8 minute read

Turismo 5000

Next Article
Turma da Sumaré

Turma da Sumaré

Se o assunto é Ford Maverick ou Dodge Charger, a “molecada” atual, que vê esses carros sempre impecáveis, com os melhores equipamentos que o dinheiro pode comprar, muitas vezes não imagina o que esses carros, hoje “clássicos”, viveram. Sua imagem, e o respectivo desejo de possuir um deles, começou no alto, decaiu, chegou ao fundo do poço e, muito tempo depois de esquecidos quase que completamente, ressurgem como os mais fantásticos automóveis do planeta.

Maverick, Dodge e Galaxie acelerando pelo anel externo do antigo Interlagos

Advertisement

A categoria paulista Turismo 5000 surgiu da vontade de alguns pilotos em correr com carros velozes e baratos. Os velhos e esquecidos “V-oitões” foram, então, a melhor escolha. Na foto, Expedito Marazzi, com Maverick, seguido de Sergio Di Gênova, com Dodge

Largada de uma das provas da Turismo 5000. Arnaldo Di Gênova, no Maverick branco, sai na frente

Marazzi e Tagashira durante os treinos, nos boxes Arnaldo Abdala, o Calígula, e o único Galaxie

A categoria Turismo 5000, que fez parte do calendário paulista no início dos anos 80, começou na fase mais baixa desses veículos, quando ninguém mais os queria. Em conversas dentro da Federação Paulista de Automobilismo - hoje FASP -, duas pessoas se destacaram na fase embrionária da categoria, Expedito Marazzi e Orlando Casanova, presidente da entidade e que ficou conhecido como o “Pai da 5000”. A ideia era criar uma categoria muito acessível, e os velhos “V-oitões” estavam aí dando sopa Outras pessoas entraram nas conversas, inclusive o piloto veterano Camilo Christófaro, “craque” na preparação dos V-8. A maior briga surgiu nesse momento, pois Camilo queria usar, entre outras coisas, o kit Quadrijet de carburador de corpo quádruplo, o que foi vetado pelos demais, pois a intenção era justamente baratear ao máximo as despesas com a categoria. Assim foi criada, então a Turismo 5000, em meados de 1981, sem o Quadrijet. Às vésperas da primeira corrida, no entanto, apenas Expedito, com seu elegante Maverick GT 1974 da família, e Ney Faustini, estavam confirmados. Casanova, no desespero, pediu ao Expedito que “intimasse” alguns alunos do Curso Marazzi de Pilotagem, o que ele fez de prontidão. João Videira foi o primeiro a topar e preparou seu lindo Dodge, também um carro da família, para a corrida. Ele largou com câmbio de três marchas na coluna e correu assim até o fim da categoria. Faltavam apenas mais três carros para o mínimo de seis, necessários para a largada. Plínio Giosa e mais dois alu-

Na volta de apresentação, Ney Faustini (11), Adalberto Tagashira (86), Expedito Marazzi e eu, Gabriel Marazzi

Na curva Três, Adalberto Tagashira é perseguido por Renê Denigres

nos entraram com mais três Dodge e a corrida aconteceu. Os Maverick fechavam a volta pelo anel externo do antigo Interlagos (3.150 m) em cerca de 1m15s, enquanto os Dodge ficaram lá atrás nessa primeira corrida de 21 voltas. No pódium, todos os seis competidores comemoraram o início daquela categoria que ninguém acreditava.

O fato de os carros passarem muitas vezes pelo público e fazerem muito barulho, com aqueles dois canos diretos, saindo de cada lado do V-8, entusiasmou outros pilotos. Na segunda corrida, já eram 12 e, na terceira, 18. Até que, por questão de segurança, o grid chegou ao limite de 33 carros, infelizmente deixando muitos pilotos de fora. Isso foi resolvido depois, com a adoção de duas baterias. Na quinta corrida, já eram 58 os pilotos inscritos.

René Denigres a seu Maverick preparado por Camilo Christófaro. Sempre disputando com Tagashira

Expedito Marazzi, Adalberto Tagashira e Ney Faustini brigando pela liderança

Este foi o segundo Maverick do Expedito na T-5000, o número 3. O primeiro, de número 5, ele deu para mim

Os pioneiros correram no melhor período da categoria. No pódio, Marazzi, Zé Geraldo, Ney, Videira e Lindau

O crescimento dessa categoria foi tão meteórico quanto o seu fim, quando, depois de pouco tempo, por pressão dos interessados, foram sendo liberadas as modificações de regulamento desejadas por aqueles que tinham mais verba de patrocínio. Quem não tinha, aos poucos ia desistindo. Apenas para se ter uma ideia, nesse período final os carros que andavam na ponta custavam quatro vezes mais para serem preparados do que os outros. É claro que isso significava o fim da categoria, até que, um dia, o grid da Turismo 5000 voltou a ter seis carros. Foi o começo do fim. l

MINhA úLTIMA CORRIDA DE TuRISMO 5000

Vocês já viram por aí um Ford Maverick GT à venda? Difícil, mas existe. Até aí, nenhuma novidade, o que impressiona são os preços pedidos por esse automóvel. Chega a ser irônica a história desse carro no Brasil, que se iniciou em 1973 como um carro de luxo, e logo se tornou o grande vilão, devido ao alto consumo do seu motor V8 de quase 200 cv. Até ninguém mais o querer. Pode parecer inacreditável, mas no começo dos anos 80 tinha gente doando Maverick por aí. Eu mesmo achei alguns pelas ruas. Meu pai tinha um GT 1974, impecavelmente novo, comprado da frota de imprensa da Ford. O carro já era um clássico familiar, quando ele chegou com a idéia de criar uma categoria de competição para carros com motores de 5.000 cm3 ou mais, usando esse Maverick. Cheguei a argumentar que o carro era muito novo para ser depenado e colocado na pista, mas ele sequer escutou. Em pouco tempo o carro não tinha mais forração, parachoques e bancos, além de ganhar uma gaiola, um par de escapamentos diretos e suspensões rebaixadas. O resto ficou, como o teto de vinil e um perigoso jogo de rodas de magnésio da Ital, que, sabíamos, quebrariam na curva Três. Fez a primeira prova, pegou gosto pela coisa e começou a depenar outros Mavericks para aumentar o grid. Logo estavam se inscrevendo mais de 70 carros na Turismo 5000, em provas apenas pelo anel externo do antigo traçado do Autódromo de Interlagos. Entre eles estava eu: meu pai fez tantos Mavericks que me deu o primeiro, o nosso querido membro da família. Parecia que eu era o piloto mais importante da equipe, pois queria apenas sentar e correr, já que os custos eram todos bancados por ele. Mas tive que trabalhar bastante, pois o carro estava sempre precisando de cuidados, como da vez que eu coloquei um radiador “novo”, comprado em um desmanche, para treinar no sábado, e ele estava entupido de terra. Naquela noite não dormi, procurando outro radiador

para a corrida no dia seguinte. O carro era muito bom, eu estava sempre no pelotão da frente no grid de largada. A suspensão, feita por nós mesmo, era ótima, apenas rebaixada e com amortecedores recondicionados do Rogério. Os pneus, quando sobrava dinheiro, eram Pirelli CN 36 5 estrelas. Quando sobrava mais dinheiro, eles eram torneados, mas aí duravam apenas uma corrida. Por dentro, o carro era feinho, tinha apenas um banco original, daqueles reclináveis, com dois cintos abdominais cruzados no peito. Nada de segurança, era assim mesmo. Painel original, conta-giros na coluna, aos poucos fomos obrigados a ir equipando os carros da 5000, com equipamentos de segurança como chave geral e outros bichos. Eu treinava todas as quarta-feiras em Interlagos, e, em fim de semana de corrida, na sexta e no sábado. Depois do treino de quarta eu corria para a Cidade universitária, com o carro todo pintado, para pegar o final da aula na Escola Politécnica, e, de lá, sempre tinha um “rachinha” com alguns colegas que tinham V8. A última corrida que fiz teve um grid recorde. Larguei em quinto e, logo nas primeiras voltas, fui passando quase todos à minha frente, menos o Ney Faustini, que era o mito, ninguém se aproximava dele. Até que eu achei que poderia encostar no seu Maverick número 11. Nesse ponto, pensando na glória de vencer a prova, abusei da sorte e, quase chegando no primeiro colocado, atravessei na curva Três, sem rodar, mas parando no caminho de todos os outros competidores. O motor apagou, não pegava de maneira alguma, e eu ia perdendo posições. O pior, no entanto, era ficar na frente de um bando de pilotos doidos, no meio da curva. Até que um deles me acertou em cheio na porta esquerda. Aqueles garotos que ficavam em cima do muro vieram me socorrer, mas, antes que eu pudesse me soltar dos cintos assassinos, um deles berrou: – Este aqui morreu, vamos ver o outro! Não esperei o rabecão, saí do carro e comecei a caminhada de volta aos boxes. Quando cheguei lá, a corrida já havia terminado. Depois fui ver o carro: perda total, inclusive com o eixo traseiro arrancado pela pancada. Foi minha última corrida de Turismo 5000: meu “paitrocinador” suspendeu a verba. Tenho saudade desse época e, quando vejo o quanto está valendo atualmente um Maverick V8, penso naqueles tantos carros depenados para as brincadeiras em Interlagos. G. M. Texto originalmente escrito há muito, muito tempo, para o site do meu amigo e piloto Rui Amaral

This article is from: