantemente e de formas distintas. Inclusive quando o pintor fala sobre a questão do tempo e da história: “ O valor da época não é perceptivo dentro da época porque não há um ponto de vista, não há contraste, falta comparação, e sem contraste não pode haver julgamento “ (CARVALHO 1936, p.42) Essas dualidades são levadas tam-

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bém para a materialidade na arquitetura: há uma recorrente exploração de texturas e cores. Aliás, a cor é outro elemento extremamente fundamental e constante. Para além de algo que afeta a vista, Flávio de Carvalho afirmava a cor como um elemento que afetava o psíquico do ser humano, como é expresso em seu depoimento comentado por Stigger (2014) no texto “ Arqueologia e contemporaneidade” a respeito da moda: “O uso de uma grande variedade de cores”, explicou Flávio de Carvalho,“tornar[á] os homens menos irascíveis e menos obtusos, mais plásticos e mais capazes de evoluir com maior velocidade.”[15] Ao promover “maior alegria pelas cores e pelos movimentos livres”, o novo traje acaba “afetando a psique do homem e possivelmente afetaria também o fluxo das guerras”. Afinal, “ninguém pode ser alegre enfiado numa roupa cinza, marrom ou azul mari-


nho” Assim, a cor aparece tanto nas pinturas, quanto na moda, na cenografia e arquitetura. A casa capuava tinha como um de seus aspectos mais marcantes as cortinas coloridas que dançavam com o vento e contrastavam com a fachada trapezoidal branca. Assim como aparecia nos elementos decorativos, em algumas paredes, nas esquadrias de todas as aberturas e nos diferentes tipos de piso aplicados na casa, os quais também se destacam pela riqueza em texturas. Tudo isso expressa a grande sensibilidade que Flávio de Carvalho tinha com o mundo que o cercava. Os cinco sentidos eram objeto de exploração e interesse para ele. Tanto que, o arquiteto desenhou um conjunto de cinco ladrilhos hidráulicos representando cada um dos sentidos, por isso, o conjunto é chamado “Cinco Sentidos”.

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A CASA CAPUAVA A CASA CAPUAVA A casa é uma materialização, na arquitetura, da personalidade de Flávio de Carvalho: polêmica, dinâmica e artística. Uma mistura de templo e avião, que não é facilmente apreendida apenas com um olhar superficial. Assim, nessa casa a questão do percurso também se faz presente: Para compreendê-la é necessário percorrê-la: tanto em seus entornos quanto em seu interior. Seu valor arquitetônico, artístico e histórico é inigualável: marca um período histórico, reflete uma personalidade peculiar. Não cabendo nesse trabalho um estudo do interior da casa, o que mais vai ser te interesse do ponto de vista projetual será a relação da casa com o seu entorno: seus acessos, sua comunicação visual com outras partes da fazenda, sua materialidade, linhas de força e princípios compositivos.

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REFERÊNCIAS PROJETUAIS Para além dos partidos tirados da própria casa Capuava, da essência de Flávio de Carvalho e da história de Valinhos e Vinhedo, outros projetos foram essenciais para o desenvolvimento do parque cultural. As referências trazem de forma geral, maneiras de lidar com o patrimônio e memória, com a paisagem, e com a arquitetura propriamente dita. Inhotim|Minas Gerais A ideia de museu a céu aberto associado com parque colabora na concepção projetual deste trabalho na medida em que traz uma forma diferenciada de lidar com a ideia de museu. A forte relação da arte com a paisagem foi o principal ponto de interesse dessa referência.

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SESC Pompeia| São Paulo Sendo impossível desconsiderar Lina Bo Bardi quando se fala a respeito de patrimônio e intervenção no mesmo, o Sesc Pompeia serve de referência na medida em que ele lida com um edifício histórico permitindo que o novo permeie sua estrutura. Assim, apesar de não haver intervenções diretas na casa Capuava, o seu entorno, que era tão significativo na configuração de uma casa inserida em um cenário rural bucólico será completamente transformado pelo projeto.


Jardim Ministério da Educação | Rio de Janeiro Em diálogo com o período de existência de Flávio de Carvalho e suas considerações a respeito de buscar no paisagismo uma vegetação nativa e com uma identidade desassociada àquela europeia é impossível não pensar no mestre Burle Marx, com as formas orgânicas e uso de plantas Nativas

Instituto Salk | EUA De sensibilidade surpreendente, foi possível encontrar no projeto do Instituto Salk de Louis Kahn, elementos que dialogassem com a estrutura que se buscava para o centro cultural: A simetria e o direcionamento da vista foram duas estratégias absorvidas e utilizadas no projeto do centro cultural.

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DIRETRIZES DO ENTORNO Das propostas para o entorno, primeiramente foram escolhidas ruas estratégicas - que ligam o parque com equipamentos escolares, de

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lazer e com os Bairros de baixa renda no noroeste de Valinhos - para integrar ao sistema de espaços livres proposto, tornando-as ruas verdes.

Escolas

Ruas verdes

Praças, áreas de lazer e mata remanescente

Bairros de Baixa renda

Rodovia Flávio de Carvalho

Eixo da ferrovia e do Córrego Ribeirão dos Pinheiros


Único acesso para a Casa Capuava ACESSIBILIDADE Cercada por muros, matas remanescentes, relevo acidentado, ferrovia, córrego, serviços e ainda uma estrada de velocidade média, a Casa de Flávio de Carvalho encontra-se em uma situação extremamente complexa que em nada favorece a sua valorização e reconhecimento. Atualmente a área da fazenda só é acessível por uma estreita via escondida na Rodovia Flávio de Carvalho. Além da discrição da entrada a partir da rodovia, há uma travessia em um encolhido pontilhão. Para somar a isso, , a casa Capuava esconde-se atrás da A.C.E.S.A. Assim, um patrimônio histórico tombado e de valor único é completamente desconexo da cidade e do cidadão. Tendo isso em vista foram pesquisadas formas de abrir essa área para o público e integrá-lo com o parque urbano proposto. Serviços a serem realocados Proposta de nova ocupação

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Foi considerado pertinente propor a realocação das 20 edificações de serviços que percorrem as margens do córrego do Ribeirão dos Pinheiros e a ferrovia nesse trecho por tais motivos:

Assim, todo o eixo da ferrovia e do córrego ficam livres, permitindo ao córrego “respirar” novamente e uma integração da fazenda com o leste da cidade.

01 | A limitação do acesso para a área da fazenda 02 | A poluição que esses serviços causam no córrego do Ribeirão dos Pinheiros, que já encontra-se contaminado 03 | Principalmente, a área é um dos pontos de enchente da cidade, com a proposta do parque e o aumento das áreas impermeáveis apenas agravaria o problema para essas ocupações. Diante disso, e considerando a importância dessa estrada para o funcionamento desses estabelecimentos, foi proposto uma realocação para terrenos livres do outro lado da via, que encontram-se mais altos em relação à ocupação atual.

100

Extensão da rua existe até os limites da fazenda Parcelamento e criação de rua que conecta o parque com os bairros de baixa renda Ainda, para que houvesse integração da fazenda também no sentido sudoeste, foi pensado em um par-


celamento de solo das áreas não ocupadas na área sul da fazenda, com a intenção de que essas áreas sejam ocupadas por habitações de interesse social, principalmente. Além disso, da rua existente atualmente foi proposta a criação de ruas em todo o entorno da área de intervenção, promovendo um “descolamento” dos muros e facilitando o acesso por todos os lados, conforme a imagem abaixo:

Após todos essas propostas para o entorno afim de tornar a área acessível e integrada com o parque interurbano, serão apresentados a seguir as diretrizes iniciais para a implantação efetiva do parque cultural. Por fim, há uma opção de mudança do local da Escola para crianças especiais (A.C.E.S.A.) da parte de baixo do terreno para o ponto mais alto da parque, conforme o diagrama abaixo. Essa mudança se justifica pelo fato da casa atualmente se fechar para o espaço da casa, carecer de infraestrutura e por estar em um local pouco acessível.

Anel viário em torno da fazenda 101


PRIMEIROS GESTOS DE IMPLANTAÇÃO

01 | PRESERVAR

02 | SIMBOLIZAR

O primeiro ponto de partida para a área foi levantar os eixos que vem sido trabalhados desde o início desse trabalho: a ferrovia, o córrego do ribeirão dos Pinheiros e o percurso dos tropeiros. Além disso foi levantado também as linhas de força da casa Capuava.

Considerando assim, a extrema importância do eixo norte sul, foi considerado pertinente criar uma estrutura paralela que simbolizasse o peso histórico, ambiental e cultural desse eixo.

Linhas de força Casa Capuava Eixo ferrovia Eixo Percurso dos tropeiros Eixo Córrego Ribeirão dos Pinheiros 102


03 | CONECTAR

04 | CONTRASTAR

Com a marcação da estrutura a partir de uma carga histórica, foram pensados os espaços desejados para o parque, Ainda, há um anseio de transformar a área, que atualmente é uma grande barreira urbana em um dispositivo conector entre leste-oeste da ferrovia, então, os fluxos primários de projeto foram estabelecidos afim de promover essa conexão.

Diante de tudo isso, e com um interesse em destacar a estrutura simbólica sugerida no diagrama 02 e ao mesmo tempo dialogar com a personalidade de Flávio de Carvalho e valorizar sua antiga morada, foi considerado pertinente explorar formas fluídas em contraposição com a rigidez formal da estrutura anterior.

103


DIRETRIZES PARA A CASA CAPUAVA PRESERVAR X INOVAR Considerando o desejo desse parque possuir uma abrangência regional - e até mesmo nacional, pelo seu valor histórico e cultural - considerou-se apropriado propor a transformação, da antiga morada do falecido artista Flávio de Carvalho, de um patrimônio abandonado para uma Casa-Museu. A Casa, o espaço mais pessoal de qualquer ser humano ao se transformar em museu - o local que expõe tudo - permite o contato íntimo com uma a personalidade que habitava tal espaço. Assim, propor que a Casa Capuava se transforme em uma casa-museu é permitir esse contato íntimo entre a população e esse artista pouco reconhecido na historiografia brasileira, apesar de sua importância.

104

“objetos eleitos para homenagear e ressignificar a vivência de um personagem histórico, transformando a casa residência em monumento histórico” (SCAPELINE 2012) Não sendo o objetivo deste trabalho detalhar o restauro e a transformação da casa em casa-museu, há, no entanto, um posicionamento de olhar crítico para como esse restauro deverá ser realizado. A casa, pouco levantada e estudada perdeu algumas de suas originalidades após a morte do artista. Considerando ser um patrimônio histórico tombado existem ainda outras burocracias que influenciam na forma como esse restauro deverá ser realizado. Assim, permite-se, nesse trabalho, considerar a casa àquela que foi estudada em publicações mais antigas e foca-se na relação da casa com o entorno, que é o objeto principal deste capítulo do trabalho.


105


IMPLANTAÇÃO De todas essas questões nasce um parque cultural. Um parque em que arquitetura e paisagem se misturam e se incorporam O parque e a esplanada nascem conjuntamente e se dissolvem um no outro, ora o parque entra na arquitetura, ora as atividades culturais extrapolam para o parque. Há uma intenção de dissolução entre parque e estrutura apesar de formalmente e em planta se apresentarem como elementos separados.

A

PROGRAMA 01 | Casa - Museu Flávio de Carvalho 02 | Centro Cultural 03 | Escola para crianças especiais

10

106

50

100

m


B C

A 01

A

02

03

B C

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CORTES

CORTE AA 1

108

5

10

50 m


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CORTES

CORTE BB 1

5 10

50 m

CORTE CC 1

5 10

50 m

110


111


ARBORIZAÇÃO Para a arborização considerou-se ,principalmente, adotar espaços mais artificiosos na medida em que o parque se aproxima da cidade e da arquitetura e espaços mais naturalizados na medida em que encontra água.

10

112

50

100

m


113


VEGETAÇÃO A partir do estudo de Flávio e Carvalho, foi realizado um estudo, ainda preliminar, de uma sugestão de vegetação para implantação no parque. Como diretrizes principais para a escolha da vegetação, tem-se: 01 | A questão da cor, tão recorrente para Flávio de carvalho será trazida através da vegetação. 02 | Os cinco sentidos serão trazidos na diversidade de vegetação em texturas, cores, cheiros, sons ao vento e gostos através das comestíveis. 02 | A opção por uma vegetação nativa da América também parte de Flávio de Carvalho que defende o valor tropical e exótico das mesmas. Nesse caso foram pesquisadas vegetações bem exóticas e peculiares, assim como algumas recomendadas pelo próprio Flávio de Carvalho para o paisagismo: Amendoim, milho, bananeiras e café. O parque se organiza em seis tipos distintos de exploração paisagística: Jardim das Cores; Jardim Tropical,;Jardim Esplanada; Pomar; Gramados, forrações e árvores diversas e mata densa nativa.

114

A nível de detalhamento de vegetação, serão trazidas algumas plantas, palmáceas e árvores específicas para o jardim das cores, o jardim tropical e o jardim da esplanada. Para os outros tipos de áreas verdes do parque serão dadas apenas breves diretrizes: POMAR No pomar serão usadas árvores e arbustos nativos, fornecendo um espaço de diversas experimentações e exploração do paladar. GRAMADOS/ FORRAÇÕES E ÁRVORES DIVERSAS Nessas zonas do parque são pensado em cenários um pouco mais bucólicos retomando o caráter rural da fazenda. Em alternância com essas espaços mais “campestres” mais pitorescos serão exploradas vegetações em tons esverdeados - dos mais claros aos mais escuros - para manter o contraste com o jardim das cores. VEGETAÇÃO REMANESCENTE NATURALIZADA

E

Essas áreas serão caracterizadas pela


preservação da mata remanescente e pela criação de novos espaços naturalizados que retomem a vegetação nativa de Valinhos e daquela área específica. Serão criados percursos mais estreitos por entre as grandes árvores da mata atlântica e com uso de eucalipto autoclavado.

Jardim Esplanada Jardim Tropical Jardim das Cores Pomar Gramados/ forrações e árvores diversas Vegetação remanescente e naturalizada

“Possuimos uma flora nossa, de uma abundância e uma virilidade únicas, cheia de valor tropical, extremamente exótica e variada em forma e cor “ (Carvalho, de F. 1933)

115


JARDIM DA ESPLANADA

Agave Americano

Para os jardins da esplanada foram escolhidas essencialmente dois tipos de vegetação: capins e palmáceas, com exceção do Agave Americano. Das justificativas para tais escolhas, tem-se: 01 | O uso de Palmáceas nos arredores da Casa de Flávio de Carvalho. Assim retoma-se esse o uso mas trazendo uma espécie distinta daquela observada nas imediações da casa.

Capim Rabo de Burro

02 | Os Cactos também retomam algo que foi usado na casa. 03 | Os capins foram trazidos para dar leveza ao percurso. Na imagem ao lado está a locação dessa vegetação na esplanada, levando em consideração que a vegetação será espelhada no sentido do eixo exibido.

Capim dos Pampas

Capim Barba de Bode 116


CarnaĂşba

Mandacaru Azul

Cactos Facheiros 117


JARDIM TROPICAL Dos jardins, talvez o que mais se comunique com Flávio de Carvalho: foi optado por vegetações bem tropicais e brasileiras: bananeiras, palmáceas, amendoim etc. Enquanto as palmáceas serão dispersas pelo jardim tropical, as bananeiras e amendoim concentram-se em áreas específicas. Para pensa-se em percursos de terra, em uma tentativa de abordar a temática do índio e do primitivo tratada por Flávio de Carvalho.

118


Bananeira

Buriti

Palmeira açaí

Butiã Amendoim

Bacuri

Maranta cinza 119


JARDIM DAS CORES Partindo de todas as análises e estudos feitos de Flávio de Carvalho e o uso das cores foi considerado pertinente trazer essa di-

Iresini Herbstii

Lutiela

mensão através do paisagem ao mesmo tempo em que se busca uma exploração de uma vegetação nativa exótica- Nativa da América, como Flávio de Carvalho considera.

Periquito vermelho

Puya Berteroniana

Bromélia Imperial Vermelha

Begonia Rex

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Neoregelia Eva

Achemea Blanchetiana

Caladium Bicolor

Grama amendoim

Camarão Rosa


Ipê Amarelo

Ipê Roxo

Criação de um semi círculo de ipês acompanhando o desenho de piso

Ipê Rosa 121


PERSPECTIVAS

122


123


A ESPLANADA Partindo da forma rígida contrastante com as formas fluídas do parque, outras diretrizes surgiram tendo em vista sempre o eixo norte-sul e as linhas de força da casa.

PRIMEIROS GESTOS Partindo da vontade de destacar o eixo, optou-se por mantê-lo no nível da casa-museu, valorizando-a visualmente de todos os ângulos. Assim, foi criada uma sobreposição de planos, em que um se acessa no nível da casa e outro por baixo.

Esplanada Circulação

SIMETRIA Tomando como base o partido de manter a esplanada com uma linguagem mais racional, optou-se por adotar o eixo de simetria da casa para o desenho paisagístico e arquitetônico da esplanada. Igualmente, foi considerado um eixo de espelhamento, para a circulação vertical, no eixo transversal. Há também um espelhamento das formas da parte de cima da esplanada para o térreo. EIXO DE SIMETRIA

EIXO DE SIMETRIA PARA PASSAGENS

Terreno

ESPLANADA

124

TÉRREO


PRESERVAR

CIRCULAÇÃO

Considerando o entorno da casa como um elemento constituinte do mesmo e vendo, no entorno imediato elementos que caracterizam muito fortemente a casa, foi estabelecido um perímetro de manutenção do terreno em seu estado atual, fazendo com que a esplanada “circulasse” a casa.

Quanto à circulação, foram pensadas circulações transversais e paralelas ao eixo. As circulações transversais apresentadas visam principalmente conectar verticalmente a estrutura. Quanto às circulações paralelas há uma intenção de permitir um percurso ao redor da casa assim como preservar o acesso original para casa. Além disso, partindo do eixo de simetria da casa, foi criado um eixo visual que direcionasse o olhar para ela.

125


PLANTA TÉRREO A dimensão dessa estrutura dialoga com o desejo de tornar esse espaço uma estrutura com importância regional e nacional. Além disso, por estar em constando diálogo com uma casa fruto do período modernista, essa estrutura também dialoga com o modernismo brasileiro de uma forma geral.

PROGRAMA 01 | Acervo Permanente Flávio de Carvalho 02 | Biblioteca 03 | Sala de computadores 04 | Brinquedoteca 05 | Salas administrativas 06 | Ateliers (Pintura, desenho e artesanato) 07 |Oficinas

A

0 01

1

126

5

10

50

m

A


02

08 | Salas de Dança 09 | Salas de uso livre 10 | Salas de música 11 | Espaço de co-working 12 | Café 13 | Salas para eventos 14 | Sala de projeção 15 | Refeitório 16 | Depósito 17 | Banheiros 18 | Acervo das salas de exposição

20 | Sala de ensaio 21 | Salão de convivência de atores 20 | Depósito de figurinos e cenários 21 | Vestiários e Camarim 22 | Teatro de Arena Jardins internos Espaço de lazer e descanso comum

B

03 04

06

06 07

08

08

11

08 08

18 18

12 16

13

19 22

05

07

09 09

05

06 06

10 10

13 14

15

17

20

17

21 21

B 127


PLANTA ESPLANADA 23 | Espelho d’água e sprinklers 24 | Jardins da Esplanada 25 | Percurso d’água 26 | Salas de exposição 27 | Pergolado com redário 28 | Espelho d’água com claraboia que iluma o teatro de arena no térreo

01

A

24

2

1

128

5

10

50

m

A


23

B

26

28

24 25

29 26

B 129


CORTES

CORTE AA 1

5

10

m

CORTE BB 1

130

5

10

m


Espelho d’água

Vidro

Laje de concreto

Iluminação zenital

CORTE TEATRO DE ARENA

131


MATERIALIDADE Assim como para todo o projeto, foi considerado, para a materialidade, o valor simbólico de todo o parque, portanto foram buscadas nos objetos: Casa Capuava, ferrovia e córrego do Ribeirão dos Pinheiros partidos para as escolhas aqui apresentadas.

pamento cultural e artístico como esse em questão.

Piso Poroso Claro

Gabião Diferentemente do gabião estrutural, o termo gabião é empregado aqui devido à similaridade dessa estrutura de vedação com a estrutura de contenção. Foi optado por utilizar gabião em toda a vedação externa da esplanada, primeiramente por manter um diálogo com áreas externas da casa Capuava feitas em pedra ao mesmo tempo em que se utiliza uma opção de vedação contemporânea. Outro motivo pela escolha desse material é sua dimensão poética : sobre os efeitos de iluminação é criado um jogo de luzes e sombras. Acredita-se ser pertinente empregá-lo em um equi132

Ao mesmo tempo em que se busca um diálogo com a casa, há uma intenção de manter as diferenças entre o novo e o histórico, assim, afim de marcar a diferença de onde termina a esplanada e começa a Casa Capuava, foi optado por um piso liso de aspecto natural, de placas grandes e de cor clara, para contrastar com os pisos tão cheios de texturas e cores da Casa Capuava.

Concreto Retoma parta da estrutura da Casa de Flávio de Carvalho, mas enquanto na casa o concreto original-


mente era pintado no caso desse projeto é trazido o concreto ripado.

Madeira e estrutura metálica Água A água é trazida na estrutura da esplanada como modo de citar o córrego do ribeirão dos Pinheiros

Tanto a madeira quanto a estrutura metálica aparecem na esplada para fazer menção à ferrovia, porém, no caso da estrutura metálica há também uma forte relação com Flávio de Carvalho já que ele utiliza amplamente alumínio. No caso da estrutura em questão, entretanto, o metal utilizado é aço.

Vidro Partindo, novamente, dos contrastes de Flávio de Carvalho, o vidro entra como uma contraposição às pedras do gabião: leveza e peso

133


ESTRUTURA ESTRUTURA Foi optado por estrutura metálica em que todas as vigas serão seção I, variando nas dimensões a depender do vão. Para fins estéticos em alguns pontos da estrutura os pilares serão mistos com concreto aparente e em outros serão metálicos seção I pintados de preto.

Sala de exposição e alpendre: Dentro da sala de exposição os pilares são mistos, no perímetro da sala serão metálicos de seção I, no alpendre os pilares serão mistos com revestimento de pedra;

Salas: Pilares metálicos seção I pintados de preto

Área do teatro de arena: Pilares mistos de concreto aparente

134

Passarela: Pilares metálicos seção I pintados de preto


POR FIM, POR FIM, UM PARQUE UM PARQUE CULTURAL CULTURAL



ESPLANADA: REDÁRIO, ESPELHO D’ÁGUA E SALAS DE EXPOSIÇÃO



RELAÇÃO ESPLANADA E CASA CAPUAVA


140


ESPLANADA: REDÁRIO

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142


ESPLANADA: ESPELHO D’ÁGUA

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ESPLANADA: SALAS DE EXPOSIÇÃO 145


146


ESPLANADA: JARDIM E EIXO VISUAL PARA A CASA 147


148


TÉRREO DA ESPLANADA 149


150


INTEGRAÇÃO PAISAGEM E ARQUITETURA 151


152


TÉRREO: ESPELHO D’ÁGUA 153




BIBLIOGRAFIA ABBUD, Benedito. Criando Paisagens: Guia de trabalho em Arquitetura paisagística. Editora Senac, São Paulo-SP. 2010 BITENCOURT, Ana Carolina et al. Cidades-espaços urbanos (?): a esfera de vida pública diante de novas territorialidades urbanas, estudo de caso no município de Valinhos-SP. 2008. CARERI, Francesco et al. Walkscapes: o andar como prática estética. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. CARERI, Caminhar e parar. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini .São Paulo: Gustavo Gili , 2017 DE FREITAS BROGLIO, Elisa; DA SILVA, Jonathas Magalhães Pereira. Localização de Investimentos Públicos em áreas urbanas: Uma investigação sobre a realidade dos municípios de Valinhos Vinhedo, Itatiba, Indaiatuba e Monte Mor. GUTMANN, Carolina Sumaquero; SCHICCHI, Maria Cristina. O valor patrimonial dos espaços públicos no centro da cidade de Valinhos (SP). Dissertação para obtenção e título de Mestre em Urbanismo no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Pontifícia Católica de Campinas. Campinas, 2011. HISSA, Cássio E. Viana; NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Cidade-corpo. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, 2013. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Martins Fontes, 2000. JUNIOR, Francisco de Assis G. Paisagem e Sustentabilidade urbana: O papel dos loteamentos fechados e condomínios horizontais em Vinhedo-SP. 2015 MIGLIORANZA, Eliana; CUNHA, JMP da. Valinhos: um novo padrão de cidade-dormitório. Novas metrópoles paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas, Nepo/Unicamp, p. 539-560, 2006.


MIGLIORANZA, Eliana et al. Condominios fechados: localizações de pendularidade: um estudo de caso no municipio de Valinhos, SP. 2005. MOREIRA JÚNIOR, Orlando. As Cidades Pequenas Na Região Metropolitana de Campinas-Sp: dinâmica demográfica, papéis urbanos e (re) produção do espaço. 2014. NETTO, Vinicius M. A urbanidade como devir do urbano. EURE (Santiago), Santiago , v. 39, n. 118, p. 233-263, sept. 2013 . Disponível em < https://scielo.conicyt.cl/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0250-71612013000300010&lng=es&nrm=iso >. acesso em 19 nov.2018. Oliveira, Ana Rita de,Vale do Douro: entre uma imagem publicitada e as suas múltiplas realidades paisagísticas. Dissertação de mestrado integrado em Arquitetura. Universidade do Minho.Portugal, 2013 PALLASMAA, J. Essências. Tradução de Alexandre Salvaterra .São Paulo: Gustavo Gili , 2018 PALLASMAA, Juhani. Habitar. Editorial Gustavo Gili, 2016. RIBEIRO, Luísa Trevisan et al. Patrimônio ferroviário da cia. paulista: os casos de louveira, vinhedo e Valinhos. 2017. ROSSETTI, Carolina Pierrotti. Flávio de Carvalho: questões de arquitetura e urbanismo. 2007. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. ROLNIK, R. O lazer humaniza o espaço urbano. In: SESC SP. (Org.). Lazer numa sociedade globalizada.São Paulo: SESC São Paulo/World Leisure, 2000 SILVA, Veridiana Lima da et al. Mudanças na forma de ocupação do espaço urbano em Valinhos, SP: a expansão dos condominios fechados. 2008. SOUZA, Rodrigo Henrique Busnardo de et al. A Fazenda Capuava em Valinhos:


LISTA DE FIGURAS

PÁGINA

Todas as figuras, fotos, desenhos e imagens são da autora, com exceção: MAPAS PREFEITURA ADAPTADOS PELA AUTORA

41-43

PARQUE RIO MEDELIN https://www.archdaily.com.br/br/01-165814/primeiro-lugar-no-concurso-internacional-para-o-parque-do-rio-em-medellin

66

Imagens retiradas do texto : Flávio de Carvalho: questões de arquitetura e urbanismo de Carolina Pierroti, e montagem de composição das imagens feita pela autora.

89

SESC POMPEIA https://www.archdaily.com.br/br/01-153205/classicos-da-arquitetura-sescpompeia-slash-lina-bo-bardi TERRAÇO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO https://www.archdaily.com.br/br/792669/roberto-burle-marx-um-mestremuito-alem-do-paisagista-modernista/57a1fb85e58ece8a400000cb-roberto-burle-marx-a-master-of-much-more-than-just-modernist-landscape-photo SALK INSTITUTE https://www.archdaily.com.br/br/01-78716/classicos-da-arquitetura-salk-institute-louis-kahn?ad_source=search&ad_medium=search_result_all

94

95

95


CINCO SENTIDOS DE FLĂ VIO DE CARVALHO https://www.archdaily.com.br/br/913591/do-ladrilho-hidraulico-ao-aluminio-a-irreverencia-de-flavio-de-carvalho-no-brasil-moderno/5c9276dc284dd14c8200076c-do-ladrilho-hidraulico-ao-aluminio-a-irreverencia-de-flavio-de-carvalho-no-brasil-moderno-imagem

91

CASA E JARDIM https://br.pinterest.com/pin/120893571222772122/

103

FOTO ANTIGA CASA CAPUAVA https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35653/fazenda-capuava-valinhos-sao-paulo

103


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