Projeto e Utopia: concepção e apropriações no Pedregulho.

PARCERIA E UTOPIA CONCEPÇÃO E APROPRIAÇÕES NO PEDREGULHO

Parceria e Utopia

Concepção e apropriações no Pedregulho FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FAUUSP)

autores Ana Kuhl Gabriel Licastro Henrique Cruz Mariano Moreno

orientação Profa. Dra. Flávia Brito do Nascimento

ano 2020

contextualização

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o fruto de uma parceria

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da concepção ao projeto

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uma utopia incompleta 15 tombamento e restauro 19 notas 22 Capa: Fachada leste Bloco A. Petros Pereira, 2016.

bibliografia 23 iconografia 25

FICHA TÉCNICA nome conjunto residencial prefeito mendes de moraes (pedregulho) autores carmen portinho affonso eduardo reidy data 1946-1962 localização são cristóvão, rio de janeiro contratante departamento de habitação popular da prefeitura do rio de janeiro (DHP) tipologia habitação social pública Fig.1: Primeiro plano do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes.

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CONTEXTUALIZAÇÃO No começo do século XX o Rio de Janeiro foi palco de diversas intervenções urbanas que buscavam transformá-lo em uma capital digna de uma nação “civilizada”. Os técnicos do governo usaram das mais diversas teorias e planos vindos da Europa para moldar a cidade de acordo com os desejos da elite.

Isso incluiu a remoção de vários cortiços nos bairros centrais, onde se concentrava as camadas pobres e “indesejadas”; logo essas pessoas se assentaram nos morros e subúrbios (CHALHOUB, 1996), porém com o aumento da industrialização e da população, ficou progressivamente mais claro que a habitação das classes pobres afetava o funcionamento geral da cidade.

Essa realização foi influenciada pelas muitas obras de habitação social que se proliferaram pelo mundo nesse período1, impulsionadas pelas Guerras Mundiais e a expansão populacional nos países subdesenvolvidos.

A proclamação do Estado Novo em 1937 tornou oficial a preocupação estatal com a habitação do trabalhador pobre na construção de um “Cidadão Novo” capaz de propulsionar o país para o futuro2.

Fig.2: Grandes reformas urbanas fizeram parte do vocabulário da cidade durante a Belle Epoque. As mais famosas foram as de Pereira Passos (1902-1906), que interviu na cidade com grandes avenidas-boulevares, zoneamentos específicos e ‘embelezamento’ eclético; todas características vindas do urbanismo europeu do século XIX.

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Em 1946, criou-se o Departamento de Habitação Popular (DHP) do DF, órgão que manteria essa preocupação, associando-a

aos novos conceitos modernos de habitação digna para as camadas pobres (NASCIMENTO, 2008). A criação desse departamento tinha por objetivo: “a solução do problema da habitação para os grupos sociais de salários baixos, incluindo neles, inicialmente, os servidores da Prefeitura do Distrito Federal, mediante a construção de grupos residenciais para aluguel módico.”

(BRASIL, 1946)3 O órgão deveria contar com engenheiros e arquitetos escolhidos dentre os servidores do Distrito Federal, assim como assistentes sociais e técnicos, abarcando desde os estudos preliminares até a execução e administração dos projetos. O DHP dialogava intimamente com o Departamento de Urbanismo (DU) da Prefeitura - também parte da Secretaria Geral de Viação e Obras Públicas (SGVO) - e sua atuação era, de certa forma, análoga a dos IAPs do Governo Federal.

Inicialmente, o departamento agia na produção e aprovação de projetos de casas, assim como na distribuição de materiais para as construções feitas em auto-empreendimento (NASCIMENTO, 2017).

Fig.3-4: Dentre os muitos Parques Proletários que surgiram no Distrito Federal, um dos mais famosos seria o da Gávea, que depois seria transformado em um conjunto residencial do DHP feito pela mesma equipe que o Pedregulho.

Fig.5: O “mal-estar da cidade” eram sintetizado, para as elites no começo do século, pela favelas que começavam a subir os morros da cidade.

O mapa ao lado, com criação estimada entre 1937 e 1948, foi feito pela Companhia Lithographica Ypiranga de São Paulo em língua francesa como guia turístico para extrangeiros visitando a então capital dos Estados Unidos do Brasil.

serra do engenho novo

morro da mangueira

pedra da babilônia

Fig.7: Aproximação no bairro de São Cristóvão e arredores.

conjunto pedregulho

morro do pinto

morro da providência

Nele é possível perceber como o crescimento da cidade já tinha extrapolado o centro antigo (61) em duas direções: a elitizada Zona Sul para além da Glória (66) e a proletária Zona Norte para além do Campo de Santana (67), seguindo a linha férrea da Central do Brasil (47). É visível, também, o esforço em vender a cidade como uma capital moderna, com arruamento planejado, aterros ajardinados e morros aplainados, assim como a inexistência das favelas que nesse período já faziam parte da paisagem carioca.

O local escolhido para o projeto do Pedregulho é o terreno do antigo zoológico da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão. Embora suburbana, a região se localizava próxima ao “centro novo” estabelecido entre a Avenida Rio Branco e a Praça da República, garantindo que os moradores pudessem usar o transporte público para suas tarefas diárias, em especial aqueles que trabalhassem na Prefeitura (VI), público alvo do projeto inicial.

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O FRUTO DE UMA PARCERIA Após 1948, com Carmen Portinho na diretoria no DHP, a questão da habitação social passou a ser enfrentada principalmente através da construção de conjuntos maiores para os trabalhadores. O primeiro deles foi o Conjunto Prefeito Mendes de Moraes (19461952), grande marco da arquitetura moderna brasileira, fruto da colaboração da diretora com o arquiteto e chefe do DU, Affonso Eduardo Reidy.

Portinho (1903-2001) foi a terceira mulher a se formar em engenharia e a primeira a obter o título de urbanista no Brasil, era também uma influente feminista4, advogando pelo protagonismo feminino nos campos da educação e trabalho fora da esfera doméstica

Fig.8: Carmen Portinho com projetos.

(BRASIL,2020; NASCIMENTO, 2007a; NOBRE, 1999). Em 1926, recém formada, ingressou na SGVO, iniciando uma longa carreira no serviço público, onde também atuou na Revista Municipal de Engenharia.

A partir do contato com projetos modernos e as mais novas tendências do urbanismo durante a edição do periódico, decidiu se especializar na área. Em 1945, foi para Inglaterra participar de comissões de reconstrução das cidades destruídas pela guerra, permanecendo por seis meses através de uma bolsa do Conselho Britânico.

Nesse intercâmbio, aproximou-se de conceitos que em muito influenciaram sua perspectiva sobre um projeto social de cidade (NASCIMENTO, 2007a)5. Atuou no DHP até 1960, quando foi exonerada em função das divergências ideológicas que tinha com o novo governador, Carlos Lacerda.

Fig.9: Carmen em banquete oferecido pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino no Hotel Glória à primeira eleitora do Brasil, 23/06/1928. Rio de Janeiro.

Fig.10: Portinho e Reidy também foram responsáveis pela projeto do Aterro do Flamengo e o MAM-RJ na década de 60.

Fig.11: As exposições internacionais das quais Reidy participou ajudaram a divulgar a arquitetura moderna brasileira para o mundo.

Seguiu carreira no serviço público, com pouquíssimos projetos para clientes privados, dedicando-se aos vários cargos que desempenhou na prefeitura desde sua entrada como arquiteto-chefe em 1932 (BRUAND, 1981).

Reidy (1909-1964), formado na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), tinha interesse nos temas do urbanismo: participou da elaboração do Plano Agache e integrou o Departamento de Urbanismo da prefeitura, do qual foi chefe entre 1948-1955 (CAIXETA, 2002).

Reidy se aproximava dos conceitos modernos europeus e, após sua formatura em 1930, foi convidado pelo novo diretor da ENBA, Lúcio Costa, para integrar, como assistente de Gregori Warchavchik, o quadro docente incubido de “renovar” a tradição eclética da Escola.

Desde seus primeiros projetos esteve comprometido com um ideal de arquitetura contemporâneo, algo potencializado com sua participação no projeto do Ministério de Educação e Saúde (1937-1945), que contou com a presença de Le Corbusier. Considerado parte da “escola carioca”, Reidy conseguiu materializar a utopia moderna no contexto brasileiro - expressa em seus projetos públicos, que ligavam as esferas da arquitetura e do urbanismo ao projeto social de cidade, vinculados à sua atuação concomitante no DHP e no DU. As trajetórias de Portinho e Reidy se entrelaçaram oficialmente em 1948, produzindo uma série de contribuições para a cidade. Além da colaboração no MAM, o filho mais pródigo dessa parceria foi o Conjunto Mendes de

Moraes, conhecido como Pedregulho. Nele, a concepção de projeto social de cidade feita por Portinho e sua trajetória na engenharia se alinharam com a arquitetura na qual Reidy acreditava.

O Pedregulho foi o primeiro conjunto residencial construído dentro do projeto de habitação municipal encabeçado pelo DHP, realizado com maior rigor no cumprimento formal dos princípios do projeto, materializando, dessa forma, os ideais do grupo com maior completude (NASCIMENTO, 2008).

Fig.12: Reidy no MAM-RJ.

DA CONCEPÇÃO AO PROJETO O programa, constituído por blocos habitacionais e equipamentos públicos separados por ruas internas para pedestres remetia ao conceito de “unidade de vizinhança”, assimilado por Carmen Portinho em sua estadia na Europa e aplicado em seu projeto de cidade.

A

A habitação era entendida como serviço público e, para além da moradia, pretendia-se tornar os trabalhadores cidadãos a partir da construção de grupos residenciais autônomos, que atendessem facilmente as necessidades básicas e tarefas cotidianas dos moradores e estimulassem a vida em sociedade.

Para além de reforçarem o individualismo e o ideal da propriedade privada, as casas isoladas em lote eram mais onerosas. Assim, explicita-se a preferência do departamento pela construção de conjuntos, uma vez que as habitações coletivas permitiam também a reserva de espaços livres, oferecendo áreas coletivas de lazer. Além disso, a opção por aluguel - descontado diretamente da folha de pagamento dos moradores - visava a efetivação e manutenção do projeto em seus diversos aspectos, com a garantia da administração pública dos conjuntos e submissão dos moradores a regras estabelecidas.

Por fim, a concretização do projeto social foi pensada a partir da presença constante de assistentes sociais. Elas foram responsáveis

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B D E C F Fig.13: Planta de situação do primeiro plano do Conjunto Pedregulho.

A: Bloco A. (residencial, serpenteante) B: Bloco B. (residencial, lâmina) C: Bloco C (residencial, lâmina) e Escola Maternal. Não construídos.

D: Escola Primária e Clube.

E: Unidade de Saúde.

F: Lavanderia Coletiva e Mercado.

LINHA DO TEMPO 1946 criação do DHP 2011

primeira concepção projetual 1952

fase emergencial e estrutural do restauro

conclusão dos equipamentos e blocos B

tombamento estadual 2002

1962 separação entre a habitação e os serviços

constituição do Conselho Curador Pró-Restaurador

1948 início da construção nomeação de Carmen Portinho para diretoria do DHP

2013-2015 segunda fase do restauro

1958

2004

conclusão do bloco A (serpenteante)

plano estratégico do GAP 1986 tombamento municipal

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Fig.14: Esquema original da “neighborhood unit” de Clearance Perry.

Fig.15-16: Maquete original do projeto, mostrando a composição do Conjunto com todos os edifícios e paisagismo planejados, assim como a demonstração da interação deles com a topografia acidentada.

pelo estudo dos trabalhadores e seleção dos futuros moradores durante a concepção, e pela mediação entre o espaço já construído e seus ocupantes, - ensinando a maneira de interagir com o ambiente moderno e cumprimento das normas de ocupação - além do diálogo com o poder público.

Inúmeras referências globais fizeram parte do repertório de Portinho, Reidy e dos outros profissionais do DHP envolvidos neste projeto.

A questão da habitação social crescia em importância com o avanço da arquitetura moderna, já que nomes consagrados como Le Corbusier e Ernest May usavam uma como palco do debate da outra.

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Fig.17: Assistente social com crianças do Conjunto.

Fig.18: Apartamento do Serviço de Assistência Social, mobiliado com móveis modernos, como a cadeira BKF.

Fig.19-22: As obras apresentavam uma nova concepção do habitar, baseadas em um amplo arcabouço teórico, que ia desde o falanstério de Fourier até o socialismo de Marx. O diálogo entre os muitos arquitetos e urbanistas que se dedicaram à construção de habitação social permitiu uma grande variedade de experimentos e trocas de conhecimento

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A diferença funcional entre os diversos edifícios era demarcada formalmente: o paralepípedo referenciava os blocos residenciais, o prisma trapezoidal os prédios públicos e a abóbada as construções esportivas. Em todo o projeto, os motivos funcionais e estéticos eram indissociáveis, sintetizados por Reidy ao combinar as preocupações sobre circulação, ventilação e entrada de luz com um rico tratamento plástico. Nesse sentido, elementos modernos como pilotis, brisessoleil, passarelas, rampas, marquises, fachadas livres e cobogós permeiam as construções, atestando uma influência Corbusiana com um “toque brasileiro”, de Oscar Niemeyer - sobretudo nos edifícios de serviços - e Lúcio Costa - nos blocos residenciais (BRUAND,1981).

O bloco serpenteante talvez seja a mais clara materialização da síntese entre função e estética: a exploração inteligente das condições naturais ligada a uma apurada visão plástica, somadas ao uso de novas técnicas construtivas, resultou em uma obra elegante e equilibrada, que respeitou uma economia de gastos de construção e manutenção - um único bloco, de sete andares, sem elevadores, acessado por uma passarela e com vista contínua para baía.

Fig.23-24: Blocos residenciais de forma paralelepípedo reto/ laminar - Blocos B e C.

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Fig.25-26: Blocos residenciais curvelíneo - Bloco A.

de

forma

paralelepípedo

Fig.27-28: Equipamentos esportivos de forma abobadada Ginásio Poliesportivo.

Fig.29-30: Equipamentos coletivos de forma trapezoidal - Escola Primária, Lavanderia e Unidade de Saúde.

Fig.31-32: Muitos elementos da arquitetura moderna canônica estão presentes no Conjunto Pedregulho.

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Fig.33: Corte vertical do Bloco A, evidenciando a rampa de acesso.

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Fig.34: As diferentes configurações dos apartamentos, e sua planta livre, aludiam à diversidade das famílias que poderiam habitá-los e sua alteração ao longo do tempo, avançando na discussão acerca de habitação mínima.

Fig.35-36: O paisagismo e mural de Burle Marx e o painel de Portinari remontavam ao projeto pedagógico do conjunto, delimitando os caminhos, passíveis de encontros e recreio, e introduzindo o contato com a arte.

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UMA UTOPIA INCOMPLETA O Conjunto teve quatro planos gerais, o primeiro de 1946, e o último - definitivo - de 1948, não inteiramente construído. Portinho e Reidy, visando garantir a materialização dos equipamentos comunitários, optaram, estrategicamente, por iniciar a construção do conjunto por eles (NASCIMENTO, 2008).

Dessa forma, pode-se perceber a coerência com a política habitacional do DHP, buscando a produção de conjuntos autossuficientes.

O Bloco C seria o único com elevadores de acesso, já que contaria com doze pavimentos.

A previsão era de 150 apartamentos de dois, três e quatro quartos. No pavimento térreo, estariam localizadas a creche, a escola maternal e um clube. Devido às reações à complexidade e aos elevados custos da construção do Bloco A, as obras do Bloco C e demais serviços anexos não foram adiante: criticava-se a tentativa de resolver o déficit habitacional com um conjunto de tal nível de sofisticação.

Importante destacar que as dificuldades administrativas impuseram empecilhos para a integração dos moradores aos seus espaços coletivos6, o que foi agravado pela falta de recursos para a finalização das obras. Com o desmonte do Departamento promovido pelo governo de Carlos Lacerda em 1962, efetivou-se a separação entre serviços e blocos residenciais7.

Fig.37: Vista aérea do Conjunto, anos 1950. NASCIMENTO, F. Pedregulho: habitação social como serviço público.

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Nesse sentido, a pretendida unidade do conjunto se realizou apenas em função da visualidade: embora os elementos sejam implantados em franca harmonia, não conseguem superar a fragmentação efetiva a que são submetidas às instituições específicas que os administram. Desse modo, os espaços coletivos se esvaziam, ou são apropriados de maneiras não previamente pensadas.

A materialidade concebida a priori não é correspondida pelos modos como esses espaços são vividos, implicando um não cumprimento do “vislumbre de total controle do solo enquanto espaço público” (SEGAWA, 1998) a partir da ordenação das relações sociais entre seus habitantes. Além das ambiguidades e contradições do Movimento Moderno evidencia-se a crença “ingênua e impositiva, com certeza, muitas vezes autoritária” (RECAMÁN, 2004) na transformação social pela arquitetura: a capacidade própria dos edifícios de pivotar novos modos de vida.

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Fig.38: Carmen Portinho no canteiro do Pedregulho. Acervo Alfredo Britto, c. 1950.

Ao longo de sua existência, o Pedregulho passou por sucessivas e interligadas transformações políticas, sociais e físicas. A extinção do DHP e as transferências de gestão lançaram a obra em marasmo administrativo, traduzido no abandono e desinteresse na conservação do projeto arquitetônico e social dos criadores.

(LEMOS, 2015) trouxe trabalhadores e famílias de diversas ocupações8, mas a ausência de organização formal levou à distribuição classista dos apartamentos: aqueles com mais condições se mantiveram nas maiores unidades9.

O critério de ocupação das unidades não foi aderido, promovendo mudanças significativas no perfil populacional estipulado. O funcionamento do conjunto como ímã social

Realiza-se também a análise de como esses fatores se colocaram espacialmente.

Frente à degradação dos equipamentos e espaços, acentuada nos anos 60 e 70, os

moradores passaram a se apropriar de suas unidades, mesmo sem ter sua posse formal (NASCIMENTO, 2017), constituindo novos ambientes e eliminando outros de acordo com suas demandas10. Algumas das dinâmicas previstas originalmente se internalizaram, porém o empenho dos moradores garantiu, com limitações, a preservação de certos aspectos da obra, além de novas atividades colocadas nos corredores e pilotis.

Fig.39-40: Com a falta de conservação após a extinção do DHP, a estrutura física se degradou aceleradamente, com infiltrações e corrosão do concreto. A má gestão do sistema de coleta de lixo fez com que o espaço dos pilotis fosse ocupado por dejetos lançados pelos moradores. À direita, a fachada oeste do Bloco A em 1970 e 2000. Nota-se a degradação expressiva das lajes e esquadrias, assim como a substituição da parte inferior do caixilho por alvenaria, para incrementar o conforto térmico.

Fig.41-42: À esquerda a fachada leste do Bloco A no ano 2000 - houve a tentativa dos moradores de preservar o conjunto pela colocação de novos cobogós, mesmo que diferentes dos originais. O prédio da lavanderia foi ocupado pela Fundação Leão XIII e, junto ao mercado, foram transformados em depósitos e espaços de garagem, tendo alguns panos de brises horizontais retirados para permitir a entrada de automóveis.

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Fig.43-44: Com o fim do funcionamento da lavanderia nos anos 1970, os moradores foram obrigados a resolverem a situação internamente às unidades. A planta à direita mostra a incorporação de uma área de serviço no quarto dos fundos da unidade duplex do Bloco A. Aqui a demonstração de como se deu essa solução nas quitinetes do Bloco A, além de outras modificações visando o melhor funcionamento da unidade de acordo com seus moradores.

Fig.45-46: As modificações respondem de maneira válida o cotidiano dos moradores e suas necessidades ao longo do período de habitação, demonstrando o valor da apropriação da unidade por seus usuários apesar de não a possuí-la formalmente. À direita, exemplos de modificação no apartamento-tipo duplex do Bloco B e à esquerda respostas à amplitude do espaço quarto-sala das quitinetes do Bloco A, expandindo cozinha e banheiro (para que este pudesse abrigar um tanque).

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TOMBAMENTO E RESTAURO Posteriormente, inseriu-se o projeto do restauro do conjunto, idealizado desde os anos 80, com o tombamento municipal do Pedregulho através do Departamento Geral de Patrimônio Cultural da Prefeitura do Rio de Janeiro, em 1986. Alguns dos principais agentes desse processo foram Alfredo Britto11, o IAB/RJ e a AMA Pedregulho (Associação de Moradores do Conjunto). Sua consolidação em 2010, após a constituição de um Conselho Curador PróRestauração (2002) e de um Plano Estratégico (2004)- cuja licitação foi vencida pelo Grupo de

Arquitetura e Planejamento (GAP), de Britto-, demonstra a preocupação em conservar e valorizar a obra como bem cultural de extrema importância para a arquitetura brasileira.

Composto por uma primeira fase emergencial (2010-11) e uma segunda (2013-15) voltada à recuperação de características originais, o processo se deu com a intenção de respeitar e dialogar com os interesses dos moradores, salvaguardando o projeto enquanto patrimônio.

As apropriações dos residentes e os esforços de restauro tensionaram teoria e prática

(NASCIMENTO, 2017) e trouxeram o Pedregulho até o século XXI ainda carregado dos princípios originais de Portinho e Reidy.

Fig.47-48: Em 2011, após a aprovação e início das obras de recuperação da estrutura, a Concrejato foi contratada para realizar o restauro da parte estrutural do edifício em caráter emergencial.

Fig.49: Um dos maiores desafios do restauro é a adequação dos estacionamentos de carro dos moradores, hoje dispostos ilegalmente às margens da quadra do conjunto. Mesmo com as discussões internas durante o processo, ainda não se chegou em uma solução que agrade os moradores.

Esses mesmos fatores, no entanto, questionam a penetração dos ideais modernos do século passado e a idealização permanente ao redor de obras deste período, que vivem na dialética entre suas ocupações atuais e forças de manutenção e proteção.

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NOTAS 1. Algumas exemplos são: experimentações da Werkbund, na Alemanha; as da Vkhutemas, na União Soviética; e as considerações sobre habitação mínima que surgiram no CIAM II (1929).

2. Dentre as medidas tomadas pode-se destacar: os Institutos de Aposentadoria e Pensão, os Parques Proletários e o Programa Casa Popular, explicados em: BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil. Análise Social, Lisboa, v. XXIX , n.

127, p. 711-732, 1994. e _____. Os pioneiros da habitação social: volume 1: cem anos de construção de política pública no brasil.. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. 499 p. 3 v.

3. BRASIL. Decreto-lei n. 9.124, de 4 de abr. de 1946. Transforma o Departamento de Construções Proletárias da Secretaria Geral de Viação e Obras da Prefeitura do Distrito Federal em Departamento de Habitação Popular, e dá outras providências. Rio de Janeiro, DF, abr 1946.

4. Em 1922, colaborou na fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, da qual participou ativamente; em 1929, fundou a União Universitária Feminina e, em 1937, a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas, como visto em BRASIL. Hildete Pereira de Melo. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Pioneiras da Ciência no Brasil: 2ª edição.

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5. Alguns desses conceitos incluem a revisão do “Town Planning” de Ebenezer Howard, feita por Patrick Abercrombie; as formulações de Clarence Perry, idealizador das “Neighbourhood Units”; assim como as publicações do Regional Planning

Association of America (RPAA), da qual fazia parte Catherine Bauer, intelectual que acrescentou à concepção de habitação social de Portinho.

6. Sendo os principais - conforme o relatório das assistentes sociais feito em 1961 - de acordo NASCIMENTO, Flávia Brito do. Blocos de memórias: habitação social, arquitetura moderna e patrimônio cultural, São Paulo, 2011, p.314: os problemas com o mau funcionamento da lavanderia, a falta de limpeza dos lugares comuns a cargo da administração do conjunto, os problemas com as contas de água e luz, a admissão nas unidades residenciais sem atender a qualquer critério e a instalação de Hospital de Toxicose no ambulatório do conjunto.

7. As unidades habitacionais caem sobre o comando da CEHAB/RJ, enquanto os serviços excluídos a escola, ginásio e piscina, quem ficam para a Prefeitura do Rio de Janeiro - são passados à Fundação Leão XIII. 8. LEMOS, Renato. Pedregulho: uma paisagem humana. In:______; BRITTO, Alfredo; NASCIMENTO, Flávia Brito do. Pedregulho: o sonho pioneiro da habitação popular no brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2015. p 148.

“O Pedregulho hoje é terra de camelôs, taxistas, aposentados, domésticas, advogados, caixas de supermercado, cabeleireiras, professoras de creche, manicures, motoristas de ônibus, desempregados, comerciários e policiais [...] A eles, se soma a população flutuante, formada por artistas plásticos, turistas alternativos, trabalhadores temporários e estudantes de arquitetura”

9. Ibid, p. 153. Essa distribuição desigual se deu também entre os Blocos A e B, o que ocorreu, somadas outras razões, devido ao tamanho maior das unidades duplex dos Blocos B e o menor número de apartamentos por bloco. Além disso, hoje os dois edifícios B foram gradeados e fragmentados do resto do conjunto, não tendo recebido a mesma atenção no processo de restauro 10. Cf. SILVA, Helga Santos da., 2006. Na dissertação, a autora apresenta estudos detalhados sobre as transformações no projeto se utilizando da Teoria das Representações Sociais. A autora contabiliza e caracteriza os moradores por perfil socioeconômico, seu nível de satisfação com o local, etc. O estudo fornece ainda plantas das unidadestipo, destacando as alterações dos moradores e discutindo o quão frequente são em cada bloco ou grupo de pessoas.

11. Alfredo Britto (1935-2015) foi fator essencial no esforço de preservação do Conjunto Pedregulho, tendo coordenado o primeiro abaixo-assinado enviado ao IAB, pedindo o tombamento da obra, durante o SBPC de 1982. Ele foi também conselheiro do tombamento em nível municipal, em 1986, e participou da construção do Plano Estratégico de 2004, através do GAP. (NASCIMENTO, 2017).

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BRASIL. Hildete Pereira de Melo. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

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PETRELLA, Guilherme Moreira. Das fronteiras do conjunto ao conjunto das fronteiras. 2009. 378 p.

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ICONOGRAFIA Fig. 1 - Primeira versão do plano urbanístico, 1946. BONDUKI, N.; NASCIMENTO, F. Pedregulho: habitação social como serviço público.

Fig. 10 - Affonso Eduardo Reidy e Carmen Portinho apresentam a maquete do MAM para o artista ítalo-brasileiro Aldo Calvo. Foto de autor desconhecido, s.d. Arquivo do MAM-RJ.

Fig. 2 - Vista aérea do centro do Rio de Janeiro.

Augusto Malta, 1929. Arquivo do IMS-RJ.

Fig. 11 - Affonso Eduardo Reidy com a cônsulgeral do Brasil, Dora Vasconcellos, em uma exposição sobre habitação popular em Nova York. Autor desconhecido, 1958.

Fig. 3 - Parque Proletário da Gávea. Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (1960).

Fig. 4 - Parque Proletário da Gávea. Arquivo Público do estado de São Paulo (jornal Última hora, 15/10/1954).

Fig. 5 - Ocupação no Morro da Providência (1960). Jornal “O Globo”.

Figs. 6-7 - Carte touristique de la ville de Rio de Janeiro: la capitale des Etats Unis du Brésil. (c.1940). Companhia Lithographica Ypiranga, São Paulo. Acervo da Biblioteca Digital LusoBrasileira.

Fig. 8 - Carmen Portinho (1903-2001) com projetos. Acervo Carmen Portinho, data desconhecida.

Fig. 9 - Carmen em banquete oferecido pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino no Hotel Glória à primeira eleitora do Brasil, 23/06/1928. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional.

Fig. 12 - Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) em frente ao MAM-RJ. Arquivo Nacional, 1963.

Fig. 13 - Planta geral de situação (1:2000).

MINDLIN, Henrique. Arquitetura Moderna No Brasil.

Fig. 14 - Esquema de explicação dos conceitos básicos da unidade de vizinhança. New York Regional Survey, Vol 7. 1929 Figs. 15-16 - Maquete do Conjunto Pedregulho.

MINDLIN, Henrique. Arquitetura Moderna No Brasil.

Fig. 17 - Trabalhos do serviço social de grupo, Anna Augusta Almeida com as crianças.

NASCIMENTO, Flávia. Blocos de Memória: habitação social, arquitetura moderna e patrimônio cultural.

Fig. 18 - Apartamento, no bloco B1, ocupado pelas assistentes sociais. BONDUKI, Nabil

Georges.; NASCIMENTO, Flávia Brito do.

Pedregulho: habitação social como serviço público.

Fig. 19 - Dom Narkomfina (1928-1930) de Moisei Ginzburg e Ignaty Milinis. Moscou, Rússia. Foto de Robert Byron, c. 1932.

Fig. 20 - Hufeisensiedlung (1925-1933) de Bruno Taut, Martin Wegner e Leberecht Migge.

Berlim, Alemanha. Foto de Alexander Savin, 2017.

Fig. 21 - Praunheim Siedlungen (1926-1930) de Ernst May, Margarete Schütte-Lihotzky, Erna Meyer e Leberecht Migge. Frankfurt, Alemanha. Foto do Institut für Stadtgeschichte Frankfurt, 1936.

Fig. 22 - Unité d’Habitation (1947-1952) de Le Corbusier e Nadir Afonso. Marselha, França.

Foto de Michiel, 1992.

Fig. 23 - Esboço: forma do paralelepípedo laminar. Produção autoral.

Fig. 24 - Blocos residenciais B1 e B2. Autor desconhecido, s.d.

Fig. 25 - Esboço: forma do paralelepípedo serpenteante. Produção autoral.

Fig. 26 - Bloco A. Carmen Portinho, c. 1960.

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BONDUKI, Nabil habitação social.

Georges.

Pioneiros

da

NASCIMENTO, F. Pedregulho: habitação social como serviço público.

no Conjunto Residencial Mendes de Moraes (Pedregulho).

Fig. 27 - Esboço: forma abobadada. Produção autoral.

Fig. 38 - Carmen Portinho no canteiro do Pedregulho. Acervo Alfredo Britto, c. 1950.

Fig. 28 - Edifício do ginásio esportivo. Pedro Vannucchi, 2007.

Fig. 39 - Área dos pilotis do Bloco A. Foto de Flávia Brito do Nascimento, 2000.

NASCIMENTO, Flávia Brito do. A restauração do conjunto residencial do Pedregulho: trajetória da arquitetura moderna e o desafio contemporâneo.

Figs. 47-48 - Obras da Concrejato na área dos pilotis do Bloco A. Foto de autor desconhecido, 2010-2011. LEMOS, Renato. Pedregulho: uma paisagem humana. In:______; BRITTO, Alfredo; NASCIMENTO, Flávia Brito do. Pedregulho: o sonho pioneiro da habitação popular no Brasil.

Fig. 29 - Esboço: forma trapezoidal. Produção autoral.

Fig. 30 - Edifício da escola. Marcelo Gautherot, 1951. Acervo Instituto Moreira Salles.

Fig. 31 - Vista da marquise aberta do Bloco A. Autor desconhecido. s.d.

Fig. 32 - Vista do corredor de circulação horizontal do Bloco A. Pedro Vannucchi, 2007.

Fig. 33 - Corte Bloco A. MINDLIN, Henrique.

Arquitetura Moderna No Brasil.

Fig. 34 - Plantas unidades residenciais.

MINDLIN, Henrique. Arquitetura Moderna No Brasil.

Fig. 35 - Painel de Candido Portinari. Autor desconhecido, s.d.

Fig. 36 - Mural de Burle Marx. BONDUKI, N.; NASCIMENTO, F. Pedregulho: habitação social como serviço público.

Fig. 37 - Vista aérea do Conjunto, anos 1950.

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Fig. 40 - Fachada oeste do Bloco A nos anos 1970 (à esquerda) e 2000 (à direita). Fotos do Acervo Nacional, 1970 e acervo pessoal da autora, 2000. NASCIMENTO, Flávia Brito do. A restauração do conjunto residencial do Pedregulho: trajetória da arquitetura moderna e o desafio contemporâneo.

Fig. 41 - Fachada leste do Bloco A do Conjunto “Pedregulho”. Foto de autor desconhecido, 2000. BONDUKI, Nabil Georges; KOURY, Ana Paula. Pioneiros da habitação social.

Fig. 42 - Prédio da lavanderia. Foto de autor desconhecido, 2004. NASCIMENTO, Flávia Brito do. A restauração do conjunto residencial do Pedregulho: trajetória da arquitetura moderna e o desafio contemporâneo.

Figs. 43-46 - Plantas de estudo de alterações nos apartamentos-tipo do conjunto. SILVA, Helga Santos da. Arquitetura moderna para habitação popular: a apropriação dos espaços

Fig. 49 - Construções ilegais adjacentes à quadra do Conjunto “Pedregulho”. Foto de autor desconhecido, s. d. LEMOS, Renato.

Pedregulho: uma paisagem humana. In:______; BRITTO, Alfredo; NASCIMENTO, Flávia Brito do. Pedregulho: o sonho pioneiro da habitação popular no Brasil.

Fig. 50 - Fachada oeste do Bloco A, após a restauração. Foto de autor desconhecido, 2015. LEMOS, Renato. Pedregulho: uma paisagem humana. In:______; BRITTO, Alfredo; NASCIMENTO, Flávia Brito do. Pedregulho: o sonho pioneiro da habitação popular no Brasil.