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A Esquina do Veneno
Lá na esquina
A Esquina do Veneno é das motos. Sempre foi
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A loja do Edgard Soares nos anos 70, na esquina da rua General Osório com a alameda Barão de Limeira
Se alguém precisa de uma peça para sua motocicleta, onde vai procurar primeiro? Se quer comprar um equipamento de segurança, tipo capacete, ou mesmo uma trava de disco, onde tem? Ou se apenas quer encontrar alguns amigos das antigas, para um café, no sábado pela manhã, onde eles podem estar? A resposta para todas essas questões pode ser uma só: na Esquina do Veneno.
A região próxima ao velho centro paulistano, no tradicional bairro dos Campos Elíseos, já muito chique, com algumas mansões onde vivia a alta sociedade e onde, também, estava situado o Palácio do Governo do Estado, que mudou dali para o novo e mais sofisticado bairro do Morumbi.
E foi nessa áurea época que surgiu a primeira oficina de motocicletas na esquina da rua General Osório com a alameda Barão de Limeira, criada pelos amigos Felipe Carmona e Paco Soares em 1932. Lá, eles vendiam e consertavam as motocicletas mais conhecidas, como as inglesas BSA, Norton, Ariel e Triumph, e também as americanas Harley-Davidson e Indian, entre outras.
As motocicletas italianas ficaram a cargo do novo vizinho Luiz Latorre, que abriu sua loja, alguns anos depois, a alguns metros da pioneira, e vendia Ducati, Guzzi e Laverda,
Já nos anos 50, para completar a origem da Esquina do Veneno, Edgard Soares criou sua própria loja, também na esquina, passando a ser concorrente do antigo sócio de seu pai Paco. Além de rivais, amigos: Edgard Soares, Felipe Carmona e Luiz Latorre eram os nomes a serem conhecidos por quem queria comprar uma motocicleta, ou apenas “envenenar” a sua, termo usado quando se mexia nos motores para render maior desempenho. Isso acontecia, geralmente, para poder participar de corridas.
Foi assim com meu pai, que tinha motocicleta desde os seus 11 anos de idade mas começou a correr com elas apenas aos 30. Frequentador da Esquina do Veneno, me levou para lá também bem pequeno. E aprendi a gostar e respeitar a região.
Foi quando chegaram as japonesas, que, mesmo descentralizando os pontos de venda e reparos, com suas concessionárias oficiais, colaboraram com o aumento da procura pelas oficinas naquela região tradicional.
O fechamento das importações de motocicletas, em 1976, meio que separou as duas correntes, a das motos novas, fabricadas no Brasil, e as “velhas senhoras” importadas, que sempre acharam abrigo e peças de reposição na velha esquina.

A Esquina do Veneno, então, passou a ser mais que uma esquina, abrangendo vários quarteirões, atualmente abrigando centenas de lojas, oficinas e boutiques de equipamentos, como capacetes, luvas, botas e casacos.
Reservar um sábado, melhor se for de manhã, para circular pela Esquina do Veneno, ainda é muito gostoso. Na famosa esquina, Latorre, Soares e Carmona não estão mais lá, mas a primeira parada, pelo menos para mim, é na loja dos Latorre, onde o filho do velho Luiz – que conheci pessoalmente na corrida de rua “Duas Horas de Ribeirão Preto”, em 1969, quando eu tinha dez anos de idade – me recebe com muitas boas histórias daquele tempo.
Luiz Carlos Latorre ainda está lá e faz questão de abrir suas enormes portas todos os dias, como fazia o seu pai, lembando de quando aquele grande salão ficava abarrotado de Ducati, Moto-Guzzi, Ural, Morini, Laverda e Zündapp (a minha K100 saiu de lá).
Passadas breves em outros locais, estabelecimentos que, mesmo não tendo fincado raízes na mesma época dos desbravadores, estão lá há décadas e certamente fazem parte da história, garantem o cafezinho. São eles a Recar, na rua dos Gusmões, com o sempre sorridente Zezé – é preciso abrir caminho de facão entre as motocicletas que lá estão, para achar o anfitrião –, e a Silverstone, do mais compenetrado Sylvestre, dentro do Shopping Aventura.
Esse shopping, especializado em motocicletas e tudo mais que as cerca, era, até os anos 70, uma grande loja do Mappin. Até há algum tempo atrás, a via sacra das lojas e oficinas incluía a Belikar do Adilson, que mudou para uma grande loja no bairro da Mooca.
Outro que se mandou da região e que garantia um bom cafezinho de coador era o mago dos motores dois tempo Renato Gaeta, também hoje atendendo em sua oficina na zona sul da cidade.
Se, um dia, você quiser conhecer o que já foi a Esquina do Veneno, dê uma passadinha por lá. Ainda é possível sentir os ares motocilísticos dos tempos de outrora, em algumas lojas, muitos prédios antigos e, como eu contei aqui, conhecer alguns personagens que jamais se desligarão dessa bela história. l



O GENERAL

Quem era, afinal, o General Osório? O General Manoel Luís Osório, na verdade, terminou sua carreira militar como marechal-de-campo, tendo participado de diversas batalhas nos anos 1800, sendo, inclusive, considerado herói na Guerra do Paraguai. Nasceu na Vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio, no Rio Grande do Sul, localidade que, por sua causa, passou a se chamar Osório. Recebeu o título de Marquês do Herval, foi eleito senador por seu estado e, finalmente, foi nomeado Ministro da Guerra do Partido Liberal. Mas, e as motocicletas? Osório fazia parte do Regimento da Cavalaria e, certamente, nunca pilotou uma motocicleta. Mas um dia, eu passando pela Esquina do Veneno, vi as “motos” da nossa polícia montada estacionadas em frente a uma loja, lembrei dessa história e achei que essa fotografia tinha tudo a ver com a rua General Osório.