Um arquiteto, uma cidade - Eugène Beaudouin e Marcel Lods, Suresnes

A CIDADE Suresnes é uma comuna francesa localizada a 9,3 km do centro de Paris, a oeste, no departamento de Altos do Sena, na região da Ilha de França. Faz parte da Metrópole da Grande Paris e do Estabelecimento Público Territorial Paris Ouest La Défense. O ato de fundação da freguesia de Suresnes data de 1070, agrupada em torno da igreja de São Leufroy, demolida em 1906, perdendo-se assim o centro inicial da cidade. No entanto, antes da Revolução Francesa e particularmente antes da industrialização em meados do século XIX, Suresnes era apenas uma vila agrícola em torno da qual se espalhavam pequenos vilarejos. Até o século XVIII, a aldeia acolheu principalmente agricultores e pequenos comerciantes, bem como alguns monges pertencentes à abadia de Saint-Germain-des-Prés, instalados perto das margens do Sena na casa senhorial. O sena e suas várias nascentes no local deixam a terra ao redor muito férteis, por isso a tradição agrícola, com ênfase nas vinícolas, que existem até hoje no local.

A nobreza ocupou o lugar, porém depois de alguns anos decidiram sair. As propriedades dos nobres dão lugar ao lazer aristocrático. Os grandes aristocratas não aí instalaram as suas principais propriedades, mas dedicaram os seus edifícios ao lazer, à caça, à vida no campo e ao rio. Assim, as férias aristocráticas são a base da identidade de Suresnes, para quem o declínio das propriedades às margens do Sena não marca o fim. Já que, ao contrário, a prática das atividades de férias e lazer se intensificou a partir da segunda metade do século XIX. O desenvolvimento da estância de férias acompanha o desenvolvimento de uma cultura popular de lazer nas margens do Sena, acelerando a urbanização de Suresnes, tanto ao nível da habitação como da instalação de infraestruturas, permitindo a ligação de Suresnes a Paris. A instalação de uma linha ferroviária que ligava a grande cidade, em 1834, ajudou a industrializar e a crescer. Perto da primeira estação ferroviária irão instalar-se as primeiras vilas, que eram ligados a um uso de resort, onde membros da rica elite parisiense se estabeleceram para aproveitar as vantagens do bom ar.

Em decorrência desse desenvolvimento e de eclusas que tornaram o Sena navegável durante o ano inteiro, as indústrias em suas margens ganham força, sendo substituídas, nos anos seguintes, por fábricas maiores. Foi possível observar

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um grande crescimento populacional na cidade desde então, um movimento que foi possível de observar em todo o país.

O processo de urbanização Como citado anteriormente, a metade do século 19 foi marcada pelo advento das viagens dentro das classes privilegiadas. Utilizando o transporte ferroviário, as classes abastadas estabeleceram resorts de férias, dividindo o seu tempo entre a vida na cidade, a vida no campo, na montanha ou mesmo à beira-mar. A literatura europeia do século XIX mostra que este modo de vida instala-se nos costumes da burguesia. “A montanha mágica” por Thomas Mann aborda o tema das férias burguesas ou mesmo” Anna Karenina”, de Tolstói descreve as muitas viagens de seus heróis do campo a Moscou ou São Petersburgo. Essas migrações sazonais também afetarão os subúrbios parisienses, incluindo Suresnes.

O desenvolvimento da estância de férias acompanha o desenvolvimento de uma cultura popular de lazer nas margens do Sena, acelerando a urbanização de Suresnes, tanto ao nível da habitação como da instalação de infraestruturas, permitindo a ligação de Suresnes a Paris e seus subúrbios (banlieue) a oeste.

Numa dinâmica comum a outras cidades ao longo do Sena, como Saint-Cloud ou Ivrysur-Seine, Suresnes proporciona aos parisienses os prazeres do domingo à beira-mar. Ainda no domínio da viticultura, a Suresnes encontra a sua fama através dos seus bailes e tabernas, o que evidencia a sua iconografia: gravuras, pinturas e outras decorações de parede. Esse período é entendido como a melancolia de um Suresnes paradisíaco perdido nos escritos dos historiadores ou nos diários municipais.

Assim, para facilitar o acesso aos seus locais de lazer e também para ligar diferentes áreas, em 1834, foi lançado um projeto de trem ligando Paris a Versalhes.

Por iniciativa dos banqueiros, incluindo Salomon de Rothschild, atende as cidades ao norte do atual Hauts-de-Seine (Altos do Sena) a partir da Estação Saint Lazare.

Oferecem assim um serviço perpendicular ao histórico eixo real Paris-Versalhes, paralelo ao Sena de Courbevoie e à Saint-Cloud.

O desenho desta linha férrea muda irremediavelmente Suresnes. Por um lado, por causa de uma vila, Suresnes torna-se uma cidade e, por outro lado, porque 6

a instalação desta linha atua na sua topografia, obrigando a paisagem a se adaptar e, assim, cortando a cidade em duas. A construção da linha foi criada por decreto do prefeito de Rambuteau do Sena. Em 1889, a chamada linha de Moulineaux, hoje linha 2 do elétrico, ajudou a recortar a cidade através de uma rede de infraestruturas, ora subterrâneas, ora aéreas; às vezes pendendo, às vezes abaixo.

Assim, a cidade está se urbanizando nos dois lados de seus eixos norte-sul graças a essas estruturas, cuja implantação e técnicas variam, atestando um período de desenvolvimento de infraestrutura relacionada às ferrovias.

Figura 01: Impacto das linhas ferroviárias na região. FONTE: DSA Architecture et Patrimoine

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Figura 02: Corte na paisagem incluindo passagem de ferrovias. FONTE: DSA Architecture et Patrimoine

Figura 03: Cortes demonstrando a mudança na paisagem da região com a inserção das linhas ferroviárias. FONTE: DSA Architecture et Patrimoine

Assim, encontramos pontes em um sistema de treliça de aço na estação Suresnes-Longchamp, uma estreita passarela de cimento armado na estação Belvédère ou uma ponte simples em arco de pedra, com vista para a fronteira entre Puteaux e Suresnes. Diferentes sistemas de aterramento e suporte também estão em funcionamento. Com efeito, ao estabelecer-se nos terrenos não urbanizados das encostas do Mont-Valérien, a linha férrea está exposta à construção de inúmeras infraestruturas para manter a sua horizontalidade e permitir a passagem de nascente para poente.

A implantação da ferrovia se tornou uma fonte de conflito, opondo seus proprietários, alguns dos quais viviam nas margens do Sena, aos viticultores. Para 8

além das desapropriações necessárias à sua construção, a ferrovia passava a cortar nove caminhos vitivinícolas, perturbando os hábitos dos viticultores e fomentando as alterações entre viticultores sobre as atribuições de parcelas de terra, já muito estreitas. Além disso, a cultura do vinho enfrentou várias crises em meados do século XIX que aceleraram seu declínio em Suresnes, e que resultaram tanto de uma epidemia de filoxera, como da má gestão das vinhas, preferindo o cultivo de um tinto ruim em vez de um vinho branco de qualidade.

Outra paisagem urbana linear é então criada, formando uma continuidade entre Suresnes e seus vizinhos atendidos, com a linha ferroviária sobranceira ao Sena. Assim, apesar de uma remodelação por vezes brutal, as infraestruturas forjam uma identidade a este eixo que emana de um projeto linear coerente em torno do movimento de Paris para o campo.

Tanto a linha férrea como a desclassificação das vinhas contribuem para a urbanização da cidade e para a conquista das encostas do Mont-Valérien por uma urbanização suburbana.

Em primeiro lugar, perto da primeira estação ferroviária irão se instalar as primeiras vilas. Elas estão ligadas a um uso de resort, onde membros da rica elite parisiense se estabelecerão para aproveitar as “vantagens do bom ar”. Geralmente instalam-se num promontório e respondem a um desejo de sair da então tão laboriosa cidade para desfrutar do ar puro. No entanto, essas moradias não respondem a um único modelo, e dos que permanecem, pode-se definir vários tipos principais, em termos de localização e morfologia.

Assim, com a instalação dos bondes e respectivas estações, encontramos novos centros de implantação de moradias. A partir das desapropriações provocadas pela linha férrea, é possível criar um novo terreno que favorece a instalação destas moradias em terrenos quadrados, livres do sistema de “arpentes” (antiga medida agrária) e do seu corte conforme a topografia, beneficiam, portanto, uma maior liberdade de traçado e orientação.

Grandes imóveis, especialmente aqueles que foram desmantelados, como Villa de La Criolla ou Villa Léa, não são registrados no arquivo, sendo construídos antes da obrigação de obter uma licença de construção.

Para melhor administrar o tráfego fluvial e reduzir enchentes, barragens e eclusas começam a ser instaladas. O desenvolvimento do Sena começou no século XIX com a primeira barragem construída entre 1864 e 1869 por iniciativa de 9

Haussmann para permitir a navegação durante todo o ano, durante as cheias de inverno ou a seca de verão. Uma segunda fase de desenvolvimento começou sob a Terceira República: em 1880, uma nova eclusa ocorreu na margem esquerda. Após as enchentes espetaculares de 1910, as antigas estruturas foram substituídas no início dos anos 1930 pelas duas barragens existentes hoje: uma com portões elevadores e outra com risers Aubert. Finalmente, no final da década de 1960, o aumento do tráfego e a passagem de grandes comboios de até 5.000 toneladas exigiram a construção de uma terceira eclusa.

Graças a estas infraestruturas fluviais, Suresnes insere-se numa dinâmica comercial que se estende a todo o Hauts-de-Seine. A indústria automotiva é muito importante aqui, principalmente em relação às fábricas da Renault em Île Seguin, Bas Meudon e Boulogne-Billancourt.

Além disso, as tinturarias e as pequenas fábricas que ocupavam as margens do Sena serão gradualmente substituídas no início do século XX por fábricas mais importantes e maiores. Se o levantamento não permite ler esta mudança na paisagem urbana, as licenças de construção dos arquivos permitem comparar as diferentes escalas que passam a se fazer presente, indo desde a oficina na periferia do centro da cidade à fábrica nas margens do Sena.

A aceitação da linha ferroviária terminou com um ato catártico: durante a revolução de 1848, o castelo Rothschild foi queimado e a propriedade foi saqueada por “aldeões” ressentidos. Um resgate que facilitará a expansão industrial em Suresnes. Na verdade, as fábricas do complexo automotivo Suresnes-Puteaux estão localizadas nos grandes terrenos das propriedades à beira-mar de Puteaux e Suresnes, incluindo certas divisões internas das propriedades (mapa com grandes lotes sobrepostos). Isso mostra que uma mudança radical na atividade pode manter a continuidade com a rota antiga. As fábricas vão expulsando gradativamente os lugares pequenos da beira da água, assumindo inteiramente o papel de cais industrial.

Mesmo que as principais fábricas estejam localizadas nas margens do Sena, os subúrbios também estão contaminados, pois há uma infinidade de oficinas ligadas, em particular, à construção de automóveis. Estes têm uma forte propensão para se encaixar no tecido urbano, incluindo uma rede de pátios em terrenos estreitos, herdados de vinhas desclassificadas. No entanto, é difícil fornecer informações sobre essas tipologias industriais urbanas em Suresnes, uma vez que a 10

última delas está sujeita a fortes reestruturações por causa de condições insalubres.

No entanto, sua existência permite afirmar que Suresnes viu uma grande mudança quando as fábricas chegaram. Em primeiro lugar, do ponto de vista demográfico, a população está crescendo e se tornando mais operária do que burguesa. Então, do ponto de vista urbano, os trabalhadores passam a ter que morar em um centro urbano dotado de prédios de apartamentos e que está saturado, ou então passar a construir casinhas nos terrenos das antigas vinhas.

Enquanto a cidade tinha 1.349 habitantes em 1801 e 2.032 em 1851, atingiu 6.149 habitantes em 1876. A partir de 1870, quando as cidades ribeirinhas se tornaram mais industrializadas, Suresnes adquiriu equipamentos públicos: a escola Jules Ferry foi construída e em 1889 a cidade adquiriu uma nova prefeitura. Muitos sinais que demonstram a transformação de Suresnes em um centro urbano. Foi também entre 1870 e 1900 que uma urbanização linear, na forma de prédios de apartamentos, foi implantada ao longo das avenidas Carnot, Verdun e Ledru-Rollin.

Depois de 1900, com o centro da cidade mais saturado, é nas terras agrárias que se edifica a cidade, por meio de casas particulares. Note-se que, sendo a industrialização da zona oeste dos subúrbios mais tardia, temos uma primeira e tímida fase de construção de casas individuais nas vinhas, que se irá acelerar com a chegada das fábricas.

Certos tipos de moradias modestas ainda são encontrados hoje e são modelados com base na localização da vila. Com efeito, quando se instala nas parcelas estreitas dos viticultores, a tendência é ter um edifício principal virado para a rua, inserido entre dois contíguos e tendo uma pequena construção nas partes posteriores do terreno.

A urbanização dos subúrbios por vias suburbanas, se é tão comum e se apresenta como uma característica dos subúrbios, é fruto das legislações nacionais.

Na verdade, por exemplo, a Lei Ribot de 1908 incentiva os indivíduos, mesmo os menos abastados, a terem acesso à propriedade e a construírem para si. Suresnes é, portanto, a testemunha da mutação da sociedade rural para uma sociedade mais urbana.

Em reação ao crescimento da população urbana e à insalubridade, o governo está implementando leis que promovam a construção de moradias populares organizadas em loteamento ou construídas diretamente pelos ocupantes. Essas leis do início do século 20 são entre 1894, a Lei de Siegfried, e 1928, a Lei de Loucheur.

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A cidade de Suresnes será também profundamente marcada pelo mandato municipal de Henri Sellier, cujo bulevar homônimo não é o único estigma de seu envolvimento na cidade. Prefeito de 1919 a 1941, membro do SFIO, foi administrador e então presidente do OPHBM (Offices Publics des Habitations à Bon Marché) de 1920 a 1941, liderou uma luta a favor de moradias dignas para os mais pobres no departamento do Sena.

Figura 04: Mapa de Paris com destaque para Suresnes. FONTE: Wikipedia

Cidade Jardim A Cidade-Jardim, cuja construção durou de 1921 a 1939, é um distrito separado em Suresnes, longe do centro antigo e criando por seu traçado urbano sua própria centralidade, com sua igreja, sua prefeitura e seu parque. É um planejamento urbano completamente diferente em comparação com o resto da cidade. O desenho de suas ruas tende a torná-lo um bairro autônomo, assim como seu regulamento, que notavelmente proíbe a instalação de cafés e bebidas no interior da cidade. O bairro não só oferece moradia, graças a enfermeiras visitantes e uma rede de equipamentos públicos, mas também visa educar os trabalhadores e 12

seus filhos, considerando que são a chave para a evolução da sociedade. Conta com uma clínica de saúde pública, escolas, locais de culto católico e protestante, um teatro e uma casa para idosos. Formada por 170 pavilhões, 80% da capacidade de alojamento encontra-se em habitações multifamiliares. Grande importância foi dada à arborização, opções de lazer, condições de higiene e usos mistos urbanos, possibilitando a auto suficiência do local em atividades econômicas, serviços e qualidade mínima de habitação confortável, unindo diferentes classes sociais num mesmo ambiente. Visava a diversidade econômica, sendo atingida pelos diferentes preços de aluguéis. Isso foi alcançado através da modificação das moradias, como diferentes materiais, diferentes localidades, diferença no tamanho da moradia.

O complexo experimentou decadência e abandono na mesma época em que novos subúrbios surgiram, após 1945. Até os anos 70, as Cidades-Jardim se tornaram descuidadas e obsoletas. Necessitavam de adaptação às novas necessidades das populações, como o tamanho das habitações e a quantidade de banheiros. Então, o bairro em Suresnes passou por uma reforma em 1982 pelo Escritório de Habitação Pública do Departamento do Alto do Sena, que combinou a manutenção técnica e social do local com o uso de novas técnicas de construção e novos regulamentos urbanos, em sequência foi classificada como Zona de Proteção do Patrimônio Arquitetônico, Urbano e Paisagístico.

Figura 05: Cidade Jardim de Suresnes atualmente. FONTE: Wikipedia.

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Figura 06: Plano esquemático da Cidade Jardim de Suresnes. FONTE: Webmuseo - MUS

Patrimônio Histórico

A cidade conta com outros patrimônios espalhados por seu território, que servem como pontos turísticos aos visitantes que vão até o local. Lá encontra-se o Vinhedo de Suresnes, o maior da Ilha de França. Também, o Mont-Valerien, um dos pontos mais importantes para a história da cidade, construído em meados do século XIX, um dos 16 fortes da cidade de Paris construídos para defender a capital.

Mesmo que Mont-Valérien nem sempre tenha pertencido a Suresnes, como ponto culminante, ele tem um status especial na cidade de Suresnes. Religioso e depois militar, ele se coloca como figura tutelar e simbólica da cidade. Veremos como, à semelhança dos primeiros assentamentos humanos significativos em Suresnes, a aldeia vinícola e também a estância de férias aristocrática, o Mont-Valérien constitui uma das bases imponderáveis da paisagem urbana de Suresnes. É de uma forma ambivalente, refazendo sua rica história, que encontramos Mont-Valérien hoje. Ainda 14

um quartel, o acesso ao interior do forte é restrito por ser militar, mas ainda acolhe o público com memoriais nacionais, bem como dois museus. Outros pontos são as antigas fábricas e a Mansão Worth.

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OS ARQUITETOS Eugène Beaudouin e Marcel Lods são dois arquitetos que marcaram a história da arquitetura moderna, como os idealizadores dos primeiros conjuntos habitacionais pré-fabricados: Cité du Champs des Oiseaux, em Bagneux, e Cité de la Muette, em Drancy. Os projetos, feitos durante a década de 30, em associação com engenheiros da época, constituíram

estas como as primeiras construções

usando técnicas de pré-fabricação.

Sua principal atuação conjunta está em Suresnes com a École en plein air e a Clichy de la Maison du peuple, mas sua importância abrange todo o país.

Considerados precursores da arquitetura moderna do entre guerras na França, possuem obras que são parte importante da vanguarda tecnológica francesa, tanto por suas técnicas de construção inovadoras quanto pela pesquisa de Marcel Lods sobre a industrialização da construção e do canteiro de obras.

Figura 07: Eugène Beaudouin (esquerda) e Marcel Lods (direita). FONTE: Architects by photographers

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Figura 08: Cité de la Muette. FONTE: patrimoine seine saint denis fr

Figura 09: Cité du Champs des Oiseaux. FONTE: patrimoine seine saint denis fr

Apesar de ambos terem nascido em Paris, os arquitetos tinham origens sociais contrapostas e traçaram um trajeto de formação diferente. Marcel Lods, nascido em 16 de agosto de 1891, cresceu em bairros mais populares de Paris.

Após a morte de seu pai, abandonou os estudos e começou a trabalhar com empresários e arquitetos que permitiram o começo do seu contato com a construção de prédios e com o desenho. Em 1911 passou brevemente pela Escola de Belas Artes e, durante a Primeira Guerra Mundial, serviu pelo exército francês, quando

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desenvolveu sua paixão pela aeronáutica. Retornou à Belas Artes em 1919 e finalizou o curso em 1922.

Já Eugène Beaudouin, nascido em 20 de julho de 1898, cresceu dentro dos círculos de grandes arquitetos parisienses, tendo contato com essa área desde muito cedo por conta do seu pai e tio serem arquitetos. Assim, sua pretensão sempre foi consolidar carreira internacional, participando ativamente de concursos promovidos pela Belas Artes. Durante seus estudos na Escola de Belas Artes, teve como mestre o arquiteto Emmanuel Pontremoli — arquiteto e arqueólogo, teve grande atuação em restauro de construções —, graduando em 1928, com o Premier Grand Prix de Rome. Permaneceu na Villa Médicis durante 1929 e 1932 e, durante esse período, o arquiteto fez um levantamento e estudo da cidade de Isfahan no Irã.

O encontro entre os arquitetos aconteceu em 1919 por intermédio de Emmanuel Pontremoli, mestre de ambos durante o curso na Belas Artes — até 1968, em Paris, todos os estudantes de arquitetura eram ligados a um mestre para orientá-los individualmente —. O ateliê de Pontremoli era conhecido por desenvolver em seus estudantes um interesse pela história urbana das cidades e estudo das construções.

A partir do contato, a associação entre Beaudouin e Lods começou em 1925.

As personalidades e os interesses diferentes, porém complementares, possibilitaram as inovações propostas pela dupla, formando, na década de 30, um dos maiores escritórios na França, sendo o único escritório modernista. Enquanto Beaudouin era mais ligado às questões de ordenamento — participou, em 1934, do primeiro plano urbanístico da região parisiense, proposto por Henri Prost, assim como fez outros planos de ordenamento, como La Havane e Le Cap, inspirado pelo urbanismo estadunidense —, Lods tinha maior interesse pelas questões de modernização da construção,

pensava

no

funcionamento

do

canteiro de obras como um

funcionamento semelhante ao das fábricas.

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Figura 10: Foto aérea Cité de la Muette tirada por Marcel Lods. FONTE: Researchgate

Assim, os arquitetos tentaram desenvolver uma linguagem construtiva que fosse adaptada à industrialização, diferente dos outros grandes escritórios franceses que tentaram encaixar as novas tendências de pré-fabricação e materiais nas tradições clássicas. Nesse momento, Marcel Lods aliou sua paixão pela aeronáutica com seus estudos sobre a industrialização dos processos construtivos, de forma que usou de suas habilidades como aviador para tirar fotografias aéreas, que possibilitavam a análise e melhora dos seus canteiros.

Em função da grande atuação na França e participação ativa na corrente modernista, ambos apareceram bastante em revistas de arquitetura do entre guerras, chegando a publicar artigos sobre a emergência da arquitetura moderna.

Em 1933 entraram como membros da equipe de redação da revista “L'Architecture d’aujourd’hui”, fundada por André Bloc em 1930. Investiram na Union des Artistes Modernes (UAM), fundada em 1929 visando unir a arte e a produção industrial explorando novos materiais, e na Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM), que reunia arquitetos progressistas do mundo, realizando conferências de 1928 a 1959, tendo cada uma um tema arquitetônico pré determinado. Lods era um dos membros do grupo francês do CIAM e colaborou na elaboração da Carta de Atenas.

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Em 1928, é aprovada a Lei de Loucheur, que previa a construção de 200 mil habitações de baixo custo e 60 mil alojamentos para as classes médias, com o objetivo de resolver a crise de alojamentos, o que impulsionou a dinâmica de construções na região de Paris. Com a densificação do subúrbio parisiense pela expansão dessas construções e equipamentos públicos financiados por patrocínio de comunidades ou empresas privadas, aumentou-se significativamente o número de construções na região. Assim, os primeiros projetos de Beaudouin e Lods se deram pela necessidade de urbanizar e equipar a periferia com habitações de baixo custo. Trabalharam conjuntamente com a sociedade anônima de habitações a baixo custo PAX, fundada pelo economista e sociólogo Max Lazard e pela Madame Odier de Lacroix, e com l’Office Public des habitation à bon marché du departement de la Seine (OPHBMS), um organismo público, fundado em 1915. Chegaram a ser convidados para diferentes viagens de estudo pela Europa, organizadas por Henri Sellier, administrador da OPHBMS e, posteriormente, presidente da Câmara de Suresnes.

Foi nesse período que os arquitetos encontraram grandes desafios para a realização de construções a baixo custo. Marcel Lods chegou a convocar o conselho da OPHBMS para propor a estandardização do canteiro de obra e dos processos construtivos a fim de diminuir os preços sem a necessidade de diminuir os elementos de conforto.

Assim, os arquitetos construíram uma série de habitation à bon marché (hbm) de alvenaria para inúmeras famílias, em conjunto com a PAX e a ajuda do tio de Beaudouin, se interessando, também, pela observação do crescimento das hbm em Paris e os efeitos delas na organização urbana da cidade. Lods chegou, inclusive, a estudar a ruptura do tecido urbano em Paris e o subúrbio resultado das hbm.

Ambos trabalharam também para outros prefeitos da Banlieue Rouge que lançaram concursos, como Théodore Tissier, de Bagneux, Charles Auffray, de Clichy-la-Garenne,

e

André

Morizet,

de

Boulogne-Billancourt.

Além disso,

construíram para fora da Ile de France, como na reconstrução da cidade de Moy de l’Aisne, em um trabalho com Suzanne Deutsch de la Meurthe.

Em Clichy, os arquitetos foram convidados para elaborarem uma École en plein air, cujo projeto seguia as mesmas linhas do projeto de Suresnes, com a diferença de que o prédio principal da escola de Clichy foi pensado para ser elevado.

O projeto foi, no entanto, abandonado e, no lugar, foi concedido a construção de um 21

mercado, dessa forma, o programa foi adaptado para a atual Maison du peuple de Clichy.

Figura 11: Maison du peuple de Clichy. FONTE: Flickr

Figura 12: Villa de Bourg la Reine. FONTE: MUS - Musée d’Histoire Urbaine et Sociale de Suresnes

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Em relação a seus projetos residenciais, diferente de outros arquitetos modernistas, Lods e Beaudouin não faziam pensavam suas casas em diálogo com o movimento moderno. Estas eram sempre feitas de tijolos, o que possibilitava uma decoração mais elaborada do que nas construções pré-fabricadas, em uma maior correlação com as características das fachadas de art déco. Essa influência de estilo veio com o projeto que os arquitetos fizeram para o museu de arte moderna de Paris, inspirado no teatro da Champs Elysées de Auguste Perret.

Após o fim da parceria entre ele após a Segunda Guerra Mundial, Beaudouin construiu vários complexos educacionais em Estrasburgo, Sceaux, Draveil, Genebra e a residência universitária Antony (1954). Lecionou na Universidade de Geneva e na Escola de Belas Artes e, em conjunto com R. Lopez, realizou planejamentos urbanos para Marseille, Brest, Toulon e Mônaco. Morreu em 1983, em Paris.

Já Marcel Lods, lecionou na Escola de Belas Artes, de 1948 a 1964, e na École Nationale des Ponts et Chaussées a partir de 1957. Tornou-se membro da Academia de Arquitetura em 1971 e, em 1976, publicou seu livro “Le Métier d’architecte”. Dentre seus trabalhos estão: conjunto Sotteville-les-Rouen, de 1952, mercado de Conakry, de 1953, igreja Sainte-Jeanne-d’Arc em Belfort, de 1955, em um trabalho conjunto com Beufé, Igreja Saint-Croix em Sochaux, conjunto Marly-les-Grandes Terres, de 1958, em um trabalho com Arsène Henry, Beufé e Honegger, Biblioteca de ciência de Reims, Maison des sciences de l’homme em Paris, de 1967 a 69, conjunto habitacional Grande-Mare em Rouen, de 1968 a 70, entre outros. Morreu em 1978, em Paris.

Repensando o canteiro: a pré-fabricação Inseridos em meio ao cruzamento de dois tipos de construção: uma tradicional em tijolo e outra com predomínio da pré-fabricação, Eugène Beaudouin e Marcel Lods estavam no centro das novas técnicas construtivas de que a Île-de-France necessitava nos anos 1930.

Graças à importância da encomenda da Cité de Champ-des-Oiseaux de 1927, em Bagneux, eles criaram uma nova forma de pensar sobre o canteiro, tentando racionalizar ao máximo a construção a partir dos princípios do taylorismo.

Com a ajuda principal de seus engenheiros parceiros Eugène Mopin e Eugène 23

Freyssinet, eles pensam em processos de pré-fabricação inovadores que economizam um tempo precioso no canteiro de obras.

Uma demonstração de seus esforços por uma por uma racionalização do canteiro e dos processos construtivos foi a instalação de armazéns e oficinas de pré-fabricação dentro do próprio canteiro, o que favorecia em muito a aplicabilidade do sistema de racionalização taylorista adotado por eles.

A segunda encomenda importante, realizada em 1931, foi a Cité de la Muette, em Drancy — descrita como uma cidade-jardim vertical — foi uma oportunidade para aprofundar as experiências realizadas previamente em Bagneux, como o uso do sistema Contex, testado anteriormente em Bagneux — e que seria mais tarde utilizado também em uma das fachadas da École de plein air de Suresnes.

Figura 13: Montagem em andamento de uma das fachadas da Cité de la Muette. FONTE: SEINE-SAINT-DENIS

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Figura 14: Canteiro de obras com destaque para estrutura em aço já montada, Cité de la Muette.

FONTE: SEINE-SAINT-DENIS

Após a Segunda Guerra Mundial, eles acabam sendo considerados “os pais do pré-fabricado” e a construção dos grandes complexos habitacionais oriundos durante os chamados Trinta Gloriosos — período após o final da Segunda Guerra Mundial de forte crescimento econômico na maioria dos países desenvolvidos, membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — serão inspirados pela organização científica do canteiro.

Para este primeiro grande projeto de pré-fabricação na França, o objetivo era buscar a maior economia possível por meio de quatro pontos inspirados diretamente no taylorismo: • redução do trabalho realizado no local; • o controle muito rigoroso da força de trabalho (as tarefas dos operários na oficina e no local são cronometradas); • a eliminação do desperdício de matéria-prima; • a redução do tempo de execução.

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Figura 15: Canteiro da Cité de Champ-des-Oiseaux. FONTE: MUS - Musée d’Histoire Urbaine et Sociale de Suresnes

Figura 16: Vista aérea do canteiro da Cité de Champ-des-Oiseaux. FONTE: MUS - Musée d’Histoire Urbaine et Sociale de Suresnes

Poucos elementos são executados diretamente no local, tudo é preparado previamente na “fábrica”. Numerosas visitas ao canteiro dessa obra foram organizadas para os colegas engenheiros e arquitetos de Beaudouin e Lods. Ao final de uma dessas visitas, Le Corbusier teria dito: "Isso tudo é extremamente lógico."

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No centro das novidades, Marcel Lods e Eugène Beaudouin se interessarão também em novos programas arquitetônicos como clubes de aviação e equipamentos desportivos. Esses tipos de programas surgem durante o período entre guerras, quando o corpo e a velocidade são ampliados e postos em foco por uma Europa em expansão.

A indústria aeronáutica estava experimentando um progresso técnico considerável e a aviação estava se tornando um esporte de lazer para as classes abastadas. Marcel Lods, graças à sua paixão pela aviação, conhecia os círculos de aviadores da região de Paris, alguns dos quais o convidariam para projetar para clubes de aviação. O aeroclube de Buc será a oportunidade para os dois arquitetos colaborarem pela primeira vez com Jean Prouvé.

Por outro lado, o esporte é importante na preparação dos jovens para possíveis conflitos e eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos, que estavam se tornando cada vez mais veiculados na mídia. Eugène Beaudouin se interessa por equipamentos esportivos inspirados na Antiguidade.

Figura 17: Marcel Lods e avião. FONTE: MUS

O programa previa um pavilhão econômico, transparente e facilmente desmontável, pois poderia mudar de local. Dispõe de restaurante, bar, sala de jogos, dois balneários e salas técnicas. Os painéis pré-fabricados, projetados na oficina de 27

Jean Prouvé, são montados no local em duas semanas usando um princípio de aparafusamento.

Figura 18: Pavillon de l’aéroclub Roland Garros de Buc. FONTE: MUS

Influenciados pela Union des Artistes Modernes (UAM), que destaca o aço como um material revolucionário para a arquitetura, Eugène Beaudouin e Marcel Lods o utilizam em peso em suas construções. Da mesma forma como acontece com o concreto, este novo material exige um novo conhecimento específico. Para isso, a dupla de arquitetos trabalha em estreita colaboração com os engenheiros Jean Prouvé e Christian Bodiansky. O aço, novidade técnica e estética, tornou-se, assim, o símbolo da nova arquitetura.

A proposta mais ambiciosa da dupla foi aquela imaginada para o concurso de ideias do Escritório Técnico para o Uso do Aço (OTUA): um novo centro de exposições. A estrutura é liberada das paredes de suporte, tornando possível uma sala de exposições circular de 400 m de diâmetro aberta a 360°. O aço compunha a maior parte do projeto, juntamente com o vidro ali, como é o caso da escola ao ar livre Suresnes.

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Figura 19: Maquete do centro de exposições proposto pela dupla, Concurso OTUA. FONTE: MUS

Excluído do concurso por oferecer um grande palácio circular e não retangular conforme solicitado, o projeto simboliza, no entanto, um novo método de construção. Ao invocar processos ainda não utilizados e formas geométricas pouco utilizadas, eclipsam o projeto vencedor de Paul Tournon. Um volume circular de vidro e aço de 400 m de diâmetro é mantido a 51 metros do solo por quatro arcos elípticos. O sistema de cobertura, extremamente complexo, está em perfeito equilíbrio e os arcos suportam apenas as forças verticais do peso da cobertura.

Um bom exemplo construído do novo tecnicismo possível é a Maison du peuple, em Clichy, um edifício totalmente modular. Segue o mesmo raciocínio construtivo do Buc Aeroclube e é extremamente original pela complexidade do programa com um mercado coberto, sala polivalente e escritórios e, por outro lado, pela flexibilidade espacial, permitindo adaptações do edifício às mudanças de uso. A dissociação completa entre a fachada e a estrutura principal de sustentação proposta por Jean Prouvé, permite que a forma arquitetônica se adapte aos diferentes programas. A” Casa do Povo” é considerada uma das primeiras construções de parede cortina — uma parede não-estrutural que permite grandes aberturas.

Os arquitetos imaginaram, de fato, um edifício com elementos móveis que permitissem modificar o edifício de acordo com uma atribuição variável. No piso térreo, o mercado podia ser realizado ao ar livre graças à abertura do teto e ao piso retrátil da sala. No andar de cima, a sala de espetáculos com 2.000 lugares torna-se, graças a uma divisória móvel, uma sala de cinema para 500 espectadores. Ao 29

fundo, localizam-se as dependências associativas e sindicais. A Casa do Povo rapidamente se tornou um ícone do Movimento moderno por meio do espírito maquinista que ali se desenvolveu. Os arquitetos imaginaram, de fato, um edifício com elementos móveis que permitissem modificar o edifício de acordo com uma atribuição variável. No piso térreo, o mercado podia ser realizado ao ar livre graças à abertura do teto e ao piso retrátil da sala. No andar de cima, a sala de espetáculos com 2.000 lugares torna-se, graças a uma divisória móvel, uma sala de cinema para 500 espectadores. Ao fundo, localizam-se as dependências associativas e sindicais.

A Casa do Povo rapidamente se tornou um ícone do Movimento moderno por meio do espírito maquinista que ali se desenvolveu.

Eugène Beaudouin e Marcel Lods também projetaram com Jean Prouvé e a forja de Estrasburgo uma casa de aço (BLPS) que poderia ser montada em menos de 4 horas. Foi produzida uma única versão, medindo 3,3 metros x 3,3 metros. O programa incluia uma sala, uma cozinha e uma casa de banho. Foi apresentada na 6ª Exposição de Habitação na Feira de Artes Domésticas, em janeiro de 1939.

Figura 20: Maison en acier (BLPS). FONTE: MUS

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Visão urbana Em 1937, Paris acolheu a Mostra Internacional de “Artes e Técnicas Aplicadas à Vida Moderna”. Publicado em 1932, o programa do concurso para o desenvolvimento da exposição estipulava que esta deveria ser extramuros, na “banlieue”. A maioria das equipes propõe instalá-la na extensão da Porte Maillot, no oeste de Paris, principalmente no Bois de Boulogne. Várias equipes, incluindo a de Eugène Beaudouin e Marcel Lods, desenvolvem um projeto em torno do Mont Valérien e do centro de Suresnes Os dois arquitetos, em seu projeto "Acrópole 1937”, desenvolvem os arredores de Mont-Valérien. Além de um aeroporto e um centro de convenções, eles incluem uma piscina aberta e um teatro ao ar livre. Por último, a Exposição Universal teria um lugar intramural perto do Palais de Chaillot e do Trocadéro.

Para os arquitetos, a escolha do local da Exposição Universal é tão essencial para o bom andamento do evento quanto para o desenvolvimento futuro da cidade sede. A escolha de Suresnes se deve ao ponto de vista privilegiado que oferece Mont-Valérien, o ponto mais alto da região parisiense, e sua extensão com o eixo que vai da Place de la Concorde ao Porte Maillot.

A maioria dos projetos de desenvolvimento para a Exposição de 1937 estavam localizados entre Mont-Valérien e o Parque Bagatelle no Bois de Boulogne.

Le Corbusier é o único a planejar a exposição no leste de Paris em direção à Montreuil. Esta última Exposição Universal, organizada na França de 25 de maio a 25 de novembro de 1937, foi uma oportunidade para arquitetos modernos (como Robert Mallet-Stevens, Auguste Perret, Alvar Aalto, etc.) proporem uma nova arquitetura através da construção de numerosos pavilhões.

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Figura 21: Concurso para implantação da Exposition internationale de Paris, 1937. Não realizado.

FONTE: MUS

Arquiteturas efêmeras Instalações efêmeras requerem conhecimento técnico e engenharia avançada para maximizar o esplendor dos eventos. Eugène Beaudouin e Marcel Lods são levados a desenvolver toda a sua engenhosidade para dois grandes projetos efêmeros: um projeto de Palácio móvel, em 1934, cujo patrocinador é desconhecido, e o Festival das Luzes, em 1937. Além de, em escala menor, a decoração do cais do Sena para a recepção do rei da Inglaterra George VI, em 1938.

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Se os dois grandes projetos são muito diferentes, eles não deixam de ser menos impressionantes para o público. O projeto do palácio móvel deveria se estender por aproximadamente 8.000 metros com apenas 16 pontos de apoio, sua montagem seria fonte de atração. O Festival das Luzes, instalado no Sena, combinava jatos de água, luz e música compostos para a ocasião na ordem do minuto.

O projeto da dupla intitulado “Cometa Branco” é o destaque com cerca de 150 fontes sobre o Sena. Ajudados por Jean Prouvé, eles imaginam liberar o tráfego do rio durante o dia, um sistema que submerge 144 das fontes. A instalação foi, ao que parece, mais conduzida por Eugène Beaudouin, que deu uma conferência "Les ballets de lumière" juntamente com o compositor Arthur Honegger, em 23 de fevereiro de 1937; O projeto evoca uma composição de “movimentos de luz e água numa imensa sinfonia sustentada e exaltada pela música."

Figura 22: Ilustração Festival das Luzes, “Cometa Branco”, no Rio Sena. FONTE: MUS

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Já o planejado teatro ao ar livre em Suresnes, a leste da escola ao ar livre, deveria acomodar 14.000 espectadores. Nele estavam inseridos os códigos do antigo teatro e o layout exato do teatro de Epidauro (em Nafplion) conhecido por sua acústica muito boa ao mesmo tempo em que mantém sua construção em painel pré-fabricado. A piscina, por sua vez, tinha que ser localizada no cruzamento da Rua das Houtraits e a Rua de Châteaubriant, entre Mont-Valérien e os jardins da cidade.

No que diz respeito às realizações no planejamento urbano, estas estão limitadas aos seus conjuntos habitacionais (Romainville, Bagneux, Drancy). No entanto, a dupla pensou muito no espaço urbano e participou das mais diversas competições de desenvolvimento urbano. Percebemos interesse nos grandes eixos de tráfego, especialmente em sua proposta à competição do aeroporto de Le Bourget. Em 1935, Eugène Beaudouin, certamente sozinho, propôs um plano de desenvolvimento regional para Montreal que permaneceria em forma de esboço.

Seus pontos de vista são, porém, divergentes, Marcel Lods está mais inclinado ao conceito de nova cidade construída ex-nihilo (do zero) e concebida para resolver problemas higienistas, enquanto Eugène Beaudouin reapropria o conceito de "palimpsesto arquitetônico", considerando que é preciso reconstruir, reescrever a cidade existente.

Se as razões para o fim da colaboração ainda são incertas, esta parceria marcou profundamente o resto de suas respectivas carreiras, ao mesmo tempo que sublinhou as sensibilidades muito distintas dos dois arquitetos. Eugène Beaudouin continuou a desenvolver projetos de habitação como Les Minguettes, em Vénissieux, a torre Montparnasse em Paris e planos de urbanismo, nomeadamente o de Isfahan, que estudou no início da sua carreira. Professor, entre outros, na Escola de Arquitetura de Genebra (1942-1968), ele tem como alunos Christian de Portzamparc, François Spoerry e Antoine Grumbach que integram o planejamento urbano em seus programas de arquitetura.

Marcel Lods, por sua vez, continua pesquisando para uma pré-fabricação otimizada à seco com aço (sem vazamento de concreto no local) e chega a um resultado muito satisfatório com todo o Grand’Mare, em Rouen. Em 1963, ele também participa do concurso para o desenvolvimento do cais do Sena, em Suresnes. Desta dupla permanecerá uma arquitetura formada em torno de uma equipe que extrapola os limites técnicos dos materiais e reflete na organização do

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canteiro. Suas divergências metodológicas e na forma de se pensar o fazer arquitetônico foram essenciais para o êxito dos arquitetos enquanto dupla: Muitas vezes é vantajoso ter arquitetos com possibilidades diferentes trabalhando juntos na mesma obra. Em particular, quando dois deles, achando que são complementares; decidir, de comum acordo, adicionar suas capacidades recíprocas. Este foi o caso de Eugène Beaudouin e eu em 1923 (LODS, 1976, p. 15 apud ROUGERON, 2017, p. 7)

Exclusão da historiografia Ao longo da pesquisa, muito intrigou o grupo do porquê dois arquitetos considerados atores eminentes do movimento modernista e promotores de técnicas de construção inovadoras terem sido preteridos da historiografia ao decorrer das décadas.

Ambos são citados brevemente nas obras dos grandes tratadistas como Leonardo Benévolo e Kenneth Frampton, tendo participação menos do que coadjuvante em tais obras, sendo citados apenas como arquitetos incluídos no livro de Alfred Roth intitulado “A Nova Arquitetura apresentada em 20 exemplos” (com textos em francês, inglês e alemão). O qual ilustra analiticamente alguns edifícios não muito conhecidos à época construídos entre 1930 e 1940, mas que, segundo Roth, conteriam uma importante indicação programática e permitiriam definir a situação do movimento moderno às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor: “Tratava-se de reunir um grupo de exemplos apropriados, que, tanto pela colocação dos problemas, quanto pelo modo de resolvê-los, praticamente permitissem caracterizar, situar e definir o estado atual da nova arquitetura” (ROTH, 1946 apud Benevolo, 202, p. 566). Dessa forma, pode-se dizer que o aparecimento pontual dos arquitetos nesses autores tratadistas tem caráter para além de pontual, meramente figurativo.

Benévolo, ainda que brevemente, pincela um pouco mais sobre a participação dos arquitetos no processo de racionalização dos métodos construtivos e do canteiro, dando crédito a eles por sua contribuição no desenvolvimento da pré-fabricação na construção civil europeia. O autor cita que a recherche patiente de Le Corbusier diverge da dos demais artistas de vanguarda franceses, Lurçat, 35

Mallet-Stevens,

Chareau,

que

após

1933,

não

contavam

com quaisquer

contribuições dignas de nota: “Em compensação, adquire importância o trabalho dos mais jovens, dentre os quais é necessário mencionar Èugene Beaudouin e Marcel Lods, que, nesse período, representam o extremo mais avançado da produção da construção civil” (BENÉVOLO, 2002, p. 566)

O autor também elenca a experiência na Cité de la Muette de 1933, em Drancy, para ressaltar a genialidade dos arquitetos no processo de evolução do canteiro:

[...] ossatura portante é metálica, enquanto os pavimentos e as vedações verticais são formadas por elementos de concreto pré-fabricados; os revestimentos externos, as escadas, os balaústres dos balcões e muitos outros acabamentos são mesmo feitos com painéis de concreto, a fim de obter, nos limites econômicos prefixados, um rigoroso controle qualitativo e para simplificar a manutenção. Assim, a arquitetura, que vista de longe parece sustentada somente por um propósito polêmico, revela, de perto, um caráter persuasivo e realista. Um sistema análogo de pré-fabricação é adotado na escola ao ar livre de Suresnes, perto de Paris, de 1935, sabiamente disposta no declive da colina. (BENÉVOLO, 2002, p. 566, grifo nosso)

No que diz respeito à presença de bibliografia online, essa também é bem escassa, principalmente no que tange aos arquitetos. O projeto em si conta com bastante material online, mesmo que não muito aprofundado. Essa escassez de material fez com que fosse necessário recorrer a algumas organizações da França como a biblioteca da Cidade da Arquitetura que recebe os materiais do Instituto de Arquitetura da França e ao Museu da História Urbana e Social de Suresnes, o que demonstra essa centralização do acervo e dos documentos relacionados à produção dos dois, restringindo parte dessa historiografia à França apenas, ainda mais se levado em consideração que todos os arquivos estavam em francês, dificultando uma possível difusão de muitas informações importantes.

O que colaborou em muito para o desenvolvimento do trabalho em questão foi o Museu de Suresnes (MUS), que em 2017-2018 realizou uma exposição sobre a carreira de Beaudouin e Lods, seguindo essa movimentação de preservação do patrimônio e conservação da memória de ambos, que foram extremamente ativos e 36

relevantes na cidade. Assim como a preservação da École em si, que apesar de considerada patrimônio histórico por muito tempo teve seu futuro e sua destinação de uso incertos. Com o material da exposição e do acervo disponibilizados pelo MUS foi possível dar desenvolvimento ao corpo da pesquisa e das análises de forma mais aprofundada. Toda essa questão levantou para o grupo muitas reflexões acerca de conhecimento e historiografia da arquitetura — muitos fragmentos da história estão passíveis de se tornarem inacessíveis exatamente por estarem centralizados em seu país de origem ou localizados em espaços físicos geograficamente inacessíveis, ainda apesar da internet e de toda superação de fronteiras que ela permite. O idioma também é um elemento capaz de concentrar o conhecimento e de o impedir de ser difundido como ele poderia.

Dessa forma, o contato com o MUS e com a biblioteca da Cité de L’architecture foram muito importantes para esse trabalho e trouxe luz a questões muito relevantes como a da historiografia para o grupo, além de ter somado experiência e aproximado diferentes instituições (dentro das áreas de ensino, cultura e pesquisa) em nome da difusão de grandes nomes e projetos da arquitetura moderna. É importante também ressaltar o peso da ausência dentro da historiografia, ainda mais se tratando de arquitetura. Um arquiteto ou um projeto não aparecer ou não ser citado dentro da fortuna crítica dos grandes tratadistas cria, ao mesmo tempo, uma nova fortuna crítica: da ausência e do desconhecimento. E é nessa linha que muitos pesquisadores contemporâneos têm se debruçado ultimamente, na tentativa de dar luz e voz a diversas figuras importantes preteridas ao longo das últimas décadas — exemplo forte e atual disso tem sido os esforços de devolverem às arquitetas mulheres suas narrativas e espaço na construção da arquitetura, trazendo discussões de gênero que não eram comuns à historiografia arquitetônica.

No caso de Beaudouin e Lods é difícil sequer apontar uma possível causa do desaparecimento deles dos grandes tratados e das bibliografias modernas, no entanto sabe-se que não é incomum dentro da arquitetura certos movimentos serem ofuscados porque outros são ou foram mais preponderantes — o que traz à cena também o porquê de tal preponderância ser dada a determinados movimentos, seja por questões políticas ou estéticas — e, assim sendo, que determinadas figuras e projetos recebam maior holofote ao longo das décadas e se consagrem cânones,

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enquanto outras figuras vão sendo deixadas de lado, sem maiores motivações, e por fim, preterida da historiografia.

Alguns exemplos brasileiros de figuras que foram ofuscadas por conta da figura ao seu lado são: Carlos Cascaldi (grande colaborador de Vilanova Artigas em projetos como Louveira e FAUUSP) e João de Gennaro (colaborar de Paulo Mendes da Rocha em projetos como Edifício Guaimbê e Ginásio do Clube Athlético Paulistano) Ambos podem ser reconhecidos como os sócios esquecidos de Artigas e Paulo Mendes da Rocha, e esse “esquecimento” faz com que não seja dado o devido valor à importante participação desses arquitetos que de alguma forma acabam sendo ofuscados pelas figuras maiores que os acompanhavam, e assim, vão se tornando meras notas de rodapé na historiografia da arquitetura e tendo suas atuações/participações diminuidas ou preteridas no curso da história e do tempo.

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A ESCOLA AO AR LIVRE As escolas ao ar livre se instalaram a partir de uma hibridização educacional sanitarista, consolidando espaços pedagógicos com uma estrutura embebida nesses ideais. Um dos fatores que motivou essa tipologia educacional foi o cenário de surto de tuberculose na Europa, entre os séculos XIX e XX. A iniciativa para promover o entusiasmo por essa tipologia escolar na França foi fomentada por uma palestra de 1912 dada em uma conferência internacional sobre demografia e higiene, na qual o arquiteto parisiense Augustin Rey, membro do Musée Social, uma poderosa rede de higienistas, arquitetos e estatísticos na França, discursou sobre L'école de l'avenir ou a escola do futuro. Começando com uma referência a Pasteur, o qual afirmava que para salvar uma raça ameaçada por uma doença infecciosa, o melhor plano é salvar o casulo (GREENE, 2011), formulou-se que para livrar o país dos malefícios da tuberculose o melhor a ser feito era focar na saúde das crianças. A solução, declarou ele, era abandonar velhos protótipos de escola para um novo modelo que se direcionava a essas pragmáticas – ressaltando que no século XIX, a tuberculose foi a principal causa de morte na França.

Até a virada do século, o protocolo de tratamento da tuberculose era o ar puro, a prática de exercícios, da higiene e uma dieta rica e variada – as principais armas na guerra contra a doença. Dessa forma, foram estabelecidos sanatórios, edificações em que os doentes eram isolados e recebiam tratamento, promovendo cuidados aos enfermos seguindo os protocolos supracitados.

Entretanto, constatado que a classe trabalhadora era a que mais morria por tuberculose, devido à baixa salubridade de suas residências, foram criados programas que tinham o intuito de retirar as crianças desses espaços, com altos risco de contaminação, enviando-as para uma variedade de projetos que prezavam pelo ar puro, por uma boa alimentação e tratamento médico – espaços protótipos para o conceito de escola ao ar livre.

Um desses programas era l'Oeuvre de la Préservation de l'Enfant Contre la Tuberculose, traduzido como: Trabalho pela Preservação de Crianças Contra a Tuberculose. Fundado em 1903 pelo Dr. Jacques Grancher, o programa tinha como finalidade resgatar crianças entre 3 e 10 anos de idade de lares que apresentavam indivíduos com tuberculose, localizado em alguns dos bairros mais pobres de Paris, 40

e realocá-las em outras famílias, como as de camponeses saudáveis, por um período de até dez anos. Assim, nessas localidades os jovens recebiam supervisão médica e aproveitariam os benefícios da vida no campo, usufruindo da exposição ao sol, do ar fresco e à nutrição decorrente de uma alimentação balanceada. Porém, apesar de todos esses benefícios, as crianças eram privadas do contato com os pais, contando com apenas quatro visitas ao ano.

Outro programa, dessa vez menos intrusivo, eram as Colonies de Vacances/ Colonies Scolaires. Se assemelhando com as colônias de férias, elas ofereciam uma pausa na vida urbana para crianças desnutridas ou pré-tuberculosas, funcionando como retiros de baixo custo ou gratuitos, patrocinados por várias sociedades filantrópicas. Dessa forma, crianças que eram identificadas com propensão à tuberculose pelo médico das escolas que frequentavam eram enviadas para esses espaços por três semanas ou mais no verão, locias onde tinham nutrição melhorada e o incentivo à prática de exercícios físicos.

Por fim, surgiram as escolas de plein ar ou escolas ao ar livre, instituições que forneciam a cura ao ar livre sem interromper a vida educacional ou familiar.

Nesse caso, a França buscou inspiração em Berlim.

Em 1904, na cidade de Charlottenberg, um subúrbio de Berlim, uma Waldschule (escola florestal) iniciada pelo Dr. Adolf Baginsky foi estabelecida para atender crianças anêmicas provenientes de distritos superlotados da região. O objetivo pedagógico da escola era levar as crianças adiante com a educação e suas condições físicas e mentais para que pudessem finalmente retornar a um ambiente escolar normal. O sucesso em seus esforços para fornecer educação e reabilitar crianças doentes, os resultados do Waldschule, foram amplamente divulgados na literatura sobre higiene escolar e em conferências internacionais sobre saúde escolar, em 1904, em Nuremberg, em 1907, em Londres e 1910, em Paris.

(GREENE, 2011)

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Figura 23: Escola florestal. FONTE: hypeness

Figura 24: Escola florestal. FONTE: wikimedia Commons

Na França a escola florestal foi amplamente divulgada por meio de artigos que relatavam a eficácia da escola alemã. Grancher, o fundador do primeiro programa mencionado acima, entregou um estudo sobre o tópico na Academia Francesa de Medicina em 1906, baseando-se em pesquisas que sugeriram que, como cerca de 15% das crianças em escolas parisienses eram pré-tuberculosas, seria conveniente o estabelecimento desses novos tipos de escolas em toda a França. Acreditando que a tuberculose era curável em crianças se confrontado cedo, Grancher pediu a construção de sanatórios-escola, visando a continuação dos estudos dos jovens sob a supervisão de um médico.

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Inspirado por esta chamada, Edouard Herriot, o prefeito progressista de Lyon, estabeleceu a primeira escola oficial ao ar livre na França em 1907. Ela foi inaugurada como um internato em uma propriedade do município para cerca de 35 crianças escolhidas pelo médico local, assim, acolhendo apenas alunos com dificuldades, através de uma seleção inicial das crianças e de acordo com a situação social de suas famílias, retendo apenas os mais fracos fisicamente. Dessa forma, percebe-se como os médicos das repartições de saúde desempenham, portanto, um papel decisivo nessa instituição, da qual o programa inicial é o mesmo definido por Grancher para as escolas ao ar livre: alimentação saudável, ar fresco e exercícios.

Figura 25: Primeira escola ao ar livre da França. FONTE: openedition books

Em 1906, na mesma época, Gaston Lemonier, um educador, fundou a Liga Francesa para Educação ao Ar livre (Ligue pour l'éducation en Plein Air) contendo médicos influentes e educadores. A descrição das escolas, no entanto, ainda refletiam uma mistura ambígua de sanatórios, casa e colônia de férias: estabelecimentos sanitários de prevenção e recuperação com ensino fundamental simplificado, que acolhiam crianças de sete a quatorze anos, anêmicas, fracas, deficientes, raquíticas e mantinham, sob vigilância médica, com higiene completa, prática de exercícios respiratórios e físicos, dietas reforçadas, exposição ao sol e 43

repouso. Porém ainda não era vista até o momento como problema arquitetônico o envolvimento de arquitetos em seu projeto era mínimo.

Em última análise, os projetos como o colonies des vacances e o projeto de Grancher, de remover crianças de lares com tuberculose, poderiam ser aplicados em uma escala menor de abrangência de crianças. As escolas ao ar livre, no entanto, poderiam ser estendidas a toda a população em idade escolar e, portanto, foram promovidas com grande entusiasmo por educadores e médicos (GREENE, 2011).

Durante a guerra, o movimento pelas escolas ao ar livre estagnou-se, contando apenas com alguns refúgios para as crianças – vítimas das mazelas da batalha – como órfãos de guerra em Paris. O espírito positivista e otimista da Belle Époque havia se dissipado e a guerra deixou uma França vitoriosa, mas física e financeiramente devastada. Ainda assim, a guerra foi particularmente útil para ressuscitar o movimento ao ar livre e fornecer a base para a extensa experimentação e inovação arquitetônica que estava por vir. Como resultado da destruição da infraestrutura, a perda de mais de um milhão e meio de cidadãos franceses durante o curso da guerra, e dezenas de crianças órfãs, numerosas sociedades filantrópicas tiveram um grande impacto sobre os projetos de escola ao ar livre, criando propagandas e financiando alguns projetos, como uma forma de apoiar as crianças vítimas desse período Em meio o entre guerras, a França, face aos traumas da primeira guerra e com problemas generalizados em relação às doenças e à mortalidade infantil, retoma a criar grandes expectativas em retomar os projetos de tipologias de edifícios educacionais, voltados para o saneamento e a cura de doenças. Nessa nova leva, os arquitetos tiveram uma maior ênfase para definir o conceito e o projeto arquitetônico das Écoles de Plein Air, representando a realização final da escola como espaço terapêutico medicalizante, projetado como um local de prevenção médica e cuidado, com o intuito de impedir a disseminação de doenças em crianças.

Porém, esse discurso fornece uma janela para as intenções eugenistas de muitos dos defensores do movimento, que estavam interessados em um objetivo mais ambicioso de melhorar a qualidade da raça francesa.O francês League for Open Air Education, por exemplo, declarou que o objetivo da organização era - para contribuir… para a restauração da raça francesa e para a luta contra a tuberculose, o alcoolismo e as outras causas de degeneração. (GREENE, 2011, p.04, tradução nossa)

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O ano de 1922 acabou desempenhando um papel crítico na ressurreição dos longos projetos dormentes para o estabelecimento de escolas ao ar livre. Ocorreu um aumento da organização, do financiamento e da propaganda durante este ano, principalmente devido aos danos que a guerra veio a causar nas crianças, assim o envolvimento dos arquitetos tornou-se significativamente mais pronunciado. Dessa forma, três acontecimentos foram de grande importância nesse período: o primeiro congresso internacional para escolas ao ar livre foi realizado neste ano, uma nova organização poderosa assumiu a liga de escolas ao ar livre na França como seu projeto particular e o Ministério Público da França emitiu seu primeiro comentário formal sobre as práticas e programas arquitetônicos de tais escolas.

Para tanto, a organização desempenhou um papel crítico em trazer mais ênfase aos arquitetos para os projetos de escolas ao ar livre, contribuindo com o projeto de escolas com amplo acesso à áreas abertas de terrenos para salas de aula e grandes esquadrias para fornecer a cura pelo ar fresco, sendo algumas escolas improvisadas em parques dentro dos limites da cidade. Nesses casos, ter móveis portáteis era importante, criando assim uma área de inovação durante os anos 20, com o desenvolvimento de galpões de madeira desmontáveis e leves.

Dessa maneira, um projeto que serviu de base posteriormente para a escola ao ar livre de Suresnes é a Birmingham Open-Air School em Uffculme na Inglaterra projetada pelos arquitetos Cossins, Peacock e Bewlay em 1911. Seus sistemas espaciais eram extremamente inovadores, os quais foram reproduzidos em casos raros, como na escola de Suresnes. Com efeito, nessa escola, os arquitetos desenham edifícios separados, já que poderiam ser implantados na natureza, com a particularidade de que os pavilhões das aulas são independentes uns dos outros e têm a possibilidade de abrir em três faces. Para seu aquecimento, são utilizadas tubulações de água quente, dispostas em um canal ao redor do perímetro interno das salas de aula, coberto por uma grade, com o objetivo de aquecer o ar frio antes de entrar na sala de aula, possibilitando cursos com as esquadrias abertas.

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Figura 26: Birmingham Open-Air School. FONTE: architecture of early childhood

Figura 27: Birmingham Open-Air School. FONTE: naturalpod

Outra solução de design, parcialmente inovadora, foi oferecida na École Desiré Verhaeghe em Lille, onde o arquiteto René Delannoy criou um edifício tradicional em estilo regional utilizando grandes janelas de vidro para efetuar a cura pelo sol e pelo ar. A ideia é criar edifícios com grandes janelas salientes que permitissem às crianças aproveitar ao máximo a luz natural e assim ter uma maior absorção de vitamina D. A presença de vegetação permite que as crianças entrem em contato com a natureza e tenham acesso ao ar puro, além da prática de 46

exercícios físicos, cochilos, jogos e hidroterapia. Além disso, os alunos realizam três refeições

balanceadas,

as

quais

forneciam

vitaminas

e

diversificavam

a

alimentação. Um serviço de bonde era especialmente designado para transportar as crianças de 7 a 12 anos, as quais só poderiam ingressar nessa escola mediante receita médica.

Figura 28: École Desiré Verhaeghe. FONTE: WIKIPEDIA

Figura 29: École Desiré Verhaeghe. FONTE: archives.lille.fr

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Outro trabalho inovador, porém fora da França, é o do arquiteto Jan Duiker, membro do grupo De Stijl, com sua Openlucht School (escola ao ar livre) fundada em Amsterdã em 1930. A escola introduziu uma concepção inteiramente nova da escola ao ar livre como um estabelecimento que poderia usar da estrutura para realmente complementar a "cura natural", mesmo em um espaço urbano interno, por meio de uma racionalização do pensamento projetual.

Duiker, aproveitou a luz solar natural de forma mais produtiva, defendeu o uso generalizado de práticas de construção modernas que permitiram trazer uma leveza à construção, com planos abertos e envidraçados. Além disso, os espaços podem ser aquecidos e, ao mesmo tempo, fornecer acesso total a novos ares e à luz solar.

Logo após o primeiro congresso internacional de escolas ao ar livre na França, o estabelecimento de edifícios inovadores começaram a ser implementados.

Isso levou ao surgimento de um novo tipo arquitetônico híbrido de sanatório-escola: aquele que contava com salas de aula com paredes de vidro e elementos estruturais visualmente leves. Sua estética de fragilidade e a transparência não tinha semelhança nem com a arquitetura imponente e maciça do recém-construído sanatório, como o sanatório infantil, nem com os tradicionais edifícios escolares franceses.

Figura 30: Openlucht School FONTE: flickr

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Figura 31: Openlucht School FONTE: flickr

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A École de Plein Air de Suresnes Nesse sentido, a École de Plein Air de Suresnes se manifesta, igualmente, como um marco inovador e como um laboratório pedagógico para o contexto sócio-político da Europa no século XX. Marcada por linhas de pensamento como o higienismo, funcionalismo e o solidarismo - essa sendo caracterizada pela defesa da partilha de recursos intelectuais e materiais na sociedade - as primeiras décadas de 1900 foram pioneiras na inclusão de viagens escolares e colônias de férias como contato com a natureza, baseadas nos tratamento de curas naturais para a prevenção e proteção de doenças - como a tuberculose. Assim, já comentados anteriormente, os primeiros projetos de escolas ao ar livre modernas incorporavam tecnologias construtivas que permitiam a circulação do ar e o aquecimento de seu interior, essenciais para o tratamento terapêutico da época - ar, sol, descanso e boa alimentação. Devido a esse novo espaço e a diminuição no número de estudantes por sala, foi possível também uma mudança na estrutura educacional, no ritmo escolar e em outras atividades diárias dos matriculados nessas escolas.

Esses aspectos podem ser vistos no projeto da escola de Suresnes, proposto, construído e inaugurado entre 1931 e 1935. A escola, pensada por Lods e Beaudouin, foi concebida visando concepções norteadoras de tratamentos naturais, como o máximo de insolação e grandes aberturas nas salas voltadas para a natureza. Essas considerações são vistas em todo o projeto, a começar pela implantação.

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Figura 32: Implantação da escola. FONTE: François Rougeron

Localizada próximo ao Forte do Monte Valérian e proposta em forma de diamante, a construção segue a topografia da região e se desenvolve em 3 níveis: Bloco principal, localizado ao norte: ● O andar térreo inferior, a oeste, inclui as salas de atividades dos meninos, as salas de desenho e o pátio, que está diretamente ligado ao pátio externo. A parte semi-enterrada deste nível é uma área de serviço, com cozinhas e acomodação do zelador.

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Figura 33: Primeiro pavimento. FONTE: François Rougeron

● O andar térreo superior tem os mesmos programas de atividades para meninas na ala leste, enquanto o centro contém todas as atividades do jardim de infância. A ala oeste, neste nível, é para o refeitório e o dormitório dos meninos. No final desta ala, pode-se notar a presença de uma acomodação pessoal, inicialmente planejada para o diretor.

Figura 34: Segundo pavimento. FONTE: François Rougeron

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● O primeiro andar, presente apenas na parte leste do edifício, é dedicado ao refeitório e ao dormitório feminino, simétrico ao dormitório masculino com, novamente, uma acomodação pessoal no final.

Figura 35: Terceiro pavimento. FONTE: François Rougeron

● Duas extensões curvas emergem da fachada sul desse bloco, no encontro da ala central e leste, para acomodar os chuveiros das crianças, os quais possuem uma forte ligação com o exterior, separadas apenas por uma divisória removível.

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Figura 36: Corte longitudinal ala oeste e ala leste, desenhos originais. FONTE: Archives Municipales de Suresnes

Pavilhões: ● O pavilhão localizado na junção das duas passarelas que levam às 8 salas de aula é um pavilhão médico, aproveitando o declive para ser maior do que os outros e acomodar funções mais variadas. Nele há uma enfermaria, salas de consulta, mas também salas de tratamento mais específicas, como a sala UV. ● O pavilhão octogonal no centro do pátio pretende ser uma simples sala de aula adicional. Sua posição central se deve ao fato de que os jardins de infância, cujas instalações estão na parte central do bloco principal, não possuem uma sala aberta como as outras crianças da escola.

Em relação às estratégias bioclimáticas aplicadas no projeto, pode-se começar pela materialidade das fachadas. A fachada norte do bloco principal é opaca - fechada por painéis de concreto com seixo para melhor homogeneidade - e se comporta como uma grande barreira que protege o edifício dos ventos gelados (vindos dessa orientação) e da própria rua – nessa fachada, as únicas aberturas são as entradas. Ao sul, a façade é quase totalmente envidraçada, permitindo a entrada de luz solar para o aquecimento e purificação do ar do edifício.

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Figura 37: Elevação Norte. FONTE: François Rougeron

Figura 38: Elevação Sul. FONTE: François Rougeron

As outras salas-pavilhão funcionam da mesma forma, constituídas por uma fachada em placa de concreto e outras três envidraçadas e móveis. Outras inovações construtivas presentes no projeto estão listada a seguir: ● Estrutura metálica e modulação ○ Pensado em colaboração com Jean Prouvé e inspirados em duas obras de habitações coletivas pré fabricadas em estrutura metálica (La cité du Champ des Oiseaux em Bagneaux e La cité de la Muette em Drancy), Lods e Beaudouin utilizam o mesmo esquema estrutural para a École de Plein Air em Suresnes, um sistema que funciona como pilar-viga (poteaux-poutres) metálico numa malha de 4,1 x 7 metros no bloco norte (exceto em certos espaços do mesmo bloco). ○ Formada por 2 perfis em “U” parafusados “de costas”, criando um perfil “I”,

essa

estrutura

permite,

como concepção arquitetônica, o

enriquecimento dessas novas pedagogias, como a adoção de grandes aberturas

iluminadas

em

espaços

modulados,

criando

locais

agradáveis e abertos à natureza - mais uma vez servindo de suporte a esse campo de experimentações político-sociais.

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Figura 39 e 40: FONTE: Archives de l’Institut Français d’Architecture

● Painéis Contex ○ Produzidos com concreto e seixo, são modulados 2x2m; além de homogeneizarem as fachadas voltadas para o norte.

Figura 41, 42 e 43: FONTE: Archives de l’Institut Français d’Architecture

● Aquecimento Artificial ○ No projeto final, o aquecimento é mais um dispositivo único. Ele se configura através do piso radiante (localizado no entrepiso / vide sanitaire / crawl space) acoplado a cortinas de vapor d'água quente pulsante. Esse dispositivo é inteiramente controlado pela caldeira localizada no bloco principal da escola. Seu funcionamento se dá pelas cortinas de ar quente pulsadas pela periferia das salas de aula, para que o ar quente possa bloquear os ventos frios do exterior. ○ É usado como aquecedor suplementar, com um regulador elétrico em cada sala de aula para permitir que os professores façam o ajuste conforme necessário.

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Figura 44 e 45: FONTE: Archives Municipales de Suresnes

● Salas-Pavilhão ○ 8 pavilhões com 5m de pé direito interligados por rampas e passarelas formam as salas de aula, com a possibilidade de serem ocupadas tanto pelo espaço de dentro quanto pelo terraço-solário. Um vestiário localizado ao norte de cada pavilhão separa o pátio da sala de aula e serve de delimitação entre a recreação/lazer/recreio e o ensino. Já dentro da sala, a fachada norte (Contex) serve de parede de fundo enquanto as 3 fachadas envidraçadas do tipo camarão (accordéon) se abrem para a natureza e para a luz solar.

Figura 46 e 47: FONTE: Musée National de l’Éducation

● Mobiliário ○ Específico, leve e inovador: estrutura em alumínio e assento em madeira - contra intempéries e leve para os alunos - produzidos localmente pela Société Suresnoise des Ateliers Mécaniques la Gallia.

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Figura 48, 49, 50, 51, 52 e 53: FONTE: Musée d’Histoire Urbaine et Sociale de Suresnes

Outra inovação construtiva aplicada à École de Plein Air se dá na circulação, na qual se desenvolve em grande parte pelas rampas que conectam o bloco principal e os pavilhões. Optou-se pela utilização de rampas do que pela a de escadas pois elas facilitam o deslocamento de grupos e favorecem sua coesão, além de criar a fluidez proposta pelo prédio (há somente escadas no bloco principal para acessar áreas de serviço/manutenção).

Figura 54: Esquema de circulação na escola. FONTE: Tom-Edouard Mabilon

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Nesse mesmo sentido, a circulação tem papel principal na fluidez do projeto, já que ela atravessa a construção e conecta os diferentes programas com a circulação horizontal. Ao sul, como comentado, essa faixa de circulação é composta por uma rampa (de espessura simples ou dupla) para acessar o nível superior e os pavilhões (salas e médico). Em "L’École de Plein Air de Suresnes, entre patrimoine incompris et potentiel inexploité" de Mabilon (2021), é feito uma análise entre a circulação e as percepções sensíveis ao caminhar-se pelo projeto: “Ao norte, o limite é claro. O edifício é um bloco e a fachada é maciça e linear. As entradas são enfatizadas por um cantilever (estrutura em balanço) e uma abertura de vidro. Mas, uma vez dentro do edifício, os limites são indefinidos. O grande número de aberturas e divisórias de vidro enriquecem este efeito. Além disso, para as fachadas voltadas para o interior do terreno, a estrutura é desprendida da fachada e o limite não é claro. O jogo com os corredores também favorece este claro desaparecimento de um limite linear. A intenção é simples: se os limites exteriores são claros e nítidos, uma vez dentro eles são embaçados para deixar espaço para uma fluidez de movimento.” (MABILON, 2021, p.21. Tradução nossa)

Figura 55: FONTE: Musée National de l’Éducation

Compreende-se, dessa forma, como essas inovações propostas e aplicadas na escola retomam a questão de sua natureza inovadora. Marcel Lods e Eugène Beaudouin, além de viabilizarem tal característica do projeto, também o pensaram

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como um laboratório político-social - dessa vez, baseado no urbanismo de Henri Sellier - prefeito de Suresnes.

Político fundador do urbanismo social francês, Sellier o caracterizava como algo que deveria se organizar com o melhor planejamento da humanidade, visando um nível de luminosidade, alegria, saúde e rendimento econômico. Ele também é um dos criadores do Office public d' habitations à bon marché (HBM) e, em 1919, da École des hautes études urbaines - ligados à criação das cidades-jardins da grande Paris, encontrando nelas as habitações para os menos favorecidos. Ele defende a criação de equipamentos públicos sanitários, esportivos e culturais - o que também se reflete nas escolas - representação desse projeto de urbanismo social, aliado ao solidarismo. De acordo com Bernard Barraqué: a abordagem urbanística é indissociável da nova forma que a sociedade se autocompreende e pensa a política.

A visão geral de Henri Sellier é melhor resumida pelas três definições que ele deu de higiene, socialismo e urbanismo, relatadas por Thierry Leroux em Henri Sellier, maître d'oeuvre de la vie urbaine: A higiene não visa mais apenas curar e prevenir doenças do corpo e da mente, mas em seu aspecto social, reivindica como seu fim o pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral do indivíduo [...] Os objetivos do socialismo visam uma organização social que dê a todos o máximo de bem-estar e liberdade [...] implicam uma segurança material permanente para todos, a organização de instituições capazes [...] para garantir [...] que as necessidades de cada indivíduo possam ser satisfeitas. O objeto essencial da ciência urbana é a criação de um ambiente de vida coletiva e social, onde cada indivíduo possa encontrar a máxima satisfação intelectual e física para garantir as condições mais favoráveis às necessidades de sua existência diária e de sua liberdade de desenvolvimento.

(ROUGERON, 2017, p. 14. Tradução nossa)

Dessa forma, a necessidade de abrigar crianças tuberculosas que vivem em locais insalubres e educá-las em locais adaptados às suas necessidades – além de oferecer o acesso a atividades culturais e esportivas – se dá de maneira, além de experimental, revolucionária em Suresnes. Ainda se comparado à escola da época, fechada, hierárquica, segregada e não mista, o projeto se torna inovador social e politicamente. Muito mais que um local de aprendizagem, a escola se torna suporte para a saúde pública da cidade e para o estilo de vida dos alunos, fazendo parte então desse programa higienista de prevenção e combate à tuberculose, o raquitismo e a anemia – com uma rotina estrita de acompanhamento médico, vacinação, cura pelo sol e pelo ar e acesso à natureza. Além disso, essa 61

programação escolar contava com banhos diários, escovação de dentes, aulas de artesanato, jardinagem, ginástica, visitas ao zoológico, almoço, siesta, atividades físicas entre outros.

Figura 56 e 57: FONTE: Musée National de l’Éducation

Nesse sentido, se desenvolve também um laboratório pedagógico em Suresnes. A pedagogia da escola se baseia no aprendizado da vida em grupo, da responsabilidade e da autonomia dos alunos (esses vistos como sujeitos e não apenas receptores de conhecimento) com o apoio de atividades multidisciplinares.

Um treinamento sistemático para a vida de plein air com uma dieta apropriada, cura pelo sol, alicerçada na pedagogia contemporânea – liberdade de experimentação e expressão – cria valores na convivência entre si em um espaço aberto, real e natural, reforçando a escola como local de inclusão/diversidade social - não como na escola comum onde esses são impostas dentro da sala de aula.

A título de comparação, Mabilon (2021) expõe a escola comum e a École de Suresnes em um quadro, para melhor compreensão dessa diferença pedagógica e funcional:

Figura 58: FONTE: Tom-Edouard Mabilon

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Além disso, se pensado sobre a estrutura da sala, a escola comum apresenta semelhanças com uma prisão e um quartel general – a sala de aula clássica é organizada racional e sistematicamente, inspirada na arquitetura industrial. Esse espaço é tido como único local de acesso ao conhecimento, dotado de uma orientação hierarquica do olhar para a lousa e para o professor, esse posto em um pedestal de discurso sagrado. Já a École de Suresnes é aberta, dotada de flexibilidade e mobilidade – aspectos presentes no projeto desde o uso da topografia como uma oportunidade e não como uma restrição – além da apresentação de uma arquitetura marcada pelo higienismo e pelo bem-estar.

Infelizmente, com o passar do tempo, a escola foi sendo degradada, tanto no sentido material quanto conceitual, com a apresentação de falhas projetuais e de manutenção e a mudança de seu programa. A partir dos anos 60, a escola viu diminuir o número de alunos e a mudança de suas características – agora eles eram em sua maioria deficientes sensoriais e com retardos mentais, ao invés de crianças tuberculosas. Devido ao avanço da medicina na cura de doenças respiratórias, a escola foi se esvaziando, com a falta desses alunos e, consequentemente, com a escassez de recursos financeiros para mantê-la. A seguir, apresentamos uma linha do tempo, na qual é possível visualizar uma crise de identidade da escola ao ar livre, até a atualidade: 1931-1935: Projeto, construção e abertura da escola 1936: Necessidade de toldos para os pavilhões-sala 1942-1945: Problemas estruturais e de manutenção começam a aparecer (infiltração, abertura de portas, inundações etc) 1949-1954: Trabalhos de reforma da construção pelos serviços comunais - M. Festoc, arquiteto comunal 1954: A escola é assumida pelo estado francês. ● Abertura da escola para um público deficiente. ● Elevação de uma nova área no centro do bloco principal ● Construção do CNEPA (Centro Nacional de Education de Plein-Air) no terreno ao sul da escola, por Marcel Lods. ● O pavilhão "Visconti" localizado ao leste do terreno começa a ser utilizado pela CNEPA. 63

1964: Transformação do CNEPA no Centro Nacional de Estudos e Formação para a Infância Inadaptada (CNEFEI) 1965: Inscrição da escola no Inventário Complementar de Monumentos Históricos.

1979: Decisão de reformar o edifício. Martine Lods (filha de Marcel) e Alain Rivierre são escolhidos para realizar este empreendimento (aprovado apenas em 1985) 1986: Iniciam os trabalhos de renovação. ●

Instalação de vidros duplos, desmontagem e remontagem na oficina, mudança para vidros duplos e consequente pesagem das janelas, mudança da cor da tinta, fechamento das passarelas, mudança do sistema de aquecimento principal nas salas de aula.

1987: Intervenção nos pavilhões e nos painéis de concreto, além da renovação da parte exterior da ala oeste do prédio principal. ● Salas-Pavilhão perdem seu aspecto aberto com as novas esquadrias - visando questões térmicas, além das entradas ao norte que foram suprimidas. Agora, há também um forro aquecedor. ● No prédio principal é criado um forro curvo, o qual afeta a luminosidade, o tamanho do pé-direito e a modulação. Além disso, há a criação de novas divisórias, compremetendo flexibilidade e a mutabilidade da construção.

1991: Restauração da carpintaria do edifício dos estagiários.

1993: Remodelação das cercas e portões ao redor do complexo 1994: Notificação da cessação da restauração do edifício por solicitação escrita do Ministério da Educação Nacional.

1995: Fechamento da escola "por não satisfazer mais as condições de segurança necessárias para o acolhimento das crianças". O CNEFEI toma posse total das instalações.

2002: A escola é classificada como um monumento histórico.

2006: O CNEFEI se torna o INSHEA - Instituto Nacional de Formação e Pesquisa para a Educação de Jovens Deficientes e Lesões Adaptadas por decreto de 31 de dezembro de 2005.

Visto essa perda de identidade e provido de uma análise crítica, Mabilon também discorre sobre uma “Conservação selecionada”, ou seja, independente do 64

programa colocado em prática para sua reabilitação, deve-se questionar a forma como esta escola deveria ser reabilitada. Para ele, é necessário extrair os pontos arquitetônicos que fizeram dela um marco inovador dos anos 30 e um patrimônio histórico do século 20 e remobilizá-los durante sua reabilitação. Para isso, é preciso decifrar o estado original da escola e fazer um balanço das sucessivas alterações a fim de propor uma renovação efetiva e relevante. Para isso, como já visto, os pontos essenciais

do

projeto

que

deveriam

ser

considerados

em

uma

renovação/reabilitação são as noções de aberturas para o exterior, de modularidade, mutabilidade, pré-fabricação, a busca de espaços luminosos (arejados, confortáveis e generosos), a liberdade de circulação e a integração com o local e sua topografia.

“Mas, além destas noções arquitetônicas, a escola a céu aberto de Suresnes é, por sua história, portadora de valores sociais como abertura aos outros, ajuda mútua, levando em conta o ser humano em todas as suas dimensões (corpo e mente), o bem-estar, a autonomia, o gênero e a diversidade social, a inclusão, a solidariedade e todos os valores de novas pedagogias que merecem ser reativados. Também acho que devemos ousar reabilitar este edifício e não transformá-lo em um museu para que sua reabilitação seja eficaz. Se alguns símbolos, como o pavilhão da sala de aula ou a dupla circulação merecem ser reabilitados nesta reabilitação, qualquer modificação, levando em conta os valores mencionados anteriormente e indo na direção desta reabilitação, é possível.” (MABILON, 2021, p. 66. Tradução nossa)

Em 2021, indo na direção contrária do que é defendido pelo arquiteto, Macron anuncia a criação de um Museu-Memorial do Terrorismo no local da École de Plein Air de Suresnes, atual INSHEA.

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Figura 59: FONTE: Thomas BRENAC

Brasil Já no Brasil, as Escolas Parques de Anísio Teixeira tinham o intuito de inserir o progressismo da sociedade e da ideias pedagógicas da época em meio a dinâmica escolar, vinculando a espacialidade como meio de formalizar esse anseios. Dessa forma, formatando a educação e subvertendo a ideia de que ela fosse apenas um meio instrumental de reprodução do conhecimento, enquanto na realidade, entendia-se ela como um ambiente de exploração, o qual convida os alunos a aprimorar suas percepções e estimular a curiosidade e a vontade de aprender. Em seus espaços, contém-se um programa com áreas livres externas – com jardins e hortas – e áreas internas – dotadas de salas de aula, administração, gabinete médico e dentário.

A escola deveria ser um lugar de educação onde cada criança, por seus interesses individuais, pudesse aprender pela experiência, no entanto não por simulacros da vida, mas pela própria vida (TEIXEIRA (1935), 2007). O aprendizado estaria na associação entre a ação e o conhecimento em conexão com a realidade social onde se insere. Somente à medida que esse vínculo entre o aprendizado e a vida social fosse fortalecido, a escola poderia ser progressiva. (CHARIN, p.32)

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As Escolas Parque se dedicavam a lecionar disciplinas especiais, com o intuito de se debruçar em atividades que tenham mais vínculo com a sociedade, além de ter um maior foco no aprendizado artístico, cultural, com trabalhos manuais e educação física. Os projetos das escolas de Anísio Teixeira têm como intuito a aplicação das demandas da pedagogia moderna e, também, a consolidação dessas demandas na espacialidade do edifício escolar, buscando aprimorar essa visão de ensino por meio do partido do projeto, anulando as ideias tradicionalistas de projeto de sala de aula. Dessa forma, esses projetos buscam um lugar no qual a educação parte das experimentações, baseado na descoberta, no qual o aluno aprenderia com situações do cotidiano com apuração dessa sensibilidade – um modelo de escola tradicional regrado limitaria todos esses princípios. Além disso, as escolas têm como finalidade ser um aparato urbano, se desprendendo da ideia de ser um edifício isolado e se abrindo para a sociedade, trazendo as pragmáticas do cotidiano social para

suas

atividades

e

levando

os

seus debates para o convívio da

população.(CHARIN)

Figura 60: Brasília 1960. FONTE: Chahin

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Figura 61: Salvador, 1950. FONTE: Chahin

O Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP) da cidade de São Carlos, também tem uma forte noção de quebra com o tradicionalismo educacional, com uma espacialidade que foge dos demais institutos que seguem um padrão de salas enclausuradas, se abrindo ao externo com seu ateliês com grandes esquadrias e portas que se abrem para o gramado – além do extenso corredor que integra os ateliês, configurando um espaço que estimula o encontro e troca entre os alunos.

Figura 62: IAU-USP. FONTE: acervo pessoal

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Arquitetura e pandemia Estudar projetos como o da École de plein air de Suresnes nesse período de pandemia ajuda a refletir sobre o quão importante é que arquitetos e urbanistas debatam quais serão as mudanças nas cidades e habitações após o impacto do coronavírus, tal qual outras pestes e pandemias no passado alteraram o planejamento urbano.

A arquitetura modernista em sua gênese trouxe solução com espaços abertos, bem iluminados, com farta circulação de ar — reflexo dos surtos de tuberculose no século XIX e princípio do XX. No entanto, é preciso se analisar a realidade e aplicabilidade de tais soluções criadas lá atrás para as problemáticas urbanas atuais. A ausência de estratégias de higienismo ao projetar é um dos principais obstáculos ao combate da Covid-19 e outras doenças, especialmente no Brasil, em que há uma falta de saneamento básico em grande parte do território e também uma falta de arejamento entre vias e construções.

Dessa forma, a École e suas exímias soluções elucidam a necessidade de pensar a readequação na forma de se projetar a arquitetura escolar e de readaptar as escolas já existentes — podendo, assim, ser considerada um exemplo de arquitetura “antipandêmica”. Por fim, é preciso voltar o olhar para o bem-estar humano como um todo ao se projetar os espaços e a cidade, levando em conta sempre as particularidades bioclimáticas e do espaço, promovendo programas eficientes e cidades de fato para pessoas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 3ª edição, 2001.

CHARIN, S. B. CIDADE, ESCOLA E URBANISMO: O PROGRAMA ESCOLA-PARQUE DE ANÍSIO TEIXEIRA. XX Seminário de história da cidade e do urbanismo.

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2016. École Nationale Supérieure d’Architecture de Paris-Belleville. Acesso em: 15/11/2021 GOBBI, N. Pandemias do passado deixaram marcas nas cidades. Como será o urbanismo pós-coronavírus?

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GREENE, Gina. Nature, Architecture, National Regeneration: The Airing Out of French Youth in Open-Air Schools 1918-1939. Universidade de Princeton. 2011 Disponível em: https://core.ac.uk/reader/6428700. Acesso em: 15/11/2021 MABILON, Tom-Edouard. L’école de plein air de Suresnes. Entre patrimoine incompris et potentiel inexploité.

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