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Autorama

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Miniaturas

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o brinquedo dos pais

O presente, com segundas intenções, era o preferido dos adultos

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Oque de mais bacana um garoto de quatro anos de idade poderia lembrar por décadas? Natal, é claro! Aqueles natais do início dos anos 60 pareciam diferentes do que são hoje, mas eram mesmo. Éramos crianças! Melhor, até, do que brincar com os brinquedos que ganhávamos na noite de 24 de dezembro, era esperar por eles. E realmente não sabíamos o que iríamos ganhar, era sempre uma incógnita. Nos fazia sonhar.

Foi, então, naquele Natal de 1963, que tive a maior surpresa. Uma grande caixa, pesada, nem dei conta de abrir sozinho. Autorama! O que é isso? Tem a ver com carros, pois eles estão pintados na tampa da caixa, enormes.

É, esse era um daqueles brinquedos que as crianças ganham, mas quem brinca é o pai. Naquela noite mesmo eu estava acelerando um dos quatro carrinhos que vieram naquela caixa, em uma pista montada peça a peça. Claro, foi um adulto que montou, e sempre tinha muitos deles nas noites de Natal.

Era o primeiro Autorama que a Estrela, então a maior fabricante de brinquedos do Brasil, havia lançado. Em uma pista eletrificada, na qual os carrinhos faziam contato e eram movimentados por pequenos motores elétricos, era possível, então, brincar e fazer corridas.

O velho Auto-Rama de 1963 foi montado só para fazer esta foto

Mas eu não preciso explicar como funciona um autorama, pois minha geração cresceu acompanhando o automobilismo e suas respectivas versões em miniatura, que também seguia o que de melhor havia na vida real.

Naquele anos de 1963, o carro da vez era o Chevrolet Corvette, por isso o meu autorama veio com quatro deles. E quatro aceleradores, também, bem mais “reais” do que os que viriam depois, pois imitavam o pedal do acelerador dos automóveis. Tinha até velocímetro.

A constatação de que um autorama era o brinquedo dos pais aconteceu quando o meu e mais dois, amigos seus, juntaram os três autoramas que combinaram dar para seus filhos no mesmo Natal e montaram uma imensa pista no porão de casa. Para mim aquilo foi ótimo, porque passei um bom tempo fugido para lá depois das aulas, para acelerar os carrinhos.

O tempo passou e a novidade esfriou. O autorama voltou para a caixa e ficou lá até hoje, quando resolvi montá-lo apenas para fotos. Mas passei por uma segunda fase de autorama, no início dos anos 70, participando de um campeonato nacional, criado pela Estrela e com a participação direta do campeão Emerson Fittipaldi. Eu corria com um Brabham BT42, que era um dos carrinhos oficiais da marca de brinquedos, e havia também o Lotus 72D e o Tyrrel. Depois vieram McLaren, Ferrari e Copersucar.

Várias versões de Autorama – que antes se grafava “Auto-Rama” – foram lançadas, sempre acompanhando o que de melhor acontecia no automobilismo mundial. Muitas crianças brincaram com esses carrinhos, que são internacionalmente chamados de slot-cars, mas são os adultos que até hoje dominam esse tipo de diversão.

Para um aficionado por autorama, a quantidade de produtos existentes relativos a esse brinquedo é imensa. Atendo-se apenas aos produtos da Estrela, é possível montar uma linha do tempo considerável, com uma história bem recheada de correspondências reais.

Depois do Corvette, vieram os Ferrari 156 de 1964, e o Jaguar, do mesmo ano. Em 1965, foi a vez do Willys Interlagos e do início da série circuitos, com os conjuntos Gávea, Indianápolis (que tinha um Fórmula-Vê impresso na caixa) e Monza. A série Fittipaldi, que veio em seguida, introduziu o Fórmula 1 da era moderna e o Campeonato Nacional.

Os adeptos do autorama atualmente, em sua maioria, são adultos bem sucedidos que investem uma considerável quantia nesse hobby. Geralmente frequentam uma pista profissional e sempre levam consigo uma mala de carrinhos, peças e ferramentas de impressionar. Parecem chefes de equipe de verdade, sendo que também são os pilotos.

É o caso do Julio Cezar, que, além de trabalhar na organização de corridas de carros de verdade, compete com carrinhos preparados por ele mesmo. Sua mala tem praticamente tudo o que uma equipe precisaria em uma corrida, em escala. Um dos componentes mais impressionantes do hobby atual é o acelerador, cheio de recursos como controle de frenagem e da forma como a potência é transferida para o motor.

Os Corvette e o Auto-Rama de quatro pistas de 1963, ainda na caixa

em 1964 foram lançados os Auto-Rama com Ferrari 156 e Jaguar

Vários modelos vinham com o Auto-Rama, inclusive o interlagos

Já na era moderna, os Copersucar Fittipaldi prateado e amarelo

Julio Cezar e sua mala repleta de carrinhos, ferramentas e peças

Os pilotos, devidamente equipados, se preparam para a largada

Uma etapa do Campeonato Nacional estrela, no início dos anos 70 esta é a “mala-equipe” do Wilson

muita tentação na lojinha da pista

Wilson, que também trabalha com frota de automóveis, é outro adepto do modelismo de fenda. Uma vez por semana ele encontra seus amigos de hobby e participa de uma corrida em uma pista profissional. Da mesma forma que Julio, ele leva seu equipamento para preparar o carrinho para as corridas.

Nessas pistas quase não se vê crianças, e são os marmanjos que brincam, montando carrinhos e campeonatos. Mas é mesmo difícil não se apaixonar pelo hobby, que, inclusive, pode vir a ser bem oneroso. Só a lojinha de peças já é uma grande tentação, até mesmo para quem só está lá para conhecer.

Desde aquele Natal de 1963, então, assim como no automobilismo real, muita tecnologia foi incorporada ao autorama. Só que com a diferença de que uma equipe completa cabe em uma mala e a tecnologia cabe na palma da mão. l

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