PEIXE SECO: Uma intervenção arquitetônico-urbanística no antigo Cine Piratininga e na sua quadra

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Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

Peixe Seco: uma intervenção arquitetônico-urbanística no antigo Cine Piratininga e na sua quadra Georgia G. de Freitas Lemes

Banca examinadora: Prof. Dr. Heraldo Ferreira Borges Orientador Prof. Dr. Lucas Fehr Orientador Profª. Ms. Ana Paula Gonçalves Pontes Convidada Interna Profª. Drª. Paula Freire Santoro Convidada Externa 6

PIRA . TININGA (PEIXE)

(SECO)

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As pessoas estão procurando ilusões, não querem as realidades do mundo. E me perguntei: onde encontro esse mundo de ilusão? Onde são formulados seus gostos? Eles os estudam na escola? Vão a museus?

Viajam pela Europa? Somente em um lugar: no cinema. Eles vão ao cinema. Ao diabo com o resto.

Robert Venturi 8

agradecimentos Agradeço a Deus, ao universo e aos cosmos por me guiarem até aqui nessa jornada incrível que me fez redescobrir nesses 5 anos.

A minha mãe, por todo o carinho e incentivo, por acreditar nos meus sonhos e me permitir segui-los sem nunca duvidar de mim por um segundo.

Aos meus familiares, em especial minha vó Ia e minhas tias-mães, Cidinha, Lúcia, Terezinha e Camila, por me mostrarem a força que as mulheres da nossa família possuem.

Aos amigos da faculdade feitos para uma vida toda, pela companhia fiel nesses anos, principalmente à Isa por me abrigar (literalmente) durante parte desse trabalho, e ao Lucas, pelas chamadas diárias via Skype que aliviaram a tensão de uma conclusão de curso, e aos amigos de longa data, Raissa e Lara, por continuarem comigo mesmo com a distância.

Aos professores incríveis que tive oportunidade de conhecer e aprender junto ao longo do curso.

Aos meus orientadores, Lucas Fehr e Heraldo Borges, por trilharem esse caminho comigo, pela paciência e confiança no meu trabalho e pelos conselhos compartilhados com tanta sabedoria. À todos que acreditam na força do cinema, compartilham dessa paixão e contribuíram de certa forma com esse trabalho, o cinema de rua vive.

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SUMÁRIO 12

APRESENTAÇÃO

Apresentação Introdução

Salas de cinema: exibição, consumo e socialização significado e função social do cinema surgimento (logística e consumo) evolução relação com a cidade

Quadra aberta e fruição pública

conceitos de espaço aberto de grandes urbanistas os espaços públicos e o cinema os espaços públicos e o Brás exemplo da Praça das Artes

Patrimônio cultural: permanência e transformação definições importantes relação com as preexistências cinemas tombados de São Paulo

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A CHEIA

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A SECA

Salas de cinema em São Paulo início do cinema em São Paulo as principais salas da Cinelândia o cinema no Brás as principais sala do Brás o declínio do cinema de rua

A quadra do Cine Piratininga

gentrificação, galpões e bens tombados COPAG

O Cine Piratininga histórico inserção | entorno programa estrutura estado atual

Contexto Diretrizes Plantas, cortes e elevações Considerações finais

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O TRANSBORDAR

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00 apresentação

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Sobre desejos, desabafos e memórias A quadra do Piratininga é extremamente especial. Nas primeiras análises de seus usos e tipos fica claro que se trata de um espaço que pede por uma intervenção, mas que por si só já se garante com o que têm. Além do cinema abandonado, em volta ainda é possível encontrar dois edifícios tombados (Fórum das Varas da Infância e Juventude e Escola Estadual Romão Puiggari), uma antiga fábrica de baralhos abandonada, pequenas vilas convivendo com novas verticalizações comuns no bairro, entremeados por galpões subutilizados.

Os cinemas de bairro sempre representaram uma construção “para todos”, ao contrário dos cinemas da Cinelândia, as salas do Brás possuíam um caráter mais convidativo, acessível. Faziam parte da vida e programação de muitos moradores, talvez fossem o respiro no meio de uma semana caótica. A força que o cinema pode exercer é tão intensa, que sua memória nunca pode se perder. Um bairro que tinha cerca de 8 salas, para nenhuma, precisa recuperar sua força.

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Manter a característica dessa quadra tão particular do bairro foi a principal premissa deste projeto, retirar apenas o necessário, criar novos fluxos e retornar a memória de um projeto tão importante como é o Cine Piratininga.

Passei a infância e boa parte da adolescência esperando pelos dias que iria ao cinema. E eles não ocorriam toda semana, às vezes nem todos os meses, mas quando aconteciam eram o evento mais adorado por mim. Poder me desconectar da realidade, vivenciar outras culturas, sair da minha cidade de 10 mil habitantes e visitar o mundo da forma que dava, foi o respiro que me salvou várias vezes.

Não acho que sou uma especialista no assunto, aliás, devo estar bem longe disso, mas nunca deixei de ansiar pelas minhas sessões, mensais ou não. Acredito que equipamentos como esses deveriam estar em cada esquina, deveriam ser ponto de parada obrigatório para toda família, independente da classe.

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Introdução Neste trabalho serão apresentados os mais diversos espaços de exibição que existiram através das décadas. Desde a criação de instrumentos como a lanterna mágica e vitascópios, até a arquitetura especializada no conforto acústico e visual dos usuários.

Para além disso, o objeto inicial de pesquisa - o cine Piratininga - desencadeou uma série de questões sobre a ocupação da quadra, pela mesma estar inserida em uma com características importantes de implantação, com edifícios tombados no meio de galpões subutilizados e por se tratar de um equipamento que possui grande relação com a cidade, trazendo um novo rumo de análise de território relevante para o projeto final.

A escolha do objeto partiu da análise das grandes salas das décadas de 40 e 50 - os chamados palácios cinematográficos - e principalmente aquelas que se encontram abandonadas e sem conservação. A Partir desse primeiro recorte, 15

algumas salas se destacaram, como os cines Marrocos, Universo e Piratininga, as duas últimas do importante arquiteto Rino Levi e localizadas nos extremos da cidade, o que acabou direcionando a pesquisa para esse espaço.

Ademais da importância de entender as características do bairro para suprir suas necessidades, compreender seu atual cenário de gentrificação e verticalização e suas perspectivas como região de multiplicidades, o trabalho também foca no cinema de rua de São Paulo, e principalmente no bairro do Brás, para entender sua ascensão, o cinema para todos e a perda de um instrumento tão importante como o cinema num local que necessita desse ato político existente nos filmes.

Aqui temos uma análise sobre a cidade e seus equipamentos - o cinema serve como ponto de partida para revelar outras ausências do bairro, para mostrar a sua relação com a cidade desde os primórdios, quando ocupava espaços adaptados e em péssimos estados. É um apontamento sobre o uso da rua, sobre segurança, e sobre, principalmente, garantir cultura para todos.

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figura 1 Cine Piratininga nos anos 70. (fonte: salas de cinema em SP)

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01 a cheia

_Salas de cinema: exibição, consumo e socialização; _Quadra aberta e fruição pública; _Patrimônio cultural: permanência e transformação.

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Salas de cinema: exibição, consumo e socialização O cinema surgiu da mais pura paixão pela arte. A arte da projeção, do cinematógrafo e da lanterna mágica, que depois revelou o fascínio daqueles que assistiam as exibições pela cidade, pela paisagem e pelo novo. Não surgiu do espaço físico, aliás este é que foi adaptado com o tempo para atender suas necessidades (que também foram se alterando com o tempo), seu nascimento é muito mais ligado ao desejo pelo novo, pela fuga da realidade.

Por consequência, as exibições cresciam nos lugares onde o proletariado frequentava. Era responsável pelo riso, pela mágica, pelo encontro. Mesmo que se desenvolvessem nos cafés visitados pela classe média, era nos galpões modificados que o cinema exercia sua real função, muito além de um entretenimento para a elite, é quando o filme exibido vai embora da sala de projeção junto com cada pessoa que estava ali, e vive pelas ruas como uma pequena faísca que mantém a fogueira acesa.

Antes de percorrer a evolução das salas em São Paulo, é importante entender a importância que o cinema possui como função social, como citado acima. De acordo 19

com o teórico Graeme Turner (1988) o prazer proporcionado em uma sessão de cinema é o que provoca reconhecimento para o público, no estilo de vida e na identidade pessoal de cada um. É o que nos faz sentir acolhidos e representados, ou o que nos faz sonhar com uma realidade paralela que provê esperança para a realidade difícil de agora. É quando um filme conversa conosco, e a sala escura vira palco para nossas dores e agonias serem curadas no tempo mágico de duas horas.

Esse discurso traz à tona outra questão atual: o conteúdo dos filmes exibidos. O ponto não é discutir a relevância de cada estilo cinematográfico exibido, mas entender que existe uma clara diferenciação nos longas-metragens exibidos em salas de cinema de rua e nas salas de shoppings centers.

Vivemos atualmente um momento em que as exibições cinematográficas são dominadas por Blockbusters - os filmes com grandes orçamentos e um planejamento gigantesco de marketing envolvido - que por se voltarem para um público mais jovem e envolverem franquias bilionárias (o caso dos inúmeros filmes da Marvel) viraram a maior fonte de lucro para os exibidores.

Com o controle dos filmes “Arrasa-Quarteirão” na maioria dos cinemas, os filmes independentes e de menor orçamento perdem espaço de exibição. Sendo quase “expulsos” das salas de shoppings, a maioria vai encontrar abrigo nas poucas salas de rua que restaram, que acabam adquirindo a posição de cinema de arte.

Por este motivo as salas de cinema de rua são tão importantes. São elas que mantém, de certa forma, o cinema independente vivo. Filmes estrangeiros de cunho social, nacionais, documentários de produção popular, todos eles sobrevivem aos poucos e, mesmo com a posição educadora que possuem, não são valorizados como deveriam. São os cinemas de rua que vão abrigar os festivais e mostras de filmes independentes, são eles que criam oportunidades ao pequeno produtor e ao cinema nacional, e por isso devem ser incentivados e frequentados, pois é “a 20

figura 2 Pôster do filme brasileiro “Casa de Antiguidades”, exibido na 44º Mostra Internacional de Cinema. (fonte: apostila de cinema)

cultura que produz os comportamentos, as práticas, as instituições e os significados que constituem nossa existência social [...] a cultura compreende os processos que dão sentido ao nosso modo de vida” (TURNER, 1988, p.51).

Enfim, a localização aos cinemas de arte permite concluir como o acesso a esses espaços é escasso para boa parte da população. Usando São Paulo como exemplo, grande parte dos cinemas de rua estão localizados na região central, nos bairros República e Bela Cintra, e são na sua maioria frequentados pela classe média da região, o que torna ainda mais relevante o resgate de espaços como o Cine Piratininga.

Para iniciar esse percurso pelo mundo cinematográfico precisamos antes entender como tudo surgiu e fazer uma pequena viagem pelo tempo. Segundo Fernando Mascarello (2006) o cinema apareceu por volta de 1895, com a primeira exibição dos irmãos Lumière, de forma bem diferente da que conhecemos hoje, acontecendo em um pequeno café em Paris - o Grand Café - para um pequeno grupo de pessoas convidadas. Nesse dia, um filme em especial marcou todos que ali estavam, o “L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat” (A chegada do trem na estação) com imagens de um trem chegando na estação, indo em direção a tela, e por mais simples e curta que tenha sido, conquistou o público na hora mostrando um mundo de ilusão e de sonho, onde por alguns momentos esquecemos da realidade e entramos em um universo paralelo.

Em uma mistura de espetáculos de lanterna mágica e teatro popular, utilizando aparelhos improvisados, em lugares como circos e parques de diversões, as projeções iam ganhando atenção pelo mundo. As imagens exibidas se resumiam em filmes de poucos minutos, sem diálogos, na 21

figura 3 Cena do filme “L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat” exibido em Paris no ano de 1895, marcando o início da exibição cinematográfica. (fonte: phototrend)

figura 4 Irmãos Auguste e Louis Lumière. (fonte: wikipedia)

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Teatro Lumière, na França. (fonte: national geographic)

maioria com caráter documental, de plano único. Os próprios irmãos Lumière não acreditavam no potencial do que estavam criando “disse-lhe que o cinematógrafo não tinha o menor futuro como espetáculo, era um instrumento científico para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. Mesmo que o público, no início, se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria” (BERNARDET, 1980, p. 5).

Além dos irmãos Lumière, outros nomes foram importantes e são constantemente citados na história do cinema, como Thomas Edison. Edison foi o primeiro a mudar as exibições para algo comercial, fator muito importante para entender a transformação dos rumos cinematográficos, adaptando os projetores existentes (vitascópio e quinetógrafo) para equipamentos um pouco mais estruturados.

Como o foco das exibições inicialmente não eram os filmes em si, que não atraiam público sem o auxílio de orquestras e bandas ao vivo, esses espaços começam a ganhar características próprias e a conquistar uma audiência específica. “Nos cafés, as pessoas podiam beber, encontrar os amigos, ler jornais e assistir apresentações de cantores e artistas. A versão norte-americana dos cafés eram os vaudevilles, uma espécie de teatro de variedades em que se podia beber e conversar [...] os vaudevilles eram, em 1895, a forma de diversão de boa parcela da classe média” (MASCARELLO, 2006, p. 19).

Novamente o nome dos irmãos Lumière são essenciais na definição do cinema: por dominarem o mercado, criaram um sistema de fornecimento de projetores de filmes, suprimentos e operadores para o funcionamento dos vaudevilles, impedindo o cinema de desenvolver seus próprios caminhos e de adquirirem autonomia, ficando presos ao padrão de exibição dos cafés (MASCARELLO, 2006). É em 1905 que começam a surgir novos espaços de exibições, os nickelodeons. Estes locais apareceram pela necessidade de mais espaço e, ao contrário dos vaudevilles, 23

eram frequentados por trabalhadores e classes mais baixas. “Eram locais rústicos, abafados e pouco confortáveis, onde muitas vezes os espectadores viam os filmes em pé se a lotação estivesse esgotada. Mas ali se oferecia a diversão mais barata do momento” (MASCARELLO, 2006, p. 19). A maioria desses lugares eram na verdade grandes depósitos ou armazéns adaptados, e por isso possuíam péssimas infraestruturas, contudo se espalharam rapidamente pelos bairros operários das cidades norte-americanas voltadas especialmente para a classe mais baixa, não à toa que o nome fazia uma analogia ao níquel da moeda de 5 centavos, valor do ingresso.

O início dessa exibição improvisada, que avança quase que com medo de tropeçar, é importante para entender a divisão entre elite e proletariado: passado o primeiro momento de filmes com cenas cotidianas, a indústria cinematográfica passou a produzir filmes mais caros para uma elite culta e obras comuns e sem grandes planejamentos para a grande massa, que se arriscava em cinemas insalubres na periferia da cidade. Por mais que tentassem passar a mensagem de uma cultura acessível para todos (e de fato, não podemos tirar a importância das exibições direcionadas ao público mais carente), o cinema crescia em direção daqueles que possuíam mais dinheiro para investir nele. Existe o cinema para todos, mas também existe o afastamento dos espaços de exibições pelas classes sociais.

Antes de 1910, os nickelodeons ocupavam a América com mais de 10 mil unidades, frequentadas na sua maioria pela classe trabalhadora que festejava a disposição de uma diversão por tão pouco (AUGUSTO, 1995), sem saber que a existência desta estava ameaçada.

O crescimento da chamada sétima arte impulsiona outras questões, principalmente urbanas. O espaço de exibição deixa de ser improvisado e passa a ocupar grandes lotes e espaços públicos, que serviam de palco para grandes eventos, logo os projetos que iam surgindo precisavam responder a essas questões: como relacionar com o 24

entorno? Como projetar cinemas de rua que “abracem” a rua, visto que a sessão começa no encontro, na fila para ingresso na calçada?

Atualmente temos mais clareza para perceber como o cinema de rua envolvia a cidade. As ruas lotavam, os comércios do entorno ganhavam público e o local ganhava vida, impulsionado pelos consumidores de cinema. Conforme os projetos cinematográficos vão evoluindo, o programa desses edifícios também se adaptam para receber melhor a rua, com grandes marquises cobrindo as calçadas e incentivando esse encontro do lado de fora.

Por muito tempo, o cinema foi o único entretenimento disponível nas pequenas cidades. Não importava o quão pequena esta fosse, um espaço para exibição sempre surgia, mesmo que mais improvisado, pois todos queriam estar no cinema, não interessava qual o filme. Sempre próximo dos centros da cidade, o cinema era o ponto de encontro de todos nos finais de semana e o que movimentava a rua.

Ao falar de cinema e cidade é necessário lembrar que com o tempo as salas foram mudando seu público alvo, focando na classe média que procurava luxo e deixando de lado os galpões lotados de trabalhadores: “Na direção inversa dos americanos que massificavam a atividade para torná-la cada vez mais rendosa e viável, os jovens de classe média que imaginavam um cinema para o Brasil pensavam-no como uma atividade artística dignificante para o país, e a sua frequência, uma forma de diferenciação e distinção social” (SCHVARZMAN, 2005, p. 155). A cidade era para todos, mas o cinema não.

Não era incomum ver críticos da época lamentando que bairros operários possuíam boas salas de cinema em São Paulo. Gabus Mendes era um dos cronistas que achava um desperdício bons filmes gastos com uma platéia, segundo ele, sem qualificações (SCHVARZMAN, 2005), já que o cinema deveria ser frequentado apenas por elites nos melhores lugares da cidade.

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Os filmes começam a refletir essa ideia de “higienização” da burguesia, e as produções nacionais evitavam mostrar imagens de negros, índios e paisagens naturais (SCHVARZMAN, 2005), refletindo nos cinemas o preconceito das ruas. Não é possível dizer que o cinema era unificado, quando se tenta esconder a realidade de boa parte dos usuários, que frequentavam cinemas insalubres enquanto os bons cinemas eram inacessíveis.

As ruas dos cinemas centrais estavam lotadas, mas de um público seleto quase escolhido a dedo. Por mais que essa ocupação tenha sido de extrema importância, não podemos deixar de lado a existência dessa exclusão da classe mais pobre a um equipamento que deveria ser de livre acesso. Na possibilidade de lucrar com as produções cinematográficas a conquista da cidade foi colocada em segundo plano.

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figura 6 Espetáculo em cartaz no único Vaudeville de Los Angeles (fonte: revista mutt)

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Quadra aberta e fruição pública Para projetar um equipamento público de grandiosidade como os cinemas é necessário entender conceitos de espaços urbanos coletivos apontados por grandes urbanistas como Portzamparc, Jacobs e Ruth Verde Zein. Segundo o arquiteto Rogelio Salmona (2002, apud COSENZA, 2016, p.39), “não há espaço urbano em si mesmo: o espaço se define por sua forma e borda, por seus limites arquitetônicos. Os espaços urbanos públicos excepcionais não existem sozinhos: surgiram com e a partir da arquitetura. Nos espaços verdadeiramente significativos, nos quais se faz a cidade, a arquitetura é um elemento indissociável: a arquitetura pensada a partir da cidade e a cidade feita com a arquitetura.”, e é exatamente em cima disso que esse trabalho se baseia: ressignificar espaços a partir de uma nova arquitetura, uma que seja inclusiva, segura, convidativa.

Entender o contexto inicial do bairro é o que permite assimilar o que suas construções dizem, as carências que possuem, a forma com que a rua dialoga com o edifício e principalmente suas multiplicidades. É quando distinguimos essa pluralidade que elaboramos um projeto consciente, afinal fazer uma mudança tão grande assim em um local é provavelmente o maior desafio projetual para se ter: dividir uma quadra em dois, abrir uma nova “rua” e torná-la acessível, receptiva e segura, receber um novo fluxo de mentes curiosas e hesitantes. E mais que isso, definir o uso do solo e cada função que um novo espaço terá sem degradar o espaço existente que já possui uma forte história de colonização e exploração, tudo isso sem perder a identidade que o bairro criou ao longo dos anos.

De acordo com o arquiteto Simon Unwin (2013, p. 64 apud COSENZA, 2016, p. 38) são as preexistências arquitetônicas que definem as novas construções, com os seus potenciais e problemas servindo de ponto de partida para elaborar um bom projeto, utilizando de lugares e características memoráveis do espaço, dessa forma se estabelece uma conexão com o local, e não uma simples ruptura.

Fora as preexistências, é preciso garantir que os novos edifícios construídos não se 28

figura 7 Implantação com o terreno liberado da quadra do Cine Piratininga.

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fechem para si. Segundo Jane Jacobs (2014) um dos pontos para sustentar uma rua segura são edifícios com olhos para a rua, pois dessa forma os moradores garantem tanto a segurança deles, quanto de quem passa. De nada adianta adensar um novo espaço construindo nele edifícios fechados com pátios internos cercados de grandes muros, estes só vão trazer uma falsa sensação de segurança para os moradores.

São os comércios e equipamentos que trazem a fruição pública desejada para um espaço. A forma que as calçadas e as lacunas entre edifícios é ocupada pela população que frequenta esses locais (principalmente restaurantes e mercados) é o que cria vida ao espaço. Quando mantemos esses equipamentos próximos das habitações, estimulamos que os moradores transitem pelas calçadas e reduzam o uso dos carros.

Além disso, é o vazio entre o novo e essas preexistências que irá servir de definição de um bom espaço público: “Entre dois não é, necessariamente, um espaço residual (o vazio entre dois volumes próprios da arquitetura e do urbanismo modernos) senão que, nas geometrias complexas, pode ser um lugar substancial: o lugar onde a geometria “inspira e expira”; um lugar de ambiguidades sincrónicas. Uma Almofada elástica estrutural [...] O vazio não separa, então, se não une. É um grampo entre acontecimentos que enlaça, já que o próprio vazio é o que permite articular caminhos, suportes e acesso, produzindo malhas - ou canais - de conexão; reais ou virtuais.”

(GAUSA, 2000, p. 194 apud COSENZA, 2016, p. 54)

Ao criar nesses novos espaços, é a forma que os vazios vão ser utilizados que define o ambiente. Em todo momento que se pensava uma nova quadra para o Piratininga, a maior premissa foi criar fluxos, espaços de permanência e de reflexão, refletindo de certa forma a própria ideia do cinema e criando novos caminhos em uma quadra grande e fechada como a que o cinema se encontra.

O cinema é um grande exemplo de ocupação que potencializa seu entorno. A maior característica de um cinema de rua é quase óbvia: ele está na rua. É ele que vai ser responsável por ocupar os vazios, como citado acima, e trazer a segurança urbana para a região ao reunir uma multidão de desconhecidos com um interesse em comum, “o 30

ponto fundamental tanto do jantar comemorativo quanto da vida social nas calçadas é precisamente o fato de serem públicos. Reúnem pessoas que não se conhecem socialmente de maneira íntima, privada, e muitas vezes nem se interessam em se conhecer dessa maneira” (JACOBS, 2014, p. 47).

São essas pessoas que vão criar vida para a cidade. Não é raro encontrar imagens de grandes estreias cinematográficas em São Paulo e ver ruas lotadas. Segundo Inimá Simões (1990), em 1950 os 119 cinemas abertos na cidade de São Paulo recebiam 35 milhões de espectadores, e as salas da cinelândia configuravam uma rua sempre cheia e movimentada. É fato que a cidade é feita, não importa se bem planejada ou não, e a prova disso é vista no bairro do Brás, uma agregação e acúmulo de diferentes tempos, sem planejamento significativo de suas quadras e ruas, que hoje são engolidas pelo mercado imobiliário virando muros infinitos de muita vulnerabilidade. É quase impossível encontrar projetos pensados para o pedestre no bairro, e seu início industrial permanece vivo até hoje, sem ser ponto de partida para novos cenários.

Localizado na zona leste de São Paulo, o Brás começou a surgir no século 18, e desde então é rara ver a preocupação com o pedestre ou com equipamentos públicos para o bairro. O bairro é reconhecido nacionalmente por suas lojas e comércio de roupas, recebendo mais de 400 mil pessoas por dia, chegando a 1 milhão de compradores em épocas de pico (ALOBRÁS, 2019), portanto não deveria possuir essa ausência de espaços públicos.

Tudo isso se deve, em parte, ao descaso do governo paulistano com os bairros industriais no começo do século 20, enquanto os bairros de classe média recebiam todos os projetos urbanísticos da cidade (BARIONI, 2016). Esse abandono reflete praticamente até hoje, já que só em 2014 o bairro foi classificado como uma Zona Eixo de Estruturação Urbana (ZEU), estabelecendo que deveria acontecer o crescimento populacional e receber equipamentos públicos com a melhoria paisagística, mas este 31

figura 8 Croquis da primeira e segunda era da cidade, do arquiteto Portzamparc. (fonte: vitruvius)

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último ainda é incomum de acontecer no bairro.

O bairro verticaliza cada vez mais, com condomínios que escondem seus equipamentos por dentro dos muros. Aliás, agindo diferente do conceito definido por Luiz Guilherme de Castro (2013, apud BARIONI, 2016, p. 61) onde os espaços públicos são quaisquer lugares com equipamentos e infraestruturas que criam vida coletiva, em ruas e praças que viram palco para eventos e festas públicas, o Brás possui cada vez menos espaços de socialização. É preciso entender essa realidade da cidade para então repensá-la. Para a urbanista Ruth Verde Zein (2014) é inútil viver na utopia de que um dia poderemos refazer toda a cidade para então deixá-la perfeita e aceitar que ela é uma união de coisas desinteressantes e feias, mas com alguns pontos interessantes, e nosso papel como arquitetos é aos poucos espalhar a boa e inclusiva arquitetura.

São algumas atitudes na hora de pensar o projeto que trazem essa boa arquitetura. Não a arquitetura monumental, nem o projeto com revestimentos mais caros, mas aquele que pensa na cidade em primeiro lugar, que constrói seus espaços em volta dela e que garante a dinâmica do dia a dia para os usuários.

Jan Gehl (2009, apud BARIONI, 2016, p.61) considera que para uma cidade possuir bons espaços públicos seus edifícios devem possuir espaços interiores que são complementados pelos usos dos espaços exteriores, com o pavimento térreo interagindo com os espaços públicos criados. Essa característica é apenas uma das várias responsáveis por criar um bairro seguro e confortável e que agora não é identificada no bairro.

O Brás sofre com alguns problemas principais: galpões inutilizados, inúmeros prédios habitacionais surgindo em condomínios fechados e muros infinitos. Todas essas questões levam o bairro a seguir o caminho oposto do sugerido por qualquer urbanista, o que explica a ausência de segurança e a difícil locomoção para o pedestre no local.

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Para exemplificar os conceitos necessários para gerar uma quadra aberta e coletiva, o projeto da Praça das Artes, do escritório Brasil Arquitetura, é ideal. Localizada no centro de São Paulo, mais precisamente entre a Rua Conselheiro Crispiniano, a Avenida São João e a Rua Formosa, possui um terreno que soma diversos lotes dentro da quadra, criando um percurso entre ruas.

Essa somatória de lotes foi o que possibilitou a abertura da quadra, direcionando o projeto para uma ocupação mínima do térreo, dando preferência a edifícios elevados ou ocupando as laterais do terreno, de forma que as aberturas geradas incentivam a entrada dos usuários, como dito pelo arquiteto Christopher Alexander (2013, p.549 apud COSENZA, p. 52), é a experiência da entrada que influencia a maneira que você se sente nela, se esta é brusca demais, não temos a sensação de adentrar um espaço sagrado e protegido.

Também, o projeto claramente entende as preexistências tratando-as com o devido respeito e compreensão necessários para uma boa arquitetura. Isso é observado na concordância de alinhamento e altura com os edifícios próximos e com a ausência de recuos laterais, praticamente se fundindo ao existente, ainda que criando um novo contraste com suas fachadas excepcionais.

Além de se preocupar com as pré-existências, alguns edifícios antigos são mantidos como parte do projeto. O Conservatório Dramático e Musical e a fachada do antigo Cine Cairo se encaixam nos novos edifícios como se ali sempre pertencessem, e o resultado é a prova de que é possível inserir o antigo no novo de forma harmônica e respeitosa.

A estratégia de projeto que coage o usuário a se movimentar pela quadra criando espaços atrativos e zonas de permanência, cria vida entre edifícios, como dito pelo urbanista Jan Gehl (2010, p.19): “como conceito, a “vida entre edifícios” inclui todas as diferentes atividades em que as pessoas se envolvem quando usam o espaço em comum da cidade: caminhadas propositais de um lugar a outro, calçadões, paradas 34

figura 9 Imagem aérea da Praça das Artes. (fonte: Archdaily)

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figura 10 Implantação com o terreno ocupado. (fonte: Archdaily)

figura 11 Acesso à Praça das Artes pela rua Conselheiro Crispiniano. (fonte: Archdaily)

figura 12 Acesso à Praça das Artes pela Avenida São João. (fonte: Archdaily)

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curtas, paradas mais longas, ver vitrines, bater papo e encontrar pessoas, fazer exercícios, dançar, divertir-se, comércio de rua, brincadeiras infantis, pedir esmolas e entretenimento de rua” e é exatamente essa técnica utilizada pelo projeto do Brasil Arquitetura.

Essa análise é significativa para entender como a quadra funciona quando seus edifícios não são pensados individualmente. Quando pensamos no coletivo a qualidade dos espaços evolui consideravelmente, os fluxos gerados sustentam uma cidade segura e dinâmica, acessível para qualquer grupo social, de qualquer renda e etnia, que não só garante um percurso diário tranquilo, como também mantêm o comércio e os equipamentos do espaço vivos.

De acordo com a definição de Portzamparc (1997, p.47) sobre quadra aberta, é ela quem permite reinventar a rua: “os objetos continuam sempre autônomos, mas ligados entre eles por regras que impõem vazios e alinhamentos parciais. Formas individuais e formas coletivas coexistem. Uma arquitetura moderna, isto é, uma arquitetura relativamente livre de convenção, de volumetria, de modenatura, pode desabrochar sem ser contida por um exercício de fachada imposto entre duas paredes contígua”, e todos estes conceitos são vistos no exemplo da Praça das Artes.

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Patrimônio cultural: permanência e transformação Depois da questão cinematográfica e da quadra aberta, um terceiro e último ponto é necessário para a análise completa da área de estudo. Além do Cine Piratininga, projeto de 1943 de grande importância na história da arquitetura moderna e cinematográfica brasileira - e que infelizmente até hoje não é um edifício em preservação - na quadra de estudo encontram-se dois edifícios tombados: A escola Romão Puiggari e o Fórum da Infância e Juventude.

Com as novas construções do bairro, a ênfase dada aos edifícios que agora passam a ser históricos aumenta mais ainda, e com ela o tópico sobre o antigo e o novo e suas relações. Como adaptar pré existências sem perder o seu valor histórico e sua essência? Como operar no presente utilizando dos métodos atuais e das possibilidades de apropriação, sem deixar para trás os valores daquela construção? E como saber quais valores devem ser preservados, e quais descartados?

De acordo com a Carta de Veneza (1964) - documento essencial para entender os princípios do restauro - o termo “Restauração” é descrito como “Uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das reconstituições conjeturais, todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo.” (Carta de Veneza, 1964)

Logo, é necessário enfatizar as diferenças arquitetônicas entre séculos, sem perder a questão principal, que é a conservação dos edifícios. Claro que nem todos teóricos sempre pensaram dessa forma, criando diferentes hipóteses para o restauro: para Viollet-le-Duc (1814 - 1879) o correto seria restaurar a obra seguindo os exatos passos do arquiteto original, retomando a obra a sua antiga forma, enquanto que John Ruskin (1819 - 1900) valorizava as transformações do tempo e propunha o restauro apenas do necessário, e por fim, Camillo Boito (1836 - 1914) se aproximava do ideal da Carta de 38

Veneza e defendia a diferenciação entre a intervenção nova com a existente, utilizando das ferramentas atuais disponíveis.

A preocupação de Boito resiste até hoje e foi levada em consideração para elaboração deste projeto. O Cine Piratininga encontra-se abandonado e por isto nunca passou por um projeto de restauro e conservação, pelo contrário, diversas partes do cinema foram adaptadas para serem utilizadas como estacionamento, gerando algumas questões: seria mais coerente retornar o cine a sua forma original - já que existem plantas e documentos que permitem essa escolha - ou abraçar as novas alterações do tempo e homem no local e enfatizar a diferença entre novo e velho? É importante não ignorar o entorno do cinema. Os galpões e espaços abandonados passam agora a possuir um novo significado, por se localizarem próximos de edifícios de importância arquitetônica e histórica. A paisagem do bairro se constitui principalmente pelo caráter industrial que adquiriu na sua fundação em uma mistura com os cortiços e casas geminadas que foram surgindo,sendo estes facilmente encontrados na quadra de estudo.

Os pontos comerciais também fazem parte do entorno, sendo naturalmente a maior atividade e ocupação do Brás, famoso por suas lojas. Na Avenida Rangel Pestana, principalmente, quase todo seu perímetro é ocupado por edifícios comerciais ou mistos, que mesmo muito presente no bairro, ainda se apresenta em condições precárias.

Na própria quadra do antigo cinema é possível visualizar a nova “cara” que os empreendimentos imobiliários que ocupam o bairro possuem: grandes torres contrastando com os pequenos edifícios habitacionais do local, cercadas de muros que ignoram completamente o entorno dali. Na lateral de um desses condomínios uma pequena ruela cercada de muros dá acesso às poucas casas que restaram ali, marcando o contraste entre construções.

Essa redondeza marcada por uma mistura de influências e modificações ao longo do 39

tempo e o Cine Piratininga agora são um só. O próprio cinema também já sofreu as alterações que o Brás demanda: um estacionamento é muito mais rentável em um bairro que recebe milhares de comerciantes de fora por mês do que um cinema. Esse pensamento capitalista se espalha por todo o bairro, que carece de equipamentos culturais. É preciso também entender até que ponto se faz efetivo o tombamento das salas de cinema. Das salas de cinema tombadas em São Paulo (Ipiranga, Marabá, Belas Artes, Metrópole, Paissandu, Dom José, Art Palácio e Marrocos) apenas três funcionam como salas de exibição, sendo um deles de filme pornográfico. O restante encontra-se abandonado, sem nenhum uso definitivo ou mesmo temporário e sem relação com o meio cinematográfico.

Claramente é um avanço importante garantir que estes edifícios não vão ser demolidos para a construção de novos prédios, mas isso significa que vão estar sempre aqui? No atual estado de conservação de alguns deles, talvez venham ao chão por si só, pois não há lei que assegure a permanência de um edifício magicamente após seu tombamento.

Fica evidente que o simples tombamento não garante o futuro do cinema de rua. De acordo com as notícias, muitos desses cinemas possuem planos para outros usos que não a exibição, como casas de espetáculos e salas geeks, em parte provavelmente porque a maioria dessas salas foram feitas para acomodar milhares de pessoas, muito mais do que estamos acostumados nos cinemas de hoje, mas também porque há um desinteresse no resgate do cinema de rua.

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figura 13 Vista aérea da quadra do Cine Piratininga, com os principais edifícios demarcados.

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02 a seca

_Salas de cinema em São Paulo; _A quadra do Cine Piratininga; _O Cine Piratininga.

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Salas de cinema em São Paulo _o início do cinema em São Paulo

O cinema se espalha pelo mundo e chega até São Paulo em 1907, inaugurando a primeira sala de cinema regular, o Bijou-Palace. O espaço faz parte de uma das inúmeras salas de exibição de Francisco Serrador, nome essencial para o desenvolvimento cinematográfico paulistano, responsável por transformar a exibição em locais precários e de pequeno negócio em um grande mercado financeiro (SIMÕES, 1990).

Mesmo com esse espaço adaptado para as exibições cinematográficas, o começo da trajetória de salas de exibição não foi fácil, de acordo com Maria Galvão (1975, p.24 apud ANELLI, 1990, p. 38) o Bijou-Palace, um dos melhores cinemas da época, também possuía poltronas que desbotavam sobre as roupas dos usuários, além do mal cheiro e dos ninhos de pulgas encontrados. É importante ressaltar que o cinema ainda possui uma posição itinerante, ligado às atividades de mágica, ao circo e aos teatros, sendo esse último muito ocupado para exibição de filmes desde 1989 com o cinematógrafo, a exemplo do Cine-teatro 43

figura 14 Primeiro espaço exclusivo para exibições cinematográficas de São Paulo, em 1907. (fonte: salas de cinema em SP)

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Colombo e Teatro Polytheama. Segundo Paula Santoro (2004) para entendermos a imprevisibilidade dos eventos e a dificuldade de se fixarem em um local específico, é necessário compreender a infra-estrutura do momento: o fornecimento de energia ainda não é constante e afeta nas programações culturais.

Sendo assim, as exibições chegam ao Brasil seguindo a receita original: ocupando galpões e feiras, de forma provisória, voltada principalmente ao público popular e masculino. É a complexidade dada aos filmes que evolui esses espaços de exibição, com o exemplo de Griffith e “O Nascimento de uma Nação”, que dá cunho artístico para as produções e, automaticamente, atrai a elite.

“No Brasil, a exibição de filmes acompanhou, ainda que com alguma defasagem, a transformação das salas conforme se deu nos Estados Unidos. Em sua origem, como divertimento popular, o cinema era exibido em cafés-concertos ou circos, como parte de espetáculos de variedades [...]. Mais tarde, com a crescente autonomia das exibições cinematográficas, antigos armazéns são adaptados. Trata-se de grandes salões localizados perto de regiões de concentração operária como o Brás e a Mooca, por exemplo. Com a Primeira Guerra Mundial, o advento do filme de longa metragem, a partir de Griffith, e o aburguesamento da frequência aos cinemas, novas salas, em bairros centrais, devem surgir para abrigar esse público.” (SCHVARZMAN, 2005, p, 162)

Após esse pontapé inicial e a melhora da infra, diversas salas foram abertas, principalmente no centro de São Paulo, dando início ao que conhecemos como Cinelândia. Nessa primeira fase, de acordo com Paula Santoro (2004), o público frequentador era mais diversificado, se dividindo entre imigrantes, operários e burguesia cafeeiras e banqueiros. Esse público fica mais evidente depois, quando o cinema do centro passa a ser direcionado para a classe média, e o de bairro para o proletariado.

No final da década de 10, o edifício da sala de cinema já possuía um programa de necessidades, mesmo que ainda parecesse uma apropriação de barracões. Entre ajustes e incêndios (comuns devido às fitas de filme da época) em 1913 São Paulo já possuía 45 salas de cinema, incluindo espaços adaptados de café, pavilhões e teatros.

Depois da década de 30, a inauguração da linha de bonde é responsável pela expansão 45

das salas para os bairros, principalmente o Brás, e já possui salas conhecidas até os dias de hoje, como o República (1921), o Odeon (1926), o Oberdan (1927) e o Paramouth (1929) (SANTORO, 2004).

Embora a presença desses espaços adaptados já significasse uma valorização da cultura cinematográfica, ainda era necessário adequar a cidade para receber estes equipamentos. Não existe projeto urbano, nem uma volumetria própria para trazer maior conforto na hora das exibições, as salas ainda não possuíam espaço para desenvolver suas próprias características, mas o desejo de ver a evolução da cidade da mesma forma que se via nas telas era unânime. É nesse cenário que a atividade cinematográfica cresce, os filmes hollywoodianos tomam conta das salas brasileiras e o cinema passa a fazer parte da vida metropolitana.

Os anos 20 trazem a dimensão de coletivo, com o carnaval abrindo espaço para vida nas ruas, nos salões de cinema e nas diversões e para isso diversas alterações aconteciam na cidade, projetos paisagísticos, expansão horizontal, rodoviarismo e verticalização (CAMPOS, 2002, p.190 apud SANTORO, 2004, p. 108).

O cinema simbolizava a modernidade da cidade, muito mais importante do que os filmes que nele eram exibidos: “eu posso lembrar um tempo no qual irmos ao cinema era tão importante quanto o filme que iríamos assistir. [...] Fantasia, exotismo, extravagâncias, esses maravilhosos excessos projetados nas telas; qualidades que também dominavam a aparência do cinema. Os cinemas tinham que competir com os filmes, em tamanho e imaginação para manter o equilíbrio com as imagens maiores que a vida projetadas sobre a tela” (KELLY, 1987 apud ANELLI, 1990, p. 9).

Essa busca por modernidade e luxo é um outro motivo para a separação tão nítida de classes na frequentação de cinemas. Isso porque, na sede por elegância, a crítica paulistana tentava ao máximo fazer do cinema um acontecimento social da elite, mais do que um equipamento de cultura, com regras de etiqueta e estréias gigantescas, seguindo exemplo da ópera e do teatro.

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figura 15 Cine Theatro Paramouth, inaugurado em 1929 no bairro Bela Vista. (fonte: salas de cinema em SP)

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No auge das mudanças de São Paulo, algumas características desse crescimento afetam o desenvolvimento das salas de cinema e sua relação com o entorno, como destaca a arquiteta Paula Santoro (2004), são elas: aumento da população e automaticamente a formação da periferia (representa tanto a necessidade de mais espaços quanto a expansão para novas áreas afastadas do centro); industrialização (divisão entre a classe média e operários) e o novo papel dos equipamentos urbanos (necessidade e desejo de modernizar, de criar símbolos e equipamentos de grandes portes).

figura 16 Ufa-Palácio, cinema de Rino Levi, em 1936. (fonte: salas de cinema em SP)

Em 1936 é inaugurado o UFA-PALÁCIO, cinema de Rino Levi que vai alterar a forma de se fazer cinema em São Paulo. É quando alguns pontos essenciais de projetos são levados em conta, como a visibilidade da plateia, a acústica, os acessos e a qualidade de projeção (SIMÕES, 1990). Com 3.139 lugares, o UFA (que futuramente viria a se chamar ART-PALÁCIO) define a região da Av. São João e seus arredores como a famosa cinelândia paulistana.

No momento em que grandes espaços de diversões são inaugurados no centro da cidade, outra mudança importante acontece simultaneamente: a separação entre os espaços de diversão da burguesia e proletariado, mantendo o centro como espaço da elite e das atividades culturais mais elevadas.

Essa separação não priva a população das várzeas de cultura, por outro lado, vai abrir espaço para atividade cinematográfica crescer em outros espaços, como o bairro do Brás, conforme será visto mais à frente no capítulo. O bairro, na época dominado por imigrantes italianos, será o espaço inicial da produção de filmes nacionais e a garantia de acesso para uma arte tão importante como o cinema (SANTORO, 2004).

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A presença do cinema nos bairros tem um significado social tão intenso que deve ser cuidadosamente analisado. O ato de ir ao cinema possui uma importância gigante: de se desligar do dia-a-dia, de se conectar com outras culturas, de contemplar o público do mais puro prazer. A partir do momento que a população mais rica de São Paulo torna o ato do cinema em um evento de luxo e glamour, com grandes festas de regras rígidas de vestimentas (e automaticamente, com ingressos mais caros), estão impossibilitando o cinema de sua maior função, a de ser um equipamento para todos, principalmente para a população mais carente. “... Mais uma vez, Serrador & Cia no olho da rua, ou melhor, no Brás, de novo e mais uma vez, o público seleto precisando andar muito e arriscar os ouvidos às inconveniências para assistir filmes dos ditos Senhores.” (Paratodos, n.342, 4.7.1925, p.57)

Voltando para a área central, com toda atenção direcionada ao “Centro Novo”, nas Av. São Luís e São João, padrões rígidos de construção são estabelecidos, guiados pelo Plano Prestes Maia, que direciona a forma que os térreos se relacionam com a rua e, automaticamente, a maneira que os novos cinemas são feitos e utilizados, com grandes galerias e hall de entradas monumentais, além de incentivar o aumento da construção dessas salas pelas avenidas envolvidas no plano. (SANTORO, 2004).

De acordo com Inimá Simões (1990, p. 49) o espetáculo do cinema começava antes do filme, na calçada, com o encontro entre os frequentadores, visto que o cinema se tornou, na época, o principal ponto de convergência social: “Estes templos, erigidos para adoração das divindades cinematográficas provocam de acordo com lógica pragmática do sistema exibidor, um saudável efeito psicológico nos frequentadores, algo como uma gratificação - vivenciar por um certo tempo ambientes de luxo, com mármores, veludos, espelhos, banheiros deslumbrantes - era a energia do paulistano para sua jornada semanal”.

A cinelândia vira espaço de prestígio, de encontros que necessitavam de mais luxo, como aniversários ou comemorações de namoro. Além dos ingressos mais caros - por serem salas lançadoras e grandes palácios cinematográficos - essas salas também 49

figura 17 Propaganda nos jornais para o Festival Internacional de Cinema, no Cine Marrocos, em 1954. (fonte: salas de cinema em SP)

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passaram a exigir um padrão claramente preconceituoso de seus usuários, como uma altura mínima para os homens, terno e gravata e, expondo a exclusão desses grandes cinemas, apenas brancos podiam entrar.

As salas de cinema da avenida São João e seus arredores, junto com as salas de bairro, agora já com estrutura suficiente para construção dos famosos palácios cinematográficos, se dividiam entre cinemas modernos ou salas com temáticas de filmes, que se atentavam a questões de qualidade acústica, conforto e visibilidade de cada poltrona e modernização na forma de projetar.

A década de 50 é o auge para o cinema de rua de São Paulo, a chamada lua de mel cinematográfica por Inimá Simões. Havia salas em quase todos os bairros, tornando uma atividade acessível para todos, com ingressos mais baratos nessas salas perimetrais, com a diferenciação entre salas centrais e de bairro.

No ano de 1954, por exemplo, o Cine Marrocos recebe um Festival Internacional de Cinema com a presença de grandes artistas internacionais, ocupando toda a rua com grandes festas. Uma média de 50 milhões de ingressos são vendidos anualmente, e os cinemas de bairro ainda resistem firmemente. São Paulo não poderia estar em uma relação melhor com o cinema.

Abaixo segue uma análise de algumas das salas do centro de São Paulo: BIJOU PALACE: Considerada a primeira sala de cinema regular de São Paulo. Aberta em 1907, possuía capacidade para 400 pessoas e tratava-se de um antigo teatro de variedades adaptado para receber apenas exibições cinematográficas (SANTORO, 2004). Mesmo com o sucesso que fez na época, foi demolido em 1914 devido a reforma do Vale do Anhangabaú.

REPÚBLICA: Inaugurado em 1921, surgiu de uma reforma em um antigo galpão, utilizando os moldes de um teatro, com camarote e plateia, visto que ainda não existia 51

uma planta tipo para as salas de cinema. Com isso, o cine reforçava as separações entre elite e classe operária, destinando apenas a arquibancada do segundo pavimento para a população mais pobre. O primeiro Cine República foi mais tarde demolido para dar lugar a um novo cinema de mesmo nome, inaugurado em 1952 por Paulo Sá.

UFA-PALACE/ART PALÁCIO: Primeiro cinema de Rino Levi, construído em 1936, dá início a uma nova maneira de conceber salas de cinema no país, atentando-se à visibilidade da platéia, utilizando estudos de acústica, iluminação, ventilação, acessos e qualidade de projeção, uma novidade visto que boa parte das salas eram na verdade teatros e galpões adaptados (SIMÕES, 1990). Nas palavras do próprio Rino Levi (1936, p.64) “na elaboração do projeto em apreço, a acústica da sala de projeções foi considerada em primeiro plano, tendo sido a própria forma arquitetônica subordinada a ela”, evidenciando a importância de se adequar às questões de conforto.

O cinema conta com 3.139 lugares, divididos entre platéia e balcão, e foi apenas o começo de uma série de projetos de Rino Levi que viriam a tomar conta de São Paulo.

Ainda segundo Inimá Simões (1990, p. 38) a construção do UFA foi o salto qualitativo na construção das salas, sendo responsável pela definição da Cinelândia, que passou a ocupar avenidas no seu entorno. Na descrição do Correio Paulistano, “O UFA-PALACE, o novo cinema de São Paulo, parece que saiu de algum livro de Wells. As suas linhas lisas e moderníssimas, o seu sistema de iluminação que, não fazendo sombra nos rostos, torna todo mundo mais bonito e mais jovem. As duas cores escolhidas para a decoração, o creme e o brique, tudo numa harmonia deliciosa torna o UFA uma sala de diversão como antes só fora visto nos próprios filmes.” Na época, de acordo com Renato Anelli (1990), a arquitetura moderna ainda era novidade e restrita a poucos edifícios, por isso o impacto de um prédio tão grande e completo (desprezo pelo entorno, se destacando totalmente).

METRO: Quando o Cine Metro é inaugurado em 1938, ele surge como uma grande inovação com todo o avanço das salas de exibição da Broadway e Champs Elysées, sendo um dos primeiros a possuir ar condicionado, fator que trazia grande público principalmente no verão (SANTORO, 2004). Construída por uma produtora norte52

americana, e projeto do também americano, Robert R. Prentice, possuía o mesmo padrão em todas as salas Metro do país, com o exterior marcado por linhas verticais e modesto comparado com seu interior luxuoso inspirado nos egípcios, diferença que marca a divergência entre arquiteto e decorador (ANELLI, 1990).

IPIRANGA: Projeto de Rino Levi, nos jornais diziam “A gente se sente achatada, sumida, sob aquela marquise majestosa, cujas luzes insinuantes parecem dizer num convite: isto não é tudo, entre e veja o que há dentro. E lá dentro há um hall grande [...] tudo isso dentro de linhas limpas de uma arquitetura moderna, original e honesta. Quem inventou o ‘slogan’ acertou: o IPIRANGA é um monumento ao cinema”. Inaugurado em 1943, ocupava um edifício de programa misto, com o cinema no térreo e um hotel ocupando o restante, vencendo um desafio estrutural devido ao terreno pequeno que ocupava, tornando impossível que o cinema dividisse espaço com o hotel na frente ou atrás, colocando assim um acima do outro. Esse desafio altera completamente o partido de Levi, que teve que lidar com os pilares atravessando a sala de cinema, criando vigas de transição para receber a carga destes e transferir para pilares no exterior da sala (para evitar vigas gigantescas, a posição da sala foi invertida e a sobreposição do hotel ocorre na menor dimensão da sala) (ANELLI, 1990).

Com essa inversão da tela, ficando agora de costas para a rua, outra solução diferenciada teve que ser feita: o acesso. Diferente dos outros dois cinemas de Rino Levi vistos anteriormente, neste a sala de projeção se localizava no piso acima, liberando o térreo para as circulações e evitando que o acesso ao cinema ficasse ao lado da tela (ANELLI, 1990).

MARABÁ: Construído em frente ao Ipiranga, marca o início da rivalidade entre a Companhia Serrador e Paulo Sá Pinto. Foi inaugurado em 1945, também possuindo um edifício de hotel logo acima da sala. “A estrutura do prédio que continha o hotel apoiavase sobre pilotis que emolduravam o térreo do edifício. Obedecendo os padrões de legislação da avenida, sua entrada tinha pé-direito alto, cuja fachada possuía elementos vazados com desenhos em estilo Art Déco” (SANTORO, 2004, p. 149).

Possuía menos oposição entre arquitetura e decoração do que no cine Metro, com 53

figura 18 Cine Paissandú em 1958, no Largo do Paissandú.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 19 Cine República em 1921, na estréia do filme “Bohemios”. (fonte: salas de cinema em SP)

figura 20 Interior do Cine Marrocos, considerado o mais luxuoso de São Paulo. (fonte: salas de cinema em SP)

figura 21 Inauguração do ar condionado no Cine Metro, em 1939. (fonte: salas de cinema em SP)

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figura 22 Cine Belas Artes em 1967, após reforma.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 23 Escadaria do Cine Olido, primeiro cinema dentro de uma galeria.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 24 Evento na entrada do Cine Metrópole, em 1964.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 25 Estreia do filme “Ângela” no Cine Marabá, em 1951.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 26 Cine Ipiranga, projeto de Rino Levi.

(fonte: salas de cinema em SP)

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grandes colunas cilíndricas no exterior e ornamento discreto dentro da sala de exibição, deixando a atenção para o filme. O cinema Marabá responde todas necessidades que os cinemas modernos de Rino Levi também se preocupam, mas sem utilizar disso como seu partido e nem das temáticas dos filmes, sendo um equilíbrio entre os dois (ANELLI, 1990).

MARROCOS: Inaugurado em 1952, seguia o padrão dos outros cinemas da região, e se localizava no térreo de um edifício de escritório. Inspirado no cinema americano possui decoração temática, baseado no filme “Mil e uma noites” e era tão refinado que foi considerado o cinema mais luxuoso da América do Sul, com direito a um chafariz na entrada do vestíbulo e bar no salão de espera.

Apresenta a mesma relação entre cinema e edifício que o cine Ipiranga, mantendo o prédio de escritórios na frente e o cinema atrás, mas com um terreno muito mais extenso para ser utilizado. Com essa extensão, surge outro problema: o enorme caminho entre a entrada e a sala de exibições, que foi transformado pelo decorador em um pré espetáculo de fantasia e ostentação mourisca (ANELLI, 1990).

Depois de todo o luxo, em 2013 o edifício foi ocupado por mais de 400 famílias do MSTS, onde permaneceram por 3 anos. O edifício atualmente está desocupado, aguardando parcerias com a Secretária Municipal de Cultura para renovar o espaço, com alguns detalhes arquitetônicos bem conservados.

OLIDO: O primeiro cinema da Cinelândia a funcionar dentro de uma galeria, foi inaugurado em 1957, na esquina da Rua Dom José de Barros com a Av São João. Junto com o cine Copan e Metrópole, marcam uma nova diretriz de cinemas sem conexão com seu exterior, com uma grande expansão de galerias pela cidade, que finaliza a era de grandes palácios cinematográficos.

BELAS ARTES: Antigamente com o nome de Trianon, foi aberta em 1956 pela Companhia Cinematográfica Serrador. Passou por diversas reformas ao longo dos anos e foi sendo dividido em várias salas, até chegar a sua configuração atual, com 6 salas de cinema, e diante de diversos fechamentos e reaberturas, sobrevive até hoje como um cinema de 56

arte importante da cidade de São Paulo.

PAISSANDU: Inaugurado em 1958, divide seu terreno com um edifício de escritórios na frente do lote, com a sala de cinema localizada ao fundo. Com projeto de autoria de Severo e Villares S.A, sua implantação encontra destaque na Avenida Rio Branco, de fachada monumental e grandes pórticos que contrastam com o interior de temas do folclore nacional numa tentativa de incentivar a nacionalidade. Algumas de suas soluções se assemelham ao Cine Ipiranga, reproduzindo o acesso sob o piso da sala de projeções e a inversão da sala (ANELLI, 1990).

METRÓPOLE: Aberto em 1964, também funcionava dentro de uma galeria, na Praça D. José Gaspar. Mesmo sendo em um espaço interno, era um cinema luxuoso com um grande hall e sala para 1.300 pessoas. Fechou em 1998 e funcionou por um tempo como espaço de eventos, mas hoje se encontra totalmente desativado.

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figura 39 Mapeamento das salas de cinema do Brás.

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_o cinema no Brás

As salas de bairro, apesar de mais acessíveis e de não possuírem caráter “lançador”, não eram obrigatoriamente salas pequenas, pelo contrário, as maiores salas de São Paulo e até do país estavam nos bairros da cidade. É o caso do Cine Universo e Piratininga, as duas maiores salas de São Paulo, ambas no eixo Celso Garcia - Rangel Pestana e somando quase 9 mil lugares em projetos do arquiteto Rino Levi. Outros bairros também se destacam pelo número de salas, como Lapa, Ipiranga e Vila Mariana, bairros que, de acordo com Inimá Simões (1990) sempre possuíam um local de concentração com uma grande sala, reforçando a ideia de um “centro” no bairro.

A ocupação desse eixo não é por mero acaso, ela surge devido a movimentação maior de pessoas nesse caminho, causada pelos trajetos do bonde e pelas estradas que ligavam o centro ao bairro da Penha. Com mais de 20 cinemas inaugurados desde 1900 até a década de 60, a localização dessas salas é fundamental para firmar a posição de bairros como Brás e Belém na história cinematográfica do Brasil.

Um bairro claramente comercial e industrial, teve seu desenvolvimento lento em torno da capela do Senhor Bom Jesus dos Matozinhos, inaugurada em 1803. Nunca apresentou um plano de arruamento, e com isso as ruas vão surgindo de forma irregular, mas sempre apresentando um eixo de grande importância entre o centro de São Paulo e o bairro da Penha, a Avenida Rangel Pestana e a Avenida Celso Garcia (TORRES, 1985).

O retardamento no desenvolvimento viário afetou também as construções do bairro, que com a dificuldade no registro de terras, contribuíram para o surgimento de casas fora do alinhamento, de material mais simples como taipa ocupando becos e ruas estreitas. Não é acaso que os mapas antigos de São Paulo revelam, por volta de 1840, um Brás ainda muito vazio lidando com os problemas de inundações que colaboraram para a lentidão da vida urbana do bairro.

Pela sua localização - de difícil acesso e em área de alagamento - foi desde o início ocupada por uma população mais pobre, que logo em seguida foi acompanhada por 65

imigrantes, principalmente italianos, mão de obra para as indústrias que começavam a ocupar o local em 1877 e iriam caracterizar o bairro até hoje (BARIONI, 2016), que continua sendo habitado por imigrantes a procura de um aluguel mais barato em cortiços e emprego fácil na indústria têxtil, desencadeando uma enorme cadeia de empregos irregulares e em condições análogas a escravidão.

As fábricas cresceram juntas com as residências, criando um cenário caótico para os moradores do bairro, que viviam em um meio insalubre e que por vezes oferecia grande risco de incêndio. Mesmo assim, já nesse momento os equipamentos de diversão começam a surgir sendo uma válvula de escape para os trabalhadores do Brás, com circos, mercados e teatros, a exemplo do Teatro Colombo, talvez um dos primeiros marcos de um eixo de extrema importância para os equipamentos cinematográficos da região.

Na década de 50, o Brás é o segundo território cinematográfico da cidade e, dos 10 cinemas mais frequentados da cidade, 3 estavam localizados no Brás. (SIMÕES, 1990). A ampliação das salas de cinema para os bairros sinalizam o surgimento de centralidades no bairro (SANTORO, 2004) e de tentativa de trazer modernidade para toda a cidade.

Sua eventual recaída começa no final da década de 50, acompanhando o desinteresse geral do público de frequentar os cinemas de rua. Um dos motivos é que, com o aumento dos preços dos ingressos nas salas lançadoras do centro, muitos usuários das salas de bairro preferiram guardar o dinheiro para frequentar a cinelândia pela experiência diferenciada que ofereciam. A ida de algumas indústrias para o ABC Paulista também afetou diretamente a região do Brás e a implantação dessas salas (SANTORO, 2004).

Conhecendo o histórico urbanístico do bairro, o eixo vital citado acima, o PestanaGarcia, foi primordial para definir o recorte de pesquisa, isso porque além de abrigar mais tarde, na década de 40, diversas salas de cinemas relevantes para o momento, também possui uma forte necessidade de reconstrução e intervenção atual. Desse estudo surgiu o foco principal de análise, o Cine Piratininga, e dele algumas novas 66

questões projetuais: como ocupar o antigo cinema e seu entorno, revivendo espaços industriais e comerciais do bairro? Como criar espaços abertos e conectados entre si, lidando com as preexistências?

TEATRO COLOMBO: No início das exibições, diversos teatros foram adaptados, incluindo em sua programação espetáculos de música e dança. O cine teatro Colombo, inaugurado em 1908 no bairro do Brás, foi adaptado diversas vezes durante sua existência, sendo construído em 1897 como um mercado, mas alterado em 1907 para casa de diversões (SANTORO, 2004). Foi destruído em um incêndio em 1966 devido a sua estrutura já precária e abandonada.

OBERDAM: Inaugurado em 1927 foi um grande empreendimento que teve seu fim cedo demais devido a uma tragédia. Foi em 1938 que um mal entendido provocou a morte de 31 pessoas, na maioria crianças, apesar do retorno após uma breve pausa, fechou as portas oficialmente nos anos 60. Esse acidente trouxe uma grande discussão sobre saídas de emergências e segurança do usuário no cinema (SANTORO, 2004).

BABYLÔNIA: Aberto em 1935 como o maior cinema da América do Sul, que depois iria perder o posto para o Cine Universo, possuía quase 4 mil lugares, e confirmava o Brás como bairro importante no contexto cinematográfico (SIMÕES, 1990).

ROXY: Com projeto de Francisco Beck, iniciou seu funcionamento em 1939, mas ainda não se encaixava nos padrões acústicos dos cinemas de Rino Levi, com planta retangular e paredes paralelas (SANTORO, 2004). Localizada na Av. Celso Garcia, atualmente funciona como uma igreja presbiteriana.

UNIVERSO: Maior cinema da cidade, localizado no Brás, possuia 4.324 lugares com um projeto de Rino Levi. A premissa do projeto era oferecer a maior lotação possível economizando ao máximo na construção, que ainda contava com um forro móvel, que se abria em dias de céu limpo.

Apesar de inaugurado em 1939, seu projeto foi concebido junto com o cine Ufa-Palace, 67

evidenciando diversas semelhanças e diferenças entre eles. Ao contrário do Ufa, o cine Universo se localizava longe do centro e por esse motivo, era direcionado para classe operária e para as massas, necessitando de ingressos mais baratos e a maior capacidade de usuários possível. Os revestimentos, as luminárias e poltronas não chegavam perto do luxo do Ufa, e nada era utilizado por mera estética, cada plano possuia uma função, mas ainda assim segue os princípios de visibilidade e fruição do público (ANELLI, 1990). A solução estrutural também segue outro caminho: enquanto no Ufa são utilizadas tesouras de madeira num telhado de duas águas, no Universo são necessários reforços no contraventamento e vão, utilizando ferro, madeira e concreto na cobertura (ANELLI, 1990).

PIRATININGA: Com um total de 4313 lugares, foi construído em 1943 com o slogan de “maior cinema do Brasil” quase sempre lotado nos finais de semana. Dos cinemas de Rino Levi, é o que apresenta menos materiais com informações, mas também acompanhava os outros cinemas com sala + apartamentos, devendo ser construído economizando ao máximo (semelhante ao Cine Universo).

Diferente do cine Ipiranga, o terreno do Piratininga permitia que a estrutura do cinema não coincidisse com a dos apartamentos, facilitando na solução estrutural do conjunto todo, sendo assim, a fachada do edifício era ocupada com diversas lojas, criando um percurso entre a rua e a sala de exibição marcados pelo pé direito duplo e pelo projeto de iluminação (TAMANINI, 2011).

Encerrou suas atividades na década de 70, por já não atrair tantos espectadores, passando a funcionar como estacionamento.

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figura 40 Propaganda do filme “Fantasma Risonho” no Cine Babylonia, em 1942.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 41 Cine-Teatro Colombo, inaugurado em 1908.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 42 Cine Universo em 1943, antes da construção do edifício habitacional.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 43 Cine Oberdam, inaugurado em 1927.

(fonte: salas de cinema em SP)

figura 44 Interior do Cine Roxy.

(fonte: salas de cinema em SP)

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_o declínio do cinema de rua

Claro que a lua de mel do cinema não durou para sempre. Logo no final da década de 50 os primeiros sinais de decadência aparecem. Grandes cinemas como o Babylonia, Odeon e Rosário são fechados, e até 1970 o público frequentador do estado de São Paulo se reduz a quase metade (SIMÕES, 1990).

Em 1957 é inaugurado o primeiro cinema dentro de uma galeria, o Cine Olido, marcando o início de um novo modo de fazer cinema. É nessa época que as salas de cinema de rua começam a mostrar seus sinais de decadência, com a diminuição do público frequentador, no mesmo momento da expansão da TV, que é vista como a vilã da situação (SIMÕES, 1990).

Essa redução de público, porém, é muito mais complexa que isso, e envolve mudanças na forma de vivenciar a cidade. De acordo com a arquiteta Paula Santoro (2004), além da popularização da televisão, existem também as questões urbanas, como a violência, sensação de falta de segurança, nova forma de mobilidade e valorização do espaço e lazer privado.

Para alguns cinemas, a solução é dividir suas grandes salas que já não faziam mais sentido e raramente lotavam em 2 ou mais salas, possibilitando maior oferta de filmes. Essas divisões nem sempre levavam em conta as normas técnicas de projeção e conforto, criando até mesmo espaços sem nenhuma sala intermediária entre a rua e a platéia, os chamados cinemas quitinete (SIMÕES, 1990).

As salas que não foram demolidas ou divididas, se transformaram em depósitos, lojas e igrejas, pois seus aluguéis se tornaram insustentáveis.

Importantes salas do centro são transformadas em cinemas pornográficos numa tentativa de sobrevivência dos espaços cinematográficos, como 70

figura 45 Cine Marabá em 1980, funcionando como cinema pornográfico. (fonte: salas de cinema em SP)

Marrocos, Marabá e Dom José, esta última continua com essa função, mesmo depois de ter sido tombada.

Os bairros que dominavam o mercado cinematográfico já não possuem salas abertas. No Brás, por exemplo, todas se fecharam e, ao contrário da maioria dos bairros, nenhuma sala foi aberta dentro de shoppings ou galerias, deixando a população carente de entretenimento.

Ir ao cinema já não é mais um grande acontecimento: “Não se diz mais como antes ‘vou ao Metro’, o que denotava de imediato uma prioridade absoluta. Ouve-se mais ‘vou ver tal ou qual filme’’’ (Simões, 1990, p.145).

A arquitetura externa das salas não existem mais, estas viraram caixas escuras dentro de shoppings centers, sem qualquer marco espacial, como dito pelo crítico Gabriel Menotti (2012) a sala de projeção é marcada pela nulificação do espaço físico e o amortecimento da presença humana.

Em 1956 havia em São Paulo 184 salas de cinema, número que baixou para 93 em 1990 (SANTORO, 2004). O centro da cidade já não é mais o grande polo de lazer, e as ruas antes dominadas por salas de cinema agora são ruas evitadas por serem consideradas perigosas demais. A cinelândia já não existe mais, e sua região fica abandonada na mão de um governo que a trata com descaso.

Os shoppings trazem para a classe média uma facilidade de acesso e sensação de segurança que fazem com que aumentem cada vez mais pela cidade. Os estacionamentos no próprio espaço, o espaço fechado que de certa forma seleciona os que ali frequentam, as enormes vitrines embelezadas para chamar atenção de quem passa por elas. Tudo isso serve de atrativo para uma classe média que procura por espaços que não mostrem a realidade da cidade, uma maquiagem da desigualdade social que existe.

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A quadra do Cine Piratininga _gentrificação, galpões e bens tombados

A quadra onde o Cine Piratininga se localiza é um exemplo de todas as mudanças que o bairro enfrenta hoje. O parcelamento do terreno em diversas casas populares, feito no começo do século xx, a transformação do bairro em um grande polo comercial após 1930, com a construção de indústrias e galpões, os equipamentos como a escola Romão Puiggari, o Fórum da Vara Infantil e, claro, o Cine Piratininga e o atual adensamento do bairro, com as novas verticalizações surgindo.

Todas essas singularidades presentes em uma quadra enorme de aproximadamente 68.000 m2, delimitadas pela avenida Rangel Pestana, a rua Piratininga, rua Prudente de Morais e rua Martin Burchard, fazem com que o projeto do antigo cinema seja ainda mais especial. E claro, o estudo desse espaço foi extremamente necessário para agregálo ao projeto e renovar o Piratininga por completo: em seu interior e seu entorno.

Ao analisar a quadra, se destacam dois edifícios tombados pelo CONPRESP. A Escola Estadual Romão Puiggari, voltada para a Avenida Rangel Pestana foi inaugurada em 1898, sendo uma das mais importantes de São Paulo. Com projeto de Ramos de Azevedo, o edifício foi construído a fim de expandir seu alcance e número de alunos da escola, que já funcionava em outro imóvel do bairro. Foi tombada em 2002 pelo seu grande valor para a cidade, tanto como instituição educacional quanto como arquitetura, e continua funcionando até hoje, atendendo mais de 700 alunos.

Próximo da escola está localizado o Fórum das Varas Especiais da Infância e Juventude, antigamente conhecida como Escola Profissional Masculina. Construída em 1916, abrigava a importante entidade instrutiva que antes funcionava na Rua Miller, e funcionou com essa finalidade até 1964 quando foi desmembrada em outras duas. Em 2016 foi tombado pelo CONPRESP e passou a abrigar o Fórum, que funciona até os dias atuais.

Como um bairro majoritariamente comercial, a presença de galpões e indústrias é 72

figura 46 Fórum das Varas Especiais da Infância e Juventude (fonte: São Paulo antiga)

figura 47 Escola Estadual Romão Puiggari

(fonte: São Paulo antiga)

figura 48 Rua Maurício Salomão Nahas.

(fonte: google maps)

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observada não apenas na quadra de estudo, mas no bairro inteiro. Nas ruas Martim Burchard e Piratininga estão os maiores galpões, a maior parte abandonada, enquanto a rua Prudente de Morais é ocupada por pequenos galpões, a maioria em funcionamento. A avenida Rangel Pestana possui prédios de maior gabarito e mais recentes, sempre seguindo o padrão térreo comercial + residência ou salas comerciais.

Entre a quadra também existe uma pequena viela que atravessa a rua Piratininga até a Martin Burchard, dando acesso a residências de tipologia térrea. A gentrificação do bairro já dominou boa parte dessa pequena rua, que agora virou uma mistura de habitações CDHU com grandes muros que desconsideram totalmente o entorno e é utilizado como estacionamento pelos moradores dali.

figura 49

figura 50

Lateral do galpão COPAG. À direita, o Fórum da Infância e Juventude.

Situação atual das do galpão.

(fonte: Julia Mota)

Por estar inserida em uma Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana existe o incentivo ao adensamento populacional, o que justifica os novos edifícios na quadra. Até o momento, três novos condomínios residenciais foram inaugurados, dois deles com 2 prédios e o outro com 3, mas todos acompanhando o modelo do mercado imobiliário criando grandes muros e se fechando para dentro.

Além da Macrozona, de acordo com o Plano Diretor, a quadra está inserida em uma Zona de Centralidade (ZC), espaços destinados à promoção de usos não residenciais, buscando promover qualificação dos espaços públicos e o aumento da densidade construtiva e demográfica.

Esse incentivo é reforçado pela Operação Urbana Centro, que abrange a quadra de estudo e procura atrair novos investimentos - tanto culturais quanto imobiliários - através dessa valorização dos espaços públicos.

_COPAG

A fabricação de cartas começou a funcionar por volta de 1908, mas o

figura 52 Vista da rua Piratininga do galpão COPAG (fonte: google maps)

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(fonte: Julia Mota)

s janelas e vidros

galpão da rua Piratininga só foi inaugurado em 1920, operando até 1990, ano em que foi transferido para a rua Porto Martins, no Brooklin. A marca COPAG cresceu pelo Brasil nesse tempo, sendo comercializada atualmente no mundo inteiro, mas sua antiga fábrica continua abandonada no Brás.

figura 51 Interior do Galpão COPAG atualmente.

Desde 1990 o espaço não foi mais utilizado, mas mesmo degradado ainda é um edifício de extrema importância histórica e que representa a arquitetura industrial do bairro. Ao lado, um corredor separa o galpão do edifício tombado do Fórum, e este mesmo segue até chegar ao miolo da quadra, dando acesso a lateral do Cine Piratininga, que atualmente está sob o comando do mesmo proprietário do Galpão.

(fonte: Julia Mota)

O edifício possui 4 pavimentos, todos bem iluminados com janelas por toda a parede, seguindo a mesma organização espacial entre as vigas e pilares de concreto. Na lateral, duas caixas anexas ao edifício sugerem que a circulação provavelmente era feita por ali.

Em uma reforma feita recentemente as paredes do térreo foram removidas, deixando o espaço livre sobre os pilares. Nesse mesmo ano, o proprietário realizou algumas modificações na fachada e no telhado, mas logo a obra foi embargada por não considerar o desenho original da edificação, e o galpão voltou a ficar abandonado (Ferreira, 2019).

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figura 53 Elevação da Rua Piratininga. (fonte: google maps)

figura 54 Elevação da Rua Prudente de Morais. (fonte: google maps)

figura 55 Elevação da Rua Martim Burchard. (fonte: google maps)

figura 56 Elevação da Av. Rangel Pestana. (fonte: google maps)

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O Cine Piratininga _Histórico

Construído em 1943, o Cine Piratininga foi um empreendimento da Cooperativa de Papéis e Artes Gráficas - a COPAG - que compreendia um amplo programa dividido em área comercial, cinema e habitação. O terreno disponível originalmente possuía acesso a Rua Piratininga, a Martin Burchard e a Avenida Rangel Pestana, em um formato de T, com a construção do cinema ocupando apenas uma parcela frontal do terreno permitindo acesso principal pela Rangel Pestana - e o restante ficando livre para a construção do galpão da cooperativa.

A sala de cinema não ganhou o slogan de “o maior cinema do Brasil” à toa: possuía 4313 lugares com platéia, camarins e balcão. Pela sua dimensão, foi necessário uma entrada secundária pela Rua Martin Burchard para atender a grande escala da sala e ao código municipal de obras, principalmente depois da tragédia do Cine Oberdan.

Projeto do arquiteto Rino Levi, que como dito anteriormente, projetou as maiores salas do Brás. Levi nasceu em São Paulo em 1901, filho de imigrantes italianos e cresceu no Brasil até 1921, quando viajou para a Itália para estudar na Escola Preparatória e de Aplicação para os Arquitetos Civis, em Milão. Finaliza os estudos na Escola Superior de Arquitetura em Roma e retorna ao Brasil em 1926.

Seus primeiros projetos deixam evidente sua proximidade com a escola italiana, relação essa que o arquiteto lutou contra ao seguir dos anos: “como não podia deixar de ser, sofri a influência da arquitetura italiana, sobretudo a de Roma. Voltando ao Brasil, em 1926, fiz um grande esforço para me libertar dessa influência” (LEVI, 1964, apud ARANHA, 2008, p. 139).

Levi passa a se dedicar à busca de uma arquitetura moderna adequada para o país, procurando atender as demandas da escala do pedestre e também a escala da cidade 78

e das novas grandes avenidas (ARANHA, 2008), sempre mantendo sua característica de ser minucioso, estudando cada detalhe sobre um novo assunto até possuir conhecimento suficiente para projetar.

Foi essa individualidade que fez de Levi um nome tão importante na história das salas de cinema de São Paulo. Com seu primeiro projeto de cinema, o UFA-Palace, utilizou pela primeira vez todo o conhecimento científico que possuía, resolvendo problemas relacionados à acústica (utilização da parabolóide), iluminação, ventilação e fluxos, além de chamar atenção por resolver cada especificidade das salas de acordo com suas necessidades, sem utilizar um padrão fixo.

“O estudo da função e das qualidades da obra arquitetônica é tão intimamente ligado à técnica quanto às leis da proporção. Para se chegar a fins estéticos concretos, em harmonia com a função dos vários elementos constituintes da obra, necessário se torna conter e selecionar a fantasia de certos valores orgânicos. [...] A finalidade da arquitetura não é o cálculo, apesar desta não poder prescindir do mesmo, mas sim e exclusivamente a forma.”

(LEVI, 1939, apud ARANHA, p. 94)

Após o UFA, Rino Levi foi responsável pelo projeto de mais 6 cinemas pelo Brasil, 4 deles em São Paulo. Cada um deles com sua individualidade, mas sempre seguindo a mesma premissa: estrutura do espaço interno oculta, evitando destaques desnecessários para a mesma, mas que de algum forma é representada nas fachadas dos edifícios, fachadas essas que eram sempre marcadas por grandes marquises iluminadas que marcavam a entrada do edifício, utilizando ao máximo da luz como elemento simbólico de seus prédios. Por fim, as circulações dos cinemas sempre chamavam muita atenção por não apenas atenderem ao código de obras, mas por serem satisfatórias em tranquilizar o espectador em caso de pânico (ANELLI, 1990).

_Inserção | entorno

O cinema está inserido em uma quadra de aproximadamente 340m x 200m, onde seu terreno original ocupava boa parte desse espaço (14.883 m2). Próximo a quadra estão territórios importantes do bairro, como a via Rangel Pestana, um dos principais 79

figura 57 Cine Piratininga nos anos 70. (fonte: salas de cinema em SP)

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conectores da Zona Leste com o Centro, o Largo da Concórdia e com acesso fácil pela linha de metrô/CPTM do Brás, localizada a uma quadra do cinema.

Além disso, em frente ao cinema também existem dois pontos de ônibus que juntos abastecem cerca de 22 linhas diferentes, o que faz da quadra um espaço extremamente fácil de acessar, seja por transporte público ou mesmo privado.

Também é importante citar a ausência de equipamentos no entorno. Para um bairro que vivia o cinema, hoje não existe mais nenhum indício do passado, e as ruas são dominadas pelo comércio que carrega milhares de pessoas para a região todos os dias. Não apenas o cinema está em ausência, mas segundo o GeoSampa, o único equipamento cultural do bairro é a galeria de arte dentro da estação do Brás.

_Programa

O programa do edifício não se diferencia muito dos outros cinemas que eram projetados pela cidade. Acompanhado de um térreo comercial e unidades habitacionais nos pavimentos superiores, Rino segue a mesma linha dos seus outros cinemas até então projetados, o Art-Palácio e o Cine Universo, e futuramente o Cine Ipiranga, visto que a cidade se modernizava a verticalização era algo lógico e necessário nos novos edifícios.

Esse programa demandava a solução de alguns problemas, na escala do pedestre com suas monumentais entradas e marquises convidativas e na escala da cidade com os pavimentos superiores dialogando com os outros edifícios. A solução estrutural também podia vir a ser uma questão nas implantações em que o edifício sobrepunha a sala de exibições, como é o caso do Cine Ipiranga.

Mas no Piratininga esse problema não existiu, e seu programa é bem desmembrado estruturalmente. No térreo duas entradas separadas demarcam o acesso ao cinema e ao conjunto comercial: voltadas para a Avenida Rangel Pestana, o acesso ao cinema se sobressai com a marquise que um dia abrigou o letreiro com o nome do cinema, guiando o usuário por um corredor de pé direito duplo com 50 metros de distância até 81

a platéia.

Mesmo sendo um projeto com restrições financeiras, o arquiteto encontrou formas de trazer a experiência única e imensurável de adentrar um grande palácio cinematográfico.

O grande corredor é uma forma de desconexão da rua e preparo para o ambiente espetacular e gigantesco da sala de projeção, localizada no centro da quadra, que contemplava uma plateia, balcão e um palco com fosse para orquestras, algo comum nos cinemas da época.

“Esse tipo de implantação no centro da quadra era frequentemente empregada, principalmente nas grandes salas do Brás, graças a grande escala da sala de projeção e porque essas áreas possuíam menos preço. A solução era prevista no Código de Obras, como cinemas no interior do terreno, e para as quais se exigia, pelo menos, dois acessos às vias públicas.” (OLIVEIRA, 2006, p.130 apud COELHO, 2017, p.31)

Nas laterais do corredor se localizavam as escadas de acesso ao mezanino, onde ficavam o acesso para o balcão e a sala de espera com bar. Na sala de projeção o desenho parabolóide já é uma marca de Rino, que aprecia acima de tudo a boa acústica das salas e para isso dedicou estudos a forma necessária para alcançá-la.

Devido a sua dimensão, uma saída alternativa pela rua Martin Burchard foi adicionada, possibilitando que os usuários saíssem tanto pela Rangel Pestana quanto pela Martin para evitar congestionamentos na saída.

No corredor ao lado do que dava acesso ao cinema, era possível acessar os conjuntos comerciais, como unidades independentes do cinema. Existiam duas unidades comerciais de 9,0 x 40,0m cada, com mais dois andares acima do térreo de pé direito de 5m, o primeiro pavimento possuía a mesma disposição do térreo, mas com um pé direito menor de 3m, já o segundo pavimento ocupava também o corredor de entrada ao cinema.

Já o edifício habitacional é composto por onze andares com quatro unidades por pavimento, localizados logo acima do térreo comercial e do acesso ao cinema (fazendo 82

figura 58 Plantas originais do Cine Piratininga com programa.

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com que as unidades comerciais sejam destacadas pela quantidade de pilares). Seu acesso é feito pela Avenida Rangel Pestana, entre a entrada comercial e do cinema, e continua bem conservado e habitado até hoje.

_Estrutura

Como já dito, o edifício se resolve estruturalmente ao se “separar” de acordo com o programa. A estrutura de concreto da sala de projeção é independente do restante e os pilares frontais demarcam a fachada e o caminho da bilheteria até a plateia da sala de projeção, onde a estrutura ficava “escondida”, como uma intenção projetual do próprio Rino Levi em todos seus cinemas (ANELLI, 1990).

Por outro lado, as paredes em parábolas não eram escondidas, pelo contrário, se destacavam no interior do cinema. Essa forma foi definida após inúmeros ensaios demonstrarem que era a que gerava melhor acústica, e de fato os cinemas de Rino são reconhecidos até hoje pela qualidade do som durante a exibição.

O arquiteto fazia questão de projetar todos os detalhes, desde a estrutura do cinema até as maçanetas e poltronas (ANELLI, 1990), criando equilíbrio com o todo.

_Estado atual

Atualmente o espaço do antigo cinema funciona como estacionamento. Onde ficava a platéia e o palco é hoje um grande vazio descoberto, um respiro no Brás que não é devidamente utilizado e a cada dia perde um pouco mais sua identidade. O edifício habitacional se conservou consideravelmente bem, funcionando até hoje.

Após ser fechado em 1977, as alterações necessárias para se adequar ao novo programa foram feitas. O piso original e as cadeiras foram removidas, e o fosso disponível para as orquestras foi fechado. A escada lateral que dava acesso direto do balcão para a rua Martin Burchard também foi removida para maior circulação de veículos.

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figura 59 Cine Piratininga em construção. (fonte: Paula Dal Maso Coelho)

Com o eventual descuido algumas partes foram se perdendo. Na década de 90 a cobertura da platéia desabou, o que ocasionou automaticamente ao maior degradamento do interior da sala, agora exposto ao tempo, principalmente no balcão onde algumas plantas cresceram e a estrutura apresenta algumas rachaduras. No antigo espaço do palco a estrutura e alvenaria está aparente, e todo ambiente de apoio (camarim, banheiros, etc.) foram demolidos.

O famoso letreiro frontal foi removido por volta de 2008, e as paredes pintadas de preto, amarelo e branco, identificando o local como um estacionamento. Mesmo assim, ao adentrar o corredor de acesso ao cinema, ainda vemos algumas de suas características antigas: grandes pilastras com pé direito duplo, as ondulações na parede, o piso que permanece o mesmo, e os detalhes da chegada dos pilares ao forro. Na lateral o acesso ao mezanino está bloqueado por entulhos, e o seu acesso não é permitido devido ao estado de conservação atual.

As salas comerciais permaneceram alugadas por algum tempo, mas hoje são parte do estacionamento. Uma rampa foi criada para conectar o nível comercial com o da sala de cinema, a fim de facilitar o deslocamento dos carros. Os níveis superiores desse espaço também não possuem acesso liberado.

No espaço onde funcionava a sala de espera do térreo vemos toda a estrutura do balcão exposta e em péssimas condições. O piso foi concretado dali até a platéia, modificando o desnível original pensado por Rino Levi, para adaptar o espaço a sua nova função. Embora o espaço interno da sala tenha sofrido grandes alterações, ainda é possível sentir as sensações que transmitia, e sua grandiosidade admira qualquer um que entra no espaço nos dias de hoje.

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86figura 60 Cine Piratininga atualmente. (fonte: imagem autoral)

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figura 61 Fachada do antigo cine, atualmente. (fonte: imagem autoral)

figura 62 Cine Piratininga atualmente. (fonte: imagem autoral)

figura 63 Antiga bilheteria.

(fonte: imagem autoral)

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figura 64

figura 65

Escadaria que dava acesso ao cinema.

Escadaria que dava acesso ao cinema.

(fonte: imagem autoral)

(fonte: imagem autoral)

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figura 66

figura 67

Vista do balcão do pavimento térreo.

Corredor de acesso ao Piratininga.

(fonte: imagem autoral)

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(fonte: imagem autoral)

figura 68 Cine Piratininga atualmente. (fonte: imagem autoral)

figura 69 Cine Piratininga atualmente. (fonte: imagem autoral)

figura 70 Antigo espaço comercial. (fonte: imagem autoral)

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figura 71 Caixa de projeção.

(fonte: imagem autoral)

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figura 72

figura 73

Platéia e acesso lateral.

Acesso lateral ao balcão.

(fonte: imagem autoral)

(fonte: imagem autoral)

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03 o transbordar _Contexto; _Diretrizes; _Plantas, cortes e elevações; _Considerações finais.

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Contexto Pensando na história inicial de São Paulo, Tamanduateí é o rio primordial da cidade, que era chamado pelos os indígenas de Piratininga, cujo significado seria “peixe a secar”, depois das inundações. Numa analogia, talvez o cine Piratininga só esteja passando por um longo período de seca, esperando ansiosamente a água voltar a enchê-lo e saciá-lo como nos velhos tempos, tirando do estado quase desértico que se encontra, transbordando.

E voltar aos tempos de cheia é extremamente necessário, porque não se deve simplesmente abandonar um edifício de tantas memórias e força como o Piratininga. É claro que ao recuperar um cinema de 4 mil lugares, novas questões são colocadas, e o que antes funcionava como uma mega sala cinematográfica, hoje se abre para novos usos.

Este tema surgiu do amor e admiração pelo universo cinematográfico e tudo que ele representa, e encontrou refúgio na história do cinema de São Paulo. Logo 95

acabou adquirindo um teor um pouco saudosista de uma estudante de 23 anos que se encantou com as grandes salas de cinema de rua e não deixou de se imaginar frequentando elas na década de 50.

As salas de rua representam um pouco da liberdade de fruição que foi se perdendo com o tempo. Representam a conexão com a rua, o movimento, o encontro.

Representam também o acesso à cultura, a expansão pela cidade, o programa de família - seja ela de classe alta ou não.

Dessa aproximação com as salas de São Paulo, o objeto de estudo foi se direcionando para o bairro do Brás, devido a suas peculiaridades. Primeiro, por ter sido o bairro com o maior número de salas de cinema depois da Cinelândia, e hoje não possuir nenhuma sala de cinema ativa - aliás, nenhum equipamento cultural ativo no bairro inteiro.

Em segundo, por ser um bairro que representa tantas multiplicidades: milhares de lojas que chegam a receber mais de um milhão de pessoas por dia, cortiços remanescentes da imigração italiana no meio de novos condomínios habitacionais resultado da gentrificação que permeia o local, junto com indústrias e galpões subutilizados.

Logo o projeto deixou de ser apenas sobre a restauração de um cinema. Não faria sentido recuperar esse espaço sem alavancar o entorno, ou ele continuaria abandonado de certa forma. Diversas salas de cinema do centro de São Paulo foram tombadas e hoje continuam abandonadas da mesma forma: não foi estabelecido um uso para esses locais, uma nova experiência para essas salas gigantescas, como se de certa forma o que importasse é a conservação da sua “carcaça” e nada mais.

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A ideia desse “novo” Cine Piratininga é de um local convidativo, acessível para todos e, principalmente, ocupado por todos. É exaltar o espaço que resistiu por anos sem cuidado e ainda assim continua em pé, persistindo a transformação em meio a mudança do bairro.

Ao projetar em um espaço de tanta memória e de valor histórico é necessária muita delicadeza e respeito. Como um local que não é tombado, não existiam restrições, mas manter seus aspectos originais ou até mesmo seu envelhecimento era uma forma de assumir seu significado no espaço urbano.

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figura 74 Cine Piratininga nos anos 70. (fonte: salas de cinema em SP)

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Diretrizes e propostas O universo cinematográfico é a materialização da realidade machista que vivemos.

A exclusão da mulher nos papéis é a mesma que ela enfrenta nos espaços públicos.

A sensação de desamparo, o domínio do masculino sobre nós, a necessidade de se rebaixar, a insegurança. Os bastidores de Hollywood podem ser novidade para alguns, mas para as mulheres é um enfrentamento diário.

Com isso, o projeto que surgiu no Cine Piratininga evoluiu em um ano de trabalho e tantas questões e angústias foram se adicionando: a vontade de frequentar um espaço convidativo, seguro e prazeroso fez o espaço crescer. Não era suficiente fazer uma intervenção somente no cinema, nem seria coerente em um local onde todo o entorno também necessita de intervenções.

Para possibilitar um local de amparo e reviver a quadra do cinema, foram definidas quatro diretrizes principais: conectar, valorizar, ocupar e estimular.

Conectar espaços, ruas e edifícios, criando novas fruições pela quadra que estimulam a passagem constante de pessoas por térreos ativos, trazendo um fluxo que antes não existia por se tratar de uma quadra de grandes dimensões.

Para isso, foram feitas novas aberturas que possibilitam esse fluxo: ligação entre a rua Piratininga e Martim Burchard, reabrindo o corredor ao lado do galpão Copag e criando novos edifícios com passagem livre; abertura da lateral do Cine Piratininga dando acesso direto ao miolo aberto e novos projetos na Rua Prudente de Morais e Av. Rangel Pestana, que também incentivam esse fluxo.

Valorizar o espaço físico do Cine Piratininga reconhecendo-o como potência para o bairro e para a cidade. Entender que o que antes foi um cinema poderia - e deveria - abrigar novos usos foi o primeiro passo para projetar no espaço: depois 99

da queda da cobertura original, o espaço central do cinema ganhou ainda mais força e evidência como um local que poderia abrigar diversas atividades para o bairro.

Ocupar os vazios já existentes do miolo de quadra, e as empenas cegas criadas com novos edifícios que respeitam o entorno, sua escala e suas características.

Além da ocupação física, ocupar estes espaços também significa adensar a região, com a criação de edifícios habitacionais espalhados pela quadra. A premissa principal para ocupação era transformar fundos de edifícios em novas frentes, com fachadas ativas que trazem nova vida para o espaço.

Estimular a cultura e os equipamentos ausentes do bairro, pensando na multiplicidade dos moradores locais e dos milhares que passam diariamente pelo comércio do Brás. Assim foram inseridos espaços de apoio ao imigrante, salas de cinema, locais de ensaio e produção para os grupos de teatro do bairro e para exposições, além do grande espaço livre do Piratininga que pode receber apresentações, feiras, festas, etc.

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figura 75

figura 76

Quadra de intervenção.

Edifícios removidos.

figura 77

figura 78

Preexistências incorporadas.

Terreno liberado para intervenção.

figura 79

figura 80

Novos edifícios.

Possíveis fluxos pela quadra.

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figura 81 Imagem aérea da quadra com novas intervenções.

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Programa geral O programa da quadra é uma resposta para essas inquietações junto com o estudo da área. Pontos como a necessidade de adensamento e equipamentos culturais surgiram do entendimento das necessidades do bairro e se incorporaram nos novos projetos para a quadra.

Assim, todos os projetos levam para o espaço de fruição central que conecta esses edifícios. Nesse miolo de quadra uma arquibancada e diversos bancos cumprem a função de permanência, possibilitando que o local seja também um ponto de encontro ou de realização de eventos.

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Edifício habitacional: O bairro do Brás passa atualmente por uma ocupação do mercado imobiliário que é evidente quando vemos a quantidade de novos edifícios habitacionais pela área, e é inevitável o adensamento que a quadra já está passando. Logo esse uso foi inserido em quatro edifícios, mantendo a paisagem urbana e seguindo o gabarito dos prédios já existentes, sempre propondo térreos ativos para que a região não seja dominada por muros de condomínios isolados.

Centro de imigrantes: Desde o surgimento do bairro, a região é dominada por imigrantes - primeiro pelos italianos incentivados pela industrialização, e atualmente pelos bolivianos, que possuem inclusive um importante ponto de encontro na rua Coimbra, no Brás. Por essa presença forte no bairro, fez-se importante um espaço para adaptação desses imigrantes no país, com salas para oficinas profissionalizantes, cursos linguísticos e assistência técnica.

Salas comerciais: Três edifícios da quadra possuem espaço para salas comerciais, estimulando abertura de novos negócios e emprego para a região.

Cinema e coworking: Incentivando o retorno das atividades cinematográficas no bairro - agora em menor escala seguindo o padrão atual - foram propostas 3 novas salas de cinema, cada uma com 150 m2, em um edifício que também possui salas de coworking e terraço livre.

Apoio ao piratininga: O edifício conta com FABLAB e salas para ensaio/reuniões, visando servir de apoio aos grupos de teatro do bairro e aos eventos que acontecerão no antigo cinema.

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figura 82 Diagrama com programa da quadra.

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figura 108 83 Miolo central da quadra sendo utilizado para exibição de filmes ao ar livre.

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figura 84 Implantação com novas intervenções.

figura 85 Elevações com novas edificações.

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figura 86 Planta térreo da quadra.

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figura 87 Planta 1º pavimento da área ampliada.

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figura 88 Planta 2º pavimento da área ampliada.

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figura 89 Planta cobertura da área ampliada.

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figura 90 Novo miolo de quadra com arquibancada e térreo comercial.

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figura 91 Novo miolo de quadra com arquibancada e térreo comercial.

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figura 92 Edifício de apoio ao Piratininga, com salas de ensaio e FABLAB.

figura 93 Edifício habitacional voltado para a Av. Rangel Pestana, com térreo comercial.

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figura 94 Centro do Imigrante, com salas para cursos profissionalizantes e linguísticos

figura 95 Edifício de Cinema e Coworking.

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120 figura 96 Fachada do Cine Piratininga, com térreo comercial e balcão no nível acima.

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Piratininga Definir um programa para o antigo cinema foi a tarefa mais difícil. Porque é necessário parar por um segundo e aceitar que o grande cinema de 4 mil lugares não tem força para existir mais em sua antiga forma, e novas forças dominam seu espaço. O Piratininga é agora uma extensão da rua, do espaço urbano: é uma surpresa para quem sai das ruas caóticas do Brás e descobre “perdido” ali um grande espaço multiuso.

Por ser um espaço de tanta magnitude e suportar tantos programas, o espaço onde ocorriam as exibições cinematográficas agora podem receber uma festa, uma feira, uma apresentação ou até, quem sabe, virar ponto de vacinação; não há limitações.

Para acomodar todas essas possibilidades não faria sentido cobrir definitivamente o espaço novamente, pois grande parte da sua força como equipamento urbano foi adquirida quando se tornou um “vazio” no meio da quadra. Por outro lado, manter a área central totalmente descoberta reduziria suas possibilidades de uso.

A alternativa escolhida foi utilizar uma cobertura retrátil. Com a estrutura constituída principalmente de cabos de aço, o tecido de poliéster coberto com PVC pode percorrer todo o perímetro com facilidade, sendo ativado através de um sistema mecanizado.

Essa cobertura se destaca entre o antigo cinema, utilizando soluções estruturais atuais para intervir no edifício, relacionando com os conceitos de patrimônio e restauro estabelecidos na Carta de Veneza.

No primeiro pavimento que antes abrigava a sala de espera, agora abriga um restaurante com mezanino, mantendo a conexão entre o térreo. O mezanino também ganhou uma nova cobertura de vidro, que assegura a presença de luz natural dentro do espaço.

Visando a conexão com os novos projetos e o miolo central da quadra, novas portas foram instaladas na lateral do Cine Piratininga.

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figura 97 Fachada do Cine Piratininga em 2000, já funcionando como estaciomento. (fonte: museu da pessoa)

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figura 98 Planta térreo Piratininga (novas intervenções em azul).

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figura 99 Planta 1º pavimento Piratininga (novas intervenções em azul).

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figura 100 Planta de cobertura Piratininga (opção aberta).

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figura 101 Planta de cobertura Piratininga (opção fechada).

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figura 102 Acesso ao Piratininga, com nova arquibancada e mezanino.

figura 103 Quiosques comerciais no corredor de acesso do Piratininga

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figura 104 Mezanino coberto com acesso ao novo restaurante no 1º pavimento.

figura 105 Novo restaurante no 1º pavimento do edifício.

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130 figura 106 Corte A.A.

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132 figura 107 Corte B.B.

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figura 108 Corte C.C.

figura 109 Corte D.D.

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figura 110 Acesso lateral ao Cine Piratininga.

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136 figura 110 Imagem interna do antigo Cine Piratininga após intervenção.

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figura 112

figura 113

Conector de cabo secundário.

Roldana de amarração da

figura 111 Corte perspectivado da cobertura.

figura 114 membrana.

Conector do cabo de aço nos pilares.

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figura 115 Possibilidades de uso: Projeção de filmes.

figura 116 Possibilidades de uso: apresentações e shows.

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figura 117 Possibilidades de uso: baladas e festas.

figura 118 Possibilidades de uso: Feiras.

figura 119 Possibilidades de uso: Posto de vacinação.

figura 120 Possibilidades de uso: Desfile.

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142 figura 121 Vista da rua Piratininga para o galpão COPAG.

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COPAG Para o galpão que um dia funcionou como fábrica da COPAG a ideia foi manter seu caráter industrial, sem alterar sua fachada. Novos espaços de circulação e sanitários acrescentados próximos a área de exposição possibilitam que o espaço seja confortável para todos.

No térreo de pé direito duplo, ficam a recepção e os espaços de permanência, com puffs e bancos. Era importante que esse piso fosse livre para receber exposições, palestras e eventos, podendo ser facilmente transformado para qualquer um desses usos.

Com o acesso ao edifício pela lateral, o fluxo até o miolo da quadra é incentivado, já que o usuário do COPAG deverá se locomover por esse grande corredor para adentrar o galpão. A dimensão do corredor lateral também possibilita eventos externos relacionados ao prédio.

Nos pavimentos superiores, as lajes centrais foram retiradas, criando mezaninos que conectam todo o edifício. Neles, salas multiuso e mesas de reuniões possibilitam a produção artística de moradores do bairro, que podem ser exibidas no espaço de exposição do edifício.

Por fim, foi acrescentado um terraço com café acima do espaço expositivo, com vista direta para o miolo de quadra e para a lateral do cine Piratininga.

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figura 122 Planta Térreo COPAG.

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figura 123 Planta 1º pavimento COPAG.

figura 124 Planta 2º pavimento COPAG.

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figura 125 Planta terraço COPAG.

figura 126 Planta cobertura COPAG.

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figura 127 Corte A.A.

figura 128 Corte B.B

figura 129 Corte C.C.

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figura 130 Lateral galpão COPAG com acesso ao edifício.

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figura 131 Interior do galpão, com novos recortes na laje.

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“Somente quando se entender que os que constroem e mantêm a vida urbana têm uma exigência fundamental sobre o que eles produziram, e que uma delas é o direito inalienável de criar uma cidade mais em conformidade com seus verdadeiros desejos, chegaremos a uma politica do urbano que venha a fazer sentido.” (HARVEY, p.11, 2008)

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figura153 132 Intervenção na quadra.

Considerações finais Tentar criar uma cidade mais justa e fruída, quando não podemos nem usufruir mais dela traz uma nova perspectiva de produção. Ao longo deste TFG feito à distância e de dentro de casa, diversas vezes me peguei pensando na cidade que eu desejo, na que gostaria de me teletransportar naquele momento, e foi pensando nisso que esse projeto surgiu.

Esse trabalho foi uma fuga da pandemia, do governo e do momento adverso que vivemos. Diversas vezes visitei o Brás pelos meus sonhos, em uma espécie de realidade paralela onde o Cine Piratininga recebia milhares de pessoas como de fato foi um dia, e as ruas comerciais do bairro ganhavam um pouco de acesso à cultura.

Foi também um alívio de frustrações, de desejos para uma cidade mais segura e para todos. Foi um processo de entender as necessidades de quem utiliza a rua - e as minhas próprias necessidades - em uma releitura dolorosa de momentos como mulher na cidade, em espaços que me fazem sentir medo, angústia e inferioridade.

E por último, e principalmente, foi a libertação de um sentimento que eu nem sabia ser tão grande em mim: o amor pelo cinema. Foi este que me fez continuar nos momentos de desânimo, quando parecia ter perdido o foco de todo o trabalho, algo aqui dentro me relembrava que o cinema era o eixo. Não só o cinema como a sétima arte, mas seus espaços físicos de exibição, suas possibilidades - o fato de que um edifício que recebia 4 mil pessoas em uma sessão, mesmo após perder parte de sua identidade funcionando como estacionamento pode se reinventar e adquirir novos usos.

O Cine Piratininga vive. Assim como as centenas de salas de cinema de rua de São Paulo, abandonadas ou não. Não podemos esquecer disso.

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