Daojia #16

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A Sabedoria do Taoismo em suas mãos Conheça alguns livros publicados pelo Prof. Gilberto António Silva Os Caminhos do Taoismo Uma obra fundamental para se compreender o Taoismo de modo completo. O mais abrangente panorama da cultura taoista publicado no Brasil. Conheça a história, conceitos principais, Mestres do Tao, livros importantes, técnicas taoistas como Medicina Chinesa e Feng Shui, o lado religioso, o taoismo popular e muito mais. SUCESSO ABSOLUTO MAIS DE 86.000 DOWNLOADS EFETUADOS! Compre já sua edição impressa: https://amzn.to/2T32fF1

329 páginas

“... desejo a todos que leiam esse livro maravilhoso e importante, “Os Caminhos do Taoismo”. Isso é muito importante. Até agora eu vi muitos livros, mas esse livro realmente é muito bom, dá para ajudar muito as pessoas a terem o conhecimento para introdução ao Tao. Eu recomendo, é muito bom”. Mestre Liu Chih Ming (entrevista - Daojia#4)

I Ching - Manual do Usuário

O I Ching, O Livro das Mutações da velha China, é uma das obras mais antigas da Humanidade, com 3.000 anos. Esta obra visa a transmitir desde os conceitos mais fundamentais do I Ching até dicas de utilização para estudantes experientes. Todas as pessoas terão muito o que aprender deste livro, do básico ao avançado. Por ser um “Manual do Usuário”, esta obra não traz o texto do I Ching, propriamente dito, mas um conjunto de ferramentas para utilizá-lo com mais eficiência, desvendando pequenos e obscuros segredos. 268 páginas

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Reflexões Taoistas

Reflexões Taoistas trata do olhar taoista sobre a vida cotidiana, explicando conceitos dessa milenar filosofia ao mesmo tempo em que se aplicam esses conhecimentos ao mundo ao nosso redor. Uma obra simples e desapegada que exemplifica a aplicação da filosofia taoista em nosso dia a dia e ilustra vários de seus fundamentos.

88 páginas

China e sua Identidade

95 páginas

Este livro em formato de bolso traz um ensaio conciso e objetivo sobre a formação e desenvolvimento da identidade nacional chinesa desde seus primórdios e os obstáculos que enfrentou no século XX. Conheça o processo de formação da China como nação e quando seus habitantes passaram a se denominar “chineses”. A unificação do império, a expansão pela Ásia, a Rota da Seda, os contatos com o Ocidente, as tentativas de colonização por parte dos europeus, a queda do Império e o advento da República, a guerra civil e a consolidação do Comunismo, a tragédia da Revolução Cultural, a China atual. Compre já: https://amzn.to/35THmS7

Dominando o Feng Shui

292 páginas

176 páginas

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Como aprender o Feng Shui Tradicional Chinês em casa, de modo fácil e agradável. Diferente de outras obras, Dominando o Feng Shui é um curso completo em 24 aulas demonstradas de modo prático e em linguagem simples, recheado de exemplos e fartamente ilustrado com desenhos, plantas e esquemas. Toda a técnica é transmitida de modo gradual segundo um esquema didático planejado e capacita o leitor a dominar esta técnica e a aplicar imediatamente tudo o que aprendeu. O curso abrange toda a parte histórica e filosófica, os fundamentos, duas escolas tradicionais (“8 Residências” e “Escola da Forma”), técnicas avançadas e técnicas complementares Compre já: https://amzn.to/2T200SF

Guia de Autodefesa para Mulheres

Um livro simples e objetivo, que possibilita às mulheres de qualquer idade uma autodefesa eficiente. Diferente de outros métodos, aqui proporcionamos conhecimentos de autocontrole emocional, estratégia, postura, legislação, psicologia do agressor, armas, situações de risco, níveis de aplicação, onde buscar auxílio em caso de violência e várias técnicas marciais simples e eficientes, fáceis de serem treinadas em casa e empregadas em momentos de perigo. Feito com o apoio da Delegacia da Mulher, é o único que conta com conteúdo aprovado por essa instituição.

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Segredos da Comunicação Profissional

141 páginas

Depois de trabalhar em várias grandes clínicas de terapias holísticas e Medicina Chinesa em S. Paulo e presenciar muitos barbarismos, o autor se propôs a escrever um livro para ajudar os profissionais a se comunicar melhor. Comunicação é um processo. Este livro vai lhe mostrar como isto funciona e suas várias etapas, de modo simples e direto. Esta é a obra certa para alavancar seu negócio. Conheça a comunicação interna, externa, propaganda, comunicação digital na internet, vídeos e audiovisual, o que fazer, dicas e exemplos práticos. No campo profissional e empresarial, comunicarse de forma correta equivale simplesmente a sobreviver- sem comunicação adequada a empresa não funciona. Compre já: https://amzn.to/2WWS31Y

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EDITORIAL

Depois da Conclusão Finalizamos esse ano difícil em boa forma, pois ainda estamos aqui trabalhando pelo Tao. Foi uma série enorme de dificuldades que todos passamos devido à pandemia e às ações montadas para sua contenção, cujo dano não é menor que o próprio vírus. Mas a Humanidade já passou por problemas assim antes e conseguiu superá-los. E nós também iremos. O Taoismo é justamente a filosofia que pode nos permitir superar qualquer obstáculo em nossas vidas e esse é um dos objetivos de Daojia. O útlimo hexagrama do I Ching é Depois da Conclusão e mostra o caos reinante no fim de um ciclo logo antes do início de outro. Sinto que estamos nesse momento vivendo esse processo de mudança de ciclo, onde o caos reina e as peças se ajeitam para um novo jogo. Que venha 2021! Esta edição tinha a missão de ser simples para encerrar esse ano turbulento, e escolhi homenagear o Mestre Wu Jyh Cherng, cuja obra continua a inspirar e ensinar o caminho do Tao mesmo depois de quase duas décadas de seu falecimento. Esse era meu plano desde o primeiro número, quando homenageamos Mestre Pai Lin. Cherng e Pai Lin são a espinha dorsal do Taoismo no Brasil até hoje e não poderíamos deixar de levar aos nossos leitores sua história. Para benefício de todos e grande satisfação deste editor, contamos com a ajuda gentil e solícita da Sra. Lîla Schwair, esposa de Mestre Cherng, que nos cedeu várias fotos inéditas de seu acervo pessoal, incluindo uma foto histórica contendo os dois mestres mais Dr. Wu Chao e outras personalidades. Um tesouro que publicamos com o coração pleno de alegria. Nossos mais sinceros agradecimentos à Sra. Schwair por esse presente de Ano Novo. Nesta edição não contamos com vários colaboradores habituais por ser uma edição simples de encerramento do ano, como disse. No entanto devo ressaltar a estréia do prof. Tsai Shien Jong em nossas páginas, eminente aluno de Mestre Pai Lin e hoje continuador do ensino do Caminho para as novas gerações. Como presente especial temos nossas palavras cruzadas taoistas, uma novidade que deve ser bem interessante a todos os nossos leitores. Pesquise, tente resolver e na próxima edição traremos a solução. Depois da pestilência do Ano do Rato, em 12 de fevereiro entraremos no Ano do Boi, tradicionalmente um ano de paz e de muito trabalho. Na próxima edição traremos mais informações sobre o Boi de Metal. Leiam e compartilhem nossa publicação, enviando seu comentário ou sugestão para o email revista@taoismo.org. Queremos sua opinião. Boa leitura, saúde e longevidade!

Editor

Sumário 10 12 14 20 22 26 27 28

Sinais de Erro no Nosso Corpo Palavras Cruzadas Taoistas A Ciência da Impressão de Livros na China Antiga O Tao de Deus e o Tao do Homem WU JYH CHERNG - A Filosofia do Tao no Brasil Encontrando Cherng A Convergência do Tao Aspectos peculiares de diferentes estados de consciência 30 Diyu 地獄 - O Inferno do Taoismo, do Budismo e das religiões populares chinesas 34 A Alquimia de Wei Boyang


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Observação sobre nomenclatura Existe um problema que devemos enfrentar ao se estudar a cultura da China. Trata-se da maneira como se escrevem as palavras chinesas nos idiomas ocidentais. Em chinês, as idéias são expressas através de sinais gráficos denominados “ideogramas”. É praticamente impossível traduzir um ideograma por uma única palavra em idioma ocidental, qualquer que seja ele. Existe sempre uma idéia complexa por trás de cada desenho, que requer várias linhas de explicações. Para facilitar as interações entre as diversas culturas orientais e ocidentais criou-se a transliteração fonética, conhecida popularmente como “romanização”. Nesse sistema anota-se em alfabeto ocidental o SOM dos ideogramas, sua pronúncia, de modo que possamos articular as “idéias” e poder conversar e escrever nomes e endereços sem precisarmos recorrer aos ideogramas. Entretanto, existe uma série de sistemas de transliteração diferentes. Os principais, que estamos acostumados a ver em obras sobre cultura chinesa, são o Wade-Giles e o Pinyin. O primeiro foi muito utilizado em livros especialmente vindos da língua inglesa. O segundo foi desenvolvido pelo governo chinês na década de 1950 e hoje é a transliteração oficial.

Daojia nº 16 Out/Nov/Dez 2020 Editor Responsável: Gilberto Antônio Silva (Mtb 37814) Conselho Editorial: Mestre Liu Chih Ming Dr. Reginaldo Carvalho Silva Filho Mestre Gutembergue Livramento (in memorian) Mestre Miguel Martin (Espanha) Victor Yue (Cingapura) Contato: revista@taoismo.org

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Veja a diferença abaixo: Wade-Giles

Pinyin

Peking

Beijing

Tai Chi Chuan

Taijiquan

Chi

Qi

Lao-Tzu

Laozi

Chi Kung

Qigong

Tao Te Ching

Daodejing

Chuang-Tzu

Zhuangzi

Tao

Dao

I Ching

Yi Jing

Embora a maioria dos trabalhos ocidentais sobre cultura chinesa se baseiem na língua inglesa e muitos ainda utilizem o sistema Wade-Giles, optamos por colocar as expressões chinesas no sistema Pinyin, que afinal de contas é o oficial e cresce em utilização todos os dias. Assim, os termos chineses estarão sempre grafados em Pinyin, excetuando aqueles muito familiares aos brasileiros como Tao, I Ching, Tao Te Ching, Tai Chi Chuan, e alguns outros. Esta “licença poética” é utilizada mesmo em obras chinesas modernas.

A revista eletrônica Daojia é uma publicação independente e sem fins lucrativos produzida por estudiosos e praticantes da antiga filosofia do Taoismo chinês. Não possuímos nenhuma espécie de vínculo oficial ou filiação a nenhum grupo ou organização filosófica, religiosa, política ou de outro tipo. Nosso único desejo é a difusão do conhecimento taoista para maior benefício dos brasileiros. Todo material postado aqui tem como objetivos o estudo, reflexão, análise e debate, acadêmico ou cultural, estando portanto amparado pela lei 9610/98. Matérias assinadas são de total responsabilidade de seus autores e a eles pertencem todos os direitos autorais. Todo conteúdo sem assinatura é produzido pelo Prof. Gilberto Antônio Silva. Nos esforçamos para que todas as fotos e ilustrações utilizadas possuam autores identificados. Se algum material seu apareceu em nossa publicação de forma indevida, entre em contato. Aceitamos anúncios pagos para custeio das despesas com a publicação. Entre em contato para saber de valores e condições.


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Fundamentos Não se perca em nossos artigos! Consulte aqui os fundamentos básicos da filosofia taoista.

Formação fundamental Wuji (Vazio Primordial)

Taiji (Taichi)

Yang e Yin

Ba Gua do Céu Anterior (Xian Tian Ba Gua)

4 Formas (Si Xiang)

8 Trigramas (Ba Gua)

Trigramas do I Ching (Yi Jing) Ba Gua do Céu Posterior (Hou Tian Ba Gua)

Cinco Movimentos (Wu Xing) CICLO DE CRIAÇÃO ou GERAÇÃO (Sheng) Quando um movimento gera o outro. Os movimentos são interdependentes e se sucedem mutuamente o tempo todo, cada um dando condições dos demais existirem. Madeira gera Fogo Fogo gera Terra Terra gera Metal Metal gera Água Água gera Madeira

CICLO DE DOMÍNIO ou CONTROLE (Ke) Quando um elemento exerce controle sobre outro. Note que muitas vezes se fala em “Ciclo de Destruição”, o que não é correto. Energia não pode ser destruída, apenas transformada. O Ciclo de Controle apenas exerce uma moderação sobre o movimento que domina. Madeira domina Terra Terra domina Água Água domina Fogo Fogo domina Metal Metal domina Madeira


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Especialistas sugerem que filosofia oriental pode melhorar futuro da humanidade Estudiosos que participaram do 24° Congresso Mundial de Filosofia (2018) deram a entender que a sabedoria do oriente pode ser contrária às convicções antropocêntricas (que afirmam que o homem é a entidade mais significativa), e que os conceitos orientais de harmonia, comunidade e beleza são vitais na era da globalização em que o mundo se encontra. “Temos muito a aprender com a filosofia na China”, afirmou Dermot Moran, presidente da Federação Internacional das Sociedades Filosóficas. Ao afirmar sua esperança de que o congresso inspirasse os filósofos do oriente e do ocidente a olharem para os problemas mundiais com novas perspectivas e abordagens, Moran afirmou que a China “tem uma história impressionantemente longa de cultivo da sabedoria e deu uma contribuição duradoura para o patrimônio cultural”. O homem e a natureza Diversos filósofos que participaram do evento afirmaram que a visão oriental de homem no cosmos como parte integral do universo é algo que pode levar o mundo para um futuro melhor e com menos crises ecológicas. As linhas de pensamento clássicas do Confucionismo, Taoísmo e Budismo foram destacadas por esses pensadores que pedem para que elas sejam valorizadas e aplicadas em nossos conflituosos tempos. O professor Mogobe Ramose, da Universidade da África do Sul, comparou os conceitos de Ren, do Confucionismo, com o de Ubunto (“eu sou porque nós somos”) da filosofia africana, afirmando a importância dessas filosofias “de amor”, especialmente em tempos de polarização e distribuição injusta da riqueza. Graham Parkers, pesquisador da Universidade de Viena, afirmou que o antropocentrismo, que é derivado das filosofias ocidentais e considera os humanos como dominantes acima de tudo “pode ser a nossa destruição, pois prejudicamos há longo tempo a integridade dos ecossistemas naturais”. Parkers ainda pediu o abandono da visão antropocêntrica do ecossistema para que abracemos as virtudes do oriente que pregam a generosidade, a clemência e o altruísmo. “Realmente nosso predicamento ambiental no momento – aquecimento global, poluição do ar, terra, água, desmatamento, dizimação de peixes e populações da vida selvagem – vem em certo modo de uma relação profundamente disfuncional com as coisas ao nosso redor”, afirmou. Viver uma boa vida Paul Healy, pesquisador da Universidade de Tecnologia de Swinburne, na Austrália, afirmou que o diálogo entre o ocidente e o oriente pode render um entendimento ampliado sobre o que é viver

uma boa vida, e assim fornecer um forte incentivo para conhecer o que é ser humano em um mundo estreitamente interconectado e globalizado. “A ênfase oriental em ‘unidade Céu-homem’ pode fornecer um forte desafio para o individualismo que tipicamente caracteriza as concepções ocidentais de bem-estar e prosperidade humanos. A orientação cosmocêntrica da tradicional filosofia ocidental pode fornecer um contrapeso necessário para o antropocentrismo ocidental”, comentou Healy. Zhang Shiying, professor de filosofia da Universidade de Pequim, teve um ensaio apresentado que considera o universo como uma rede inteira onde todas as coisas são interconectadas e onde a moral de originará. “Viver moralmente é viver em uma unidade interconectada com todos os outros seres, e se livrar de buscas egocêntricas para encontrar a beleza”, disse Zhang. Fonte: Xinhua


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Fotógrafo descobre impressão digital com mais de 2 mil anos em Exército de Terracota Zhao Zhen já tirou fotos de 862 guerreiros de terracota da Dinastia Qin no Mausoléu de Qin Shihuang desde 1997. Em um desses trabalhos, o fotógrafo descobriu impressões digitais deixadas pelo artesão há cerca de 2.200 anos atrás. Ele estava registrando as esculturas quando viu marcas das mãos do artista no bigode e no lábio inferior de um guerreiro. A atividade exige que Zhao use roupas apertadas para evitar danificar qualquer obra, já que a distância entre as figuras varia entre 30 e 40 cm. Ele também para de comer uma hora antes de começar as fotos, para não se distrair rapidamente. O “guardião do mausoléu”, como Zhao se intitula, diz que demora cerca de uma hora para registrar cada guerreiro por diferentes ângulos. Ele agacha, deita no chão e anda ao redor da figura para ter certeza de que captou todos os detalhes. Para o fotógrafo, é como se as figuras estivessem vivas. Especialmente no final de dezembro, quando a luz do Sol as deixa coloridas. Nessa época do ano, ele fica no fosso e espera pelo momento mágico entre 14h e o pôr do sol. (18/12/2020)

Fonte original: http://www.chinahoje.net/fotografo-descobre-impressao-digital-com -mais-de-2-mil-anos-em-exercito-de-terracota

XXIIº Encontro Anual Gestos de Harmonização Energética - TAI CHI PAI LIN na Bahia Realizou-se em 6 de dezembro último em Salvador o encontro anual GESTOS DE HARMONIZAÇÃO ENERGÉTICA, do Grupo Tai Chi Pai Lin da Bahia. Este ano foi sua 22ª edição, algo que demonstra o interesse crescente das pessoas por propostas integrativas e revitalizantes a exemplo do Tai Chi Pai Lin. Segundo o organizador, Ernani Franklin, os benefícios colhidos com os treinamentos do Tai Chi Pai Lin são de um valor inestimável, um verdadeiro tesouro, como dizia o Mestre Liu Pai Lin e como inúmeros praticantes puderam confirmar por experiência. Somente no envolvimento regular com os ensinamentos e treinamentos é que temos resultados preventivos e duradouros. Falar sobre o Tai Chi é insuficiente, vivenciar o Tai Chi é indescritível. Temas: - Introdução à Arte do Amor Terapêutico - O Cultivo Taoista Individual e Conjugal - Alquimia Interior - Nei Dan - A Energia Vital na Saúde Feminina e Masculina - A Energia Ovariana - O Melhor Cosmético "ENSINAMENTOS QUE VALEM MAIS QUE 10.000 BARRAS DE OURO" Mestre Liu Pai Lin


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Tai Chi chinês é incluído na lista de patrimônio cultural imaterial da UNESCO O Tai Chi Chuan chinês, uma arte marcial centenária e agora uma popular modalidade de exercício, foi inscrito na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na noite de quinta-feira (dia 17, horário de Beijing). A inclusão do Tai Chi marca que atualmente a China tem 42 itens de patrimônio cultural imaterial na lista, ocupando o primeiro lugar no mundo, segundo o Ministério da Cultura e Turismo da China. Outra participação honrosa é a " Cerimônia Wangchuan e práticas relacionadas para manter a conexão sustentável entre o homem e o oceano", que foi nomeada pela China juntamente com a Malásia. Cinquenta candidatos ao patrimônio cultural intangível, de 57 países, foram submetidos à revisão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO na 15ª sessão do comitê, que se realizou online.

Fonte: Xinhua (18/12/2020)


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Livros Lançamento

Trilhando o Caminho. Palestras de Wu Jyh Cherng - Wu Jyh Cherng (Autor), Lîla Schwair (Editor)

Trilhar o caminho da vida nem sempre é fácil. Sempre haverá obstáculos a superar, momentos em que nos sentimos perdidos, ou incertezas sobre onde o caminho vai dar. No Daoismo (Taoismo), trilhar o caminho em si já é o próprio objetivo do nosso desenvolvimento espiritual. Não é preciso alcançar nada. É preciso somente estar consciente de um passo de cada vez, e sentir que, pelo menos nesse exato momento, está tudo bem. É nesse sentido de trazer paz e contentamento para as pessoas que o Mestre Cherng oferecia semanalmente ao público sessões de meditação e palestras sobre o Daoismo. Os textos deste livro são baseados nas transcrições dessas palestras. Que a leitura deste livro lhe traga paz, clareza e proteção na sua jornada. (Lîla Schwair coordenadora das edições das obras de Wu Jyh Cherng). Compre agora: https://amzn.to/3n95M0X

Páginas: 140 |

ISBN: 978-6587631325 | Editora: Mauad

Prática da Medicina Tradicional Chinesa - Xie Zhufan

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O professor Xie Zhufan é um especialista pioneiro na área da integração entre as medicinas chinesa e ocidental. Ao observar as diferenças culturais entre o Oriente e o Ocidente, escreveu A Prática da Medicina Tradicional Chinesa para satisfazer as necessidades dos médicos ocidentais que não tinham conhecimento da língua chinesa mas desejavam estudar a medicina chinesa. O livro apresenta uma leitura fácil e explica os conceitos profundos em termos simples. Abordam as teorias básicas e as principais avaliações terapêuticas, por exemplo, a medicina fitoterápica e a acupuntura. As patologias abordadas consistem principalmente naquelas em que o tratamento ocidental não é eficaz ou tem sérios efeitos colaterais, enquanto que através da medicina chinesa pode-se obter bons resultados. Os métodos terapêuticos foram cuidadosamente selecionados; eles são práticos e fáceis de serem aplicados, indicando as características da medicina tradicional chinesa: simplicidade e eficácia. O livro não só inclui o conhecimento da medicina tradicional chinesa, mas também é fruto da própria experiência e compreensão do Professor Xie. Páginas: 600 | ISBN: 8527410168 | Editora: Ícone

Introdução à filosofia chinesa clássica - Bryan W. Van Norden

Esta é uma obra introdutória que oferece uma descrição precisa e sofisticada, embora acessível, aos iniciantes e novas compreensões e desafios àqueles com conhecimento mais especializado. Concentrando-se no período mais importante e mais acessível da filosofia chinesa, ela alcança um conjunto rico de opções filosóficas que competem entre si. Com admirável autoconsciência, apresenta também tentativas ousadas de relacionar essas opções às figuras filosóficas e aos movimentos do ocidente. Páginas: 336 |

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ISBN: 978-8532657671| Editora: Vozes


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Sinais de Erro no Nosso Corpo Por: Tsai Shien Jong

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curioso perceber, após anos na carreira de acupunturista, que a maioria das pessoas não percebe e desconhece as mensagens energéticas emitidas pelo nosso corpo como se ele estivesse dando “sinais de erro”.

Porém, infelizmente, o que ocorre na verdade é basicamente o contrário. Hoje a maioria das pessoas quando sente indisposição, normalmente toma remédios para amenizar os sintomas, ou faz cirurgias para “eliminar” determinado problema.

“ Vários sintomas manifestados num paciente como enxaqueca, cansaço, ansiedade, dores, cólica, etc , muitas vezes resumem-se apenas em desequilíbrio de Chi ( energia)”

Acredito que muitas pessoas já passaram por experiências semelhantes. Tomar remédios reduz temporariamente os sintomas, e as cirurgias geralmente resolvem um problema para às vezes gerar outro talvez ainda pior…

Tais sinais como dor de cabeça, sentir a boca amarga, fraqueza, palidez, manchas nas pernas, olheiras e muitos outros sintomas na verdade estão nos alertando, nos avisando, emitindo sinais de perigo antes que o corpo fique doente fisicamente. Este alerta é realizado através dessas “manifestações energéticas”, antes que os problemas de saúde cheguem ao estágio físico. Se pensarmos bem, com um pouco de bom senso, é maravilhoso e fantástico o que este corpo é capaz de fazer para nos prevenir dos problemas de saúde.

Por quê? Podemos falar sobre isso em duas partes. Primeiro, as pessoas normalmente agem de forma imediatista e, segundo, a medicina convencional adotada hoje normalmente trata os problemas de saúde já no estágio físico (males já constatados através de exames). Ou seja, os pacientes já estão no ciclo patológico, assim, dificultando a realização daquilo que chamamos de “medicina preventiva”. “O Chi ( energia) une o corpo e a alma: o bem estar físico está intimamente ligado com o bem estar emocional e vice-versa. Por isso, ao cuidar energeticamente um paciente através de acupuntura, além da melhora física, sempre há também melhora na parte emocional (ansiedade, tristeza, medo, etc)” O interessante da acupuntura é o tratamento feito na base de equilíbrio energético. A medicina tradicional chinesa considera o corpo humano como um todo. Por exemplo: um fortalecimento no baço poderia ajudar muito uma tosse que levou meses para melhorar; o desbloqueio no meridiano do intestino grosso e do baço pode ajudar a clarear manchas nas pernas; tonificar a energia de forma adequada poderia ajudar na cicatrização de pernas que demorou meses para cicatrizar. É muito importante que as pessoas tenham em mente que acupuntura é um tratamento baseado em equilíbrio energético, e ainda mais, é um processo natural: do jeito que o problema vem, ele vai embora da mesma forma.


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Por isso, normalmente aconselho aos pacientes que, após a melhora, façam aulas de Tai Chi , Meditação Taoísta e Chi Kung que são práticas que o próprio paciente pode fazer para melhorar ou restaurar sua energia através desse treinos energéticos taoistas milenares

Isso também tem outro significado importante que merece comentário: mesmo que o paciente melhore através do tratamento de acupuntura, ele precisa seguir as orientações e ter disciplina para evitar comportamentos que causem energias negativas, ou mesmo, organizar de forma mais equilibrada o seu trabalho para que não sofra com o que normalmente é chamado de stress. A pessoa pode, talvez em questão de dias ou semanas, perceber que todos aqueles sintomas negativos estão de volta novamente.

Por outro lado, nada cai do céu. É necessário a dedicação e a disciplina, fazendo treinos regularmente para que possamos realmente conquistar saúde e longevidade.

Podemos concluir então, que o tratamento de acupuntura é um processo energético, lembrando que ele não age como um remédio analgésico (de efeito temporário). Nesse processo é necessário o paciente entender por que os sintomas estão se manifestando ( pois o fator emocional pode causar males físicos). E é preciso ter cuidado monitorando os próprios comportamentos para não causar novamente estes bloqueios. Este é um dos fatores mais importantes que ameaçam a saúde.

[

Se você está querendo procurar a ajuda através de acupuntura, primeiro, precisa entender que o imediatismo é uma das causas principais do porquê se está doente. É este mesmo imediatismo que vai gerando ansiedade, nervosismo e etc, assim, causando problemas inicialmente nos meridianos e futuramente nos órgãos.

Professor Tsai Shien Jong, discípulo da décima segunda geração Long Men (Porta do Dragão) taoísta sucedeu ao Mestre Liu Pai Lin, fundou o CTCL ( Centro Taoísta de Cultivo da Longevidade) no ano de 1998 e desde então dedicou a sua vida profissional para a acupuntura e a divulgação sobre treino de energia tais como Tai Chi Chuan, Tui Shou, Chi Kung, meditação taoísta e etc., com o objetivo de poder melhorar a saúde das pessoas para que todos tenham a Longevidade. Isso foi justamente o significado destes dois ideogramas “Pai Lin”, que representam a vontade e o desejo do seu Mestre para este mundo.

https://bit.ly/3nXvird


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Palavras Cruzadas Taoistas • • • •

Para ampliar o conhecimento do Taoismo e suas práticas, resolva nossas palavras cruzadas! Use sempre os termos chineses em Pin Yin e quando a resposta for em português haverá uma indicação - (port.) Os termos não estão separados em "horizontais" e "verticais", como é comum, para facilitar ainda mais. Soluções na próxima edição. Mãos à obra!

1. Simplicidade, Humildade e Benevolência, dentro do Taoismo (port.) 2. “Romance dos ...” , um dos grandes épicos chineses (port.) 3. Sacerdote taoista chinês, introduziu no Brasil a Ordem Ortodoxa Unitária 4. Dinastia que aperfeiçoou e difundiu a impressão de livros 5. Tradicional técnica de Qigong, possui uma série didática publicada sequencialmente na revista Daojia 6. Diz-se da técnica taoista de obtenção da longevidade e da imortalidade (port.) 7. É chamado de “Lao Tan” por Zhuangzi em seu livro 8. Importante médico taoista da Dinastia Tang, é considerado o “Rei da Medicina Chinesa” 9. Trindade taoista, sua imagem fica acima de todas as outras no altar (port.) 10. Antiga capital da China 11. Técnica da Medicina Chinesa que usa a queima de ervas, geralmente Artemisia sinensis ou Artemísia vulgaris (port.) 12. Importante alquimista chinês, a ele é atribuída a formulação da pólvora 13. Jogo de tabuleiro tradicional, conhecido no Japão como “Go” 14. “Tumbas de ...”, importante sítio arqueológico que revelou antigas versões do Yi Jing e do Daodejing

15. Importante montanha sagrada taoista, local de retiro de Zhang Sanfeng, lendário criador do Taijiquan 16. Conceito fundamental do Taoismo, é normalmente traduzido como “sopro” 17. Pauzinhos usados para comer, chamados no Japão de “hashi” 18. Estilo marcial taoista baseado nos oito trigramas do Yi Jing 19. Filósofo taoista clássico, foi o primeiro a descrever a meditação 20. Campo de Elixir, conceito fundamental no Qigong 21. Uma das técnicas para se consultar o Yi Jing de modo oracular (port.) 22. Dois princípios existentes na técnica do Qin Na nas artes marciais chinesas (em port.) 23. Geralmente traduzido como “espírito”, habita o Coração 24. “Escola das Designações”, escola filosófica chinesa dentro das “100 Escolas de Filosofia” do Período dos Reinos Combatentes, também chamada de “sofistas chineses” 25. Principal filósofo chinês, sua obra marcou profundamente o pensamento e a sociedade chinesa 26. Antiga imigração de chineses em busca de melhores condições de vida, retratadas do ponto de vista espiritual na revista Daojia por Victor Yue 27. “Taoismo”, em chinês 28. Princípio fundamental do Qigong, sem o qual não se obtém uma prática correta (port.)


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Palavras Cruzadas Taoistas

(c) 2020 Daojia - Gilberto Antรณnio Silva


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A Ciência da Impressão de Livros na China Antiga Por: Gilberto António Silva

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impressão é uma das maiores realizações da humanidade. Através de seu processo o conhecimento atravessou barreiras geográficas e temporais atingindo a todas as pessoas por muitas e muitas gerações. A impressão de livros conseguiu não apenas difundir o conhecimento, mas consolidá-lo de uma maneira perene como nunca antes na história. Segundo a história oficial ocidental, essa criação fantástica se deve a um alemão: Johannes Guttemberg. Mas é fácil constatar que os chineses partiram na frente com larga vantagem. Quando se estabelece essa verdade, os defensores da autoria europeia procuram argumentar que os chineses usavam blocos de madeira, mais primitivos, enquanto os europeus utilizaram tipos móveis de metal. Outro engano. As placas de madeira eram utilizadas pelos chineses por conta das características de sua escrita, como será visto nesse texto. Mesmo assim desenvolveram tipos móveis, inclusive de metal, 500 anos antes dos europeus.

Livros de medicina ilustrados e impressos através de placas de madeira

A ideia básica da impressão vem dos selos chineses, um tipo de carimbo, usados desde a Dinastia Shang (1600-1046 a.C.). Um dos mais importantes requisitos da impressão é a gravação da mensagem na matriz ao contrário, espelhada, de modo que possa ser transferida corretamente na impressão final, algo encontrado nos selos chineses desde a antiguidade. Mesopotâmia, Egito e Europa também usavam selos, mas geralmente redondos e em elipses, com desenhos e gravuras e raramente com escrita.

constante evolução, levando conhecimento cada vez mais especializado e em maior quantidade a todos os cantos do Império do Meio. Um panorama muito diferente da visão europeia de uma China “atrasada”.

Havia também uma necessidade básica de divulgar conhecimentos. A escrita chinesa por ideogramas era complicada de copiar, demandava muito tempo e habilidade para ser realizada. A necessidade de permitir várias cópias requeria um processo mecânico. A impressão com blocos de madeira aparece por volta de 700 e os tipos móveis no século XI. Já no século XII apareceram as primeiras impressões em várias cores. E isso não para por aí.

A extraordinária história do papel na China

A capacidade produtiva dos impressores chineses e sua tecnologia seguem aumentando do século XI ao XIX, sempre em

Para entender essa odisseia precisamos de um marco inicial que nos guie. Por isso começaremos nossa jornada pela impressão ancestral chinesa pelo seu componente mais importante: o papel.

Para uma impressão, até em nossos dias, são necessários três materiais: a chapa de impressão, a tinta e o substrato a ser impresso. Esse último precisa ter boa estabilidade, maciez e capacidade de absorver a tinta, sendo o principal ingrediente de uma boa impressão, e o papel cumpre adequadamente todas essas características. Na verdade, a invenção do papel possivelmente foi o grande fator que alavancou a invenção da impressão na China antes de outros lugares.


Daojia nº 16 Antes de Cristo já havia registros e vestígios de papel antigo no Norte e Noroeste da China confeccionados basicamente com trapos de pano, mas eram difíceis de fazer em grande quantidade, sua textura era grossiera e seu uso era bem restrito. Isso mudou no início do século II de nossa era, dois ou três séculos depois dessas primeiras tentativas. A invenção do papel é atribuída a Cai Lun, em 105, que criou um papel com casca de amoreira, tiras de pano e outros materiais. Cai Lun sistematizou a técnica de fabricação e usou principalmente materiais vegetais, simplificando e barateando a produção. O papel, dessa forma, tornou os livros mais leves e baratos, o que valorizou e expandiu esse conhecimento a partir da invenção da impressão na China por volta do ano 700. Antes disso os livros eram feitos com ripas de bambu escritas e unidas com tiras de couro ou escritas diretamente em peças de seda. Apesar dessa antiguidade, o papel chegou à Europa apenas por volta do século IX, mas ainda assim seu uso foi banido de documentos oficiais por ser considerado muito frágil (TSIEN, 1985, p.3). A grande difusão do papel na Europa se deu apenas na segunda metade do século XV, com a chegada da impressão. Antes disso seu uso era restrito apenas a alguns manuscritos pessoais. Já na China sua popularidade foi instantânea, tendo os mais diversos usos embora se destacasse a de meio para escrita, adotado pelo governo imperial já no início do século II.

Oficina de papel O papel foi citado em trabalhos históricos como o Hou Han Shu, história padrão da Dinastia Han escrita a partir de fontes mais antigas, e o Dongguan Hanji, uma obra de história da Dinastia Han tardia, alternativa à versão oficial, por volta de 120. A estabilidade política e a força econômica da Dinastia Tang (618-907) impulsionaram a fabricação e o uso do papel em larga escala O governo imperial selecionava os melhores tipos de papel para seus documentos e exigia a sua manufatura em algumas províncias, que deveriam enviar lotes de papeis ao centro do império periodicamente para uso oficial. A Biblioteca Imperial tinha livros com o melhor papel existente, especialmente fabricado em Sichuan, enquanto muitos oficias eram treinados no uso e preservação de documentos em papel e designados aos estabelecimentos governamentais para cuidar desse acervo. Várias fábricas de papel foram estabelecidas ao longo do Rio Yangzi,

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com mais de noventa delas operando em áreas das atuais províncias de Jiangsu, Zhejiang, Anhui, Chiangsi, Hunan, and Sichuan (TSIEN, 1985, P.44) O ingrediente preferido na produção de papel na Dinastia Tang era a fibra de rattan (Calmus rotang), uma espécie de palmeira cuja fibra é muito utilizada na Ásia. Era descrito como suave, durável, com textura fina e diferentes cores. Os códigos administrativos especificavam que o papel branco fosse usado para decretos, requisições e punições; o azul para mensagens sacrificiais no Templo Taoista Dai Jing Gong, e amarelo para ordens e instruções imperiais. Isso mudou na Dinastia Song (960-1279), quando os estoques de rattan se exauriram e o bambu, de vários tipos, passou a ser usado na produção do papel. Os Song passaram a diversificar ainda mais o uso do papel, principalmente devido aos notáveis avanços tecnológicos e culturais daquela dinastia (ver artigo “Medicina Chinesa na Dinastia Song, edição nº 12 desta revista). Papeis eram usados para uma grande variedade de produtos, incluindo papeis de parede, leques e alguns tipos de roupas. Muitas fábricas próprias do governo foram criadas para suprir a demanda por papel-moeda e certificados de crédito, atividades financeiras que tiveram grande incremento nessa dinastia. Apenas para pepel-moeda foram criadas diversas fábricas exclusivas, como a de Hangzhou que empregava mais de mil trabalhadores por dia em 1175. O uso do papel-moeda era uma constante entre os Song desde o início da dinastia. Os comerciantes e agricultores estocavam seus produtos em um Papel-moeda armazém do governo que emitia uma nota referente ao valor da mercadoria, que poderia ser usada como dinheiro em transações. As pessoas também eram orientadas a depositar seu dinheiro de metal em depósitos autorizados, que emitiam papel correspondente ao valor para ser usado no comércio. Logo esses depósitos passaram a ser feitos diretamente com o governo, que emitia o papel-moeda correspondente. O advento da impressão fez ampliar em muito a necessidade de papel. A Academia Nacional passou a publicar livros em larga escala, assim como outros publicadores menores particulares e oficinas familiares. Muitas oficinas pequenas além de imprimir ainda produziam seu próprio papel para baratear as publicações e fazer frente à enorme demanda. Mesmo com o advento da dominação mongol, a indústria do papel e da impressão continuou forte durante toda a Dinastia Yuan (1206-1368). E ainda mais: o império mongol, um dos maiores da história, difundiu o uso do papel por toda a Ásia até chegar à Europa.


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Daojia nº 16 Derrubados os mongóis e restaurado o império chinês, a Dinastia Ming (1368-1644) ampliou a necessidade de papel ainda mais. As províncias tinham que fornecer 1,2 milhão de folhas de papel em tamanho standard a cada 10 anos apenas para uso oficial. Certificados de qualidade de chá e seda eram emitidos regularmente, bem como papel-moeda, legislação e controles governamentais. A Dinastia Qing (1616-1911) trouxe outra fase de dominação do povo chinês, dessa vez nas mãos dos Manchus. A primeira metade do período desta dinastia foi de grandes avanços, mas o final da dinastia foi marcado por várias revoltas de chineses contra os invasores manchus e, posteriormente, contra os ocidentais que começaram a surgir sempre em maior número a partir do início do século XIX. Na segunda metade do século XIX a produção artesanal de papel na China sofreu um forte impacto do papel produzido industrialmente no Ocidente, mais barato, ocasionando a quebra dos produtores tradicionais. No começo do século XX, entre 80 e 90% das produtoras de papel chinesas fecharam.

Avanços da tecnologia de impressão

A ideia de multiplicar mensagens e documentos é algo que remete às origens da escrita. Muitos documentos antigos da China traziam o ideograma èr (二), que representa “dois” ou “duplo”, e fù (副), que representa “segundo” ou “duplicado”, o que mostra a necessidade de cópias de documentos. O ideograma èr aparece mesmo em inscrições em pedra que remontam entre os séculos VIII e IV a.C. (TSIEN, 1985, p.134). Embora não existam reminiscências de material impresso, existem evidências de que a impressão pode ser anterior a esse período, a partir do uso de inscrições em pedra que originaram os “selos” chineses, usados posteriormente para autenticar e assinar documentos. Esses carimbos sempre tiveram muita apreciação na cultura chinesa e foram usados para tarefas das mais diversas, de procedimentos religiosos a documentos oficiais. A maneira como se usa o carimbo chinês é exatamente o mesmo que o método de impressão. A impressão de livros, propriamente ditos, iniciou-se na Dinastia Tang (618-907), conhecida como a Era de Ouro da China antiga. O pesquisador Tsien Tsuen-Hsuin afirma que o primeiro livro completamente impresso conhecido é o Sutra do Diamante, texto budista, editado em 868: “... este livro [está] em forma de rolo. No final do rolo um colofão diz: ‘no décimo quinto dia da quarta lua do nono ano de Hsien-Thung (868), Wang Chieh reverentemente fez isso para as bênçãos de seus pais, para a distribuição universal’. Esta é a mais antiga impressão claramente datada em formato de livro completo existente hoje”. (TSIEN, 1985, p. 151) A introdução do Budismo na China a partir do século II trouxe posteriormente uma grande pressão na edição de livros, pois seu ensino e prática é baseado em textos (sutras), que devem ser distribuídos a todos os templos e lido e estudado pelos praticantes de forma contínua. Isso gerou uma necessidade colossal de impressão. No início do século X, durante o período das Cinco Dinastias (907-960), a impressão havia se espalhado por toda a China e os assuntos publicados se ampliavam cada vez mais, incluindo

Out/Nov/Dez 2020 o cânone taoísta e clássicos confucionistas, antologias literárias, críticas históricas e obras enciclopédicas, além de sutras Budistas e calendários. As tiragens chegavam à casa de dezenas de milhares de exemplares. O primeiro livro taoista a ser impresso foi um estudo do monge taoista Du Guang Ding do comentário de Xuanzong, sétimo imperador da Dinastia Tang, sobre Laozi e o Daodejing. Foi impresso de modo privado pelo autor utilizando 460 blocos de impressão em 913. Mas a mais importante impressão desse período foi a publicação completa dos clássicos de Confúcio, de modo a padronizar os textos, que eram largamente utilizados na educação formal e nos exames imperiais. O advento da impressão havia multiplicado as versões da obra, dificultando seu estudo. O primeiro-ministro Feng Tao levou a tarefa a sério e colocou os principais pesquisadores chineses para selecionar textos baseados na versão da Dinastia Tang (que já havia tentado essa padronização), que incluiu onze clássicos oficiais e dois trabalhos suplementares; buscou exímios calígrafos para que as letras saíssem claras e esteticamente agradáveis e, por fim, peritos gravadores para confeccionar as placas de impressão. O trabalho levou 22 anos para ser completado e foi impresso em 953 em um total de 130 volumes. Foi a primeira vez que os clássicos de Confúcio foram impressos de forma integral e marcou o início da impressão e venda oficial de livros pelo império. Na Dinastia Song (960-1279), a impressão finalmente se revela uma atividade totalmente desenvolvida e fundamental à existência da cultura chinesa. Seguindo a força motriz de inovações desta dinastia, as técnicas de impressão foram aperfeiçoadas e novos equipamentos produzidos. A impressão ultrapassou as fronteiras chinesas, expandindo-se para o Ocidente e se tornando um modelo de tecnologia a ser seguido. Foi o auge do desenvolvimento da impressão antiga na China. Poucas placas de madeira originais restaram, mas os livros impressos ainda existem em abundância, bem como as referências à impressão e seu uso oficial: “No livro, ‘Zi Zhi Tong Jian’, Vol. 204, ‘Tang Ji’, Vol. 20, o autor, o Sr. Si Maguang (1019–1086 d.C.), na dinastia Song, gravou uma história do Imperador Wu Zetian [que] enviou um papel impresso para o Sr. Wang Qingzhi em outubro do segundo ano do Imperador Tian Shou (691 d.C.)”. (LI, 2010, p.37) Logo em seu início os budistas resolveram tentar uma empreitada épica — a impressão completa do Tripitaka, a coletânea mais antiga de textos do budismo Theravada. Escrito no idioma páli (onde tri significa “três” e pitaka, “cesto”), era dividido em três partes: o Vinaya (regras de conduta), o Sutta (discursos de Buda), e o Abhidhamma (filosofia). Durante essa dinastia nada menos que seis diferentes edições do Tripitaka foram impressas. O governo logo reeditou os clássicos confucionistas, sendo seguido pelos taoistas que começaram a impressão do volumoso Cânone Taoista, a reunião de todos os principais textos do Taoismo. Todas as áreas do conhecimento, seja técnico, histórico, médico ou literário, tiveram sua cota de publicações elaboradas não apenas pela imprensa oficial Song mas por escritórios imperiais regionais, escolas, mosteiros, famílias privadas e livrarias.


Daojia nº 16 Impressão por placas de madeira

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Ao lado: o papel com o texto escrito em tinta ainda fresca é pressionado contra a madeira e depois gravado em alto relevo. Para imprimir, passa-se tinta na gravação e pressiona-se uma folha de papel em branco Acima: placa de gravação e papel por ela impressa Na medicina se destacam as edições do Kaibao Xin Xiangding Bencao (Materia Medica do Reino Kaibao) (973 e 1044), do Tongren Yuxue Zhenjiu Tujing (Cânone Ilustrado de Acu-moxa) (1026), do Zhu Bing Yuan Hou Lun (Tratado Geral das Causas e Manifestações de Todas as Doenças) (1027), dos estudos de pulso de Mo Jing (1068) e muitos outros. Além das edições normais, algumas obras foram impressas também em caracteres pequenos, para serem vendidos em escritórios imperiais locais por valor suficiente apenas para cobrir os custos do papel, tinta e mão-de-obra. Foram os primeiros livros populares de bolso. Além de impressões oficiais produzidas pelo governo imperial, abundavam oficinas e editoras privadas, que eram passadas de geração em geração dentro da mesma família, e numerosas livrarias que floresceram na capital dos Song. Depois de todos esses avanços, até se poderia esperar alguma estabilização durante os períodos dinásticos posteriores, mas o que ocorreu foi o oposto disso. O crescimento continuou forte, mesmo diante da dominação mongol que resultou na Dinastia Yuan (1206-1368), que não apenas manteve a tradição de imprensa como ainda expandiu seu trabalho, criando vários departamentos dedicados à tarefa de imprimir livros. Apenas o Bureau de Publicações empregava 106 profissionais em 1273, incluindo 40 gravadores em madeira, 39 trabalhadores gerais e seis impressores. Pingyang e Ji’an eram os principais centros comerciais impressores, sendo que apenas em Ji’an havia 48 empresas publicando obras. Muitas dessas editoras eram especializadas em um determinado assunto, aumentando a qualidade dos livros. Sob os Ming (1368-1644) os assuntos se diversificaram ainda mais, cobrindo música, artes, romances populares e os primeiros tratados científicos, filosóficos e religiosos ocidentais levados pelas mãos dos jesuítas. A impressão teve grandes aperfeiçoamentos como a expansão do uso dos tipos móveis de metal, aperfeiçoamento da impressão em várias cores (até cinco cores), melhorias nas ilustrações. No século XV as viagens de Zheng He e outros aventureiros geraram mais livros sobre geografia e viagens, além daqueles dedicados às técnicas de construção náutica e navegação. A Dinastia Qing (1616-1911) teve sua primeira metade florescente, mas a partir do final do século XVIII começou o declínio do império

e o consequente declínio da impressão, que perdeu qualidade e quantidade, sendo superada pelas técnicas mecânicas ocidentais. Mesmo assim, estima-se que tenha havido 250.000 títulos publicados em toda a história da impressão na China, com pelo menos metade desse número tendo vindo à luz durante a Dinastia Qing. (TSIEN, 1985, p.190).

A saga dos tipos móveis

Apesar de usarem preferencialmente as placas de madeira para impressão, Bi Sheng (990–1051) desenvolveu os tipos móveis para impressão por volta de 1040, na Dinastia Song. Eram feitos de madeira ou cerâmica, originalmente, e não inspiraram muito os impressores pela dificuldade de utilização dentro de uma escrita ideográfica. Em 1298, Wang Zhen, Oficial Governamental durante a Dinastia Yuan, aperfeiçoou o método, descrevendo-o em seu livro “Um Método de Fazer Tipos Móveis para Imprimir Livros”. Pouco tempo depois outra inovação apareceu: os tipos de madeira eram pressionados na areia formando um molde onde era vertido metal quente (cobre, bronze, ferro ou outro). Os tipos em metal passaram a ser muito utilizados a partir do século XV, embora a placa de madeira ainda fosse o padrão. Mas a impressão com blocos de madeira tinha várias vantagens: as placas eram mais rápidas de serem gravadas do que montar uma página com milhares de ideogramas; as placas podiam ser armazenadas e usadas posteriormente em uma nova edição, com pequenos reparos, enquanto as páginas usando os tipos móveis teriam que ser inteiramente compostas novamente, pois são desmanchadas ao término da impressão. Uma placa de impressão de madeira era mais rígida, os caracteres ficavam alinhados de modo permanente, tornando a aparência da impressão bem melhor do que com os tipos móveis. E muitas vezes o texto era gravado a partir de uma cópia escrita pelo próprio autor, eliminando os erros de impressão. Era muito difícil montar uma página em chinês com tipos móveis. Um jogo de tipos móveis de metal chineses podia ir de 200.000 a 400.000 tipos. Lembrando que eram usados dois conjuntos, um com caracteres grandes para o texto principal e outro pequeno,

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Impressão por tipos móveis

Acima: Mesas redondas de tipografia cheias com milhares de ideogramas em tipos móveis. Ao lado: a seleção e a montagem de cada ideograma, um por um, para compor o texto a ser impresso.

para comentários ou outra observação. Alguns impressores usavam três conjuntos de tipos. O Imperador ordenou a confecção de um jogo com 253.000 tipos móveis em madeira em 1733, tarefa que levou um ano para ser completada. Quando se queria imprimir uma página, cada ideograma tinha que ser encontrado em bandejas e colocado na posição exata para montar o texto, demandando muito tempo e trabalho. Tipos de metal eram indicados normalmente apenas no caso de grandes, enormes, tiragens. Mesmo com o crescente uso dos tipos móveis durante a Dinastia Qing, a impressão por placas de madeira ainda era a tônica nos grupos chineses, deixando os ocidentais mais à vontade com os tipos móveis. A necessidade de impressão de material para uso dos missionários, como bíblias bilíngues, fez com que os europeus se dedicassem a produzir jogos de tipos em chinês. Um certo Sr. Tong criou duas fontes contendo mais de 150.000 tipos em Guangzhong, em 1850. A aurora do século XX, por fim, apontou a extinção final da impressão em blocos de madeira e a utilização de novas tecnologias tipográficas como o linotipo nas publicações e jornais da moderna China.

da Coreia, era um grande erudito e estudioso que amava o conhecimento. Ele queria expandir a educação no país, para que a população tivesse acesso a esse conhecimento, mas achava que o uso de ideogramas chineses era um entrave pela sua grande complexidade. Em 1446 ele promulgou o Han-gul, o novo alfabeto coreano. Ao invés de ideogramas, Sejong desenvolveu 28 letras que representavam fonemas, das quais 24 são ainda utilizadas no coreano moderno de nossos dias, sendo 14 consoantes e 10 vogais. Por sua natureza fonética, a curva de aprendizado da escrita se torna muito mais rápida, estando ao alcance de todos. Isso simplificou também a impressão.

A saga dos tipos móveis na Coreia

Para ilustrar os problemas chineses com relação aos tipos móveis, vamos ver como os coreanos passaram a utilizar esse sistema. O povo coreano tinha sua própria língua mas usava os ideogramas chineses para escrever, assim como fizeram os japoneses, vietnamitas e vários povos do Extremo Oriente. A Coreia teve uma história de intensas disputas internas, terminando na unificação e formação do reino de Goryeo em 935 (daí vem o nome “coreia”). Mas eles também sofreram a invasão mongol durante o período da Dinastia Yuan chinesa. Depois da queda dos mongóis, o país sofreu com turbulências políticas até se estabilizar sob o regime Joseon em 1388, iniciando posteriormente a Dinastia Choson (1392-1910). No século XV o Rei Sejong, um dos maiores líderes

Han-gul coreano


A história da impressão na Coreia se parece com a chinesa, começando por gravações em pedra, depois seguida pela impressão com blocos de madeira a partir do século VIII e alguma utilização de tipos móveis a partir do século XII. Mas sempre a partir da escrita ideográfica chinesa. Após 1446 os coreanos passaram a utilizar livremente os tipos móveis de metal chineses, fazendo uso do novo alfabeto fonético. A partir daí, toda a impressão de livros coreanos se deu a partir dessa tecnologia, em larga escala. Com apenas 28 letras, era muito mais fácil e rápido compor páginas com tipos móveis.

Conclusão

Como vimos, a indústria impressora chinesa era antiga, pujante e avançada. Uma visão muito diferente da ideia convencional de uma China feudal e atrasada. Percebemos uma cultura rica desenvolvendo e trocando informações como nunca antes na história de nossa espécie. Mesmo assim ainda vemos informações errôneas sobre os “monges chineses” que eram os impressores na Dinastia Tang e que esse processo “levaria alguns séculos para ser amplamente adotado através da China” (MCFADDEN, 2018). Esse tipo de posicionamento revela algo que todos que estudam a cultura chinesa conhecem bem: a falta de pesquisas mínimas sobre essa cultura no Ocidente e a abundância de palpites errôneos e fantasiosos. Apesar das incontáveis obras sérias escritas e publicadas, o Ocidente ainda resiste a abandonar a ideia de que a cultura e filosofia orientais são fruto apenas de religiões e que tudo era feito por monges e sacerdotes movidos por dogmas religiosos, como se a China antiga fosse uma projeção da Idade Média europeia. A versatilidade da impressão por blocos de madeira aliada à perícia e meticulosidade chinesas e seu amor pelo saber fizeram da impressão um grande negócio e a mola propulsora de toda uma cultura, com certeza a primeira cultura da história a se apoiar na tecnologia de impressão para divulgação e perenidade de seu conhecimento.

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Juntando-se a isso as inúmeras utilizações do papel (inclusive como papel higiênico, invenção chinesa), temos que nos render à imaginação e técnica desse povo que se manteve na vanguarda tecnológica do mundo por dois milênios e influenciou sobremaneira a nossa vida moderna.

Referências

TSIEN, Tsuen-Hsuin. Paper and printing. In: NEEDHAM, Joseph. Science and Civilisation in China, volume 5, Chemistry and Chemical Technology Part 1. Cambridge: Cambridge university press, 1985. Han-gul – The Korean Alphabet. In: Korean Heritage Series. Coreia: Overseas Information Service, 1995. Printing Heritage. In: Korean Heritage Series. Coreia: Overseas Information Service, 1995. FENG, Lingyu, SHI, Wiemin. A Cultura Chinesa. Lisboa: A.R.E.D., 2007. LAI, Po Kan. Chinos. Pueblos del Passado. Barcelona: Editorial Molino, 1981. LI, Zhizhong. On the Invention of Wood Blocks for Printing in China. In. ALLEN, S.M., LIN, Z., CHENG, X., BOS, Jan (Ed.). The History and Cultural Heritage of Chinese Calligraphy, Printing and Library Work. Berlin: IFLA Publications, 2010 MCFADDEN, Christopher. The Invention and History of the Printing Press. Disponível em: https://interestingengineering.com/the-invention

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Gilberto António Silva é Terapeuta, Jornalista e Bacharel em Ciências e Humanidades com ênfase em Filosofia pela Universidade Federal do ABC. Como Taoista, atua amplamente na pesquisa e divulgação desta extraordinária filosofia. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura oriental e Taoismo, incluindo “Os Caminhos do Taoismo”, Atual Coordenador Editorial da Revista Brasileira de Medicina Chinesa e Editor Responsável da revista Daojia. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br


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O Tao de Deus e o Tao do Homem Por: Lin Yutang

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obra de Zhuangzi [Chuang-Tsé] é uma das fundamentais para se compreender o Taoismo. Esse texto interessante foi traduzido e organizado pelo grande pensador chinês do século XX, Lin Yutang, que já apareceu outras vezes em nossas páginas. O material foi retirado de sua obra “A Importância de Compreender”, editado pela Globo em 1962. Foi mantida a integridade do texto original, incluindo a grafia própria dos nomes e expressões em chinês, com exceção de “tau” que foi atualizada para “tao”. (Nota do Editor)

Do LIVRO DE CHUANGTSE Chuangtse aprox. 335-aprox. 275 a. C. Chuangtse foi, depois de Laotse, o grande expoente do taoismo. Se¬lecionei aqui suas discussões referentes ao Tao de Deus e ao Tao do homem, distinguindo entre o ideal e o prático, o nível religioso e o nível das coisas humanas. Aqui melhor se resume a concepção taoista, de um modo prático. Excetuado o último excerto, todo o mais vem do capítulo de suas obras reunidas intitulado "O Grande Supremo", o de maior sentimento religioso entre os escritos de Chuangtse. Que é profundamente religioso torna-se evidente por si mesmo. Pois a religião é, essencialmente, reverência pela vida. (Ver também o espírito do autor, nas seleções 11, 12, 75 e 78).

Perder-se no Tao

Os VERDADEIROS HOMENS de outrora não sabiam o que era amar a vida e odiar a morte. Não se regozijavam com o nascimento nem lutavam por erradicar a dissolução. Despreocupados vinham e despreocupados partiam. Isso era tudo. Não esqueciam de onde haviam provindo nem procuravam inquirir para onde retornariam. Alegremente aceitavam a vida, esperando com paciência a sua restauração (o fim). Isto é o que se chama não desviar o coração do Tao e não suplementar o natural por meios humanos. Quem assim é pode ser chamado um verdadeiro homem. Tais homens são de espírito livre e aparência calma, com frontes amplas. Às vezes desconsoladas como o outono, e às vezes cálidas como a primavera, suas alegrias e tristezas estão em contato direto com as quatro estações, em harmonia com toda a criação, e disso ninguém conhece o limite...

O que lhes importava era o UM e o que não lhes importava era também o UM. O que consideravam como UM era UM, e o que não consideravam como UM era igualmente UM. No que era UM, eram de Deus; no que não era UM, eram do homem. E assim nenhum conflito se verificava entre o humano e o divino. Isso era ser verdadeiro homem. Vida e morte são parte do destino. Sua sequência, como o dia e a noite, pertence a Deus, fora da interferência do homem. Tudo isto está na natureza inevitável das coisas. O homem simplesmente olha Deus como seu pai; se o ama com o que nasce do corpo, não o amará então com o que é maior do que o corpo? O homem olha um governante de homens como alguém superior a ele próprio; se está disposto a sacrificar seu corpo (por seu governante), não o estará também para oferecer seu puro (espírito)? Quando o tanque seca e os peixes ficam sobre o chão seco, em vez de deixar que se umedeçam uns aos outros com sua umidade e dejeções, bem melhor seria deixar que se perdessem em seus lagos e rios nativos. E bem melhor do que louvar Yao e censurar Chieh seria esquecer os dois (o bem e o mal) e perder-se no Tao. O Grande (universo) dá-me esta forma, este trabalho de adulto, este descanso na velhice, este repouso na morte. E, por certo, o que é tão bondoso árbitro de minha vida será o melhor árbitro de minha morte. Um barco pode ser escondido numa enseada ou ficar oculto num pantanal, o que é, em geral, considerado seguro. Mas, à meia-noite, pode vir um homem forte e carregá-lo às costas. Os de obtuso entendimento não percebem que, enquanto escondermos coisas pe¬quenas em coisas maiores, haverá sempre risco de perdê-las. Mas, se confiarmos o que pertence ao universo a todo o universo, daí não haverá evasão. Pois esta é a grande lei das coisas. Termos sido moldados nesta forma humana já é, para nós, uma fonte de alegria. Que alegria bem maior, além de nossa concepção, não é a de saber que aquilo agora sob forma humana pode experi¬mentar incontáveis transições, tendo apenas o infinito a encarar à frente? Assim é que o sábio se regozija no que nunca pode ser perdido, mas sempre perdura. Pois, se rivalizarmos com os que podem aceitar graciosamente a idade avançada ou a vida curta e as vicissitudes dos acontecimentos, quanto mais não rivalizaremos com o que informa toda a criação e do que dependem todos os fenômenos mutáveis?... — "O Grande Supremo"


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Os Quatro Amigos

Quatro homens, Tsesze, Tseyu, Tseli e Tselai conversa¬vam juntos, dizendo: "Quem puder fazer do Não-ser a cabeça, da Vida a espinha dorsal e da Morte a cauda, e quem compreender que vida e morte e ser e não-ser são um só corpo, esse homem será admitido à nossa amizade." Os quatro olharam uns para os outros e sorriram, e, sendo completa a sua mútua compreensão, tornaram-se amigos em consequência.

— Ai de mim, porque Deus me dobrou desta maneira! — Desagrada-te isso? — perguntou Tsesze. Não. Por que iria desagradar-me?—replicou Tseyu. — Se meu braço esquerdo se transformasse num galo, eu poderia anunciar com ele a alvorada. Se meu braço direito se mudasse numa funda, eu poderia com ele abater uma ave e grelhá-la. Se minhas ancas virassem rodas e meu espírito se tornasse um cavalo, eu poderia viajar nele, e que necessidade teria de uma carruagem? Obtive a vida por ter chegado a minha vez e agora estou a despedir-me dela de acordo com o Tao. Contente com a vida das coisas no devido tempo e vivendo em concordância com o Tao, alegria e tristeza não me tocam. Isto, de conformidade com os antigos, é ser livre de servidão. Os que não se podem libertar da servidão, assim se acham porque presos pelas peias da existência material. Mas o homem sempre teve de ceder diante de Deus; por que, então, iria isso desagradar-me? Com o tempo, Tselai caiu doente e jazia ofegante, enquanto sua família, em torno, chorava. Tseli foi vê-lo e gritou à esposa e aos filhos do enfermo: "Ide-vos! Estais impedindo que ele se dissolva!" Depois, encostando-se à porta, disse: "Em verdade, Deus é grande! Não posso saber que fará Êle agora de ti, ou para onde te mandará. Pensas que te transformará num fígado de rato ou numa perna de inseto?". — O filho — respondeu Tselai — deve ir para onde quer que os pais lhe ordenem, a leste, a oeste, ao norte ou ao sul. O yin e o yang nada mais são do que os pais de uma pessoa. Se o yin e o yang mandam que eu morra depressa, e eu me demoro, minha é a culpa, e não deles. O Grande (universo) dá-me esta forma, este trabalho de adulto, este descanso na velhice, este repouso na morte. Por certo, o que é tão bondoso árbitro de minha vida será o melhor árbitro de minha morte. Imagina que o metal a ferver numa caldeira borbulhasse e dissesse: "Faze de mim uma Moyeh, (espada famosa)!" Creio que o mestre forjador rejeitaria esse metal como imprudente. E se eu, sim¬plesmente por haver sido moldado em forma humana, dissesse: "Quero ser apenas homem! Apenas homem!", creio que também o Criador haveria de rejeitar-me como imprudente. Se considero o universo como caldeira e o Criador como o Mestre Forjador, por que então me há de preocupar para onde serei mandado?

Então, mergulhou em pacífico sono e despertou muito mais vivo. — "O Grande Supremo"

Melhor na Terra, Ínfimo no Céu

— Mas se tal é o caso — disse Tsekung — que mundo (o corpóreo ou o espiritual) seguirias? — Sou condenado por Deus — replicou Confúcio. — No entanto, repartirei contigo (o que sei). — Posso indagar qual é teu método? — perguntou Tsekung. — Os peixes vivem sua vida plena na água. Os homens vivem sua vida plena no Tao — respondeu Confúcio. — Os que vivem sua vida plena na água prosperam nos tanques. Os que vivem sua vida plena no Tao alcançam a realização de sua natureza na inação. Eis por que se diz: "Os peixes se perdem (são felizes) na água; o homem se perde (é feliz) no Tao". — Posso indagar — disse Tsekung— a respeito (desses) estranhos? — (Esses) estranhos— tornou Confúcio — são estranhos aos olhos do homem, mas normais aos olhos de Deus. Por isso se diz que a menor coisa do céu será a melhor na terra e que o melhor na terra é ínfimo no céu. — "O Grande Supremo”

O Tao de Deus e o Tao do Homem

Ter um território é ter algo de grande. Quem tem algo de grande não deve considerar as coisas materiais como coisas ma¬teriais. Somente não se considerando as coisas materiais como coisas materiais é possível ser senhor das coisas. O princípio de encarar as coisas materiais como coisas não-reais não se limita ao simples governo do império. Quem assim faz pode vaguear à vontade entre os seis limites do espaço, ou viajar pelos Nove Continentes, livre e desembaraçado. Isto é ser o Um Único. O Um Único é o mais elevado entre os homens... Que é, então, o Tao? Há o Tao de Deus e há o Tao do homem. A honra por meio da inação vem do Tao de Deus; o emaranhamento por meio da ação vem do Tao do homem. O Tao de Deus é funda¬mental; o Tao do homem é acidental. Grande é a distância que os separa. Tenhamos todos cuidado com isso! — "Da Tolerância".

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Com o tempo, Tseyu caiu doente e Tsesze foi vê-lo. "Grande, em verdade, é o Criador! — disse o enfermo. — Vê como Êle me dobrou!" Suas costas estavam tão corcovadas que suas vísceras ficavam no alto do corpo. As faces estavam em nível com o umbigo e os ombros se achavam acima do pescoço. O osso de sua nuca apontava para o céu. Toda a economia de seu organismo estava desarticulada, mas seu espírito se achava calmo como sempre. Arrastou-se até junto de um poço e disse:


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WU JYH CHERNG

A Filosofia do Tao no Brasil

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u Jyh Cherng (Wǔ Zhì Chéng) (武志成) (Taipé, 28 de novembro de 1958 - Rio de Janeiro, 10 de setembro de 2004) foi um sacerdote taoista, fundador e regente da Sociedade Taoista do Brasil e pontífice do taoismo no país. Dedicou-se especialmente à tradução de livros taoistas diretamente do chinês arcaico para o português. Divulgou o taoismo no Brasil proferindo palestras por todo o país e ministrando cursos sobre o significado da tradição taoista, sobre meditação taoista e sobre as artes taoistas. Formou e ordenou sacerdotes brasileiros em Taiwan e no Rio de Janeiro, e acompanhou discípulos em viagens a Taiwan e à China Continental para iniciações avançadas nas práticas de meditação com autênticos mestres chineses taoistas.

Biografia

Mestre Cherng nasceu em Taiwan, em 1958, filho único de um casal chinês que se refugiou em Taiwan quando eclodiu a guerra civil na China Continental. Em 1973, com 14 anos de idade, mudase com seus pais para o Brasil, onde vai viver no Rio de Janeiro. Ainda em Taiwan, faz seu primeiro contato com o taoismo e o budismo através dos livros colecionados em casa por seu pai, Wu Chao-Hsiang (Wǔ Cháo Xiàng), mestre em Tai Chi Chuan pela Sociedade Chinesa de Tài Jí e um dos primeiros introdutores da acupuntura e das artes marciais no Brasil, no Rio de Janeiro, onde fundou o Instituto de Cultura Chinesa. Por conta do fascínio que as fotos e as descrições de figuras singulares contidas naqueles livros exerciam sobre a sua imaginação, mestre Cherng, dos nove aos dez anos, enxergava o mundo místico como um mistério que só aguardava pelo tempo certo para lhe ser revelado. Surge aí seu interesse pelas artes marciais, cujo aprendizado inicia através da prática do Shao-Lin e Tai-Chi, na expectativa de se aproximar da descoberta daqueles segredos. Mas, a partir dos 13 anos, diante de uma manobra do destino que o fez acompanhar seus pais numa mudança para o Brasil, abandona aos poucos suas ideias da infância e, conforme suas próprias palavras em entrevista publicada no livro "Encontros com Deus", de Valéria Martins, passa por um período de vida em que bloqueia as crenças religiosas ou místicas.

Templo Zhǐ Nán, onde fica o China Taoism Institute, Taiwan, 2002 Já com residência fixada no Rio de Janeiro, adotou um comportamento progressivamente rebelde e agressivo, fase em que manifestou um problema de artrite reumatoide como culminância do processo de revolta contra o mundo iniciado um pouco antes. Esta doença, que ataca aos poucos e num crescendo as articulações do corpo de uma pessoa, o mantém entre os 15 e 19 anos submetido, inicialmente, a uma relativa falta de liberdade física que evolui para a perda acentuada da capacidade de locomoção. Até que se inicia o processo de remissão do mal: ele readquire paulatinamente sua saúde e volta a andar, recobrando todos os seus movimentos.

Encontro com o Taoismo

Após rejeitar o uso de recursos da medicina tradicional chinesa sugeridos por seu pai para tratar a doença crônica, mestre Cherng passa por todos os tipos de tratamentos alopáticos medicamentosos receitados por médicos que não conseguem debelar a enfermidade que o acometia. Chega ao auge do mal-estar e só piora, cada vez mais. Diante do quadro, e compreendendo as implicações daquela piora sistemática, seu pai interfere de forma decisiva na evolução dos acontecimentos através de um diálogo franco e generoso, onde lhe diz, de forma clara e sem rodeios, que poderá escolher entre viver ou morrer, e se optar pela vida, ele poderá ajudá-lo, aconselhando para isso a terapia com acupuntura e medicina chinesa, como a única possibilidade de reversão da moléstia que o estava derrotando. Mestre Cherng se vê diante da


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morte e, após uma semana de reflexão, dá, ao pai, a resposta que salvaria sua própria vida: aceita o tratamento e, sob a sua orientação, passa a treinar respiração e Tai Chi Chuan (inicialmente apenas com os braços), e a receber diariamente a aplicação da acupuntura praticada por seu pai. Começa a melhorar e a partir daqui, com as esperanças renovadas, redescobre a sabedoria milenar contida nos ensinamentos taoistas e passa a dedicar seu interesse ao aprendizado da acupuntura, para trabalhar como terapeuta. Recuperado, volta às atividades normais de um jovem. Vai estudar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, faz novas amizades e descobre, lentamente, que todos os objetos do seu interesse de estudo nas áreas da acupuntura, Tai Chi Chuan e Qigong tinham sempre a mesma raiz, o Taoismo. Seu interesse por essa tradição começa a crescer, ele redescobre sua veia mística e parte em busca do seu caminho Ensinando na Sociedade Taoista em São Paulo, na sede da Aclimação (2003) espiritual. Estuda ocultismo ocidental e faz meditação budista, Ortodoxo. Posteriormente, encontra ainda a orientação do Mestre enquanto continua a pesquisar os ensinamentos do taoismo. Zào e, com ele, completa seus conhecimentos de ritos e cerimôParalelamente, frequenta ritos de outras religiões, a templária, o nias, implantando, nos templos taoistas inaugurados por ele no Candomblé, o Xintoísmo e outras, e se prepara para fazer uma Brasil, rituais devocionais similares aos praticados pelos taoistas viagem ao Japão, aprendendo japonês para estudar o Budismo em escolas de Taiwan que adotam disciplinas rigorosas para as Tântrico. Mas, quando está prestes a se tornar monge budista, práticas dos seus sacerdotes. todos os ensinamentos adquiridos ao longo da vida falam mais alto à sua consciência e ele compreende que o Taoismo era o Junto com o despertar da curiosidade pelos ensinamentos místicaminho que buscava. Sua vida, então, dá outra guinada: Mestre cos e filosóficos taoistas, Mestre Cherng abre seu leque de opções Cherng define seu rumo, adota a prática da meditação taoista e e dirige sua atenção para a compreensão do mundo, começando começa sua busca por um mestre taoista que pudesse orientar também a desvendar os segredos das artes taoistas, que se seus passos nas vidas mundana e espiritual. constituem de um conjunto de teorias e práticas criadas a partir dos conhecimentos da medicina tradicional chinesa e das leituras Nesta fase, iniciam-se as viagens regulares que faz ao seu país da Natureza, do Homem e do Céu e da Terra, com o objetivo de de origem em busca de autênticos conhecimentos taoistas. Com restaurar o equilíbrio energético de uma pessoa na sua relação o patriarca da Sétima Geração da Escola Oeste do Taoismo, o com o Universo. Inicia-se nas artes do Tai Chi Chuan, Qigong, mestre de alquimia Mǎ Hé Yáng faz sua primeira iniciação em Baguazhang e Xīn Yīn, enquanto se mantém na aprendizagem alquimia interior. Além da iniciação na prática espiritual interna, e no exercício da acupuntura, incluindo agora os estudos da introspectiva de meditação e transmutação, aprende sobre coMedicina Chinesa. nhecimentos místicos e ritualísticos com o mestre Kon, discípulo ajudante do antepenúltimo Mestre Celestial, Pontífice do Taoismo No ano de 1987, recebe em Taiwan, de seus mestres da Sociedade Taoista da China, órgão governante do Taoismo mundial, a ordenação de sacerdote taoista pelo Dào Jiào Shì Jiè Zǒng Miào (Comitê Central Mundial do Taoismo). Prossegue com seu treinamento e atinge o nível de hierarquia dentro da liturgia chamado de Alto Ofício, Mestre da Lei (Gāo Gōng Fǎ Shì). Posteriormente, recebe, de seus superiores, o grau de Mestre em Oráculos, especializando-se no I Ching, o Tratado das Mutações. Aprofunda seus estudos em astrologia chinesa (Zi Wei Dou Shù) e Feng Shui, a arte taoista de harmonizar a energia dos ambientes. Desta forma, os ensinamentos que repassa para seus alunos e discípulos no Brasil, recebidos e aprendidos com seus mestres chineses, datam da antiguidade chinesa e se estendem, notadamente, pelas esferas da filosofia, ciência, arte e misticismo.

Difusão do Taoismo no Brasil Cherng treinando Wing Tsun com o Prof. Luis Bonfá, mostrando diversificado interesse nas artes marciais. Instituto de Cultura Chinesa, academia do Leblon (~1986/87)

No início da década de 1980, quando retorna ao Brasil de uma de suas viagens, abre uma academia no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, para ensinar Tai Chi Chuan e Acupuntura. Utiliza o espaço, na mesma ocasião, para dar início ao seu projeto de difusão do Taoismo no Brasil, compartilhando seus estudos com um grupo

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de brasileiros que se formara à sua volta e passa a ministrar, ali, palestras semanais sobre a filosofia taoista, tendo, como base de estudos, o clássico Tao Te Ching, de autoria de Laozi, traduzido por ele diretamente do chinês para o português, além de outros clássicos taoistas. Viaja outras vezes para o Oriente e, na volta de uma dessas viagens, após sua ordenação como sacerdote, lança em 1990, junto com o grupo que o acompanhava, as bases do que viria a ser a Sociedade Taoista do Brasil, criada no ano seguinte. Esta instituição permanece como representante oficial do Taoismo na América Latina vinculada à Sociedade Taoista da China e aos ensinamentos da linhagem clássica da Tradição ou Escola Zhēng Yì, um ramo da Ordem Ortodoxa Unitária do Taoismo, com sede em Taiwan. Casa-se em 1997 com Lieselotte Schwair e, em 2001, torna-se pai de uma filha, Moira Wu. A fundação da Sociedade Taoista do Brasil foi o início da transmissão da linhagem da Ordem Ortodoxa Unitária do Taoismo no Brasil, via Rio de Janeiro. Desde então, Mestre Cherng dedicou-se a preservar e difundir, no país, seus ensinamentos, difundindo na América do Sul a milenar tradição taoista dos sábios chineses, em todas as suas expressões: espiritual, filosófica, cultural e científica. Conseguiu conjugar um templo (Templo da Transparência Sublime) e uma escola de artes taoistas num mesmo espaço, a sede da Sociedade Taoista do Brasil no bairro do Cosme Velho, na Zona Sul do Rio de Janeiro, que se transformou no grande polo de irradiação dos conhecimentos do Tao para outros estados do país. Em 2002 inaugurou a segundo templo taoista (Templo do Tesouro do Espírito) e a segunda unidade da Sociedade Taoista do Brasil num mesmo espaço, na cidade de São Paulo, no bairro da Aclimação, atualmente em atividade no bairro da Liberdade. Estas duas representações são os locais onde até hoje os sacerdotes, professores e seguidores do Tao permanecem, dando continuidade às práticas e aos estudos taoistas, como sempre fizeram quando Mestre Cherng esteve ausente, em retiros programados. Seu trabalho pioneiro conseguiu resgatar o caráter unitário da tradição taoista, oferecendo, num mesmo local, o ensino e a prática da meditação, as palestras sobre filosofia, os cursos das artes e um templo para a realização de práticas devocionais. Todo este esforço recebeu total apoio por parte dos dirigentes do taoismo mundial, que consideraram louvável a sua iniciativa, como exemplo que poderia ser seguido e implantado até mesmo para estudantes em Taiwan. Mestre Cherng abriu ainda, aos ocidentais, o caminho do sacerdócio para brasileiros não pertencentes à colônia chinesa. Em 1991 foram ordenados os primeiros Sacerdotes Taoistas brasileiros em Taiwan, seguidos de outras duas turmas, em 1998 e 2003 no Rio de Janeiro, primeiros ocidentais a terem acesso, no Brasil, à parte mais hermética da tradição taoista e a receber, fora da China, a ordenação de sacerdotes. Durante 18 anos à frente desse trabalho de difusão dos princípios filosóficos e místicos taoistas no Brasil, Mestre Cherng dedicou-se especialmente à tradução dos clássicos taoistas da antiguidade diretamente do chinês arcaico para o português, língua que falava de forma fluente e que usava com propriedade e elegância para transmitir o ensinamento com a generosidade que se adivinha num verdadeiro mestre espiritual. Era dono de vasto vocabulário de alto nível na língua portuguesa, o que lhe permitia comunicar-se

Ordenação da segunda geraçao de sacerdotes, 13 de março de 1998, Templo da Transparência Sublime, Rio de Janeiro com seus interlocutores de uma maneira sutil e abrangente; com isto, fazia-se compreender por todos que o ouviam, independentemente do nível de questões que se apresentassem. Repassou, como doação para amigos, alunos, discípulos e todos que estivessem minimamente interessados no que ele se dispunha a ensinar, técnicas taoistas de meditação, alquimia interior e ritos espirituais, compostos de cânticos e mantras. No Templo da Transparência Sublime, no Rio de Janeiro, ministrava palestras semanais gratuitas, abertas ao público que comparecia em busca dos conhecimentos que transmitia. Em 2004, Mestre Cherng fez sua passagem. Deixou como legado para o mundo, uma geração de professores especializados e sacerdotes, formados ou iniciados em diversas artes taoistas, como I Ching - Tradicional e Flor de Ameixeira, Tai Chi Chuan, Tai Chi Jian (Espada Tai Chi Chuan), Qigong, Tui Na, massagem chinesa (Án Mô; em japonês: Shiatsu), Feng Shuí - Escola Ba Zhai e Escola Xuan Kon Fei Xin, Astrologia Chinesa (Zi Wei Dou Shù), Estratégia (A Arte da Guerra) e caligrafia chinesa, livros publicados e inúmeros textos e obras escritas e traduzidas do Cânon Taoista e de autores clássicos até hoje inéditos no Ocidente, que aguardam por publicação. Seu acervo inclui centenas de livros raros no idioma original, o chinês clássico, e milhares de horas de fitas cassete e de vídeos, com registros de voz e de imagem das palestras e aulas gravadas por discípulos que permanecem trabalhando para que o conhecimento passado por ele não se perca no esquecimento.

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Fotos: arquivo pessoal de Lîla Schwair Texto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wu_Jyh_Cherng


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Bibliografia Livros de Mestre Wu Jyh Cherng e links para mais informações

I Ching – A Alquimia dos Números https://amzn.to/3hPFWhz

DÀO em sua Essência https://amzn.to/3n3OIcE

Tai Chi Chuan – A Alquimia do Movimento https://amzn.to/2LaWDaN

Iniciação ao Taoismo Volume 1 https://amzn.to/3b10Icw

Iniciação ao Taoismo Volume 2 https://amzn.to/351Fbws

Alquimia Taoista – Diálogos https://amzn.to/3b13vT2

Tao Te Ching (Versão comentada) https://amzn.to/2KVWRTq

Tao Te Ching (Versão de bolso) https://amzn.to/3pKO2dX

Alguns destes livros foram escritos por Mestre Wu pessoalmente e outros foram compilados postumamente a partir de anotações e gravações de aulas.

I Ching: O Tratado Das Mutações https://amzn.to/3bbQXYS

Meditação Taoista https://amzn.to/355dBi6

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Yîn Fú Jîng Tratado Sobre a União Oculta https://amzn.to/350CcED

Graças aos esforços de seus continuadores, seu conhecimento ainda enriquece a vida de todos os que se interessam pelo Taoismo e assim seguirá por muito tempo.


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Encontrando Cherng Por: Lîla Schwair

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uando encontrei o Mestre Cherng pela primeira vez ele estava dando uma palestra sobre os “infinitos Universos infinitos” dos quais se fala no Daoismo. Como assim? Fiquei quase que em transe ao ouvir tanta sabedoria concentrada em uma hora e meia e tive a sensação: “É aqui que posso encontrar todas as minhas respostas...”. Também senti que todos os trabalhos artísticos que eu havia criado até então (eu trabalhava como artista plástica na época) haviam sido perguntas... De imediato resolvi inscrever-me no curso de I Ching que iria começar naquele fim de semana. Não tinha dinheiro, então combinei de fazer um retrato fotográfico do Mestre Cherng para o livrinho do Tao Te Ching que ele estava lançando em troca de alguns fins de semana de aula.

Algo muito profundo nos unia desde a primeira vez em que nos entreolhamos e um ano depois mudei-me para o Rio de Janeiro para morar com ele na casa do Cosme Velho, onde funcionava (e ainda funciona) a Sociedade Taoista com o seu templo.

Muitas vezes o observara e constatava que ele incorporava praticamente tudo o que ensinava: a simplicidade, a temperança, a humildade, a generosidade, a suavidade, mas também a força quando era necessário, a paciência, o bom humor e a tranquilidade. Lembro-me da primeira vez em que fomos passear na floresta da Tijuca. Eu era (ainda sou) uma pessoa muito dinâmica, ativa, que gosta de caminhar e, de repente, devido à limitação física que o Cherng tinha no seu quadril, fui obrigada a andar devagar. Foi uma experiência incrível! Podia contemplar tudo à minha volta com outros olhos e também estar mais presente com o meu parceiro. O seu ritmo mais lento e suave me permitia perceber melhor o que se passava dentro de mim que, até então, eu sempre havia projetado para fora. E assim tive outras inúmeras experiências de autoconhecimento que me fizeram crescer como pessoa, mesmo depois de sua morte.

Moira, Lîla e Mestre Cherng Aprendi muito com o Cherng e continuo aprendendo, através de lembranças, de anotações dos seus ensinamentos, de seus discípulos que, de forma tão bonita, continuam propagando todo este conhecimento que ele nos deixou, e também com a nossa filha, que herdou muito do seu espírito de aventureiro, buscador, inovador e criativo. Espero que todo o legado que o Mestre Cherng deixou possa ser divulgado para mais e mais pessoas, pois a sua maior missão era de ajudar pessoas a - independentemente das circunstâncias de suas vidas - encontrarem o equilíbrio e a paz interior.

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Durante anos ficava me perguntando: o Cherng era o meu marido ou o meu mestre? Finalmente cheguei à conclusão de que era os dois, além de muito mais: era o meu acupunturista, meu professor de meditação, meu consultor de I Ching, meu companheiro, era alguém que gostava de brincadeiras e de rir como um moleque; era uma pessoa que também sabia ser séria quando queria alcançar um certo objetivo; era um filho muito dedicado aos pais com os quais morávamos e os quais cuidou até que partiram no ano de 2000; e era também pai da nossa filha, Moira - infelizmente por muito pouco tempo, pois, um pouco antes dela completar três anos, o Mestre Cherng faleceu.


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A Convergência do Tao

xistem momentos especiais em todas as atividades humanas. Este é um momento muito especial da revista Daojia, no qual temos o privilégio de publicar essa foto inédita e histórica, marcando o encontro entre Dr. Wu Chao, Mestre Pai Lin e Mestre Cherng no Rio de Janeiro em fins da década de 1990. Um evento que reuniu as principais mentes por trás da difusão do Taoismo no Brasil e que contou ainda com a presença de Lîla Schwair e Jerusha Chang, continuadores da obra dos mestres Cherng e Pai Lin. O Taoismo no Brasil resumido em uma única foto.

Sentados: Dr. Wu Chao Hsiang [Wǔ Cháo Xiàng 武朝相] e Mestre Liu Pai Lin [Liú Bǎi Líng 劉百齡] Em pé, a partir da esquerda: Sra. Lin [Wǔ Chang Jo Lin] (esposa do Dr. Wu), Mestre Wu Jyh Cherng [Wǔ Zhì Chéng 武志成]. Lîla Schwair (esposa de Mestre Cherng), Jerusha Chang (uma das principais discípulas de Pai Lin) e Marcos Vinicius de Almeida Gomes, presidente da Associação de Filosofia e Cultura Oriental do Rio de Janeiro - Aficorj

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Aspectos peculiares de diferentes estados de consciência Por: Ernani Franklin

Pode ser considerado Transe qualquer estado de atenção ou consciência diferente do estado de consciência desperta. Pode ser desejado ou não desejado, espontâneo ou não convidado. Geralmente associado à hipnose, meditação, oração, magia ou uso de substâncias psicoativas. Etimologia do termo: no francês arcaico transe = “medo do demônio” ; no latim, transire = atravessar, transpor; no inglês antigo = meio-consciente, condição de insensibilidade ou estado de medo. Segundo Wier(1995) em seu livro "Trance: from magic to technology" trata-se de um estado mental induzido voluntariamente ou não onde um objeto cognitivo (pensamentos, imagens, sons, ações intencionais) se repete por tempo suficiente para gerar vários episódios de funções cognitivas desconectadas. O transe acontece em planos dissociados onde pelo menos algumas funções, tais como a vontade, são suspensas, caso típico do estado de torpor hipnótico. Neste conceito estados meditativos, hipnóticos, de dependência, carisma ou torpor ( causado por assistir televisão por longo tempo,p.ex.), são vistos como estados de transe. Noutra publicação “O Caminho do Transe” (Wier-2007), este está relacionado com êxtase, que também pode ser induzido por propaganda de governos, pela mídia, por manipulação de consciência ou por magia, em que o autor considera “abuso de transe”. Considera-se também como uma condição de inconsciência aparente em que o corpo do sujeito é considerado por algumas

pessoas como objeto de possessão. Ou como uma consciência extra-corpórea na qual o indivíduo se sente fora do corpo, em outro estado de ser. Esta condição de transe pode ser dividida em vários graus que transitam do negativo, estado inconsciente, ao positivo, condição de consciente ou iluminado. Visto também como determinado estado alterado de consciência, que é considerado por alguns como sendo possível que o corpo físico do sujeito seja utilizado por espíritos desencarnados ou entidades como meio de expressão, a exemplo da mediunidade xamânica ou espírita. Os estados alterados de consciência podem ser alcançados ou induzidos de diversos modos como na meditação ou nos treinamentos de energia (Qigong) como meio de acessar a mente profunda com o objetivo de relaxamento, terapia, intuição e inspiração. Muitas tradições e rituais utilizam o transe. Por exemplo: o estado de Qigong é um nível especial de consciência que o praticante avançado atinge nos treinos taoistas em que pode desenvolver habilidades extraordinárias; certos cultos afroamericanos, como o candomblé, promovem o chamado "estado de santo" em seus iniciados; os iogues conseguem atingir estados de expansão de consciência por práticas meditativas; os santos e iluminados de várias religiões realizaram feitos ditos miraculosos através de rituais e práticas esotéricas diversas. Situações de estresse no organismo, por hiper ou hipo-ventilação, exposição a fatores climáticos intensos, jejum ou choque, p.ex., podem alterar as percepções da consciência. O transe é considerado uma condição endêmica à natureza humana. Os benefícios do transe estão sendo explorados por pesquisas médicas e científicas em diferentes regiões e culturas.

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Transe inclui condições de diferentes estados mentais, emocionais, de humor e oníricos (sonhar acordado) que todos os seres humanos experienciam. Todas as atividades que envolvem um ser humano estão relacionadas com a filtragem de informação recebida em modalidades sensoriais e isto influencia o funcionamento cerebral e a consciência. Portanto o transe pode ser compreendido como um meio da mente modificar o processo em que ela filtra a informação de modo a promover um uso mais eficiente ou “surpreendente” dos recursos mentais.

Pesquisa, adaptação e edição: Ernani Franklin Material de estudo: Grupo Tai Chi Pai Lin- Ba


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https://ead.ebramec.edu.br

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Diyu 地獄 O Inferno do Taoismo, do Budismo e das religiões populares chinesas

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iyu (Dìyù 地獄),literalmente "prisão terrestre") é o reino dos mortos ou "inferno" na mitologia chinesa. É baseado no conceito budista de Naraka combinado com as crenças tradicionais chinesas da vida após a morte e uma variedade de expansões populares e reinterpretações dessas duas tradições. O nível superior era governado por Yanluo Wang, o Rei do Inferno e Diyu é um labirinto de níveis subterrâneos e câmaras onde as almas são levadas para expiar seus pecados terrestres. O segundo nível era governado pelo rei Chu Jiang e reservado para ladrões e assassinos.

Incorporando ideias do Taoismo e do Budismo, bem como da religião popular tradicional chinesa, Diyu é uma espécie de purgatório que serve não apenas para punir, mas também para renovar os espíritos prontos para sua próxima encarnação. Existem muitas divindades associadas ao local cujos nomes e propósitos são o assunto de muitas informações conflitantes. O número exato de níveis no Inferno Chinês - e suas divindades associadas - difere de acordo com a percepção budista ou taoista. Alguns falam de três a quatro 'Tribunais', outros até dez. Os dez juízes também são conhecidos como os 10 Reis de Yama. Cada


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tribunal trata de um aspecto diferente da expiação. Por exemplo, o assassinato é punido em um tribunal, o adultério em outro. De acordo com algumas lendas chinesas, existem dezoito níveis no Inferno. A punição também varia de acordo com a crença, mas a maioria das lendas fala de câmaras altamente imaginativas onde os malfeitores são serrados ao meio, decapitados, jogados em poços de sujeira ou forçados a subir em árvores adornadas com lâminas afiadas. No entanto, a maioria das lendas concorda que uma vez que uma alma (geralmente referida como um 'fantasma') expiou seus atos e se arrependeu, ela recebe a Bebida do Esquecimento de Meng Po e é enviada de volta ao mundo para renascer, possivelmente como animal ou pobre ou doente, para mais castigos. Uma descrição de Diyu pode ser encontrada no Registro de Jade. Algumas culturas primitivas na China pensavam que as pessoas iam para o Monte Tai, Jiuyuan (九原) ou Jiuquan (九泉), ou Fengdu após a morte. Existem muitos infernos com diferentes punições nos livros budistas e taoistas. Alguns escritos de prancheta de religião popular controversos, como Jornadas ao Submundo dizem que há infernos com novas punições conforme o mundo está mudando. O Inferno é composto de dez tribunais, cada um governado por um dos 10 Reis Yama e 18 níveis nos quais os malfeitores são punidos. O tempo relativo dos infernos pode ser diferente. Em algumas literaturas, há referências a 18 tipos ou subtipos de infernos, ou 18 infernos para cada tipo de punição, em vez de apenas 18 níveis de inferno. Em algumas literaturas existem diferentes tipos de punição em cada nível. O conceito de “18 níveis do inferno” começou na Dinastia Tang. O texto budista Wen Di Yu Jing (問地獄經) menciona 134 mundos de inferno, mas foi simplificado para 18 níveis de inferno por conveniência. 1. Câmara do Vento e do Trovão - Pessoas que matam e cometem crimes hediondos por ganância são enviadas aqui para serem punidas. 2. Câmara de Moagem - Homens ricos que não fazem o bem e desperdiçam comida são transformados em pó nesta câmara. 3. Câmara das Chamas - Pessoas que roubam, saqueiam, roubam e trapaceiam são enviadas aqui para serem queimadas. 4. Câmara de Gelo - Crianças que maltratam seus pais e idosos são enviadas aqui para serem congeladas no gelo. 5. Câmara dos Caldeirões de Óleo - Os criminosos sexuais, como estupradores, libertinos, adúlteros, são fritos em óleo nesta câmara. 6. Câmara de desmembramento por Serra - Sequestradores e cafetões sofrem o destino de serem serrados nesta câmara. 7. Câmara de Desmembramento por Carruagem - Funcionários corruptos e proprietários de terras que oprimem e exploram o povo são desmembrados por uma carruagem nesta câmara. 8. Câmara da Montanha de Facas - Comerciantes fraudulentos e aproveitadores são levados a derramar sangue escalando a montanha de facas.

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9. Câmara da Língua Rasgando - Fofoqueiros e adeptos do perjúrio sofrem o destino de terem suas línguas arrancadas nesta câmara. 10. Câmara de Espancamento - Assassinos de sangue frio são espancados nesta câmara. 11. Câmara de Corte do Torso - Conspiradores e ingratos têm seus torsos decepados nesta câmara. 12. Câmara de Balanças - Opressores, comerciantes que roubam no peso e noras que maltratam seus sogros têm ganchos furados em seus corpos e pendurados de cabeça para baixo. 13. Câmara de Goivagem Ocular – Voyeurs tem seus globos oculares arrancados nesta câmara. 14. Câmara de Escavar Corações - Pessoas com corações malignos os tem arrancados nesta câmara. 15. Câmara de Estripação - Desordeiros, hipócritas e ladrões de tumbas têm suas entranhas cavadas nesta câmara. 16. Câmara de Sangue - Os ofensores blasfemos que não mostram respeito aos deuses sofrem o destino de serem esfolados nesta câmara. 17. Câmara das Larvas - Advogados que usam brechas e subterfúgios para más práticas são comidos vivos por vermes nesta câmara. 18. Câmara de Avici* - Escroques que cometeram crimes hediondos, trouxeram miséria ao povo e cometeram traição são colocados em uma plataforma acima de um inferno. Os azarados caem da plataforma no inferno e queimam enquanto os mais sortudos permanecem na plataforma. Esses espíritos nunca devem ser reencarnados. (*Avīci é o último nível do Naraka, o Inferno Budista, lugar de maior sofrimento de todos - N.T.)

Existem variantes folclóricas dos 18 infernos no mapa completo do mar e da terra e do Feng Du. Alguns livros religiosos ou de literatura diziam que os malfeitores não eram punidos em vida, sendo punidos nos infernos. Entre os nomes mais comuns para o submundo estão (do mais comum ao menos comum): 地獄 - dìyù | a prisão do submundo 地府 - dìfŭ | a mansão do submundo 黃泉 - huángquán | a fonte amarela (significando a origem / fonte da vida e da morte, possivelmente uma referência ao Rio Amarelo) 陰間 - yīnjiān | o espaço sombreado (Yin e Yang) 陰府 - yīnfŭ | a mansão sombria 陰司 - yīnsī | o escritório sombrio 森羅殿 - shēnluó diàn | a corte de Sinluo 閻羅殿 - yánluó diàn | a corte de Yanluo 九泉 - jiŭquán | as nove nascentes (origem / fonte) 重泉 - chóngquán | a fonte repetitiva (origem / fonte) 泉路 - quánlù | a estrada da primavera 幽冥 - yōumíng | a escuridão serena 幽壤 - yōurăng | a terra serena 火炕 - huŏkàng | a fogueira 九幽 - jiŭyōu | as nove serenidades 九原 - jiŭyuán | as nove origens 冥府 - míngfŭ | a mansão escura 阿鼻 - ābí, um termo budista, do sânscrito avīci, o inferno da tortura ininterrupta, o último e mais profundo dos oito infernos quentes

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足跟 - zúgēn | o calcanhar do pé, também significa infernos 酆都城 - Fēngdū Chéng | nome de uma cidade que se imagina conter uma entrada para Diyu E terminologias relacionadas ao inferno: 奈何桥 - a ponte do desamparo 望鄉臺 - o pavilhão de observação da casa 油鍋 - a frigideira wok, uma das torturas do inferno. 三塗 - as três torturas do inferno budista: queimado pelo fogo ( 火塗), cortado por faca (刀塗), dilacerado por feras (血塗, derramamento de sangue).

Fonte original: http://ecumenicalbuddhism.blogspot.com/2010/02/diyu-hell-of-taois-

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m-buddhism-and.html

Pesquisa e tradução: Gilberto António Silva


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A Alquimia de

Wei Boyang Por: Gilberto António Silva

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ei Boyang (魏伯陽) é uma daquelas personalidades que todo taoista ou simpatizante do Taoismo deveria conhecer, ao menos de nome. Um dos principais alquimistas chineses, sua obra persiste como referência no estudo da alquimia interna até nossos dias, quase dois milênios depois. Sua elevada importância e grande antiguidade levaram seu nome a se tornar quase mítico, com sua vida contada à maneira de lenda chinesa como nos mostra a Mestra Eva Wong em seu livro ”Tales of the Taoist Immortals”. Estudiosos modernos fazem o de sempre, levantando dúvidas sobre sua real existência ou se sua obra é fruto de uma única mente ou de várias partes escritas por pessoas diferentes em épocas distintas. Nada de novo sobre a antiga China. Fizeram o mesmo com Laozi, Zhuangzi e outros autores importantes. Mas isso não importa. O que realmente precisamos manter em foco é a informação transmitida por essas obras. Não é de real importância quem é o autor ou o que ele gostava de comer, mas a sabedoria que nos legou. E nesse quesito Wei Boyang tem material para nos ocupar por muitos e muitos anos de estudo. Esse notável taoista e alquimista chinês que viveu durante a Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) é autor do Cantong Qi 參同契, livro de título difícil de traduzir (pode ser “Selo da Unidade de Três”, “O Parentesco dos Três”, “Passe para o Acordo dos Três”, “Os Três como Um”), e da obra Wuxiang Lei 五相類 (As Cinco Categorias de Fenômenos). O Cantong Qi se desenvolve em três rolos de escritos (juan) e descreve o caminho para se obter a imortalidade. O método e sua filosofia partem da fusão do conhecimento do I Ching 易經, do Taoismo da tradição Huang-Lao黄老 e de alquimia. Lembramos que nessa fase a alquimia chinesa estava migrando da alquimia externa, baseada na obtenção de uma pílula da imortalidade com base em produtos químicos, para a alquimia interna, na qual o Qi era refinado dentro do corpo de modo a ascender espiritualmente rumo aos Imortais. Wei Boyang foi dos primeiros a abordar a segunda maneira.

Mas também na área química ele se destacou, sendo seu livro o primeiro a trazer a receita da pólvora. Tempos depois ela reapareceu na obra de outro grande alquimista taoista, Ge Hong (283-343). A partir da Dinastia Song (960-1279) a pólvora se populariza, especialmente depois de figurar na obra de tecnologia militar Wujing Zongyao, em 1044, e se tornou centro das atenções militares a partir da Dinastia Ming (1368-1644).

Biografia

A principal referência à vida de Wei Boyang é encontrada no Shenxian zhuan (Biografias dos Divinos Imortais), atribuído ao famoso alquimista taoista Ge Hong. A primeira versão completa


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do Shenxian zhuan é encontrada no Taiping guangji (Coleção Estendida de Registros do Período do Reino Taiping xingguo), de 978. Esta versão está traduzida abaixo. Wei Boyang era um nativo de Wu (atual Jiangsu, e partes de Anhui e Zhejiang). Ele era filho de uma família de alto escalão, mas por natureza era dedicado às artes do Tao. Mais tarde, ele se retirou em uma montanha com três discípulos, a fim de compor o divino Elixir. Sabendo que seus discípulos não estavam completamente comprometidos em seus corações, quando o Elixir estava pronto ele disse para testá-los: "O Elixir está pronto, mas deve primeiro ser testado em nosso cão. Se o cachorro subir para o Céu, podemos tomá-lo nós mesmos. Se o cão morrer, não devemos tomá-lo”. Ele deu o Elixir para o cão, e o cachorro imediatamente caiu morto. Boyang disse a seus discípulos: "Tive medo que o Remédio não estivesse pronto. Causou a morte após a ingestão, por isso parece não estar em harmonia com a Luz Numinosa (shenming). Se ingerirmos o Remédio, temo que compartilharemos o destino do nosso cão. O que devemos fazer?”. Os discípulos perguntaram: "Mestre, você mesmo tomaria?". Boyang respondeu: "Eu virei minhas costas para os caminhos mundanos e abandonei minha casa para me retirar nesta montanha. Eu teria vergonha de voltar sem ter encontrado o Tao. Se eu morrer ou não, eu devo tomá-lo”. Depois disso, ele ingeriu o Elixir. Assim que estava na boca, ele morreu instantaneamente. Ao ver isso, um dos discípulos disse: "O propósito de fazer o Elixir é viver uma vida longa. Se ingeri-lo e morrer, que sentido isso tem?". Outro discípulo disse: "Nosso Mestre não era uma pessoa comum. Se ele ingeriu e morreu, ele deve ter feito isso com um propósito”. Então ele pegou o Elixir, ingeriu-o e morreu. Os outros dois discípulos disseram um ao outro: "Fizemos o Elixir para alcançar uma vida longa. Se ingeri-lo e morrer, qual é o propósito? Ao não tomar este Remédio, ainda podemos passar mais algumas décadas neste mundo". Então eles deixaram a montanha sem ingerir o Elixir, com a intenção de organizar um funeral para Boyang e seu falecido companheiro discípulo. Depois que os dois discípulos partiram, Boyang voltou à vida. Ele pegou o Elixir que tinha composto e derramou parte dele na boca do discípulo morto e do cão branco. Ambos também voltaram à vida. Boyang e seu discípulo, cujo sobrenome era Yu, se aprofundaram nas montanhas como imortais. No caminho eles encontraram um lenhador e lhe entregaram uma carta de agradecimento para os outros dois discípulos. Quando leram, ficaram cheios de arrependimento. Boyang escreveu o Cantong qi e o Wuxing xianglei (As Categorias dos Cinco Agentes), ao todo em três capítulos (juan). Sua obra fala sobre o Livro das Mutações, mas na verdade utiliza suas linhas e imagens para discutir os princípios da composição do Elixir. Sem saber nada sobre o divino Elixir, os estudiosos mundanos escreveram vários comentários sobre ele baseados em Yin e Yang. Eles realmente perderam seu significado. [Traduzido de: Taiping guangji, 2.11-12.]1 1 (PREGADIO,Two Biographies of Wei Boyang)

Essa versão é a mesma contada através de gerações como uma “lenda dos imortais”, uma história folclórica muito bem retratada por Eva Wong em seu livro. Outra descrição biográfica de Wei Boyang está presente nos escritos de Peng Xiao. Embora Peng Xiao (?-955) cite o zhuan shenxian de Ge Hong como sua referência, ele dá um relato notavelmente diferente de Wei Boyang em seu comentário ao Cantong Qi. Embora muitos aspectos sejam relevados como fictícios, vários de seus elementos são significativos, segundo Pregadio: a indicação de Shangyu como a área de origem de Wei Boyang e Chunyu Shutong; a experiência de Wei Boyang nos "textos de trama" esotéricos; a relação estreita entre o Cantong qi e o Longhu jing; a subdivisão do Cantong qi em três partes (todas - segundo Peng Xiao - foram escritas por Wei Boyang); a dica de que o processo de composição ocorreu em mais de uma etapa; a data do texto, que cairia em meados do século II; e a atribuição de um comentário inicial a Xu Congshi. Sua versão da biografia de Wei Boyang é esta: De acordo com o Shenxian Zhuan, o Verdadeiro Homem Wei Boyang era um nativo de Shangyu em Kuaiji (atual Jiangsu oriental e Zhejiang ocidental). Sua família herdou compromissos oficiais por gerações, mas o Mestre não serviu no cargo. Ele cultivou a verdade em segredo e silêncio, e alimentou sua mente em Vazio Sem-Ser. Ele era amplamente versado tanto em prosa quanto poesia, e era competente em "trama" e nos textos de prognóstico (weihou). Calmo e tranquilo, ele guardava a simplicidade e não seguia nada além do Tao. Ele sempre olhou para roupas cerimoniais como coisas sem valor. Não sabemos o nome do mestre que o transmitiu a ele, mas ele recebeu o Guwen longhu jing (Texto Antigo das Escrituras do Dragão e do Tigre). Tendo plenamente compreendido seu significado sutil, ele escreveu o Cantong qi em três partes (pian) de acordo com o Livro das Mudanças. Diz-se, ainda, que como ele não tinha tratado minuciosamente os pontos finos, ele também escreveu a parte intitulada "Enchendo Lacunas" (Busai yituo),

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que elabora sobre os mistérios das escrituras no Elixir. Seus relatos usam repetidamente metáforas e analogias, escondendo o aparente sob palavras incomuns.

Zhou Yi Cantong Qi 周易參同契 (Zhou Yi 周易 é a maneira como os chineses se referem ao I Ching).

Wei Boyang divulgou secretamente seu livro para Xu Congshi, um nativo de Qingzhou, que escreveu um comentário sobre ele mantendo seu nome escondido. Na época do Imperador Huan do Han Posterior (146-167), o Mestre novamente transmitiu-o para Chunyu Shutong. Desde então, tem circulado no mundo.

O livro é dividido em três partes: o primeiro capítulo trata principalmente da "Grande Mudança" (dayi 大易), a segunda com o cultivo interno da vida (neiyang 内養, yangxing 養性), e o último capítulo com o "fogo do forno" (luhuo 爐火). Chumbo e mercúrio são representados pelos hexagramas Fogo (Li 離 r) e Água (Kan 坎 3), enquanto Céu (Qian 乾 a) e Terra (Kun 坤 @) são simbolizados pelo caldeirão trípode e as várias ferramentas. Todas as transformações e etapas são descritas dentro do simbolismo do I Capa de edição chinesa Ching. A fusão de conceitos do I Ching do Zhou Yi Cantong Qi com os Cinco Movimentos (wuxing) e o Yin/Yang formam a base técnica da arte de Wei Boyang. Operando dentro de ciclos de tempo cosmológicos precisos e minuciosos, ele buscava trazer os elementos do Céu Anterior para nosso mundo manifestado (Céu Posterior), que seria a chave da imortalidade. Essa parte técnica se realiza sob os auspícios da filosofia de Laozi e Zhuangzi, com grande influência do Daodejing. O Wuwei (não-ação) é de vital importância para esse processo de trabalho com o Céu Anterior. A correta integração entre Yi Jing, Taoismo e Alquimia proporcionam o resultado pretendido.

[Traduzido de Zhouyi cantong qi fenzhang tong zhenyi, Preface, 1a-b.]2 Percebemos como é difícil obter um registro mais exato dada a grande antiguidade do personagem. Mas notamos que Peng Xiao é enfático ao admitir uma única autoria do Cantong Qi a Wei Boyang. Ele também introduz duas figuras que serão importantes: Xu Congshi e Chunyu Shutong, de quem falaremos mais à frente. É importante também que vejamos o que o próprio Wei Boyang fala sobre seu trabalho. No último capítulo do Cantong Qi ele traça um resumo de como chegou até essa obra. Veja um trecho: No estado de Kuai, um homem comum, Só em um vale, mal e mal existindo, Mantém em seu regaço tosca simplicidade, E não desfruta de pompa ou honra. Em rude lida passa o tempo, Sem pensar em fama ou lucro, Ávido de calma e solidão, Esses raros momentos tão tranquilos e calmos. Foi lá, vivendo em ócio e serenidade, Que compus esta obra, Para cantar, da ordem da Grande Mudança, As palavras esquecidas dos Três Sábios. Olhei para o seu significado óbvio E vi um fio conectando o todo.3 Aqui ele narra como se retirou do mundo para penetrar no silêncio e na tranquilidade e desse modo conseguiu observar o significado óbvio, ao menos para ele, da ligação entre I Ching, Taoismo e Alquimia, daí o nome do livro, “triplo como um”.

A Obra

Sem dúvida sua grande obra é o Cantong Qi, no qual transmite pela primeira vez a ideia de uma alquimia interna e seu processo de etapas. A meu ver o número três relacionado ao título (“Parentesco dos Três”) pode ser atribuído também aos trigramas do I Ching, com o qual o estudioso Fabrício Pregadio concorda. Na verdade isso é quase obrigatório quando se nota que todos os capítulos possuem estreita relação com as mutações do I Ching em seus trigramas e hexagramas, além da noção de ciclos presente na filosofia das mutações. Na verdade, a relação entre o Cantong Qi e o I Ching é tão forte que em chinês a obra é conhecida como

2 (PREGADIO,Two Biographies of Wei Boyang) 3 (BERTSCHINGER, 1997, p.186)

As partes 1 e 2 contêm o texto principal e, com exceção de algumas passagens curtas em prosa, elas são escritas em versos de 4 ou 5 caracteres (os versos de 5 caracteres prevalecem na primeira parte, enquanto a segunda parte é quase inteiramente feita de versos de 4 caracteres). A parte 3 é feita de várias composições adicionais: um "Epílogo" (Luanci 亂辭), a "Canção do Tripé" (Dingqi ge 鼎器歌), um poema em versos de três caracteres e uma seção final afirmando que os ensinamentos do Cantong qi são baseados no Livro de Mudanças, Taoísmo e alquimia, e contendo um poema final no qual o autor descreve a si mesmo e sua obra, do qual vimos um trecho. Duas explicações trazida as nós pelo estudioso Richard Bertschinger podem ajudar a clarear ainda mais a ideia desta obra. O sétimo Patriarca da Escola Setentrional de Taoismo, Mestre Shangyang (“o Mestre que honra o Yang”) explica em 1330: "As três seções do Can Tong Qi [que pode ser traduzido como “conjugação dos semelhantes”] são todas essencialmente práticas, sem a intenção de confundir. O método pode ter algo de místico em sua natureza, mas, de qualquer forma, é desnecessário insistir nele. Can (“combinar”) refere-se ao processo de combinação com o poder criativo essencial do céu e da terra; tong (“semelhantes”) diz respeito a depender da praticidade de coisas semelhantes que interagem entre si; e qi (“junto”) refere-se à união no trabalho desta força criativa e desta interação dos semelhantes." 4

4 (BERTSCHINGER, 1997, p.19)


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Mestre Yuyan, estudioso taoista, comenta em 1284: “Can Tong Qi pode ser traduzido como 'O Triplo como Um'. Em primeiro, vem a mudança, como demonstrado no antigo livro Zhou Yi (Mutações de Zhou) — que sugere a ideia dos ingredientes materiais para o elixir; em segundo está a 'quietista e não-ativa' tradição taoísta de nutrir a natureza interior do indivíduo, que remete à ideia da 'fornalha' e do 'caldeirão' interiores; e, por último, a tradição alquímica de trabalhar os metais na forja, que completa o processo, representando a ideia de tempos de queima para o Elixir. A partir destes três, o Zhou Yi, o Taoismo e a alquimia se encontram reunidos neste livro como os três caminhos que, todavia, emergem de um só portal, e que por isso são o ‘Triplo’ como ‘Um’." 5

Xu Congshi e Chunyu Shutong

Xu Congshi 徐從事 é um taoista nativo de Qingzhou, atual Shandong, e que seria discípulo de Wei Boyang. Escreveu diversos textos comentando e explicando o Cantong Qi que são tão importantes que costumam acompanhar o texto principal como um adendo. O Mestre taoista Liu Yiming (1734-1821), já nosso velho conhecido aqui na Daojia, fez vários estudos sobre a obra e relacionava cada passagem de Xu Congshi a outra respectiva no Cantong Qi, mostrando que realmente o texto de Xu não é independente mas formado por comentários sobre o texto principal. Um terceiro texto incorporado às edições do Cantong Qi, “As Três Categorias” (San xianglei 三相類), é atribuído a Chunyu Shutong 淳于叔通. Chunyu era um "mestre dos Métodos" (fangshi 方士) especializado em cosmologia, prognósticos e ciências afins, tidas como “artes ocultas” (shushu 數術). Ele viveu na corte do Impe5 Idem.

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rador Huan por volta do ano 150 e era discípulo de Xu Congshi, É tido como o grande divulgador da obra de Wei Boyang.

Conclusão

A obra de Wei Boyang atraiu a atenção de inúmeros taoistas e estudiosos ao longo dos séculos. A influência de seu trabalho se estende até nossos dias, onde ainda é objeto de cuidados escrutínio e aplicação. Nenhum estudo sério sobre Taoismo estaria completo sem uma olhada na obra do famosos alquimista. Sua ligação estreita com o I Ching, um dos pilares do Taoismo, nos ajuda a compreender melhor essa filosofia. Nossa intenção com esse artigo simples é trazer à tona esse conhecimento, pouco divulgado no Brasil, para que os taoistas daqui possam expandir sua compreensão do universo e aperfeiçoarem sua busca pelo Tao. Vale a pena estudar essa obra.

Bibliografia BERTSCHINGER, Richard. O Segredo da Vida Eterna. Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1997 CAMPANY, Robert Ford. To Live as Long as Heaven and Earth: A Translation and Study of Ge Hong's Traditions of Divine Transcendents. Berkeley: University of California Press, 2002 PREGADIO, Fabrizio. Two Biographies of Wei Boyang - https:// www.goldenelixir.com/jindan/ctq_wei_boyang.html PREGADIO, Fabrizio (Ed.). The Encyclopedia of Taoism. v. I-II. New York: Routledge, 2008 WONG, Eva. Tales of the Taoist Immortals. Boston: Shambala, 2001

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Para Saber Mais

Existem duas obras importantes para quem desejar conhecer melhor o trabalho de Wei Boyang. A primeira é "The Seal of the Unity of the Three: A Study and Translation of the Cantong Qi, the Source of the Taoist Way of the Golden Elixir", de Fabrizio Pregadio. O autor é um dos maiores especialistas atuais sobre Taoismo e grande tradutor de textos taoistas. Sua versão do Cantong Qi é tida como uma das mais completas e acuradas editadas no Ocidente. Possui versão apenas em inglês e tem os inconvenientes de importação, mas é uma obra indispensável que deve ser avaliada pelos interessados em Alquimia Interna. A outra sugestão é a versão em português do Cantong Qi, de Richard Bertschinger, O Segredo da Vida Eterna editada pela Record/Nova Era. Essa versão é muito interessante e de fácil compreensão, mas infelizmente está esgotada na editora. No entanto pode ser adquirida em sebos online por preços muito acessíveis.

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As capas e os links estão ao lado. Bons estudos.

Pesquisa e redação: Gilberto António Silva

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