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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ARTES DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA

Jardim América REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA [Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista]

VITÓRIA 2012



GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA

JARDIM AMÉRICA: REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA [Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista]

Projeto de Graduação II apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de Arquiteta Urbanista.

Orientadora: Profª. Drª.Clara Luiza Miranda Co-Orientador: Prof. Dr. Fábio Gomes Goveia

VITÓRIA 2012



GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA

JARDIM AMÉRICA: REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA [Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista] Projeto de Graduação aprovado em:________________

Ata de Avaliação da Banca: ____________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________ __________________________________________________________

________________________________________________ Nota data Profª. Drª. Clara Luiza Miranda

________________________________________________ Nota data Prof. Dr. Fábio Gomes Goveia

________________________________________________ Nota data Convidado:


Agradecimentos


Agradeço a Deus, Aos meus pais e irmão que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. A toda minha família. Amo vocês imensamente. À professora Clara Luiza Miranda por todos seus ensinamentos, pela paciência na orientação e sua “Memória individual”

que tornaram possível o desenvolvimento deste

trabalho. Ao Fábio Goveia (Fabinho) pelas idéias, sugestões e incentivo. Ao meu querido Alex, pelo companheirismo e por estar junto até nas derivas em Jardim América. Aos amigos pelo incentivo e pelo apoio constantes. A

todos

que

contribuíram

com

informações,

depoimentos e imagens. Realmente o trabalho não existiria sem

a

ajuda

de

todos.

Muito

obrigada.



“O olho vê, a memória revê e a imaginação transvê.” Manoel de Barros


Sumรกrio


APRESENTAÇÃO

I, II e III

1 INTRODUÇÃO: APREENSÃO DO SÍTIO......................... 17 1.1 Reflexões sobre a proximidade e a distância............... 17 1.1.1 Memória em discussão............................................... 33 1.1.2 Representação e corpografia.................................... 44 1.1.3 Outro olhar e imaginação........................................... 50 1.2 A forma do sítio............................................................ 76 2 VESTÍGIO DE UM INÍCIO PLANEJADO........................... 89 2.1 Vestígio de um início planejado [base historiográfica]...... 89 2.1.1 Transformações recentes...............................................105 2.1.2 Cia Vale do Rio Doce.....................................................109 2.2 O que é o lugar?................................................................111 2.3 Algumas trajetórias e o sítio........................................... 117 3 ASSOCIAÇÃO SÍTIO , MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO........ 131 3.1 Sitio e o inconsciente coletivo........................................... 131 3.2 Proximidade [e distância] de um (a) Urbanista errante......142 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................165 5 REFERÊNCIAS................................................................... 171 APÊNDICE............................................................................. 179


Apresentação


O tema deste trabalho surgiu a partir do ensaio “Apreensão do lugar a partir da imagem: Estudo em Jardim América”, feito como trabalho final da disciplina “Teoria da História da arquitetura e da cidade”, ministrado pela professora Clara Luiza Miranda em 2010. Vale dizer que o ensaio desenvolveu-se a partir de uma memória particular das cenas do filme “Lamarca”, rodado no então sítio de estudo. Essa “imagem destinada” se desdobrou em questionamentos sobre percepção do lugar a partir da imagem, maneiras

de

investigar

o

lugar

interpondo

com

material

pesquisado, tais como os recortes de periódicos e imagens do IJSN (Instituto Jones dos Santos Neves). Compreender um sítio é preciso muitos horizontes ( histórico, filosófico, analítico, formal, descritivo, estético, social, econômico, político etc.). No conteúdo de “Sites Matters” de Carol

Burns e Andrea Kahn (2005), cada um adota o ponto de partida para examinar um site como relação cultural construída. O ponto de partida do primeiro capítulo aqui é a uma lembrança particular do bairro Jardim América. Este primeiro capítulo ainda, se imbui sobre proximidade e distância de maneira introdutória.

I


II

Permeia sobre possibilidades de investigação apoiandose em fontes como “Pesquisas Urbanas” de Gilberto Velho e “Espaços, corpos e cotidiano” de Byrt Wammack. Relaciona as questões de memória, substancialmente na “Memória Coletiva” de

Maurice

Halbwach.

Comenta,

em

Representação

e

corpografia, o registro da experiência da cidade, mencionado por Paola Berenstein Jacques (2006), como suporte na corpografia, em que a cidade é lida pelo corpo desta maneira seria a memória urbana no corpo. No sub item 1.2

“A forma do sítio”, são mencionadas

características geográficas , enfim o sítio físico de Jardim América. O texto de Burns e Kahn (2005), que diz que cada projeto construído cria novas forças dentro de sua própria área e também modifica e influência além do local e dentro dele. Ao mesmo tempo os aspectos físicos existentes têm uma influência enorme no projeto podendo se transformar foco dele. Ainda no subitem 1.2 ,expõe alguns aspectos sobre a Teoria da Sintaxe Espacial, aonde faz-se uma análise das vias do bairro.


III

No capítulo 2 vem a base historiográfica em Vestígio de um início planejado, em seguida traz os possiveis significados de “lugar” em O que é o lugar? , e, em Algumas trajetórias e o

sítio faz reflexões sobre termo “trajetórias”, relação com história, tempo e representação visual [sobretudo fotografia]. Já no terceiro capítulo se inicia com o inconsciente coletivo mencionado em um depoimento do cineasta Sergio Resende. Posteriormente, aproveita-se das questões sobre proximidade e distância, de Walter Benjamim, para por fim chegar ao lugar, em sua construção simbólica, através da imagem fotográfica.

Palavras chave: Jardim América, Lugar, Sítio, Corpo, Meios de representação [Proximidade e distância]


01


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1 INTRODUÇÃO: APREENSÃO DO SÍTIO

1.1 Reflexões sobre a proximidade e a distância Começo aqui com a minha lembrança, pois uma tarde em que as pessoas pararam e tudo se voltou para as filmagens do filme Lamarca (1994). Foi no eixo viário importante de Jardim América, Rua Espírito Santo, que serviu de cenário para uma de suas cenas, cuja história se passava no tempo da ditadura.(Figura 1)

Figura 1: Cenas do Filme Lamarca, 1994. Av. Espírito Santo, Jardim América- Cariacica-ES. Fonte: Imagem retirada http://www.youtube.com/watch?v=F3a_TePgOEE. Acesso: 20/11/2010.


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Por que o filme Lamarca busca Jardim América como cenário? A casa dos meus pais ficava a um quilômetro dali: Jardim América. Foi

a

partir

dessa

questionamento

primeira sobre

experiência proximidade

urbana e

que

distância,

se

consistiu

do

familiaridade

e

estranhamento. (Figura 2) Imaginar o que havia por detrás dos muros da antiga Siderúrgica Ferro e Aço, algumas construções abandonadas e os trilhos do trem que cortam parte da região, numa visão particular, isso é próximo e familiar.

“[...]Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, aqui tornei a voltar, e a voltar.

E aqui de novo tornei a voltar?

somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,

E Ou

Uma série de contas-

entes ligados por um fio-memória[...]” (FERNANDO PESSOA, 1926, LISBON REVISITED)

Olivier Mogin (2009) recorre a linguagens antagônicas: a linguagem do escritor e do poeta por um lado, e do urbanista por outro. Segundo o autor não há melhor caminho de entrada que aqueles dos escritores que perscrutam a cidades com seus corpos e suas penas. Adentra dizendo que o mundo da cidade, essa mistura de físico e de mental, o escritor apreende em todos os sentidos, o olfato, a audição, o tato, a vista, mas também com os pensamentos e os sonhos.


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Contudo a cidade não se presta numa narrativa única e Mogin (2009) cita também que a linguagem dos escritores contrasta com outro discurso importante a cerca do conhecimento da cidade, a do urbanismo. Além disso, questiona a interferência do homem comum, aquele que vive e passa.

Figura 2: Imagem da paisagem Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.


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“Enquanto o escritor escreve a cidade de dentro, o engenheiro e o urbanista a desenham de fora, dela ganhando altura e tomando distância.[...] Para um, o dentro; para outros, o fora. Eis uma cisão muito estranha, se a experiência urbana consiste em colocar em relação um dentro e um fora. Mas haveria outra escolha a não ser valorizar, por um lado, uma abordagem macroscópica, que associa o urbano a um projeto e a

uma maquete, que valoriza o desenho do engenheiro, o sentido da visão, a abordagem que dá lugar aos planos diretores e a políticas urbanas? Ou então, privilegiar, por outro lado, um imaginário da cidade, aquele dos transeuntes, dos vagabundos das passagens, aquele que exprime os criadores, o poeta o artista, mas também o homem comum, o homem que adora a falsa banalidade do cotidiano?”(MOGIN, 2009, p.34)

Gilberto Velho (2003) compartilha das expressões proximidade e distância expondo uma experiência particular. Ele pesquisara a classe média de Copacabana, para ele, espacialmente próxima, mas relativamente distanciada do seu universo de origem. Permeando esse debate ainda com familiaridade e exotismo, autoridade e acessibilidade. Diz que a diversidade das experiências reflete a própria diversidade dos mundos pesquisados já que cada antropólogo tem seu “campo” e seus “nativos”.


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Dessa perspectiva, este autor, assume que a

pesquisa em meio

urbano vem tradicionalmente apresentando alguns desafios específicos, tais como formas de trabalhar com a diversidade dos mundos, com pessoas que transitam entre eles, com diferentes potenciais de metamorfose. Nesse raciocínio Mogin (2009) propõe que o lugar desenhado pelo urbanista poderia dar corpo a uma experiência urbana que se anuncia em diversos níveis, o que se entende como a junção da técnica e de uma poética. Posto que, somente com o entrelaçamento de linguagens, não é possível absorver essa experiência urbana por completo, justifica-se na multidimensionalidade da experiência urbana a qual desenvolve processo

poético, em um espaço cênico e um espaço político. Seguramente as construções mais antigas ou imponentes lembram que a cidade vem de uma história, que integra processos de modificações sucessivas, mas lugares que pontuam os percursos são a fonte de uma “imagem mental” que se forma gradualmente e se dissolve com a própria idéia da cidade.

“ Os lugares que favorecem

as trajetórias, as

bifurcações, as praças, as imbricações, ritmam no presente, na extensão do espaço, todas as possibilidades desaparecidas da cidade ainda reconhecidas através dos monumentos, e os símbolos de uma memória ativa” (MOGIN, 2009, p.53)


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Observou-se que galpões abandonados (Figura 3) fazem parte da

paisagem do bairro Jardim América principalmente na Av. América a qual atravessa a praça “Hugo Viola”. Essas construções mais antigas, atualmente em sua maioria abandonadas, marcam o apogeu da industrialização no estado, e são elas, principalmente, os grandes galpões de estocagem, Estes galpões de armazenagem foram construídos ali na década de 1960. Com a erradicação do café, apoiou também no crescimento do

comércio atacadista e varejista que teve auge nos anos de 1970.

Figura 3: Imagens de alguns dos galpões antigos e sem uso em Jardim América. Fonte: Arquivo pessoal (2012).


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O ensaio “Espaços, corpos e cotidiano” de Byrt Wammack, busca nas teorias de Henri Lefebvre e Gilles Deleuze, reconsiderar as conexões entre a vida cotidiana, o poder e o espaço. Lefebvre defende que um espaço social é uma combinação de atividades mentais, físicas e sociais e que estabelece uma ordem no espaço da natureza, no fluxo dos fenômenos espontâneos e naquele caos que precede a chegada do corpo. Segundo Lefebvre, citado em Wammack, assimila o espaço social a imagem cinematográfica. Decorre que o espaço social também é „produto‟ de uma relação tensão entre o espaço diretamente vivido, as concepções do espaço e a prática espacial (a prática visual) que produz o espaço social. Como Lefebvre, Deleuze volta-se para a produtividade do corpo como suporte da diferença. Deleuze ampliou estudo com base em diversos filósofos além de estudos como literatura e cinema. E o que Lefebvre chama de espaço social, Deleuze chama de corpo social, assim como as pontes entre a produção do espaço e a subjetividade. As reflexões

de Lefebvre se assemelham as citações de

Mogin

(2009), quando defende que o espaço social não é homogêneo, mas „multiforme‟. Desenvolve que o corpo é fonte da energia produtiva já que está

aberto a todos os sentidos- o olfato, a sexualidade, a visão, o ouvido, o tatotrabalhando como campo de diferenças.


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“No mal apreendido espaço do corpo, um espaço que é igualmente próximo e distante, esta paradoxal junção do repetitivo e do diferente - esta forma de produção mais básica - está sempre ocorrendo.” (BYRT WAMMACK; Espaços, corpos e cotidiano)

Walter Benjamin em seu texto “ A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, menciona o teatro dizendo que ele conhece o ponto do qual a ação é aprendida como ilusória, sem dificuldade. Já para o cinema não existe um tal ponto, sendo que essa natureza ilusória está em um segundo grau, pois resulta de uma montagem. Diz ainda que o aspecto da realidade, isento de aparelhagem, adquiriu aqui seu aspecto artificial, e a visão da

realidade imediata tornou-se miosótis [pequena] no mundo da técnica.[seria o cenário de Jardim América insignificante para os produtores do filme Lamarca? Haveria então essa distância?] [Walter] Benjamin então mostra que o caráter do cinema que se opõe ao teatro pode ser confrontado, ainda mais claramente, com o que se verifica na pintura. Coloca a questão: como se comporta o operador de câmara relativamente ao pintor? Para responder Benjamin usa de proximidade e distância fazendo uma construção auxiliar, comparando o cirurgião e o mago. Nessa análise, o cirurgião representa o pólo de uma ordem cujo outro extremo é ocupado pelo mago, visto que a ação do mago que cura o doente impondo as mãos é diferente do cirurgião que realiza uma intervenção no doente.


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25 “O mago mantém a distância natural que existe entre si próprio e o paciente; melhor dizendo: ele diminui-a pouco – por força da mão que coloca no doente – e aumenta-a muito – por força da sua autoridade. O cirurgião procede ao contrário: diminui muito a distância relativamente ao paciente – na medida em que intervém no seu interior – e, aumenta-a apenas ligeiramente – através do cuidado com que a sua mão se move nos órgãos do paciente. Isto é, contrariamente ao mago (que ainda está presente no médico), o cirurgião prescinde, no momento decisivo, de se defrontar, enquanto homem, com paciente, intervindo nele de uma forma operante.” (WALTER BENJAMIN; A obra de arte na era da sua

reprodutibilidade técnica)

Para Benjamim, mago e o cirurgião comportam-se como o pintor e o operador de câmara. O pintor, no seu trabalho, observa uma distância natural relativamente à realidade, o operador de câmara, pelo contrário, intervém profundamente na textura da realidade. De modo que a natureza que se dirige à câmara não é a mesma que a que se dirige ao olhar. A diferença está principalmente no fato de que o espaço em que o homem age conscientemente é substituído por outro em que sua ação é inconsciente. Partindo das idéias de Walter Benjamim, o olho apreende mais depressa do que a mão desenha. A reprodução das imagens experimentou essa aceleração podendo ser uma expressão dessa nova percepção, a proximidade com o inconsciente ótico.


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Etienne Samain (1998) que em seu livro “ O fotográfico” o qual aborda sobre fotografia e memória, diz que haverá sempre um complexo e fascinante processo de construção de realidades e aí reside, possivelmente, o ponto nodal da expressão fotográfica. Sendo moldável na produção, fluída

em sua recepção, plena de verdades explícitas- analógicas, sua realidade exterior- [distante] e de segredos implícitos – sua história particular, sua realidade interior- [próxima], imaginária. Trata, pois de uma expressão peculiar que, por possibilitar inúmeras representações realimenta o imaginário num processo sucessivo de criação de novas realidades. A realidade passada é fixa, imutável; refere-se à realidade do assunto no seu contexto espacial e temporal, assim como a produção da representação. E como Samain (1998) denomina, é este contexto da vida: primeira realidade [próximo]. A fotografia [o registro criativo daquele assunto], corresponde à segunda realidade [distante], a do documento (Figura 5). A literatura afirma que a realidade nele registrada também é fixa e imutável, porém sujeita a múltiplas interpretações.


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Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011.

Figura 5: Primeiro plano antiga Cofavi. Ao fundo morros de Vitória e Argolas. Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, v. 1, n. 11, jan. 1968


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Prossegue Samain (1998), dizendo as fantasias da imaginação individual do imaginário coletivo adquirem contornos nítidos e formas concretas por meio do chamado testemunho fotográfico. Se o signo é

produto de uma construção por um lado, em contrapartida, a interpretação desliza entre a realidade e a ficção. Tratam-se, como já vimos, de processos de construção de realidades, processos esses que desde sempre existiram. Para Samain (1998, p.47), “[...] Não é difícil imaginarmos em que medida tais processos se revelarão no futuro.” Samain (1998) ainda diz que é justamente em virtude que se atribui ao documento fotográfico, como espelho fiel da história cotidiana, que um dia [quem sabe] , poderá dar margem à criação de um passado que jamais existiu. Um passado sem referentes reais, fisicamente concretos. Um passado, portanto, sem contexto de vida [primeira realidade]; um tempo e um espaço concebido com bases em referentes fotográficos imaginários, bidimensionais ou eletrônicos, porém iconograficamente possíveis. Etienne Samain (1998, p.47), questiona “[...]Por que não? Uma história construída

com base no documento fotográfico ficcional, porém na escala real; representações de representações” [ainda mais distante?]


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O livro “ Site Matters” de Carol Burns e Andrea Kahn (2005) aborda a importância do site [sítio]. No contexto da cidade de Nova York ter que hospedar os jogos olímpicos de 2012 ,onde em 2004, lançou o concurso para que arquitetos, paisagistas, projetistas e planejadores urbanos fornecessem então uma idéia de vila olímpica. Segundo os autores, cada área especializada tais como arquitetura do projeto físico, arquitetura da paisagem e localização

de

suas

atividades

do projeto urbano interpreta a

evidente

e

taticamente

com

suas

aproximações, suas abordagens normativa própria. Até mesmo a variedade dos termos que designan e estão associados ao site [sítio], direcionam essa proximidade [ou distancia]. Lugar, terra, contexto, situação, paisagem: a idéia do site pode abraçar cada um deles. Cada termo invoca uma região identificável no território conceitual do site. Tempo, cultural, ideológica, de percepção, dimensões em diferentes escalas, este território é uma construção rica. Site abrange registos múltiplos e suas diferentes funções. Burns e Kahn (2005) exemplificam que os arquitetos sabem que o contexto físico circunvizinho impacta

um site (Figura 6 e 7); arquitetos

paisagistas sabem que a ecologia não pode ser ignorada ; planejadores sabem que os sites são socialmente produzidos. Mas eles sempre souberam dessas coisas? Quando e por que as preocupações sobre site tornam-se assuntos?


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Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011


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Figura 6: Primeiro plano igreja e a torre. Ao fundo morros de Vitória e Argolas .[notar segunda ponte recém construída] Fonte: IJSN-ES / CAR- UFES (1979).

Figura 7: Primeiro plano à esq. igreja e a torre [referência construída na paisagem]. Ao fundo (parte) morros de Vitória e Argolas [referência natural na paisagem] Fonte: Imagem Panorâmico. Acesso: 05/11/2011.


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Três premissas são informadas no livro. Primeitamente o site [sítio] e

primeiros conhecimentos. Isso exerce uma grande força no projeto a investigação teórica, reconhecendo a analisando criticamente. Historiografia, em segundo, com maneiras particulares de se relacionar com cada site. Os modos de representação, em terceiro, interpretam os sites. Sua função formativa na produção do conhecimento local deve ser revelado e expressado. O pensamento do site [sítio] fornecem caminhos para que as informações possam ser interpretadas e compreendidas. O site prevê uma situação, isso guia os pensadores para que possam responder as questões do local e assim ser compreendido. Os autores levantam perguntas: Como os sites são definidos? Como é o valor atribuído ao site? Como os significados acumulam em torno da noção de site? De onde vem, como são eles aplicados, e como são derivados?

Levando em consideração estas perguntas abre espaço para legitimar o site [sítio]. Eleva o sítio (mantido por muito tempo fora do retrato, literalmente) a um nível novo de visibilidade.

“O pensamento do site deve oscilar entre o material e pontos de vista conceituais, abstratos e físicos; e gerais e específicos. Compreender um site deve extrair uma realidade objetiva de uma percepção subjetiva.”( BURNS e KAHN,2005, p.XXIII, tradução nossa).


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Estas posições distintas, que se misturam a experiência, ilustram as diferenças relativas à representação do site. Resultam do processo de procurar uma perspectiva centrada de uma relação que tenta mediar a opinião na visão de quem está dentro (antropológica) [próxima] e de quem está fora [distante].

O site é visto melhor do ponto entre eles. Os estudos desses autores vêm no sentido de mostrar as visões da cidade (ora próxima ora distante) que merece ser investigado, ser mais explorada. Com a tentativa que integrar o cotidiano às teorias sociais, objetivando novas maneiras de refletir e agir.

1.1.1 Memória em discussão

Uma ou mais pessoas unindo suas lembranças conseguem com detalhes fatos e objetos que vimos ao mesmo tempo em que elas, e,

constroem toda a sequencia dos nossos atos e nossas palavras em circunstâncias definidas. É o que diz Maurice Halbwach (2006) em sua obra Memória Coletiva.


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Numa interpretação abrangente e inicial, menciona que no primeiro

plano da memória de um grupo se destacam as lembranças de eventos ou de experiências que dizem respeito à maioria de seus membros e que resultam de sua própria vida:

“ Normalmente um grupo mantém relação com outros grupos. Muitos acontecimentos e também muitas idéias resultam de semelhantes contatos” (HALBWACH, 2006, p.52)

Daí, para falar de memória, é necessário que os períodos sobre o qual ela se prolonga sejam diferenciados na proporção correta. Sabendo-se que cada um dos grupos tem história, distingue-e personagens e acontecimentos, contudo o que ressalta-se da memória é que nela, as semelhanças naquele primeiro plano. Questionei-me: Como diferenciar essas lembranças na medida certa? Nesse raciocínio, Halbwach (2006), explica que cada consciência individual, as imagens e os pensamentos resultam dos diferentes ambientes

que percorremos e se sucedem por uma nova ordem , sendo assim, cada um tem uma história. Posto que exista uma lógica da percepção que se impõem ao grupo e o que o auxilia a entender e a dispor essas noções, tais como a lógica, a geografia, topografia e a física. E esta é a ordem que um grupo introduz em sua retratação das coisas do espaço, em suma sua lógica social e as relações que ela estabelece.


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Contudo, mesmo tendo consciência da importância de organizar esses relatos numa lógica, o autor critica a Memória Histórica, já que nesta há uma interrupção entre sociedade que lê essa história e os grupos de testemunhas ou atores. Fato que vai de encontro com sua condição necessária para que exista a memória: sujeito que lembra, tenha sensação de que a memória construa a lembrança de um movimento contínuo. Halbwach (2006) admite que se possam organizar as lembranças de duas maneiras, tanto em uma determinada pessoa, que as enxerga de seu ponto de vista (Figura 8, 9, 10 e 11), como se distribuindo dentro de uma sociedade grande ou pequena, que se configuram imagens parciais. Assim há, respectivamente, memórias individuais e memórias coletivas: por um lado suas lembranças teriam lugar o contexto de sua vida pessoal e por outro, em certos momentos, seria capaz de se comportar simplesmente como membro de um grupo que contribui trazer e manter lembranças impessoais.


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36 Figura 8: Ilha do Príncipe a partir da baia de Vitória. Em segundo plano A “5 Pontes” e os municípios de Vila Velha e Cariacica [de acordo com o site da Prefeitura de Vitória, foi em 1980 que foi realizado aterramento no trecho entre a Ilha do Príncipe e Santo Antônio.] Fonte: Arquivo IJSN-ES/ CAR-UFES (1936)

Figura 9: Desenho da atual situação, no mesmo lugar da Figura 8. Notar o aterro feito neste trecho. Agora uma “Ponte Seca” e presença da Segunda ponte, além da Rodoviária, Tancredão e Mercado Vila Rubim. Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.


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Figura 10: Ilha do Príncipe a partir da baia de Vitória. Ao fundo Jardim América.1930 Fonte: Acervo do DAU/UFES

Figura 11: Ilha do Príncipe a partir da baia de Vitória. Notar no fundo a direita fileira de casas no terreno de Jardim América. Data imagem entre 1936/40. Fonte: Acervo do DAU/UFES


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Jacy Seixas (2001) afirma que a adequação entre memória e história

possui raízes sólidas e longas. Admite não se aprofundar na análise, mas enfatiza que as categorias arcaicas da memória retêm sua trifuncionalidade: memória ação, memória afetiva e memória conhecimento. Ainda cita a memória coletiva de Maurice Halbwachs e

interpreta-a como atributo de

atividade espontânea (desinteressada) e seletiva, a qual guarda do passado apenas o que lhe possa ser útil para ter uma ligação entre o presente e o passado. Ao contrario da história, que constitui um processo político (interessado), portanto, manipulador. O autor detém também de questionar os efeitos da contemporânea apropriação da memória pela história e aponta que a historiográfica deixando de se colocar como um dos campos integrantes da memória para posicionase fora dela. Em função à reflexão historiográfica, faz releitura Marcel Proust e de Henri Bergson trazendo importantes pontos de apoio.

Mostra que para Bergson, assim como para Proust, a Memória Voluntária não atinge o pleno estatuto da memória, ela configurando-se uma memória menor, essencial à vida, porém ligada ao hábito, por sua vez superficial. Contudo Proust afasta-se de Bergson, quando critica a memória voluntária enquanto memória intelectual.


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Diz que é uniforme e concomitante, em grande parte, enganadora, pois operam com imagens que não guardam nada nelas, tais como o odor, o sabor, as sensações que cada individuo poderia ter sentido no passado e que é diferente do que acredita lembrar. Em Proust, citado em Seixas (2001), a memória involuntária é aquela

que rompe com o hábito, não preenchendo espaços em branco, nem somando nem subtraindo, condensando. Nesse sentido diz que memória emerge e os sentimentos são sempre presentes, não tendo memória involuntária sem afetividade. Vale citar, que tempo por Proust é perdido concomitante do espaço perdido, e Bergson contrário tem tempo sem perdas e desconfortos. Os estudos de Bergson e Proust enfatizam o caráter atualizador da memória e seu vinculo com a ação. A reflexão em Seixas (2001), não tem intenção de definir questões sobre memória para área da história, mas acredita-se que há problemática da memória que permeia varias áreas e necessita ser feita nesse caminho, sendo que a própria história está inserida. Seixas (2001) conclui

que é considerando o papel prospectivo da

memória, ressaltado por Bergson e Proust, que pode-se ter vinculo com a

utopia e historia. Pois a memória compartilha com a utopia de características distinguidores que é a dimensão do tempo futuro e a designação de lugares.


Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________

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Com base em Sébastien Marot (2006), tem-se a designação da arquitetura e o urbanismo como arte da memória, com a capacidade de representar memorial das cidades e do território. Aborda operações de reconhecimento entorno de lugares mais desolados, mais “desnaturalizados” e das periferias dotados, por exemplo, de espaços de estacionamentos vazias, zonas industriais ou mesmo pedreiras abandonadas. E é no estado americano de New Jersey que Robert Smithson junto com sua esposa, Nacy Holt, inicia essas operações pelo subúrbio em 1965. Outros artistas tais como Donald Judd, Carl André e Robert Morris se uniram em algumas ocasiões a essas excursões suburbanas de Smithson. Inicialmente documentaram por meio de mapas, fotos e anotações coletadas no lugar. Destes materiais acumulados, completados e reorganizados, surgiram os primeiros non-sites. (Figura 12, 13 e 14)


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Figura 12: Mapa com as observações coletadas nas visitas em campo-Jardim América Fonte: Arquivo pessoal.


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Figura 13: Folhetos antigos de guia comercial de Jardim América. Reforça a informação que a associação de comerciantes foi bem atuante e organizada no local. Fonte: Cedidos por moradores do bairro.

Figura 14: Folhetos edição de aniversário Jardim América e comemoração primeiro centenário de Hugo Viola, fundador do bairro. Fonte: Material cedido por Cesar Viola


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Smithson identificava o personagem ( o que morou, mora no subúrbio em questão), mescla versos, obras, recortes de periódicos, correspondências e toda ordem de documentos com a busca de uma linguagem capaz de transcrever as sínteses, os ritmos, os tons sobrepostos enfim todos os objetos mínimos da suburbanidade. Buscava,

instalações

com

materiais

heterogêneos

(fragmentos

geológicos) aliado a mapas, fotografias áreas ou textos. Nesse momento que entrava o conceito de non site, configurando um quadro lógico em 3

dimensões, expondo esse material e assim podendo por metáfora representar um outro lugar que não se parecesse com o lugar de fato explorado. A aventura artística de Robert Smithson supõe elaborar instrumentos de uma reinvenção da paisagem como arte da representação e história enfrentando

a

amnésia

suburbana,

diz

Marot

(2006).

Influenciou

decisivamente mais tarde arquitetos e paisagista, visto, por exemplo, George Decombes, cujo denominador comum de suas obras oscila entre arquitetura, a reabilitação, a arte urbana, a paisagem a arte contemporânea, e de mais relevância cabe ao jogo da memória que todas elas põem em funcionamento.


Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________

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1.1.2 Representação e corpografia

No que se refere às representações, aproveita-se para mencionar o ensaio sobre Venturi “Quadros Vivos”. Nele afirma-se que para Venturi, o uso da foto como meio de documentação e análise da forma urbana não se limita à publicação de um trabalho, uma pesquisa. É também um aspecto de trabalho no estúdio. A fotografia é ferramenta de investigação (Figura 15, 16, 17 e 18 )como também base de projeto.

Figura 15: Imagem aérea de parte, em destaque, de Jardim América em 1978. Notar ausência da praça Hugo Viola(em laranja), apenas seu traçado. Ausência também da Segunda Ponte, à direita (em azul) Rio Marinho. Fonte: IJSN (1978).

Figura 16: Imagem aérea de parte, em destaque, de Jardim América em 2011. Fonte: Imagem Google Earth Acesso: 02/11/2011.


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Figura 17: Imagem aérea 1970. Ligação com Vitória apenas pela ponte Florentino Ávidos. Em laranja área correspondente à Ilha do Príncipe sem aterro. Fonte: IJSN (1970).

Figura 18: Imagem aérea 1978. Desportiva como referência em laranja. A Segunda Ponte em construção. Fonte: IJSN (1978).

Em Milton Esteves (2002), a psicogeografia é a palavra chave e para tanto ela conta com duas importantes alternativas operacionais: o comportamento lúdico construtivo e a situlogia. Prossegue:


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“Esta, por sua vez, conta com dois aliados: a deriva e o mapeamento cognitivo. Essa associação estratégica foi especialmente pensada para superar as táticas de cognação e representação que

substituem os objetos reais por simulacros e, principalmente, para eliminar os efeitos da prefiguração da vida cotidiana. Ela pretende permitir a compreensão de nossa própria geografia- elemento chave do nosso contato com a realidade, seja ela cotidiana ou mental – e estabelecer um conjunto de ações que definam nossos próximos passos em direção à liberdade e, conseqüentemente, à beleza e à dignidade.” (ESTEVES, 2002, p.321)

Em seqüência, defende que o mapeamento cognitivo tem como foco o combate às políticas urbanísticas que enfatizam os universos das imagens e exaltam uma unificação negativa do significado estético em detrimento do

significado existencial. Além disso, cita que o papel da memória do mapeamento cognitivo é o de expressar e vincular as experiências diretamente com o conteúdo e a forma: (Figura 19)

“Pondo em prática a clássica relação dialética entre essência e aparência e ampliando-a para a relação entre experiência viva e estrutura, o mapeamento cognitivo descreve tanto a estrutura do fenômeno a que se refere (identificada pela experiência) quanto a experiência nele vivificada (que definitivamente o justifica).” (ESTEVES, 2002, p.326)


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Figura 19: Imagem dos trajetos mais utilizados em um período de mês, segundo entrevistada Lolita Rossi. Fonte: Arquivo Pessoal (Dez..2011)


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Vale retomar o conteúdo do ensaio “Espaços, corpos e cotidiano” de Byrt Wammack, quando cita que uma investigação pode resumir-se as idéias de Lefebvre, tendo como referência, por exemplo, qualquer dos fatores de produção espacial por ele proposto. O registro da experiência da cidade é mencionado por Paola Berenstein Jacques (2006) como suporte na corpografia, onde a cidade é lida pelo corpo desta maneira seria a memória urbana no corpo. Afirma que a imagem espetacular, ou o cenário, só necessita do olhar. [distante] Com a corpografia, retoma as questões das “sensações” na cidade a qual precisa ser tateada absorvendo seus sons, cheiros e gostos próprios compondo com o olhar a complexidade da experiência urbana, entendendo também como

processo investigativo.[próximo] Jacques (2006) ainda adentra no que chama de urbanista errante, sendo este que não vê a cidade de cima somente, por exemplo, numa representação tipo mapa, mas se insere, neste ato de se relacionar com o corpo urbano e seu próprio corpo físico. Resume dizendo que o urbanista errante, lento voluntário intencional, faz elogio à experiência urbana principalmente do ato de se perder (desterritorialização).


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Esse encontro de determinações de corporeidades, do errante com a cidade, de acordo com Jacques (2006), enfatiza a redução da cota de experiência urbana direta na contemporaneidade, simplesmente a ação de andar pela cidade. Para exemplificar isso cita Mário de Andrade no relato de suas andanças por São Salvador da Bahia (no dia 7 de dezembro de 1928). Em um dos trechos que mais reflete essa importância da experiência urbana, Mário de Andrade, descreve que a sensação de andar a pé em São Salvador é “como fazer parte dum quitute magnificiente e ser devorado por um gigantesco deus Ogum, volúpia quase sádica, até.” Tratando-se de pesquisa em termos técnicos, Bosi (2003) afirma que é positivo a combinação dos procedimentos de história de vida e perguntas

exploratórias, desde que deixam ao recordador a liberdade de encadear e dizer, de sua maneira, os momentos do seu passado. Lembra também que quanto mais o pesquisador entrar em contato com o contexto histórico cotejando e cruzando dados e lembranças de diversas pessoas mais estrutura a imagem do campo de significações já pré formadas nos relatos. Sugere ainda uma pré entrevista, que a metodologia chama de “Estudo Exploratório” o qual conduz o futuro roteiro e extrai questões da linguagem usual do depoente, detectando temas promissores. Finaliza que confessar as dificuldades ao depoente, do trabalho fará com que ele acompanhe melhor o caminhar da pesquisa.


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1.1.3 Outro olhar e imaginação

No que diz Armando Silva (2006), as técnicas de investigação se resume a cinco procedimentos: fotografia de distintos atos urbanos e sua análise; fichas técnicas onde se escrevem dados; recorte e evolução dos discursos ou imagens de periódicos em comparação com os eventos urbanos; técnicas de observações continuadas para estabelecer possíveis lógicas de percepção visual e elaboração

de um formulário sobre projeções imaginários de cidadãos segundo croquis urbanos que se explicarão dentro de um texto. Dessa perspectiva, o autor diz que a princípio a participação cidadã e sua contribuição simbólica estruturam o exercício de investigação. A cidade vivida, interiorizada e projetada por grupos sociais que a habitam e suas relações com o uso urbano não só é recorrente como a interferem dialogicamente reconstruindo-a como imagem urbana. É importante ressaltar que as estratégicas de representação são distintas nas culturas assim como são distintas nas comunidades urbanas. Em “Olhares Particulares”, Arruda (2011) adere à essência desta pesquisa na medida em que conclui que os espaços urbanos são realidades que persistem nas impressões individuais, mesmo quando se está afastado deles. Enfim, defende que é sobre o espaço individual, ocupado pelas pessoas, as quais têm

acesso todos os dias que sua imaginação é capaz de reconstruí-lo.


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Os relatos orais colhidos [ver relatos na integra no APÊNDICE] tiveram como inspiração o que a metodologia chama de “Estudo Exploratório”. A priori, houve o contato com o contexto histórico para futuramente utilizar temas promissores, inclusive a busca por fotografias foi feita paralelamente. Todavia não havia um roteiro a ser seguido, as entrevistas se desenvolveram conforme a trajetória do depoente.

Em geral as pessoas acreditam que seu depoimento não tem valor, que elas não podem contribuir com informação ou mesmo ficam com receio de haver perguntas que elas não saibam responder. Assim, dizia que aquele depoimento seria importante na estrutura da pesquisa. Mesmo que elas não contassem [não soubessem ou mesmo lembrassem]

“toda” a história do

bairro e que não tivesse uma cronologia no relato, aquelas palavras somariam. [o depoente estava livre para contar fatos de um passado mais distante, falar sobre a contemporaneidade ou dizer dos problemas atuais depois voltar para o passado distante, inclusive histórias particulares dela no lugar] Para iniciar solicitava: Conte-me sobre Jardim América. A resposta comum foi na linha: Contar o que? A história? O que precisa melhorar aqui? E assim respondia: Sim, pode começar contando sobre sua vida no bairro.

[dessa forma me senti mais a vontade quando o depoente então próximo do assunto dissertava do seu modo, sobre aquele lugar]


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O olhar de Maurice Halbwachs (2006) evoca o depoimento da

testemunha, diz que só tem sentido em relação a um grupo do qual esta faz parte, porque pressupõe um evento real vivido outrora em comum [memória coletiva]. Para Maurice, no final

tirando-se gravuras e livros, o passado

deixou na sociedade muitos vestígios [às vezes visíveis] que também percebemos nas expressões das imagens, no aspecto dos lugares e até nos modos de pensar e de sentir. Esse comum foi encontrado no relatos feitos. Chamou bastante atenção o domínio que os entrevistados tinham sobre o nome das ruas de Jardim América. Mesmo usando um “ali”, “parte alta”, ou “parte baixa” ao desenvolver no mesmo relato o nome exato das ruas eram mencionados e o

que existiu, existe ou descrever um problema aparecia o nome das vias. Sr. Orvelino , por exemplo, com propriedade disse:

“[...]Jardim América no começo as primeiras ruas foram a Canadá e a México[...]”, “[...]O valão da Av. América foi um erro [...]”, “[...]Han ali onde é o Banestes era uma rua..onde é o EPA era a rua Uruguai que hoje nem existe mais...era aberto e era bom...agora ta

muito fechado..nossa saia lá no asfalto[...]”


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Figura 20: O que é “asfalto” para Sr. Orvelino, corresponde a BR-262.[ Foto do comércio de Jardim América na BR-262 em 1982] Fonte: Arquivo IJSN

Figura 21: O que é o asfalto hoje. Fonte: Arquivo Pessoal (Mar.2012)


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Perguntei ao Sr. Orvelino que asfalto era esse que ele tanto dizia, pois

segundo ele tudo era barro vermelho, era lama. Disse que o asfalto que as pessoas diziam é o que corresponde a BR 262 (Figura 20 e 21). As enchentes nas chuvas também foram constantes nos depoimentos. O valão da Av. America foi excessivamente alvo de crítica e pedido de melhorias. O Sr. Darci , de maneira peculiar, afirma que há grande valão na BR- 262 que poderia resolver o problema das cheias na Av. América:

“[...]Sabemos que tem um valão na BR 262 que cabe um caminhão de tão grande...vimos na época que eles estavam em obras reestruturando a via e que ela está a não mais de 150 metros do valão da Av. América..mas ai pergunto: por que não fazem nada?..por que não investem nessa obra de infraestrutura para acabar com esse monte de água...pois desce água de Itaquari, alto laje..e cai aqui nesse valão de Jardim América, pois é

mais baixo..aqui é mais baixo[...]”

Por vezes os fatos comuns mencionados foram cruzados com as visões particulares, por exemplo, a professora de educação infantil Teresinha , enfatizou mais as escolas (Figura 22, 23 e 24) e casas de apoio a criança do bairro:

“[...]Eu estudei no Cerqueira Lima- fiz primário, depois fui para onde é o Passionista,

na época não era Passionista, era GEJA

(Ginásio Estadual de Jardim América), onde fiz os dois últimos anos de magistério...tinha prova e tudo pra entrar..igual escola técnica[...]


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Figura 22: Comemoração das olimpíadas no GEJA. Morro de argolas ao fundo. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data

Figura 23: Desfile das escolas, provavelmente de dia 7 de Setembro. [Dúvida na localização da foto. Cadê os Morros de referência?] Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data

Figura 24: Escola Cerqueira Lima comentado no relato de “Teresinha”. Data:1952 Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)


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O contexto, aqui nos relatos, tem reflexões pessoais, lembranças de familiares, ” [...] a lembrança é uma imagem introduzida em outras imagens, uma imagem genérica transportado ao passado” (HALBWACHS, 2006, p.93). A memória coletiva se distingue da história em pelo menos dois aspectos, segundo Halbwachs (2006), ela é uma corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, pois não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na consciência do grupo. O sujeito retratado por Peter Monteiro (2008), é aquele se encontra em constante relação com os objetos, usando continuamente a arquitetura da

cidade [num nível mais ou menos complexo] seja na vivência diária numa casa, seja na apreensão esporádica que faz de um monumento, sendo ao fim responsável pela construção real ou imaginária da imagem urbana, e segundo Peter, imagem esta que é pública (externa) e ao mesmo tempo privada (interna). Esse sujeito não só exerce sua história, mas a história da própria cidade e de seus objetos, com os quais criam uma espécie de dialética, onde constrói e reconstrói significados. Monteiro (2008) diz ainda que é preciso utilizar a cidade para compreendê-la.


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Mogin (2009) diz que a forma da cidade, sua imagem mental, é a junção de elementos tais como lugares, percursos, uma idéia da cidade. Estes remetem ao “nome”, ao nome próprio da cidade, mas também a todos os nomes que contam a história da cidade (nomes de rua, escola, de museu). Nos relatos houve lembrança sobre o cinema no bairro (Figura 25 e 26), o cinema Hollywood o qual era opção de lazer. Na matéria do jornal A gazeta de 2005 (Gazeta nos bairros) traz a notícia:

“[...]Assistir um filme na década de 50 não era privilégio para qualquer um. Mas os moradores de Jardim América tiveram a chance de ver muitos filmes perto de casa. O bairro já teve duas salas: uma localizada na esquina da Rua Paraguai com a Av. América e outra do outro lado da BR 262. O primeiro recebeu o nome de Hugolândia, em homenagem ao criador do bairro, Hugo Viola; e o segundo foi chamado de Cine Hollywood. Era a diversão dos moradores. Os cinemas pertenciam a empresa José Careta, que tinha uma

rede de cinemas e a entrada era de Cr$1,00 (1 cruzeiro).”


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Figura 25: O cinema ficou na memória Fonte: Revista Espírito Santo AGORA.Fevereiro, 1975.

Figura 26: Era opção de lazer Fonte: Revista Espírito Santo AGORA.Fevereiro, 1975.


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Sidirlene Rossi, quando moradora foi bem atuante e líder comunitária, disse detalhes e lembrou que o cinema funcionava nos fins de semana e que o espaço também era utilizado para as chamadas "domingueiras", bailes que aconteciam após o horário da missa na Paróquia.

“Lá teve um cinema e quem arrendava o espaço desse cinema, quem patrocinava eram os donos do supermercado Schneider , já ouviu falar?...aconteciam nos finais de semana, mas a coisa foi tão volumosa, fez tanto sucesso, filas e mais filas..pessoas pelo chão que daí nasceu a história de construir o cine Hollywood. Naquela parte de lá..por que não sei se você sabe onde é a Caixa Econômica na rodovia ainda é Jardim América. [...] Nessa época tinha os bailes, as domingueiras também que funcionavam no cinema, como as cadeiras eram soltas, eles tiravam...e quando o cinema passou pro outro lado, o novo, os bailes passaram a acontecer na LBA[...]”

Na sequência, Sidirlene, relembra , além dos bailes, sobretudo os cursos oferecidos pela LBA [ Legião Brasileira de Assistência]. Afirma ainda que chegou a fazer cursos mas que foi no governo do Collor que acabaram com as legiões de assistência de todo Brasil. (Figura 27)

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Figura 27: Primeiro plano LBA. À esq. em segundo plano as primeiras casa do conjunto de Hugo Viola nas ruas México e Canadá Fonte: Acervo Padres Passionistas. Data: 1957


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Sr. Orvelino traz também em seu relato a LBA, os cursos que eram oferecidos e depois a situação atual de abandono do edifício:

“[...]A obra social LBA foi construído do lado tinha diversos cursos...tudo quanto é profissão você aprendia ali, hoje ta lá abandonado estragando tudo. Tinha curso de manicure, padeiro, carpinteiro, doces e salgados..tinha muito curso mas acabou tudo, era muito bom. Hoje ali é federal e tem uma parte que eles arquivo morto do INSS. Parece que eles estavam querendo pegar pra fazer uma creche, não sei se conseguiram. Foi construído na época do governador Francisco Lacerda de Aguiar(..o Chiquinho), eu acho que foi mais ou menos do ano de 1965, han tem uma quadra de esporte lá atrás muito boa, os meninos jogavam vôlei ali. Agora aquele madeira toda deve estar estragando..antes tudo era de madeira[...]”

Assim como

Sr. Orvelino, Dona Lolita confirma os cursos

oferecidos pela LBA e como tudo aquilo era bom. Sr Orvelino pontuou as mais diversas áreas e acontecimentos de Jardim América em seu relato, provavelmente, por ser um dos depoentes mais velhos e ter sido comerciante por muito tempo no bairro. Com noção de datas, por exemplo, em 1958 quando a igreja católica, em construção, foi derrubada após ventania. (Figura 28)


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Figura 28: Paredes Igreja católica ao chão após ventania. Fonte: Acervo Padres Passionistas. Data: 1958


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A única rua calçada, em 1960, era

Rua Paraguai, recordou Sr.

Orvelino data em que se mudou. O recomeçar a vida com ajuda de Hugo Viola que cedeu ponto na mesma rua após sua mercearia pegar fogo na década, de 1970, também fez parte de suas lembranças. Augusto Gomes em seu depoimento reforça a Rua Paraguai (Figura 29 e 30) como de comércio, mas lembra que é um comércio voltado para o bairro: “[...]aqui é por exemplo comércio da dona Maria que usa o caderninho e vende fiado..acho o comércio muito familiar...a própria padaria daqui é de irmãos, o ambiente é muito familiar, já o comércio da BR é diferente[...] Sidirlene

relaciona

o

comércio

e

inicia

seu

depoimento

mencionando o “bairrismo”, um sentimento de que o que ela vivia no bairro a bastava, afirma que naquele comércio dito pequeno e de bairro era o suficiente, tudo ali se encontrava:

“[...] na nossa época o nosso bairro nos bastava a gente tinha de tudo..e tudo era muito próximo, a gente tinha o supermercado melhor[...] o bairro nos bastava, e hoje parece que a gente nunca encontra nada..ficamos naquela busca sabe?!...essa sensação é a que sempre sou tomada por ela...vou ao shopping pra comprar “não sei o quê”...andei, andei, andei me enchi e fui embora..lá você se precisasse ia na lojinha do Kill, ou na tenda no senhor Alaor pra comprar, ou lá na dona Mirtes...tudo dentro da nossa realidade, a gente achava tudo ali![...]


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Figura 29: Título do arquivo: VISTA de uma rua no bairro Jardim América. Cariacica-ES Fonte: IJSN (1982).

Figura 30: Rua Paraguai [rua comercial], em um dia de domingo Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011).


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Cesar Viola, neto do fundador do bairro "Hugo Viola", relaciona o bairro diretamente com o trabalho feito pelo avô. Afirma que ele [Cesar] é mesmo uma boa fonte para a pesquisa pois ele detém não apenas a lembrança, mas pode comprovar com os documentos inclusive cartas e agradecimentos por escritos das pessoas que conheceram ou foram ajudadas por Hugo Viola:

"[...] minha mãe não se cansava de colher depoimentos..olha estes escritos atrás de panfletos...qualquer papel uma forma de comprovar a postura de meu avô (Figura 31), como as pessoas o via..olha esse de Carlos Lindemberg( papel timbrado a rede gazeta e escrito com letras cursivas do próprio Carlos Lindemberg)...olha vou te falar que Carlos Lindemberg não atendia qualquer um não...ele estava ainda na A Gazeta...meu avô ficava lá até os jornais serem impressos cedo..a amizade deles era grande.[...]

Figura 31: Mensagem do historiador Renato Pacheco em homenagem a Hugo Viola feito no verso de um panfleto. Data: 14/05/1995 Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Cesar Viola


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Em seu depoimento, o neto de [Hugo] Viola retoma a história desde quando o avô saiu da Itália, em 1920, até chegar ao país e por seguinte se naturalizando brasileiro. (Figura 32) Cita a profissão de marceneiro exercido por Hugo Viola onde fez móveis para muita gente, e, segundo Cesar, gente da elite na época pois o trabalho era de qualidade e feito de maneira artesanal.

Figura 32: Imagem de Hugo Viola (à direita) com a família. Segundo informações de Cesar Viola seu avô teria nessa fotografia por volta de 10 anos de idade. Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Família Viola


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Parte dos móveis que ornamentam a casa na Av. Espírito Santo esquina com rua Chile(onde Cesar concedeu a entrevista), foi da época que Hugo Viola ainda trabalhava em sua Oficina de móveis em Vitória. Cesar, de maneira gentil mostrou a antiga casa do avô e alertou que já havia feito algumas modificações, mas que mantinha objetos e traços da edificação feita na época em que seu avô morava. (Figura 33)

Figura 33: À esquerda cadeira feita por Hugo Viola. Centro Imagem do corredor da casa com pé direito alto e mantendo quadros e objetos antigos de família. À direita quadro com desenho-retrato de Hugo Viola. Fonte: Arquivo pessoal (Jan.2012)


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O que os documentos não mostram mas

o neto fala com

propriedade, que Hugo Viola fez muito além que as 100 casas populares e venda sem juros e correção monetária. Entre outros acontecimentos na história do avô, Cesar citou que Hugo Viola foi preso político por 4 vezes,

como topógrafo de formação traçou o aeroporto de Vitória Eurico Sales, fez projetos urbanos em Goiás e projetou todo o bairro Jardim América:

"[...] Até a visão de trazer Ferro e Aço pra cá..por que a principio o terreno da Ferro e Aço fazia parte do bairro..tinha traçado...ruas mas ele cedeu para inserção da siderúrgica..para crescimento do local[...]Hugo Viola foi

preso

4

vezes,

preso

político..porque

ele

era

a

frente...argumentava..fazia...corrias atrás e pra ditadura gente assim não era bom..da última vez q foi preso os policiais que o conheciam diziam que estavam com vergonha de ter que fazer aqui, prendê-lo, mas porque?! ..porque sabia da sua índole...hoje não vejo mais gente assim..é raro. Muita gente não sabe também mas como topógrafo traçou o aeroporto Eurico Sales, em Vitória e fez também cidade de Goiás. Esse traçado aqui de Jardim América ele se baseou vila operária européia. Quando ele morou no Rio de Janeiro..trabalhava ali onde aqueles prédios caíram, perto da Av. Rio Branco..ali ele conseguiu não sei como um projeto, e foi a partir dele que traçou Jardim América[...]


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Segundo o depoimento, o traçado de Jardim América foi baseado no projeto de uma Vila Operária Européia. Cesar mostrou o projeto original que estava no andar superior da casa. A planta era original de 1937 e todo bairro já estava desenhado ali. A planta estava amarelada e foi feita em um tecido especial(Figura 34). Pouco pode-se ver na planta, mas com auxílio de Cesar, ele foi apontando os resquícios da tinta no desenho da praça assim como na área da antiga Ferro e Aço. O neto do fundador disse do desejo de restaurar aquele projeto original [ mais ou menos 1,5 x 2 m de planta], fazer um livro com todos os documentos e imagens do seu acervo.

Figura 34: Imagem planta do projeto original de Jardim América Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Família Viola (Jan.2012)


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Dona Altair falou, do desejo na época de morar em uma das casas do conjunto iniciado por Hugo Viola. Segundo ela, morava “num canto” do bairro e era muito ruim. A casa não era boa e seu esposo construíra outra posteriormente, mas mesmo assim dona Altair almejava uma casa do conjunto:

“[...]Eu tinha uma casinha lá no canto, mas ela era muito ruim,

então meu marido desmanchou a detrás pra fazer outra...mesmo assim eu olhava para essa aqui [Dona Altair aponta na foto as casas do conjunto de Hugo Viola] e ficava apaixonada, pensava “Não posso comprar uma casa daquela”

Ela não conseguiu morar em uma das casas do conjunto, mas tempo depois comprou através do Sr. Anísito Soto, um terreno onde seu esposo construiu a casa que morou por mais tempo e ainda está no mesmo terreno de sua atual casa. (Figura 35)

“[...]e aqui era uma lagoa..meu marido aterrou. É essa casinha aqui da frente, mas ela já foi reformada, inclusive tem um retrato dela[...]”


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Figura 35: Imagem família dona Altair frente da casa em Jardim América Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Altair Tagarro Leal


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A neta de Dona Altair, completa dizendo sobre os bailes de carnaval que

aconteciam no clube desportiva: "[...] depois de muito dançar chegava na casa de vovó escalando aqui pela varanda." A paisagem também é forte em sua lembrança, e ressalta que quando criança se cansava ao olhar os morros do entorno. (Figura 36 e 37)

Figura 36: Luizinha, neta de Dona Altair, na casa da avó em Jardim América. Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Altair Tagarro Leal

Figura 37: Familiares de Dona Altair com ela, no terraço da casa em Jardim América. Morro ao fundo Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Altair Tagarro Leal


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Cesar Viola afirma ainda que o Rio Marinho foi desviado por índios há muito tempo1 ,e, Hugo Viola consciente do terreno alagadiço e mais baixo que a região vizinha, tomava o cuidado de drenar o rio. Finaliza dizendo que o bairro teve seu auge por volta de 1970 e que depois foi abandonado, contudo, acredita que daqui 20 anos ele retomará o desenvolvimento visto que é um lugar estratégico próximo ao centro de Vitória. Sidirlene compartilha do mesmo sentimento quando diz que o bairro tinha uma estrutura boa e próxima do centro (Figura 38) da cidade:

Um bairro que tinha uma estrutura muito boa, com comércio e tal, próximo do centro...bairro é mais próximo de vitória que muitos bairros do município de Vitória...tirando o transito ..pois naquela época só tinha as “cinco pontes”..eu mesmo em 1979, quando entrei na

UFES, a gente ia literalmente a pé por que o ônibus a gente pegava na Vila Rubim..pegava, quando dava, um em Jardim América e outro na vila Rubim...não tinha transcol não tinha nada e fazíamos assim “baldiando” né?!...Então a gente gastava muito pouco, por que era tudo muito pertinho...assim como é São Torquato pra Vitória, quer dizer um bairro de Vila Velha pra Vitória...nessa ótica que eu to falando ..próximo da capital.

1 Em 1716 Foi construído o Canal do Rio Marinho para embarcações maiores transportarem a produção da

Fazenda Araçatiba para o Porto dos Padres, evitando a passagem oceânica pela Foz do Rio Jucu. Em 1816 houve uma limpeza do Rio Marinho e aperfeiçoamento do canal Caçaroca para ligá-lo ao Rio Jucu In. SIMÕES, Roberto Garcia. Aterro, mangues e mar, primeira considerações sobre o problema. Vitória, ES: IJSN, 1978


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Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011.


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Figura 38: Aspecto dos 3 municípios. Parte da Desportiva em primeiro plano. Notar Rio Marinho cortando o terreno alagadiço (ainda sem Segunda Ponte: Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, v. 1, n. 7, 01 set. 1967.


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1.2 A forma do sítio Características geológicas e hidrológicas junto com a orientação, topografia, e drenagem, conectam aos sistemas maiores, aquela que opera em várias maneiras em várias escalas- o sistema solar, a geomorfologia, e o ciclo da água. Para Burns e Kahn (2005) , cada projeto construído cria novas forças dentro de sua própria área e também modifica e influência além do local e dentro dele. Concebido ao longo do tempo desta forma, o local [site] tem três áreas distintas. A primeira é a área de controle, fácil de localizar linhas designando limites legais e barrancos. O segundo, abrangendo forças que agem sobre uma trama sem estar confinado a ele, pode ser chamado de área de influência. A terceira é a área de efeito,é o domínio impactado pela ação do projeto. Estas três áreas [territórios] se sobrepõem apesar de suas diferentes geografias e temporalidades. O sítio físico, para ser controlado ou possuído, precisa de delimitação, porém

para ser compreendido no projeto deve-se considerar essas sobreposições, o local não pode ser considerado de maneira isolada. O conceito de site [sítio] então, ao mesmo tempo refere-se a idéias aparentemente opostas: a física

de um lugar

específico, áreas geográficas distintas, idéias divergentes espacial, tendo tempo de passado, presente e futuro. O livro de Burns e Kahn (2005) afirma: Sites são complexos.


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O bairro Jardim América tem uma geografia mista que se compõe de uma parte plana e outra parte com predomínio de colinas e pequenos morros. Possui uma altitude média de 1,5 m acima do nível do mar na sua parte baixa, e segundo o site Wikipédia, é o que pode justificar as constantes enchentes das ruas no período das chuvas mais fortes. Nesse sítio é onde se inicia efetivamente a Rodovia Federal BR-262, limitado a leste pelo Rio Marinho com o município de Vila Velha, ao norte pelos bairros de Alto Lage e Itaquari, ao sul pelos bairros de Vasco da Gama e Vale Esperança e, ao oeste, pelo bairro Vera Cruz. (Figura 39 e 40) O norueguês, Christian Norberg-Schulz (2008), desenvolve uma interpretação essencialmente nas idéias do ensaio “Construir, habitar, pensar” do filósofo alemão, Martin Heidegger. A partir dessas interpretações, Norberg-Schulz (2008) diz que as construções trazem a terra, como paisagem habitada, para perto do homem e, ao mesmo tempo, situam a intimidade da vizinhança sob a vastidão do céu. Logo a prosperidade básica dos lugares criados pelo homem é a concentração e o cercamento. Os lugares são literalmente “interiores”, o que significa dizer que “reúnem” o que é conhecido. Para cumprir essa função, os lugares contêm aberturas através das quais se ligam com o exterior. [A bem dizer, só um interior pode conter aberturas].


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Figura 40: Imagem aérea 2011. Em destaque o bairro Jardim América. Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011.


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Figura 39: Desenho dos limites e entorno de Jardim América. Ver cone visual na Figura 38. Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.

Ainda no texto, o teórico Christian menciona [Siegfried] Giedion o qual distingue exterior de interior como fundamento de uma concepção grandiosa da história da arquitetura. Cita também Kevin Lynch, que

investiga mais a fundo a estrutura do espaço concreto, introduzindo os conceitos de nodo (marco), baliza, caminho, borda e distrito para indicar os elementos que embasam a orientação das pessoas no espaço.


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No começo da década de oitenta a teoria da Sintaxe Espacial buscou descrever a configuração do traçado e as relações entre espaço público e privado. Permitindo entender aspectos importantes do sistema urbano, como acessibilidade e distribuição de usos do solo, isso, através de medidas quantitativas. De acordo com a teoria, criada por Bill Hillier e colaboradores da Universidade de Londres, na Sintaxe Espacial, o movimento natural pode

ser entendido como a parcela do movimento total de pedestres em uma cidade, determinada apenas pela estrutura configuracional do sistema de espaços públicos, independente da presença ou não de atratores.( HILLIER, apud TEIXEIRA, acesso em 26 nov. 2011) A busca é de um olhar de dentro [próximo], onde pelo processo de reconhecimento ou construção de uma identidade, o planejador possa criar suporte teórico de estudo, e responder questões como; em que medida se dá através da consciência espacial/cultural a reavaliação e ajustes na dinâmica de transformação da cidade.


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No estudo Sintaxe Espacial, basicamente existem dois tipos de mensuração morfológica. Um trabalha a observância da conectividade estimando controle e integração local e a outra trabalha a mensuração da

integração global. De maneira geral, no que diz respeito a conceito de Sintaxe Espacial, as linhas axiais são unidade básica de análise utilizada por esta teoria. [ juntamente com os denominados espaços convexos ] Por exemplo, a conectividade é uma mensuração acerca do número de linhas que cortam uma linha ou o número de vértices que outras linhas formam com uma determinada linha. Neste caso as linhas representam as vias ou ruas.

Figura 41: Base AutoCAD. Destaque Bairro Jardim América Fonte: Mapa elaborado no auto cad em cima da base cartográfica de Cariacica


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Assim, as vias mais conectadas, segundo a análise do mapa axial de Jardim América, são a Chile (16), Venezuela (18), Paraguai (35) e Honduras

(34). A R. Chile, por exemplo, chega a ter 11 conexões. As cores mais quentes, tendendo para o vermelho, indicam maior conectividade. As cores mais frias, tendendo para ao azul escuro, indicam aquelas de menor conectividade. A mensuração pode ser conferida a seguir no mapa gráfico de conectividade. (Figura 42) De acordo com esta breve análise, hoje a via que apresenta o maior índice de conectividade (Rua Chile-16) não corresponde à rua de comércio e movimento, ela é essencialmente residencial. Contudo ela corta uma rua de caráter comercial voltado para atender o bairro, tais como padaria, armarinho e pequenas lojas de roupa. Conforme as observações diretas em campo e que são refletidas no mapa de uso e ocupação de solo (Figura 43) e no mapa de conectividade;

observa-se que as vias Paraguai (35) e Hermes Santório (15) são as que apresentam uma maior concentração de atividades comerciais. As vias da parte baixa do bairro (ex: 1, 4, 5, 6, 14 e 49), em sua maioria estão em laranja, mostrando assim boa conectividade segundo a hierarquia do gráfico [lembrando que esta equivale área inicial do bairro, uma área de aterro].


___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância Figura 42: Mapa mensuração conectividade vias em Jardim América Fonte: Mapa elaborado no auto cad em cima da base cartográfica de Cariacica

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Figura 43: Mapa uso de solo. Pontuada em visita in loco 2011. Fonte: Mapa elaborado no auto cad em cima da base cartográfica de Cariacica


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As vias em azul são as de menor conectividade ou que recebem menos ligações dentro desse local. Nota-se que em geral as vias em azul escuro correspondem a áreas em expansão no bairro e áreas afastadas. Ali se vê precária estrutura, tendo vias ainda sem calçamento e pouca iluminação configurando áreas perigosas; principalmente na rua (R. Sem Nome- nº43 no mapa de conectividade) do Distrito Policial (nº 18- no mapa de uso e ocupação do solo). A Avenida Espírito Santo (1) tem extensão significativa (em torno de 800 m), tem uso bastante comercial com galpões de armazenagam e é um eixo de ligação de diversos bairros vizinhos com os municípios de Vila Velha

e Vitória, todavia, a cor laranja no gráfico não corresponde a essa importância presenciada. Possivelmente esse fato esteja vinculado com a localização da Siderúrgica Belgo Mineira a qual ocupa grande área (Figura 44) . Ao longo desta via o muro da Belgo [Mineira] está presente, consequentemente é impeditivo para conexões de possíveis vias. É de conhecimento, que o calçadão contínuo permeando o extenso muro é usado de maneira alternativa para exercícios e caminhadas mesmo com mau calçamento e estrutura.


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Figura 44: Av. Espírito Santo à esquerda. Em segundo plano área da Siderúrgica Belgo Mineira. Fonte: Imagem Panorâmico. Acesso: 05/11/2011.

A via de entorno imediato (R. Eng. José da Silva, nº12) ao Estádio Engenheiro Araripe (Desportiva) tem baixo nível de conexão. Inclusive, pelo mapa de uso e ocupação do solo [confirmado em visita ao local] parte da rua não é pavimentada, não tem calçamento e tem o fim súbito com o encontro

da “alça” da Segunda Ponte (nº13 no mapa de conectividade).


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Vale dizer aqui que, de acordo com o PDM de Cariacica, a edificação está inserida na Zona de Ocupação Preferencial (ZOP 01), que é composta

por áreas em transformação urbana acelerada e por grandes áreas desocupadas. A permissão de usos diversificados e gabaritos de até 16 pavimentos reforçam a necessidade do pensar e agir no lugar (Figura 45 e 46).

Figura 45: Projeto original do estádio Engenheiro Araripe (Desportiva). Rio Marinho em primeiro Plano. Ao fundo atual Rua José da Silva. Fonte: Acervo de Dirceu Márximo Loureiro

Figura 46: Proposta de “Centro de Convivência Empresarial Esportiva e Comercial do Estado: Cidade Jardim” construtora 3M. Referência à esquerda 2º ponte. Fonte: Reprodução panfleto . Material da Prefeitura de Cariacica.


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2 VESTÍGIO DE UM INÍCIO PLANEJADO

2.1 Vestígio de um início planejado [base historiográfica]

Antes mesmo de ser Fazenda Paul, tem-se o mapa da região que era de domínio de Leonardo Froes, cristão novo. Ele tinha fazenda de cana e engenho, onde hoje é a policia federal em São Torquato mas que,

possivelmente, se estendia até parte de Jardim América. (Figura 47) Consta na referência “ Um novo olhar sobre Cariacica” ,de Luzia

Pereira de Oliveira (2006), que o primeiro documento

referente é de 23 de maio de 1827. Nele está o nome do mais antigo proprietário da fazenda Paul, Pe André Vitorino Delgado.

Figura 48: Moradores das primeiras casas populares construídas pela Companhia de Melhoramentos de Vitória na década de 40. Fonte: Jornal A Tribuna. Agosto 2003


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Figura 47: Imagens em escalas diferentes. Reprodução fotográfica do livro “Estado do Brasil, coligido das mais certas noticias que pode ajuntar D. Jerônimo de Ataíde. por João Teixeira Albernaz I, Cosmógrafo de Sua Magestade, 1631”. Fonte: ArquivoBiblioteca Itamaraty, Rio de Janeiro.


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A fazenda passou por 13 proprietários e, a partir de 1936, foi

transferida para a Companhia de Melhoramentos de Vitória. O fundador do bairro, Hugo Viola,

teve a iniciativa de criar a

Companhia de Melhoramentos de Vitória para adquirir a extensa faixa de terra pertencente à antiga Fazenda Paul. Lá, construiu casas populares (Figura 49, 50 e 51) vendidas à prestação, num tempo onde não havia correção monetária e nem inflação. Até então, o terreno baixo era deserto e coberto por vegetação de mangue.

Figura 49: Fachada casa na Rua Canadá .Data: 1946 Fonte: Faria (1988).

Figura 50: Perspectiva das casas populares na Rua México .Data: 1946 Fonte: Faria (1988).

Figura 51: Perspectiva das casas populares na Rua Canadá .Data: 1946 Fonte: Faria (1988).


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No livro de Omir Leal Bezerra (2009) “ Cariacica: Resumo Histórico”, diz que de 1946 a 1950, foram construídos nesse bairro mais de 500 casas, sendo que 100 delas foram frutos da operosidade da Companhia de Melhoramentos de Vitória S/A vendidas por prestação de 34.000 cruzeiros.

Bezerra (2009) menciona também, que o antigo arraial deve seu nome ao Sr. Hugo Viola (fundador do bairro), em homenagem ao bairro Jardim América em São Paulo, onde vivera grande parte de sua infância. No artigo do Jornal A Gazeta “ Do sonho à realidade” de setembro de 2003 retomava um texto escrito por Mesquita Neto, em 1955, o qual dizia:

“O bairro, em 1955, tinha ruas com nomes de países da América e já contava com uma boa infra-estrutura para a época: água, luz, esgoto e transporte, os quatro fatores essenciais ao progresso de qualquer meio civilizado [...] O bairro foi fundado no início do século XX e era pouco mais que um conjunto habitacional que abrangia as ruas Paraguai, Guiana, Colômbia, México, Canadá e América. Depois veio o loteamento dos

morros e o aterro da sua parte baixa. Hugo Viola tinha lá sua vivenda exatamente na esquina das ruas Colômbia e Chile. (Figura 52) (...) Jardim América é o núcleo de uma grande cidade. Não está longe disso. Quando forem aterradas partes que se alagam com as chuvas, melhorada a rede de esgoto, e calçadas algumas ruas, há de ver o impulso que tomará”.


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Figura 52: Casa de Hugo Viola Fonte: Arquivo pessoal (Jul.2011).

Todo este movimento trouxe migrantes do interior do estado, que vieram à procura de emprego, e geraram um crescimento na população do bairro. O bairro cresceu muito mais do que poderia prever o seu fundador Hugo Viola, cujo seu projeto de iniciativa própria, na extensa baixada do Rio Marinho, contemplava a inserção de iniciais cem casas populares em 1947 naquele traçado ortogonal grelha(FARIA,1988). Waldir Menezes, na reportagem de A tribuna em 1949, afirma que Jardim América resolveu o grave problema residencial de Vitória. Os novos lares e os lares mais modestos tinham em Jardim América a solução do seu problema de moradia. O texto ainda diz que: “[...] Vitória é uma cidade literalmente lotada de população. No centro uma residência é um problema de difícil solução[...]”


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Até os anos 70, Jardim América era o principal centro urbano de Cariacica, mas foi esvaziado devido também o crescimento do bairro Campo Grande. Com isso o lugar tido como pioneiro do país [ e de acordo com os relatos orais, pioneiro da América Latina] na construção de um conjunto habitacional perdeu lugar. Os buracos nas ruas, o alagamento na parte baixa quando chove e a poluição da Ferro e Aço de Vitória (Cofavi) dificultaram a vida dos moradores. A indústria contribuiu para expansão do bairro, contudo acelerou processo de degradação do espaço devido seu transporte de carga pesada e poluição.

Figura 53: instalações da Cia de Ferro e Aço de Vitória. Alto forno e aspecto geral da usina.18/01/1945 Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)

Figura 54: Políticos na Cia de Ferro e Aço de Vitória.3/5/1950 Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)


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Na referência “ A ferro e fogo” de Álvaro José Silva e Lino Geraldo Resende (2004), diz que a empresa foi fundada em 1942, pela família Oliveira Santos, ligada à exportação, e, inicialmente tinha um pequeno forno de carvão (Figura 53). Começou a operar efetivamente em 1945, depois, com a chegada do governo de Juscelino Kubistchek, foi feito o primeiro planejamento da Siderúrgica no Brasil chamado de Plano Siderúrgico Nacional. Nele foi definida a instalação de três novas siderúrgicas: a Cosipa, em São Paulo; a Açominas em Minas Gerais; e a Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi). No que se refere à Cofavi, que tinha apenas um alto forno movido à carvão vegetal, com produção limitada de aço comum, o objetivo do Plano era ampliar sua produção, fazendo com que, junto com as outras usinas, o Brasil tivesse a maior produção de aço. Na década de 1950, em uma visita ao Espírito Santo (Figura 54), o

presidente Juscelino Kubistchek, anunciou expansão da empresa de acordo com o seu Plano de Metas(SILVA, 2004). A área que antes pertencia a Cofavi, com a falência em 1996 e após compra da Arcelor Mittal, passou por direito a Belgo Mineira. Um exemplo também de construção de grande escala, é o estádio da Desportiva (Figura 55, 56 e 57), cuja situação atual é de má condição física e financeira.


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Figura 55: Muro da desportiva e parte da BR 262. Morro de Argolas ao fundo Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)

Figura 56: Mesmo trecho da Figura 25: 2 ainda na construção do estádio Engenheiro Araripe (desportiva) em 1966. Fonte: http://grenamor.blogspot.com/2008/10/tneldo-tempo-engenheiro-araripe.html Acesso:23/11/2010.

Figura 57: Estádio Desportiva Ferroviária, ainda inacabado, e prédio de sua Sede Social a frente, 1963. Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, Ano. 1, n. 5, jul. 1967.


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A Associação Desportiva Ferroviária Vale do Rio Doce, surgiu em 1963, da unificação de clubes ferroviários pela empresa Cia Vale do Rio Doce. A idéia de unificação surgiu de uma portaria assinada pelo engenheiro Eliezer Batista da Silva, então Superintendente do Departamento de Estrada da Vale do Rio Doce, criando “uma comissão para estudar e apresentar uma fórmula capaz de atender aos interesses das agremiações existentes, sem qualquer prejuízo aos direitos de seus associados”. Assim, financiado pela CVRD, o clube construiu em Jardim América inicialmente a Sede Social [em 2010 a edificação foi demolida] e, posteriormente, um estádio. Esse estádio, bem como toda área ocupada até hoje era pertencente à Vale. Segundo Álvaro José Silva no livro “Clubes de Futebol”, a Desportiva a utilizava em regime de comodato. Em 1997, com a privatização da empresa, tudo foi finalmente passado para o nome da agremiação esportiva. A presença da Segunda Ponte é um dos marcos do desenvolvimento do estado e localiza-se ao lado da Desportiva, conectando os municípios de Vitória, Vila Velha e Cariacica. E que junto da BR 262, que também liga outros municípios, proporciona um fluxo intenso de veículos e mercadorias. Antes 1979 [data construção] a ligação com Vitória era feita pela ponte Florentino Ávidos (Figura 58 e 59) [conhecida como 5 pontes e construída na década de 30]


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Figura 58: Movimento antes de 1979, Ponte Florentino Ávidos Fonte: Revista Espírito Santo AGORA.Novembr o, nº2

Figura 59: Imagem atual parte ponte Florentino Ávidos. Fonte: Imagem Panorâmico. Acesso: 05/11/2011.


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A Estação Pedro Nolasco (Figura 60, 61 e 62), se localiza do outro lado da BR 262 e apesar de aparentar uma movimentação tímida, possui um contingente bastante significativo de passageiros, que se deslocam a trabalho e motivos variados todos os dias. De acordo com documento histórico do Centro de Memória do Museu da Vale, a estação passou a funcionar após 1985 quando foi transferido o transporte de passageiros que então estava funcionando em uma estação provisória em Porto Velho.

Figura 60: Imagem dentro da Estação Pedro Nolasco em funcionamento Fonte: Arquivo pessoal (2010)

Figura 61: Imagem dentro da Estação Pedro Nolasco em funcionamento Fonte: Arquivo pessoal (2010)


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Figura 62: BR 262 ao centro , desportiva em primeiro plano à esq. e ao fundo parte alta de Jardim América. À direita em primeiro plano tem-se CRE metropolitano . Estação Pedro Nolasco e Morro da Companhia ao fundo Fonte: Arquivo pessoal (2010)


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[ Vale mencionar que era na Estação Pedro Nolasco em Argolas que funcionava primeiramente o transporte de passageiros. É de conhecimento que

sofreu uma série de dificuldades nas áreas políticas, burocráticas e financeiras e em 1940 passa a ser conhecida como “Ferrovia de Minério”. Assim o transporte de cargas em geral e passageiros ficam em segundo plano só que em 1961, com mudanças significativas no sistema viário

e crescimento urbano da Grande

Vitória, a estação esse transporte foi transferido para a estação provisória em Porto Velho] Na parte alta do bairro insere-se a igreja católica (Figura 63 e 64) que é referência não apenas no bairro, mas na região, pois, como Paróquia, coordena comunidades vizinhas. As festividades da padroeira [Santa Maria Gorette], que acontecem sempre no início de Julho atraem diversas pessoas e movimentam o local. Com base no documento histórico da secretaria paroquial de Santa Maria Gorette, foi em 1945 quando um grupo de moradores procurou o Bispo Dom Luiz

Scortegagna, com o objetivo de fundar em Jardim América uma comunidade católica. Missões foram feitas [ as missões eram feitas de pregações, batizados e primeira comunhão] e o local dos encontros foi um armazém de abastecimento de cereais da C.V.R.D. (Companhia Vale do Rio Doce), na Rua Paraguai. Após missões determinadas pelo Bispo foi celebrada a primeira missa no bairro em uma garagem, que pertencia à residência do Sr. Silvio Pádua, na Rua México nº 19.


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Até o início de 1950, não havia lugar fixo, prossegue o documento paroquial. As atividades religiosas como: reza dos terços e ladainhas, ora na garagem, ora na oficina de marcenaria do Sr. Pignaton, na Rua Chile. Com o crescimento da comunidade [o que o documento denomina “igreja viva”], a imobiliária Hugolândia doou dois terrenos de 300 m² cada na Rua Venezuela, próximo à divisa com a Ferro e Aço [atualmente Siderúrgica Belgo Mineira]. O

então Pároco José Brasil motivou a comunidade a comprar mais dois terrenos do mesmo tamanho onde foi feita grande igreja de madeira.

Figura 63: Foto aérea. Igreja e sua torre à direita. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data

Figura 64: Igreja enfeitada para as festividades da padroeira. Fonte: Arquivo pessoal (Jul.2011)


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Em 1953, os Passionistas compraram uma quadra de terreno limitado pelas Ruas Bolívia (Figura 65 e 66), Venezuela e São Paulo da Cruz para edificarem a sua obra. Já no ano de 1954 o Pároco Ambrósio Marafiota[1º Pároco oficialmente de Jardim América] doou a L.B.A. (Legião Brasileira de Assistência) uma área de 2.275 m² para construção de uma obra social, onde funcionaria também uma Igreja e a residência do Pároco, ambas provisórias. Finalizada as construções, a Igreja de madeira foi desativada e as celebrações passaram a ser realizadas na Capela da L.B.A. Conclui o

documento, que no ano de 1957 já havia inaugurado correspondente atual igreja Matriz [que é a atual igreja Santa Maria Gorette] e a residência paroquial.

Figura 65: Foto tirada da Rua Bolívia. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data


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Figura 66: Foto tirada da Rua Bolívia. Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)


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2.1.1 Transformações recentes.

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De acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) a área configura-se como eixo de dinamização compondo zonas lineares dentro do perímetro urbano de Cariacica. Elas correspondem a áreas formadas com vias localizadas estrategicamente, sendo importante como ligação e centralização de atividades de comércio. Além disso abrange uma zona de proteção ambiental( ZPA) próximo a área de Belgo Mineira, antiga Cofavi, que por sua vez é uma Zona Especial (ZE), a qual se caracteriza por equipamento de interesse econômico englobando atividades diferenciadas de forma que possam a vir exercer impacto econômico, urbanístico, sociais ou mesmo ambientais. Para a compreensão da atual situação urbana do bairro, o entendimento da estrutura econômica da Região da Grande Vitória é essencial, uma vez que a consolidação na década de 40 e a seguinte estagnação na década de 70 estão intrinsecamente relacionadas ao desenvolvimento industrial, portuário e logístico. Hoje os galpões mais novos de Jardim América

funcionam como

unidade de armazenagem integrada com a movimentação portuária do da Grande Vitória. Característica do município (Cariacica) o qual se insere o bairro, como reforça a professora Martha Campos:


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“ A especificidade funcional do município de Cariacica de pólo de atividades de comércio e serviços retroportuários, indica o vínculo de seu perfil produtivo urbano com o sistema de transportes de cargas, articulado pelos terminais de carga e unidades de armazenagem, integrado à movimentação portuária do complexo portuário concentrado na Grande Vitória”.

A inserção do terminal rodoviário Transcol, em 2010, deu uma nova dinâmica para a região, mudando fluxo e sentido de algumas avenidas tais como Av. Espírito Santo, Rua Brasil e Pará. É de frente para a BR-262 que ele se insere, rodovia esta que é a porta de entrada para a capital do Estado, sendo o eixo de ligação principal com as maiores metrópoles do país. Ao longo dela encontram-se diversas lojas especializadas em equipamentos, peças e manutenção de automóveis, assim como também postos de

combustíveis. Do outro lado da BR 262 está o Centro Regional de Especialidades Metropolitano e no trevo da rodovia se localiza um ponto da Polícia Federal [usado para blitz] (Figura 67). Muitos terrenos estão desocupados, e no entorno imediato à Desportiva são poucas as residências, no entanto, a poucas quadras encontra-se o centro de vivências do bairro [ou o que poderia ser], a praça Hugo Viola. (Figura 68)


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Figura 67: Posto da Polícia Federal Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)

Figura 68: Valão que corta Praça Hugo Viola . Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)


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A Rodovia BR-262 constitui um espaço geográfico muito importante

para o crescimento de Jardim América. Pela sua própria importância econômica e de localização estratégica, contribuiu para a valorização comercial e imobiliária do bairro. Esta é uma descrição oficial, por exemplo, no site da prefeitura de Cariacica ou mesmo nos principais sites de busca na

internet. Em outro zoom, no que Paola Berenstein cita sobre a experiência urbana (urbanista errante), a descrição é diferente. Nesse processo investigativo usando a corporeidade, nas andanças sentindo esse sítio, na proximidade com a BR há um grande nó de veículos. Forma-se no cruzamento da BR 262 com acesso a segunda ponte e é fator marcante para a marginalização do espaço, da mesma forma as condições insalubres do Rio Marinho e os terrenos vazios, ocupados apenas por lixo. (Figura 69)

Figura 69: Ponte do Camelo e Rio Marinho Fonte: Arquivo pessoal (2010)


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2.1.2 Cia Vale do Rio Doce

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Em 1952, após enfrentar vários contratempos, a CVRD consegue modernizar as operações do complexo mina-ferrovia-porto e atingir a meta de 1,5 milhão de toneladas exportadas por ano.

No primeiro ano da gestão de Arthur Gerhardt criou-se um distrito industrial para concentrar as micro, pequenas e médias empresas. Localizado em Carapina, no município de Serra o CIVIT [Centro Industrial de Vitória.] A Companhia Vale do Rio Doce que, em 1966, construiu o porto de Tubarão em uma antiga fazenda de gado na praia de Camburi, começou em 1974, as obras da Companhia Siderúrgica de Tubarão - CST. O terminal de Tubarão desafogou o porto de Atalaia, na baía de Vitória. [Neste mesmo período foi iniciada a obra da Segunda Ponte, ligando Vitória a Vila Velha, com término em 1979] (Figura 70)

Figura 70: Imagem aérea CVRD em Jardim América e Baia de Vitória Fonte: IJSN (1961)


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Atualmente onde se insere o CRE metropolitano, era centro

operacional da CVRD, a qual hoje tem alguns galpões, ferrovia, algumas casas abandonadas no “Morro da Cia” e a Estação Pedro Nolasco. Na reportagem de Waldir Menezes, publicada no jornal A Tribuna em 1949, mencionou invasão de terrenos em Jardim América pela Cia. Prosseguiu o texto dizendo que a Vale do Rio Doce opõe-se a Companhia

Melhoramentos de Vitória S.A prosseguisse com a construção das casas sob o fundamento que os terrenos de Jardim América fossem terrenos de Marinha. Segundo a reportagem somente não bastasse esse protesto do representante da União, como também a invasão de terras legítimas de uma Companhia ligada ao Governo Federal. A matéria ainda diz:

“Não nos compete aqui discutir esses pontos, uma vez que as medidas cautelosas foram tomadas e o assunto está sendo discutido pelos canais competentes. Apenas queremos dizer que, a nosso ver, aqueles dois fatos a que nos referimos somente conseguiram criar apreensões e desassossego[...] invadir terrenos legítimos com um tal acervo de documentação, cujas escrituras datam de mais de um século

parece-nos obra de desatinados. Assim como pretender que a margem de rio entre morros, brejo de batinga seja terreno de marinha, parece-nos anedota de fazer rir. O Jardim América tem uma parte que é terreno de marinha, a parte mais baixa, à margem esquerda do Rio Marinho, mas desta parte, a Companhia de Melhoramentos de Vitória S.A, tem certificado de ocupação regularmente processado” (MENEZES, 1949)


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2.2 O que é o lugar?

Entender Jardim América, um lugar, requer compreender o que é o lugar. As categorizações são diversas e diante das reflexões sobre

proximidade e distancia e após permear sobre

possibilidades de

investigação, adianto-me e presumo que o lugar não é o mesmo para todos. O samba de Arlindo Cruz “O Meu Lugar”, mostra algumas dimensões do conceito do lugar. Aqueles que trabalham, habitam, circulam, amam, produzem esse dia a dia do lugar, narrando histórias diferentes: O Meu Lugar Composição : Arlindo Cruz

O meu lugar É caminho de Ogum e Iansã Lá tem samba até de manhã Uma ginga em cada andar O meu lugar É cercado de luta e suor Esperança num mundo melhor E cerveja pra comemorar O meu lugar Tem seus mitos e Seres de Luz É bem perto de Osvaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá O meu lugar É sorriso é paz e prazer O seu nome é doce dizer Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa, lá lá laiá


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Ahhh que lugar A saudade me faz relembrar Os amores que eu tive por lá É difícil esquecer Doce lugar Que é eterno no meu coração E aos poetas trás inspiração Pra cantar e escrever Ai meu lugar Quem não viu Tia Eulália dançar Vó Maria o terreiro benzer E ainda tem jogo à luz do luar Ai que lugar Tem mil coisas pra gente dizer O difícil é saber terminar Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa Em cada esquina um pagode num bar Em Madureiraaa Império e Portela também são de lá Em Madureiraaa E no Mercadão você pode comprar Por uma pechincha você vai levar Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar Em Madureiraaa E quem se habilita até pode chegar Tem jogo de lona, caipira e bilhar Buraco, sueca pro tempo passar Em Madureiraaa E uma fezinha até posso fazer No grupo dezena centena e milhar Pelos 7 lados eu vou te cercar Em Madureiraaa E lalalaiala laia la la ia... Em Madureiraaa


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Doreen Massey (2008) esquematiza algumas linhas específicas de argumentos que exemplificam modos em que o espaço pode se apresentar, através de discursos filosóficos. Contudo entende que a partir daí, enquanto lugar é reinvidicado ou rejeitado em debates, de maneiras diferentes, existem evidências em comum, tais como o de lugar como algo fechado, integrado, um refúgio seguro, de certa maneira, originalmente regionalizado. Além disso, tais discursos filosóficos movimentam uma contraposição subentendida em diferentes níveis teóricos; tendo o espaço, de um lado e lugar de outro. Assim sendo autora afirma que existe “lugar” no contexto de um mundo que é progressivamente mais interconectado com a noção de lugar (geralmente citado como um “lugar local”) cujo valor simbólico é frequentemente articulado em argumentos políticos. Há também esse significado usado no cotidiano, nas práticas reais desta maneira valorizadas, fonte geográfica de significado, essencial como referência. No livro, Massey (2008), ainda defende uma maneira alternativa de encarar o espaço:

“ E se recusarmos essa distinção, por mais sedutora que pareça, entre

lugar (como sentido, vivido e cotidiano) e espaço (como o quê? O exterior? O abstrato? O sem significação?)” (MASSEY, 2008, p.25)


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Não se pode definir o espaço como oposto de lugar como vivido ou mesmo equivaler o cotidiano como local. Sendo assim, defender o espaço de

forma relacional, não permite que ele seja união de todas conexões, afirma Massey (2008). Há uma pluralidade de trajetórias cujas conexões são sempre cambiantes, o que faz com que o próprio lugar se forme como um feixe dessas articulações. No capitulo “Relatos de Espaço” do livro Invenção do Cotidiano, Michel de Certeau (1998), inicia dizendo que na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se chamavam metaphorai. Assim para trabalhar ou voltar para casa pegava-se uma “metáfora”. A partir disso equipara o ato de relatar com esse movimento dos transportes coletivos, mencionando que poderiam ter esse nome (metáfora), já que todos os dias os relatos atravessam e organizam lugares fazendo deles frases e itinerários, em suma são percursos de espaço. Certeau (1998) considera em sua pesquisa, ações narrativas as quais

permitem pontuar algumas formas das práticas organizadoras de espaço: a bipolaridade “mapa” e o “percurso”. Entre espaço e lugar coloca uma distinção que delimita um campo onde o lugar é a ordem segundo o qual se distribuem os elementos nas relações da coexistência, sendo, portanto, o lugar uma indicação de estabilidade.


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Certeau (1998) categoriza, diz: que o espaço é um cruzamento de móveis; e ainda faz a comparação do espaço estar para o lugar assim como a palavra quando falada. Em reportagem publicada em A tribuna em 1949, de Waldir Menezes,

relata o que era aquele lugar antes de ser Jardim América:

“ Há 3 anos passados, quem, partindo de Vitória atravessasse a ponte “Florentino Avidos”, a seguindo, deixasse a estrada de Vila Velha e transpusesse a ponte sobre o Rio Marinho, teria a oportunidade de ver, à direita e à esquerda, extensa área de terreno baixo, deserto, coberto de vegetação comum a essa natureza de terreno vulgarmente conhecido por brejo”

Cabe insistir que lugar significa mais do que uma localização. Para Norberg-Schulz (2008), naturalmente as direções principais são horizontal e vertical, isto é, da terra e do céu. Então aí, centralização, direção e ritmo são importantes propriedades. Por fim, deve-se mencionar que os elementos naturais (como as montanhas) e os assentamentos podem agrupar-se ou formar feixes, com graus diversos de proximidade. (Figura 71 e 72)


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116 Figura 71: Paisagem. À direita Morro Argolas( Vila Velha). À esquerda morros de Vitória. Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011)

Figura 72: Paisagem natural: À esquerda Morro Argolas( Vila Velha). À esquerda paisagem construída: Torre da igreja que se destaca. Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011)


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2.3 Algumas trajetórias e o sítio

O significado de trajetória no dicionário é: s.f (geom) linha descrita ou percorrida pelo centro de gravidade de um corpo em movimento; Linha descrita por um ponto material em movimento, por um projétil, de seu ponto de partida ao de chegada. (p.ext.) órbita; caminho, trajeto; meio; via. Massey (2008) cita os termos

“Trajetória” e “estória” e

prontamente diz que significam, simplesmente, enfatizar o processo de mudança em um fenômeno. (Figura 73, 74 e 75) Nessa perspectiva Doreen [Massey], explicita que os termos são, assim, temporais em

sua

ênfase,

apesar de

que, ela

defenderia

sua necessária

espacialidade (seu posicionamento a outras trajetórias ou histórias, por exemplo). Segundo a autora, tanto trajetória quanto estória tem outras conotações que ela mesma não adota em seu livro. Diz ainda que trajetória é um termo presente em debates sobre representação que tiveram influências importantes e duradouras nos conceito de espaço e tempo.


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Figura 73: Terreno atual da igreja, ainda vazio. Data: 1954 Fonte: Acervo Padres Passionistas.


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Figura 74: Terreno atual da igreja, com a LBA. Data:1956 Fonte: Acervo Padres Passionistas.

Figura 75: Terreno atual da igreja, com a LBA e igreja ao fundo (ainda sem a torre) .Data: 1958 Fonte: Acervo Padres Passionistas.


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Estória traz consigo conotações de alguma coisa relatada ou de uma história interpretada. Em Jardim América, ao longo da pesquisa, foi citado, por exemplo, sobre a LBA e seus cursos ofertados, de como aquilo era bom. Mas exatamente quando aquilo foi inserido, em qual

circunstância e de maneira mais convincente e comprovado pela fotografia [a base historiográfica da Paróquia Santa Maria Gorette descreve esse processo] viu-se a ligação da edificação com a igreja católica. Obviamente que outras situações objetivamente podem ser aproveitas daquela imagem (Figura 73, 74 e 75), tais como a topografia e a tipologia das casas naquela época. Massey (2008) expõe no livro, “[...] mas eu me refiro, simplesmente, a estória, mudança, movimento, das próprias coisas” (MASSEY, 2008, p. 33). A autora diz se incomodar com as equivalências entre representação e espacialização, e, de associações de espaço com sincronia. Ela está interessada em como poderíamos imaginar espaços para estes tempos, como poderíamos buscar uma imaginação alternativa.


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Henri Jeudy (2006) escreve que a marcação das épocas é uma maneira tradicional de fazer aparecer a ligação entre o tempo e o advento do sentido. Segue dizendo que contudo,”[...] a criação artística e arquitetônica é

estimulada por uma certa desordem dos regimes de historicidade, por efeitos de condensação semântica das épocas.”( JEUDY, 2006, p. 16). Com a história a desempenhar um papel social e político na anamnese [recordação] comunitária, a posição dos arquitetos pode então ser rigorosamente contraditória: uns farão “tabula rasa” (a cidade genérica) mas estes mesmos não escapam à criação implícita de “novas memórias” dos lugares paradoxalmente impulsionados pelo “vazio”, outros tentarão promover uma concepção arquitetônica desobrigada da conservação patrimonial. Jeudy (2006) coloca a questão “[...]Como esse “dever de memória” pode se articular a uma projeção simbólica para o futuro?” .”( JEUDY, 2006, p. 16) Numa retomada a literatura [Sites Matters] de Carol Burns e Andrea Kahn (2005), onde faz a sobreposição de três grupos com a função de focar em uma área teórica. Um adentro no terceiro grupo que Burns e Kahn (2005)

comentam, onde fala da relação entre as técnicas de representação, os métodos de estudo e as estratégicas para abordagem do projeto.


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Burns e Kahn (2005) julgam que o conhecimento do sítio [site] apresentado no livro pode lançar nova luz sobre o passado assim como fornecer estruturas para desenvolvimentos futuros, também aponta para quanto o sítio continua a ser explorado. Os instrumentos da representação permitem desenvolvimentos nas

técnicas de descrição. As ferramentas gráficas informam e são suportes das idéias dos desenhistas. O pensamento é permitido e confinado por formatos [plantas, as seções, os mapas (Figura 76), a fotografia, o vídeo, e os programas usuais], os quais escalam o espaço. Quando um modelo, um desenho, ou um diagrama que inclui a informação fora dos limites do lote (estruturas adjacentes), ou fenômenos temporais (inundações no ano), acrescentam influências situacionais ao site assimilando-o melhor. Por outro lado, omitir tais informações tem efeito contrário. (BURNS e KAHN, 2005) Etienne Samain (1998) diz que

processo de construção do signo

fotográfico implica necessariamente a criação documental de uma realidade concreta. Para o autor, trata-se, entretanto, da realidade da representação que, geralmente, conflita com a realidade material, objetiva, passada. Expõe ainda, que do ponto de vista do receptor, “[...] há um confronto entre o documento presente (originado no passado) com o próprio passado inatingível fisicamente, apenas mentalmente, subjetivamente.”( SAMAIN, 1998, p.46)


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Segundo Samain (1998) seja na elaboração da imagem, quando no momento de sua concepção pelo fotógrafo diante de seu tema, seja durante a trajetória dessa mesma imagem ao longo do tempo e do espaço, quando interpretada e sentida pelos diferentes receptores haverá criação de realidades. Para ele a

mais importante e decisiva contribuição reside

justamente na interpretação, numa iconologia [ estudo de ícones ou de

simbolismo em representação visual] complexa que as imagens requerem. (Figura 77 e 78) E este é um desafio intelectual que exige um conhecimento da realidade do tema registrado na imagem, assim como em relação à realidade que lhe circunscreveu no tempo e no espaço, na tentativa de equacionarmos inúmeros elos perdidos na cadeia de fatos. (SAMAIN, 1998)


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Figura 76: Mapa Ilha de Vitória e arredores. Consta data no documento de Maio de 1968, mas o documento representa região Grande Vitória em 1954. Em destaque, à esquerda, Jardim América. E azul o Rio Marinho.- Notar traçado de poucas ruas, essencialmente existência das ruas da parte baixa. Fonte: Arquivo IJSN-ES/ CARUFES


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Figura 77: Meninas do colégio Passionista em Jardim América. A foto na diagonal pode indicar dimensão da fila e a linearidade correspondente a disciplina diante aquela instituição. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data

Figura 78: Meninos do colégio Passionista em Jardim América. Anteriormente era um internato somente de meninos. A espontaneidade do grupo pode indicar mais liberdade para aqueles meninos. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data


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Para Peter Ribon Monteiro (2008) além da historicidade imbuída no sujeito observante [memória] e a aquela construída no objeto, a identidade do lugar, portanto é construída no próprio ato de percebê-lo. Se junta às relações de figura – fundo (Figura 79 e 80) e de sujeito e objeto, a relação de tempo e espaço onde a temporalidade [fenomelogicamente], é ativada por um sujeito.

Figura 79: Morro de Argolas ao fundo. À direita torre da igreja católica. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data


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Figura 80: Novamente :Morro de Argolas ao fundo. À direita torre da igreja católica. Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data


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Desse modo, Monteiro (2008) também defende que a imagem da cidade não está estruturada apenas nos seus objetos e no que eles representam, mas nessa representação vista e sentida pelos seus vivenciadores.

Falar de uma singularidade urbana, portanto impõem

necessariamente a vivência no espaço, vivência esta que supõe o tempo presente. Pode-se apreender uma cidade e sua imagem através de uma representação, “[...] mas de fato, só pode ser verdadeiramente conhecida

através da presença do corpo, do ser no mundo, sendo este responsável pela criação das novas representações derivadas” (MONTEIRO, 2008, p. 158). A cidade em sua imagem é presente que vai ao passado e ao futuro (Figura 81, 82, 83 e 84), se apresentando em um duplo horizonte.


___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância Figura 81: Título do arquivo: “Saneamento em Jardim América.” [notar ao fundo morro de Argolas] Fonte: Arquivo IJSN.s/ data

Figura 82: Título da matéria de jornal: “Jardim América reclama melhor atenção da PMC” Fonte: Jornal A Tribuna.22 set.1983

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Figura 83: Título da matéria de jornal: “Ninguém agüenta mais os problemas provocados pelo valão” Fonte: Jornal A Gazeta .20 mai.1984

Figura 84 Imagem galeria na Av. América. Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)


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3 ASSOCIAÇÃO SÍTIO , MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO

3.1 Sitio e o inconsciente coletivo

Retomo a Lamarca [o filme] para informar que parte do enredo do filme passa no Rio de Janeiro e questionar: Poderia relacionar o subúrbio e linguagem dos bairros fabris do Rio de Janeiro com lugar usado para rodar o longa? Teria então Jardim América e esses bairros de subúrbio do Rio de

Janeiro uma imagem genérica? (Figura 85 e 86)


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Figura 85: Cena do Filme Lamarca, 1994. Av. Espírito Santo, Jardim AméricaCariacica-ES. Fonte: Imagem retirada http://www.youtube.com/watch? v=F3a_TePgOEE. Acesso: 20/11/2010.

igura 86: Av. Espírito Santo, em um sábado. Jardim América. Segundo plano muro da antiga Cofavi [Atual Belgo Mineira]. Fonte: Arquivo pessoal (Jul.2011).

Lúcia Nagib no livro “O cinema da retomada: depoimento de 90 cineastras dos anos 90” traz relato de Sérgio Rezende, responsável pelo filme. Em trecho, Sérgio Rezende revela:


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“ [...]Homens comuns que tiveram destinos incomuns. Li um livro chamado Lamarca: capitão da guerrilha, de Emiliano José e Oldak Miranda, e resolvi fazer o filme. Chamar de “adaptação literária” é um dos grandes equívocos em relação a esses filmes históricos, no Brasil. Não se pode adaptar nada. Num cinema de ficção tudo é inventado, você tem fatos, mas os fatos não viram cenas. Um livro pode ser excelente, mas não tem uma estrutura narrativa de um filme. Comecei o filme com um pequeno documentário sobre Lamarca, por que percebi que o público em geral não tinha informação sobre ele.[...]” (NAGIB, 2002, p. 381, acesso em 24 de nov. 2011)

O cineasta prossegue admitindo não ver grandes problemas em fazer filmes de ficção baseados em fatos históricos, inclusive diz que na verdade trata-se de uma das principais vertentes do cinema. Para ele o cinema trabalha com aquilo que ficou no inconsciente coletivo das pessoas, um personagem é a representação de um inconsciente coletivo. Escrever um filme é escrever um filme, afirma Sérgio. Seja ele Um sonho não acabou ou a história de Lamarca. Tudo é invenção. Tudo é contar mentiras para falar a verdade. Há fatos

que é preciso respeitar, mas toda construção do

personagem é recriação, conclui.


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Aproveito daquelas questões sobre a proximidade e a distância, em especial a comparação do pintor e operador da câmera no cinema [ e a construção auxiliar do cirurgião e do mago] que Walter Benjamim faz, para mencionar sua conclusão: o operador de câmera intervém profundamente na textura da cidade. A reprodução fotográfica, nesse contexto, realiza essa aproximação, todavia trata-se de uma imagem transportável, que acaba por distanciar o indivíduo numa relação de apego [aproximação] a representação em detrimento ao objeto. As

questões

de

pré-projeto,

incluindo

também

programa,

financiamento e outros fatores estratégicos é o que formam a estrutura de um projeto. Se aprofundando um pouco mais, um local está definido por aqueles que detêm o poder de fazê-lo, sendo assim, segundo Burns e Kahn (2005) certamente todo as outras discussões do sítio seguem dessa certeza estrutural. Compreender o sítio sobre os níveis de teoria e prática ao mesmo tempo é enriquecer a experiência concreta no campo do projeto como um todo. O capítulo 2 de “Sites Matters” mostra o ensaio de Harvey M. Jacobs. Este ensaio procura explicitar de como nós, como proprietários, os vizinhos e as pessoas interessadas referem-se sobre um site, reivindicam-o, dando idéias de mudança.


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O autor começa na história americana, com os debates sobre a propriedade e direitos durante o tempo da Revolução Americana. Jacobs diz ainda que apesar de uma retórica popular que muitas vezes visa simplificar esta história, o que mostra na verdade é que qualquer ambigüidade contemporânea sobre as idéias de propriedade e direitos estão preso à fundação do país.

Conclui que não existe uma fórmula simples, econômico ou legal a que podemos recorrer. Cada comunidade, em cada geração [tempo] decide sobre o ponto de equilíbrio que respeite os direitos do proprietário do site [sítio]. Como os americanos continuam a reinventar o seu conceito de liberdade, as reivindicações sobre o site tornar-se uma das expressões mais óbvias e em constante mudança. Pensando desse modo, hoje poderia ser feito uma melhor estrutura para a galeria na Av. América. Ao invés de lutar contra e esconder as águas trabalhar com elas e torná-las visíveis, parte integrante desse lugar originalmente alagadiço. Estudos como o das águas urbanas do grupo MMBB, é um exemplo, que se desdobrou em um projeto de um urbanismo inundável para o Córrego do Antonico na favela de Paraísopolis, São Paulo. Neste projeto, os espaços de ruas e praças foram desenhados para serem inundados temporariamente de acordo com o volume das chuvas. (Figura 87)


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Figura 87: Canal a céu aberto com intuito de adquirir novo significado e transformar o espaço público. Fonte: LARA, Fernando Luiz. Lápis verde: Anotações sobre arquitetura, arte. Disponível em: <http://www.google.com.br/imgres?imgurl=ht tp://2.bp.blogspot.com>.Acesso em: 08 dez. 2011.


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Pensar os espaços públicos em relação aos ciclos das águas e situação

original

do

terreno

é

condição

fundamental

de

sustentabilidade. O projeto envolveu questões muito mais complexas do que a implantação de soluções técnicas de saneamento. Segundo os planejadores, a estratégica foi articular duas esferas de investigação projetual: o primeiro opera sobre a definição do paradigma da infraestrutura urbana e a segunda na construção de formas do imaginário popular atuantes sobre o uso do espaço. Ao considerarmos que o sítio é depositária de história, como Aldo Rossi propõe, temos nele: construções abandonadas, ocupações,

poluição visual, grafite e pichações, prédio vazios e semi habitados, convertidos a espaços de nostalgia, vestígios do tempo e da relação com as coletividades com o lugar e com a idéia dele. (Figura 88, 89, 90 e 91)

“A cidade é a memória coletiva dos povos; e como a memória esta ligada a fatos e a lugares, a cidade é o “locus” da memória coletiva.” (WIKIPÉDIA, a arquitetura da cidade:

Aldo Rossi, acesso em 25 nov. 2011)


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Figura 88: Pichações e gravites em contruções abandonadas, ruas acesso ao terminal Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012).


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Figura 89 Pichações e vestígios de lama em muro da Av. América Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012).

Figura 90: Poluição visual em muro e falta de calçada na Av. Espírito Santo. Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012).


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Figura 91: Á Dir. quadra do colégio Passionista. Á esq. prédio abandonado onde funcionou LBA e depois arquivo do INSS. Rua Bolívia Fonte: Arquivo pessoal. Editada no programa photoshop (Jul.2011)


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O colombiano Armando Silva (2006), no livro “Imaginários Urbanos”, analisa as problemáticas urbanas da América Latina com aporte teórico e metodológico da antropologia, da psicanálise, da teoria da comunicação, da estética e da história. Armando Silva fala que se pode invocar a cidade como uma construção simbólica, e, assim compreendê-la através de sua imagem carregada de sentido. Peter Monteiro (2008) diz que a percepção se revela, portanto, desse encontro: é subjetiva e objetiva ao mesmo tempo. A percepção se revela sob perfis, sendo construída através de todas as possibilidades, sendo assim de diversos pontos de vista, e, segundo Peter incluindo mesmo aquele que possibilita a ilusão.

Ele se aproxima da cidade, se põe sobre ela, desloca sobe sua rede, vivencia nela, ao mesmo tempo em que intenciona uma nova representação, na inserção dele no tempo e no espaço localiza-se e move-se, e, segundo Monteiro (2008), é através de suas avenidas que suas faces se revelam.

“É uma vivência da consciência, um ato, cujo correlato são qualidades percebidas pela mediação de nosso corpo, é um modo de estarmos no mundo e de nos relacionarmos com a presença das coisas diante nós(...)” (MONTEIRO, 2008, p.156)


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3.2 Proximidade [e distância] de um (a) Urbanista errante


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Figura 92: Desenho de Jardim América e indicações referentes à algumas imagens a seguir. Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.


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A fantasia mental desloca o real em conformidade com a visão de mundo do autor da representação e do observador que a interpreta segundo seu repertório cultural particular, é o que cita Samain (1998). O que é real para uns é pura ficção para outros. Real é o barulho do trem na linha férrea

mal cuidada e os sons do maquinário da siderúrgica. O muro que limita a área marca em extensão a Av. Espírito Santo, mas não tem altura suficiente para encobrir os grandes galpões e algumas máquinas em desuso.(Figura 93, 94 e 95)

Figura 93: O trilho cortando o terreno Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 94: O calçadão que acompanha a avenida Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância Figura 95: A Ferrugem do maquinário Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

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Em O Mundo Codificado, de Flusser (2007, p.128)), temos que a fotografia não é representação do mundo, mas de conceitos: “[...]fotografias são imagens de conceitos, são conceitos transcodificados em cenas”. Nesse contexto o projeto se vale das representações para chegar aos conteúdos implícitos desses cenários, aprofundando a investigação do espaço urbano, através de uma coleção de fragmentos. As fachadas mais antigas se destacam, as datas lembram em uma mistura de estilos ou mesmo em uma adaptação para uso atual. (Figura 96)

Figura 96: fachadas como fragmento. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Suntag (2004) diz que as imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade. As fotos, que brincam com a escala do mundo são também reduzidas, ampliadas, recortadas ou adaptadas. Os grafites, pichações e cartazes estão naquela construção abandonada e naquele muro do terreno baldio. As superfícies como depositárias de inúmeras camadas de informações, instigam a reflexão ante o isolamento e degradação do espaço urbano. (Figura 97, 98 e 99)

Figura 97: Arte no abandono Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 98: Grafite como marca de um passante Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 99: Camadas de informação Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Estamos diante de um lago cujo nome é conhecido dos geógrafos, em meio a altas montanhas, e eis que regressamos a um passado remoto. Sonhamos enquanto nos lembramos. Lembramo- nos enquanto sonhamos. Nossas lembranças nos devolvem um rio singelo que reflete um céu apoiado nas colinas. Mas a colina recresce, a enseada do rio se alarga. O pequeno faz-se grande. O mundo do devaneio da infância é grande, maior que o mundo oferecido ao devaneio de hoje (BACHELARD, 1996, p. 96). (Figura 100, 101, e 102)

Figura 100 : Morro de Argolas próximo do terraço da dona Altair Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 102 :Se aproximando o Morro de Argolas se esconde sob a Segunda Ponte. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 101: Morro de Argolas espia a fenda na rua Paraguai. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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É preciso que se utilize o lugar para comprendê-lo, vivenciadores como atores da cidade [que é ao mesmo tempo cenário e cena] percebendo e sendo percebido continuamente, dessa relação de

construindo e reconstruindo a própria paisagem. As imagens ambientais nesse sentido, sendo figura sobre o fundo. (Figura 103, 104 e 105)

Figura 103 : A placa indica Jardim América . O morro confirma o lugar. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 104: Galpões antigos realçam na rua estreita e reconstrói aquela paisagem. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 105: O pavilhão D da siderúrgica espia, por detrás do muro, a Av. Espírito Santo. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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A representação fotográfica, em meio a uma série de outros objetos simbólicos, que para os outros podem não ter nenhum significado, constituise, pois, no ponto de partida. A Torre da igreja católica pode ser vista de vários pontos de Jardim América. A realidade assim como a ficção tem múltiplas facetas e infinitas imagens. (Figura 106, 107 e 108)

Figura 107 : Por detrás da escola. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 106 : Do local ocupado pela trajetória. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 108 : Do parquinho abandonado. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Não são histórias enterradas que estão em questões aqui, mas história ainda sendo feitas, agora. Como as escolas: Pautila Rodrigues Xavier que pouco foi falado, mas está edificado e em funcionamento; Cerqueira Lima de tantos alunos ainda pulsa no centro do bairro ou mesmo a extinta LBA e sua arquitetura abandonada, é saudade de várias pessoas. (Figura 109, 110 e 111)

Figura 109 : Está ali mas foge da memória. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 111 : Extinto, mas vivo na lembrança. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 110 : Vivo em mão dupla. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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As descrições oscilaram em termos de uma alternativa: ver ou ir. Ou organizou movimentos “você entra”, “você atravessa”, “você retorna” assim andando e ao atravessar a rua Chile inusitadamente tem o “trânsito local”. O que seria o transito local? Seria o “ali você não entra”. Poderia ser alerta para fragilidade da estrutura viária sobre a galeria pluvial. (Figura 112 e 103)

Figura 112 : Distante: um pequeno obstáculo. Fonte: Arquivo Pessoal (Jan.2012)

Figura 113 : Próximo: sinalização de maneira improvisada. Fonte: Arquivo Pessoal (Jan.2012)


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Quando se sugere revalorizar a experiência urbana é a reconquista dos lugares que se torna a linha do horizonte. Essa experiência urbana tem uma dimensão pública, não por que os lugares são definidos como público, mas por que ele cria as condições para uma experiência pública. Foi flagrado a escola de samba nas proximidades do carnaval usa a rua como extensão da produção dos carros alegóricos. Todo sábado a feira ocupa a Av. Brasil e traz um fluxo grande de pessoas. A construção, hoje supermercado, ocupou o que antigamente era rua Uruguai. (Figura 114, 115 e 116) Figura 115 : A feira semanal na Av. Brasil. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 114 : Escola de samba no uso publico Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012) Figura 116 : O supermercado que usa a [o que foi] rua. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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A ponte se faz presente na fronteira do bairro. Sobre a segunda ponte passam automóveis toda movimentação rumo à Vitória. Sob ela passa a linha férrea, o Rio Marinho e outras pontes. Marca essa relação entre os lugares naturais e os lugares feitos pelo homem. (Figura 117, 118 e 119)

Figura 117 : Linha férrea sob a ponte Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 119: A ponte sob a ponte Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 118: O rio mal cuidado Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Toda fotografia que apreciamos se refere ao passado. Mesmo as que tiramos, ou as que tiraram de nós, no último fim de semana. Falar em passado, pode dizer que o momento vivido e irreversível e que as situações, sensações e emoções que vivemos estão registradas no nosso íntimo sob a forma de impressões. Pode casa de aparência mais antiga tem impressão de enraizamento, de permanência. Pode , por sua vez, a cobertura de proteção de trem da Estação Pedro Nolasco ter a impressão de movimento. (Figura 120 e 121)

Figura 121 : Movimento: Estação Pedro Nolasco. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Figura 120 : Edificado: Primeiras casas no bairro. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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Senti, através dessa experiência da errância, as diferentes simultâneas realidades que a fotografia comporta. A fotografia é uma rica fonte de informações para a reconstituição do passado, tanto quanto uma matéria para a construção de ficções. Direcionada a investigação histórica ou à simples recordação pessoal. Com a proximidade da lente fotográfica: lembrança dos gradis ornamentados, o mosaico no chão ou azulejos na escada-calçada. (Figura 122, 123 e 124)

Figura 122 : Trajetórias entrelaçadas de resultados imprevisíveis: repetição dos gradis em algumas fachadas Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

Figura 123 : Mosaico na varanda. Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)


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163 Figura 124 : Lugar: “Cuida de mim, tenho vida igual a você.” Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)

“[...]Cultura é a memória, ter registro histórico do bairro...eu torço por isso e sabe, tenho orgulho de falar que sou de Jardim América, pois é diferente de falar ser de Cariacica..não sei se você me entende mas tem peso.” (SIDIRLENE R.)


Consideraçþes finais


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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conflitos de Lamarca não constam em lugar nenhum. O que eles falaram os fizeram é território da imaginação, diz Sérgio Rezende em livro de Lúcia Nagib. Lamarca foi filmado em Ibotirama, na Bahia, perto da região onde ele realmente esteve. A parte urbana foi feita em Vitória. Mesmo o Vale do Ribeira foi feito no Espírito Santo, no município de Serra. “[...]Começamos a gravar Lamarca em agosto de 1993 e tínhamos uma cópia no início de 1994[...]” (Sergio Rezende) No que diz respeito

proposta de Halbwachs, dedicada à memória

coletiva, vejo o denominado memória tem sempre um caráter social, pois qualquer lembrança, embora muito pessoal, existe em relação a um conjunto

de noções que nos dominam mais que outras, com pessoas, grupos, lugares, datas ou palavras. Inclusive com raciocínios e idéias, ou seja, com toda a vida material e moral das sociedades. Isso se conserva no meio material que nos cerca.


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Seja a igreja que freqüenta, a siderúrgica que poluía [ou ainda polui], a escola que é antiga, os galpões abandonados, partes altas e baixas, morros, as pontes bem perto que fazem conexão, a BR que permeia, o valão da Avenida, enfim, implantadas em grandes dimensões, as cidades são construções nos espaços que, no decorrer dos tempos [trajetórias], são conhecidas e registradas na memória e na história social. Numa cidade são incontáveis as sensações vividas e todas dependentes dos espaços urbanos. Jardim América [sítio físico] começou antes mesmo da construção das casas populares, pelo traçado de suas ruas e, possivelmente essa forte memória justifique domínio dos moradores com o nome das ruas. Lembro

aqui da memória coletiva que se distingue da história pela corrente de pensamento contínuo que não se apega no passado simplesmente, mas do que ainda está vivo e vive na mente desse grupo. Substancialmente a população tem preocupação com dias de chuva forte nessa baixada e a falta de cuidado com aquele espaço. Contudo há afetividade com o espaço, o qual gera a identidade social através de construções [de significados] associadas a este lugar. Ali o sujeito ao se apropriar deste espaço se identifica com ele criando um processo de construção do lugar.


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A experiência corporal, como diz Paola Berenstein, não pode ser reduzida a um simples espetáculo, a uma simples imagem. A cidade deixa de ser um simples cenário no momento em que ela é vivida e experimentada. Ela, a partir do momento em que é praticada, ganha corpo, para o errante urbano, sua relação com a cidade seria da ordem da incorporação. Seria precisamente desta relação entre o corpo do cidadão e deste outro corpo urbano que poderia surgir uma forma de aproximação da cidade. Na breve análise das ruas usando a teoria Sintaxe Espacial, em especial a mensuração da Conectividade, desdobrou análises relevantes como importância da Rua Chile, mesmo sendo uma rua essencialmente residencial, visto com a sobreposição do mapa de usos do solo. As vias com

boa conectividade nessa hierarquia também se configuram entre as mais citadas, tanto em documentos históricos quanto nos relatos. Todavia seria pertinente a mensuração da Integração Global [outro tipo mensuração na Sintaxe Espacial] e maior aprofundamento no estudo dessa Teoria, pois a relação desses dois tipos de mensuração oferece particularidades, perspectiva para um sistema urbano percebido em longa escala do espaço, trabalhando junto o ponto de vista local e global. [podendo dizer próximo e distante]


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As fotografias fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar e que parece comprovado quando nos mostram uma foto. Ela pode distorcer, mas sempre existe o pressuposto de que algo existe, ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem. Quaisquer que sejam as limitações (por amadorismo) ou as pretenções do fotógrafo, a imagem

tornou-se

aqui

um

dos

principais

expedientes

para

experimentar Jardim América. Tudo é um evento: algo digno de se ver e, portanto digno de se fotografar. Questões da cidade e da sua representação são presentes como investigação no curso de Arquitetura e Urbanismo, onde o exercício da documentação

e

do

olhar

para

o

urbano

são

instrumentos

estruturadores para as intervenções arquitetônicas. Nesse trabalho esse exercício de colecionar, selecionar e relacionar o imaginário urbano veio encontrar terreno para aproximações e desdobramentos no sítio, onde se ampliou na área da fotografia.



ReferĂŞncias


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5 REFERÊNCIAS

171

BIBLIOGRAFIA BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1996. BEZERRA, Omyr Leal. Cariacica: Resumo Histórico. 2. ed. Vitoria: Ipedoc, 2009. BOSI, Eclea. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BURNS, Carol J.; KAHN, Andrea. Sites Matters: Design Concepts, Histories, and strategies. New York And London: ________, 2005 CAMPO, Martha. Vazios Operativos da Cidade: Territórios interurbanos na Grande Vitória (ES). São Paulo:2004. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. ESTEVES JúNIOR, Milton. Psicogeografia e situlogia: Premissas e alternativas experimentais. In: RIO, Vicente Del; DUARTE, Cristiane Rose; RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Projeto do lugar: Colaboração entre Psicologia, Arquitetura e Urbanismo . _: Contra Capa, 2002. p. 321-328. FARIA, Leila Penha Oliveira. Jardim América: Uma comunidade a procura de melhorias. Trabalho de Graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1988.


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FLUSSER, Vilém. O mundo codoficado: Por uma filosofia de design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes: a arte de se perder. In: JACQUES, Paola Berenstein; JEUDY, Henri Pierre. Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: Edufba, 2006. p.117-139. JEUDY, Henri P. Reparar : Uma nova ideologia cultural e política? In: JACQUES, Paola Berenstein; JEUDY, Henri Pierre. Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: Edufba, 2006. p. 13-23. MAROT, Sébastien. Suburbanismo e a arte da memória. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: Uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Ltda, 2008. MOGIN, Olivier. A condição Urbana: a cidade na era da globalização. São Paulo: Estação da Liberdade, 2009. MONTEIRO, Peter Ribon. Vitória: Cidade e presépio: os vazios visiveis da capital capixaba. São Paulo: Annablume Fapesp; Vitória: Facitec, 2008.


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NORBERG-SCHULZ, Christian. Reparar : O fenômeno do lugar In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 443-461. OLIVEIRA, Luzia Pereira de; SFALSINI, Sirlei Lúcia Soprani. Um novo olhar sobre cariacica: Paisagens, história, cultura, arte e turismo. Vitoria: Bios, 2006. SAMAIN, Etienne. O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos e memória em terras de história: Problemáticas atuais. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível.. Campinas: da Unicamp, 2001. p. 37-58. SILVA, Álvaro José. Clubes de futebol: Esporte e Memória. Vitória: Secretaria de Esportes, 1996. SILVA, Álvaro José; RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo: A trajetória de um setor. Vitória: Gráfica Túlio Samorini, 2004. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004.

SILVA, Armando. Imaginarios Urbanos. 5. ed. Bogotá: Arango Editores, 2006. VELHO, Gilberto; KUSCH, Karina. Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003


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FONTES PESQUISADAS •Arquivo Público Estadual •Centro de Memória da Estrada de Ferro Vitória a MinasMuseu Vale •Colégio Passionista - Jardim América •Desportiva Ferroviária – Jardim América •Biblioteca Central UFES – Sessão especiais •Biblioteca Setorial- Centro de Artes •Biblioteca Pública Estadual •Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) •Prefeitura de CariacicaSecretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano •Secretaria da Paróquia Santa Maria Gorette - Jardim América INFORMAÇÕES E RELATOS ORAIS •Altair Tagarro Leal [88 anos, Moradora ] •Augusto Gome [Rede Cidadã em Jardim América ] •Cesar Viola [Neto do fundador do bairro, Hugo Viola ] •Sidirlene Ramos [ex-moradora e ex- liderança comunitária ] •Darci Pereira Pinto [Comerciante e morador ] •Gabriel Ramos [ex- morador] •Lolita Rossi [Comerciante e moradora] •Overlino Melina [ morador e ex- comerciante] •Pe Eraldo Furtado de Oliveira [diretor colégio Passionista] •Regina Gomes Soares [secretária da Paróquia] •Terezinha de Jesus Lyra Poltronieri [ moradora]


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NORBERG-SCHULZ, Christian. Reparar : O fenômeno do lugar In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 443-461. OLIVEIRA, Luzia Pereira de; SFALSINI, Sirlei Lúcia Soprani. Um novo olhar sobre cariacica: Paisagens, história, cultura, arte e turismo. Vitoria: Bios, 2006. SAMAIN, Etienne. O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos e memória em terras de história: Problemáticas atuais. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível.. Campinas: da Unicamp, 2001. p. 37-58. SILVA, Álvaro José. Clubes de futebol: Esporte e Memória. Vitória: Secretaria de Esportes, 1996. SILVA, Álvaro José; RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo: A trajetória de um setor. Vitória: Gráfica Túlio Samorini, 2004. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004.

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PERIÓDICOS •AG, Arquivo. Gazeta nos bairros Jardim América: saudades do cinema. A Gazeta, Vitória, p. 54-54. 28 out. 2005. •AG, Arquivo; MESQUITA NETO,. Urbanização: Do sonho à realidade. A Gazeta, Vitória, 21 set. 2003 •JORNAL A TRIBUNA: Da antiga fazenda Paul a Jardim América. Vitória Es, 29 ago. 2003 •MENEZES, Waldir. Jardim América: Um milagre residencial para Vitória. A Tribuna, Vitória, p. ____-____. 24 abr. 1949. TEXTOS •Espaços, corpos e cotidiano: Uma exploração teórica (Byrt Wammack) •SOBRE VENTURI, SCOTT BROWN & ASSOCIATES: QUADROS VIVOS(Stanislaus von Moos) •WALTER BENJAMIN, , Paris. Segunda versão do texto, iniciada por Walter Benjamin em 1936 e publicada em 1955: A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA. ___________: Pièces Sur L‟art., ___________. 103/104 p



ApĂŞndice


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Relatos orais: 1) Sr Orvelino Melina, 84 anos “Moro desde 1960, naquela época não tinha nem calçamento, somente na Rua Paraguai. Quando chovia descia aquele barro vermelho, era terrível. Jardim América quase não tinha casa nenhuma, era na parte baixa o começo e algumas poucas na parte de cima. O resto era tudo mato. Inclusive eu morei ali em cima, perto do colégio Passionista, mas nem tinha ele depois que começou. O colégio no início tinha convênio com o outro colégio Afonso Schwab, depois eles separaram e foi “láaa..." pra aquele canto. Minhas duas filhas estudaram lá, no Passionista. A obra social (LBA) foi construído do lado tinha diversos cursos...tudo quanto é profissão você aprendia ali, hoje ta lá abandonado estragando tudo. Tinha curso de manicure, padeiro, carpinteiro, doces e salgados..tinha muito curso mas acabou tudo, era muito bom. Hoje ali é federal e tem uma parte que eles arquivo morto do INSS. Parece que eles estavam querendo pegar pra fazer uma creche, não sei se conseguiram. Foi construído na época do governador Francisco Lacerda de Aguiar(..o Chiquinho), eu acho que foi mais ou menos do ano de 1965, han tem uma quadra de esporte lá atrás muito boa, os meninos jogavam vôlei ali. Agora aquele madeira toda deve estar estragando..antes tudo era de madeira..as janelas. A igreja de Jardim América não é no lugar onde é agora não, era na rua Venezuela...eram quatro lotes. (silêncio). Lá em cima na obra social uma vez levaram meninos de rua pra lá, mas começaram a roubar..isso foi na mesma época em que padres também ficaram um tempo ocupando o prédio da obra social..por que lá era seminário..formar seminaristas . Naquela época Jardim América era o centro de Cariacica...Vasco da Gama não existia, Bela Aurora também não, Itaquari também não. (silêncio) Eu tinha mercearia lá e todo mundo ia pra lá...Vera Cruz


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Também não existia e por isso minha mercearia tinha muito movimento. Tive comércio de 1960-1984 e depois disso aposentei. Só que em 1970 minha mercearia pegou fogo, perdi tudo!! O ladrão entrou acendeu vela e deixou lá e tudo pegou fogo. Fiquei pulando de ponto em ponto depois Viola me cedeu um ponto e comecei a vida novamente ali, na rua Paraguai. Depois de frente tinha um lote e vendi o telefone, porque naquela época telefone valia muito dinheiro e juntei de uma herança e comprei o lote da frente. Depois pra construir vendi minha casa lá de cima e construi ali. . Jardim América no começo as primeiras ruas foram a Canadá e a México..não tinha mais rua nenhuma nem calçamento..chovia era uma tristeza...todo aquele barro entrava dentro das casas...todo vez que chovia...as casas eram mais baixa e a rua uma pouco mais alta ai já viu. Ali era tudo mangue..então qualquer chuva fazia isso. Hoje ta diferente..chove enche um pouco e logo baixa a água. A Ferro e aço tinha uma chaminé de tijolo era pequeno..agora tomou até a parte do outro lado. Aquilo lá já passou por uma porção de dono...agora é Arcelor Mittal. Na minha casa a fumaça de lá não incomodava...o vento norte não jogava lá pra casa só em Bela Aurora... O valão da Av. América foi um erro...muito mal feita...quando era aberta era melhor. Fizeram uma galeria mas começou a entupir e fizeram aqueles buracos que estão até hoje lá. Já vi carro ali dentro do buraco...a chuva tapou e caiu ali..muito mal feito aquilo...quando chove Itaquari e Alto laje que é tudo Morro vi água tudo pra Jardim América que é mais baixo... Han ali onde é o Banestes era uma rua..onde é o EPA era a rua Uruguai que hoje nem existe mais...era aberto e era bom...agora ta muito fechado..nossa saia lá no asfalto..era uma beleza...tinha até valão...ai fecharam e tamparam o valão...antiga rua Uruguai..ai você vê hoje ninguém mais sabe que existiu.


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Hoje o comércio interno é todo ali...tem coisa boa..padaria boa..ficou com ali tudo junto. Na Rua do Extrabom era fraco o comércio..hoje tá bom..muito forte. Antes só em Jardim América tinha banco..Banestes foi o primeiro..depois veio Banco do Brasil...Bradesco...a Telemar já fica em Itaquari...porque do asfalto pra lá já pertence em Itaquari. Todas as ruas de Jardim América estão asfaltadas..enfim ta tudo bom, acabou aquela lama. Lá do outro lado tinha o cinema Hollywood..lá em baixo também na antiga rua Columbia..o cinema era do “Careta”.....ai o cinema diminui e acabou.....A prefeitura não olha muito por estreitas de acesso...os ônibus só não passam nos dias de sábado por causa da feira...a feira na Av. Brasil. A feira até passou pra outras ruas: Rua Chile e América mas não deu certo e voltou pra Av. Brasil. A igreja católica em 1958 mais ou menos , eu ainda estava em Vitória, eles estavam construindo e veio uma chuva e vento muito forte e derrubou tudo...e tiveram que construir tudo outra vez....eu fui da comunidade ali por 40 anos..os padres me deram liberdade trabalho e fazia tudo..ficava responsável pelas reformas que tinha que fazer...por muita coisa...passava pela minha mão...eu parei com tudo depois que tive o glaucoma...os médicos não descobriam um tratamento adequado...mas há muito tempo faço o tratamento..tento...desde que morava em Afonso Cláudio..mas meu nervo ótico foi ficando enfraquecido...(silêncio)...fui até para Belo Horizonte mas não conseguiram um tratamento...naquela época não existia quase ninguém que sabia esse tratamento... ..eu tinha fotos da minha mercearia na época que pegou fogo..meu amigo fotógrafo na época José Falcão tirou..mas pegaram pra expor no colégio Integração e nunca mais me devolveram..nem me deram satisfação. Eu ganhei um título de cidadão Cariaciquense...tem mais gente que conhece sobre Jardim América..mas é isso que eu lembro..o José Oswaldo Zucoloto também sabe...o que você precisar..espero ter contribuído um pouco.


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2) Gabriel Ramos, morou por 15 anos Todo ano , acho que dezembro, acontece encontro de moradores e ex moradores..engraçado que hoje eu vejo o lugar com outros olhos...as construções antigas.. Hoje eu moro na Praia da Costa mas não tenho afetividade por lá como eu tenho por Jardim América..lá eu morei em dois lugares..uma casa foi meio que um período de transição até minha casa ficar pronta..mas foi até bastante tempo..uns 2 anos. Mas aqui era tudo paralepípedo..nem dá pra acreditar que tudo isso tá asfaltado... Meus pais são pessoas legais pra você conversar..moraram muito tempo..acho até que eles se conheceram, acho que desde os 14 anos de idade dele... Lá..minha vó era muito da igreja..seria uma boa pessoa pra conversar Tb..ela foi bem antiga, todo mundo conhecia foi um baque muito forte ela sair de lá.. Eu ia muito pra rua brincar, com algumas limitações..fora a praça não tinha outro lugar certo pra brincar..era um pouco perigoso...uma vez roubaram o carro do meu pai..pularam o muro..outra vez entraram na casa com minha vó..foram algumas dessas coisas que motivaram a nossa saída de lá...minhas tias e meus padrinhos também moram lá..por aqui (mostra no mapa...estava com mapa em mãos)..eu estudei no colégio integração...na verdade nem era integração o nome (aponta no mapa o local)...na época com 11 e 12 anos eu tava bem ligado no futebol..ia jogar da desportiva..acho que em 1997..desportiva tava perto de ir pra primeira divisão..as pessoas fechavam as ruas...tem um tio meu que tem uma loja bem próxima da BR é legal essa visão do comércio também...o pessoal da comunidade católica pode fornecer muita coisa interessante também...


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3) Augusto Gomes, Rede cidadã Minha história com Jardim América é desde muito pequeno..eu vinha todo mês receber aqui no Banestes..só aqui tinha banco. Eu lembro de uma passagem muito legal..era véspera de natal e minha mãe vinha comprar meu presente de natal..na loja aqui na rua México..lembro muito quando tinha 5 anos em 1982...e eu sei que passa o tempo e as pessoas não abandonam..o comércio é focado aqui pro bairro não é como Campo Grande por exemplo, de grandes lojas de marcas famosas. Aqui é por exemplo comércio da “dona Maria” que usa o caderninho e vende fiado..acho o comércio muito familiar...a própria padaria daqui é de irmãos..o ambiente é muito familiar..já o comércio da BR é diferente La perto da praça Hugo viola já tem o comércio grande..com os galpões...tinha até a faculdade lá..e assim pra mim falta aqui infraestrutura nas ruas..choveu aqui acabou!...lá naquele valão na rua América ali enche... aqui na rua Espírito Santo já teve tempo de esperar a água baixar pra ir embora...aconteceu de ficar 40 minutos pra atravessar a rua por que fui almoçar e quando voltei estava cheio..estou aqui desde 2008...a gente ficava na desportiva ai estamos aqui desde 2009....aqui é bem servido de serviços...tem restaurantes aqui... Agora lá em cima na parte alta do bairro tem gente com dinheiro..não passa ônibus mas quem mora lá tem seu meio de transporte..só tem o São Conrado (a linha de ônibus) que passa de hora em hora mas pra quem mora ali acho que não é problema...é um lugar bem legal...tenho uma conhecida que mora aqui há um tempo bom...de frente pra BR..é bom falar com ela...na feira de negócios de Cariacica tinha um jornal dali que comentava sobre a história do bairro seria interessante isso também.


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4) Darci Pereira Pinto, comerciante, barbeiro há 50 anos ali, 72 anos Pra começar logo que cheguei aqui em Jardim América foi uma data marcante..um marco: houve um desastre aéreo onde morreram 39 pessoas e sobreviveram 39..foi lá na região de Laranjeiras... Serra mas havia muita gente daqui envolvida. Isso foi em 9 maio de 1962. ..aqui minha filha tinha uma lagoa lá em cima..aqui mesmo na rua espírito santo tinha uma vala..e no fim ali onde tem o bar do Pazzolini tinha lagoa. Na época o prefeito tirou foto daqui quando eles estavam melhorando essa via..eu tava perto dele ali..ali em cima tinha um taboal..aquele mato que fazia de espuma do colchão, sabe qual é?!...tinha uma plantação disso aqui pra cima...aqui também teve o primeiro conjunto habitacional da AMÉRICA LATINA. E a casa mais antiga daqui é do fundador...aquela grande de esquina..manteve o mesmo formato...e hj tem um tratado pra aquela casa não poder ser modificada..pode vender mas quem comprar não pode modificar.. A igreja mais antiga é a Batista..mas antiga até mesmo que a católica..antes a igreja católica era na rua Venezuela depois que foi lá pra cima....poucas ruas foram modificadas, digo mudaram de nome....agora eu tenho em mente em me candidatar pra vereador por que Jardim América está abandonado..queria fazer mais por esse lugar que é portal de vitória..mas não queria me basear somente no meu gostar daqui eu gostaria de investir e argumentar baseado em dados técnicos...por exemplo penso numa urbanização da a Av. América mas não só paliativo pra ficar bonito mas pra resolver essa situação que enche nas chuvas. Penso também na rua Bolívia- rua da biquinhapoderia aterrar pra fazer conjuntos habitacionais..bem bacana,


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bem estruturado inclusive pra suportar o escoamento das águas..por que as coisas que fizeram aqui sempre foi em benefício da política, não consultavam o que realmente o que a população queria..só tiraram os nossos bens..como o INSS, Coletoria Estadual, Banco Nacional, cartório, correios..ficou quase 40 anos sem correio aqui...por questões políticas eles levaram tudo pra Campo Grande..a população sofreu com esses perdas..com essas falta de investimento...lá em cima perto da Biquinha é uma área mais isolada..perigosa..poderiam olhar mais por nós....tiraram a LBA também...meu irmão mesmo fez radiotécnica lá e hoje está tranquilo , teve emprego..tiraram isso da gente sabe. Houve sempre um represália com relação aos políticos de Cariacica com relação aos Viola. Não queriam deixar eles cresceram..e a população acabou sofrendo com isso...eles são pessoas que no que precisarem eles estão pra ajudar..a política de Cariacica muitas vezes deixou de lado Jardim América..hoje menos..mas durante a história sofremos por isso. Sabemos quem um valão na BR 262 que cabe um caminhão de tão grande...vimos na época que eles estavam em obras reestruturando a via e que ela está a não mais de 150 metros do valão da Av. América..mas ai pergunto: por que não fazem nada?..por que não investem nessa obra de infraestrutura para acabar com esse monte de água...pois desce água de Itaquari, alto laje..e cai aqui nesse valão de Jardim América, pois é mais baixo..aqui é mais baixo..mas pra argumentar com mais autoridade eu ia investir numa comissão técnica... Mesmo se for dinheiro do meu próprio bolso.. Aqui é tão baixo que aquelas casas do conjunto habitacional eu lembro que tinha uma escada de acesso, tinha uma varanda..ficava mais ou menos 1,5 acima da rua..hoje se você ver tem casa mais baixa que a rua..tudo aterro durante os anos..aquele casa dos viola na esquina era bem alta muito alta...hoje só está há 60 cm da rua no máximo.. Mas todo esse abandono dói na gente sabe...a Rua América por exemplo pertence aos 3 poderes: federal, estadual e municipal...porque ela é fortemente impactada por tudo que acontece na BR...esses 3 poderes deveriam estar em harmonia..mas não.


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5) Terezinha de Jesus Lyra Poltronieri, 58 anos, professora( há 35 anos moradora) Em 1976 foi quando viemos pra cá...eu morava em Bandeirantes..lá não era nada. Quando casei vim..meu esposo sempre quis vir pra cá pois ele tinha se formado em engenharia e o sonho dele era trabalhar na Ferro e Aço. Ai você percebe..estamos no “quintal” da empresa..na verdade eu queria ir para vila velha, mas ele achava mais perto pelo serviço. Eu sei que aqui tudo é muito perto, você vai para Vitória em pouco tempo.. Menina cheguei até participar de movimento comunitário..sinto que as pessoas conhecidas foram embora...aqui na minha rua mesmo a maioria das casas estão alugadas, acho que perdeu o convívio social. Meus filhos até chegaram a freqüentar a pracinha, hoje, não tenho mais coragem de levar minhas netas pra lá.. Em 1971 eu ia para encontro de jovens no Vale da Esperança, eu ainda namorava com Dante, meu esposo..época da ditadura..você sabe era tudo vigiado, não podia ter esses grupos formados, mas ia para estar perto do Dante, era inocente nessas coisas de ditadura..ele que comentava por que estudava na UFES mas a gente do grupo estava por fora, não tinha por aqui nem televisão nem energia.....pois é mas eu morava lá no casarão, onde hoje é bandeirantes, mas que na época era conhecido como rio marinho..inclusive eu nadava no rio..é inacreditável ver a situação que está hoje.. Agora Jardim América já foi considerado área nobre, tinha um comércio bom, muitas lojas..depois tudo foi se fechando..a violência está grande, principalmente na rua da biquinha. Na igreja mesmo eu só vou de carro agora. Até os Violas, os fundadores do bairro, não moram mais aqui...eles tem casa vem ver, vem de vez em quando..mas não moram. Parece que de uns 2 anos pra cá tem melhorado o comércio.


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Eu estudei no Cerqueira Lima- fiz primário, depois fui para onde é o Passionista, na época não era Passionista, era GEJA (Ginásio Estadual de Jardim América), onde fiz os dois últimos anos de magistério...tinha prova e tudo pra entrar..igual escola técnica. Você sabe que acho a vinda do terminal ruim..vem muita gente estranha, ficou acessível demais. Agora uma coisa legal de se falar é a Associação amor e vida. Ela começou pois víamos muitas crianças aqui na rua, não crianças abandonas..crianças com família. Com a associação as crianças que estavam nas ruas voltaram para a escola, até por que hoje estão mais em cima quanto essa evasão escolar. O projeto é mantido pelo FIA (financiamento infância e adolescência) e existe aqui há mais de 10 anos. ..nossa tinha tanta coisa aqui que se foi, por exemplo, cheguei a levar meus filhos na clinica da ferro e aço. Lá atendiam os funcionários e beneficiados da empresa..era aqui pertinho e tinha tudo:dentista, pediatra etc... Em 1989/1990 a Cia fechou , privatizou..o bairro foi abandonado junto. Apesar que lá em cima é um lugar melhor, as casas são melhores, as pessoas cuidam melhor das suas casas..lá em cima tem o chamado “Casa de acolhida”, onde era o colégio CEIF. Lá recebem crianças e adolescente que por alguma razão foram abusadas..os moradores não queriam..quem quer esses problemas sociais por perto..é triste. Hoje o movimento comunitário está parado..que é o presidente é o dono do bar ali da esquina..uma pena pois antigamente era muito forte mas as pessoas foram embora...lembro que fazíamos festa na praça com o movimento comunitário...era ótimo. Agora eu te falo, já passei sufoco com água entrando na minha casa...de início morava na rua Canadá mas um dia logo que mudei veio uma chuva forte e vi a água invadindo minha casa..nossa era tudo novinho, sabe?!


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Recém casada..estava com meu filho pequeno que desespero..e eu não tinha telefone naquela época..ainda bem que minha cunhadas vieram me ajudar..pra você ter noção da água eu vi o bujão de gás boiando lá de casa...depois não passou muito tempo e teve outra chuva, aí não agüentei e coloquei minha coisas em cima do caminhão do meu pai e disse com Dante que ali não ficaria mais..ai mudamos para uma rua acima da rua Paraguai mas a rua estava desmoronando..depois viemos para cá. Aqui ouço o barulho da Arcelor Mittal pois é colado, você nota...tem essa mata da empresa..essa cortina verde que na verdade pouco adianta para a poeira...mas vira e mexe vem macaquinhos da mata e passam pelo muro.. 6) Lolita Rossi, 68 anos, ( há 36 anos moradora) Posso começar falando da atual situação do bairro?!..Bem deixa muito a desejar..ai você olha ai a rua [Dona Lolita tem um circuito de TV que registra o movimento da rua –Espírito Santo- em frente da casa dela)..muita sujeira.o que você vê é lixo, buraco..uma rua larga dessas.. Acho que o bairro precisa de conhecimento público...Ali na subida igreja tinha o LBA, tinha tudo, cursos..antigamente era datilografia né..manicure, costura..agora o prédio está li abandonado, ponto de droga..pessoal estranho sai da Rua da Biquinha e vai ali..poderia aproveitar para tudo: creche, escola... O valão é um problema...quando chove aquele barro lá de cima desce e o valão não suporta.. Estou aqui há 36 anos e lembro que aqui era mais social, mais família...


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Ai um bairro bem localizado, em 5 minutos estamos na rodoviária...dá acesso à Campo Grande, Vila Velha e Vitória...Também sei daqueles galpões de café perto ali da Desportiva, há tempo também abandonados...quando cheguei aqui as lojas eram poucas...eu gosto muito daqui, gosto mesmo não penso em sair daqui, o que incomoda ainda é o valão..ali na rua Chile é horrivel: sem limpeza, sem drenagem... Interessante é o que minha sogra-dona Teresa- contava..dizia que tudo isso era água..quando foi ganhar meu marido na Pro Matre ela saiu do rio marinho e percorreu tudo isso de barco até lá...isso em 4 de novembro de 1942. Gosto mesmo é da comunidade, a paróquia é um dos fortes motivos de não querer sair daqui...inclusive sei do começo..a igreja não era lá em cima..era na nossa casa, é nossa..lá na rua Venezuela..casa de Pedra...a gente tinha fotos...

7) Cesar Viola, 53 anos, Neto do fundador do bairro Hugo Viola

Mas me diga no que eu posso ajudar?!...Do que trata seu trabalho?...Bem se sua tese se baseia nos depoimentos, ninguém melhor que eu para te dar informações sobre Jardim América e sabe por quê? Por que tenho provas ...inclusive tenho cartas e agradecimentos de pessoas...meu avô tinha muito respeito e credibilidade (Cesar nesse momento foi retirando os documentos que havia separado para mostrar)..minha mãe não se cansava de colher depoimentos..olha estes escritos atrás de panfletos...qualquer papel uma forma de comprovar a postura de meu avô, como as pessoas o via..olha esse de Carlos Lindemberg( papel timbrado a rede gazeta e escrito com letras cursivas do próprio Carlos Lindemberg)...olha vou te falar que Carlos Lindemberg não atendia qualquer um não...ele estava ainda na A Gazeta...meu avô ficava lá até os jornais serem impressos cedo..a amizade deles era grande.


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Olha esse depoimento de Solon Borges...tem esse esboço biográfico que começamos a fazer...há tempo temos a pretensão de fazer um livro..temos esses documentos. Han tudo começa em 1920 ele veio da Itália mas se naturalizou brasileiro..na verdade ele nem gostava que dissessem que era italiano...ele só voltou pra Itália pra casar..veio casado claro! Não era de bom tom ele com objetivos grandes aqui ser solteiro..trabalhou como marceneiro na Oficina em Vitória...ele fez moveis pra muita gente, toda a elite da época..trabalho basicamente artesanal e de qualidade, você vê essa cadeira (ele aponta a cadeira no canto) ele fez e está ai linda e intacta até hoje. Mas meu avô queria mais..e ele era topógrafo também...em conversas com o Engenheiro Picot, especializado em estrutura buscava o objetivo de planejar um bairro...com parte do dinheiro da venda da marcenaria e com visão empreendedora arrendou toda essa terra...até o outro lado era dele..divisa com Porto de Santana..mas ai a CVRD veio invadiu parte das terras..ixi minha filha isso foi briga na justiça que rendeu...tivemos até alguma indenização mas não o equivalente, não o justo, pouco! Mas como brigar com uma Vale do Rio Doce?!..han é muito grande..que nem aquela história de Carajás..luta com índios..han muito índio na luta foi exterminado. O que Hugo Viola fez aqui foi muito a frente do tempo dele em 1936, num governo repressor que nem de Getúlio..porque há quem goste..mas o cara era autoritário...meu avô foi ousado mas não deixava de fazer as coisas que ele achava correto..os ideais..ai você vê com a fundação da Cia de Melhoramentos de Vitória construiu a princípio 100 casas ali nas ruas México e Canadá e venda sem juros e correção monetária..ele fez!


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Até a visão de trazer Ferro e Aço pra cá..por que a principio o terreno da Ferro e Aço fazia parte do bairro..tinha traçado...ruas mas ele cedeu para inserção da siderúrgica..para crescimento do local. Mas não só na época de Getúlio com autoritarismo e corrupção tremenda..hoje vimos ai essa pouca vergonha..aqui em Cariacica também , que política tivemos?..só roubo, pouca vergonha..o atual governo também...povo sem educação...lugar não cresce...vergonha...ai vejo estudantes indo pras ruas manifestar por 10 centavos na passagem, mas não vejo manifestar da mesma forma contra essa pouca vergonha da corrupção...tá alguma coisa errada, não tá não?! Hugo Viola foi preso 4 vezes, preso político..porque ele era a frente...argumentava..fazia...corrias atrás e pra ditadura gente assim não era bom..da última vez q foi preso os policiais que o conheciam diziam que estavam com vergonha de ter que fazer aqui, prendê-lo, mas porque?! ..porque sabia da sua índole...hoje não vejo mais gente assim..é raro. Muita gente não sabe também mas como topógrafo traçou o aeroporto Eurico Sales, em Vitória e fez também cidade de Goiás. Esse traçado aqui de Jardim América ele se baseou vila operária européia. Quando ele morou no Rio de Janeiro..trabalhava ali onde aqueles prédios caíram, perto da Av. Rio Branco..ali ele conseguiu não sei como um projeto, e foi a partir dele que traçou Jardim América...vamos lá em cima que vou te mostrar a planta original (Cesar me conduziu até segundo pavimento da casa onde havia grande atelier. A planta já estava reservada, aberta no chão-*ver foto) )..pode notar essa planta é original de 1937...todo o bairro já estava planejado, repare bem...a planta está amarelada..quero muito restaurar isso..ela foi desenhada em um tecido especial ..olha.. praça do bairro, a área da antiga Ferro e Aço..tudo já estava desenhado...tudo era traçado por ruas e projeto de casas, e, em sua maioria populares)..


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Gabriela, quero muito organizar tudo isso e montar o livro ...com essa correria vou adiando..muitas vezes não temos apoio e guardo reservo...tem material lá no escritório...sou artista plástico, você sabe?!...sou presidente do sindicato aqui do Estado (Presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos)...por isso muitas vezes me revolta como somos tratados...a cultura desse lugar..principalmente Cariacica...tiraram tudo daqui de Jardim América: cartório, correio, cursos... E o rio? Você sabe né? O Rio Marinho foi desviado e traçado artificial foi feito pelos índios na época dos jesuítas..e olha a ideologia, quando meu avô tomava conta ele pagava pra drenar o rio...depois o povo fez essa galeria qualquer achando que ia conter a água..não dá jeito, por isso alaga...Sem falar que aqui é um vale né..em volta tudo morro: Itaquari por exemplo. Hoje eu tomo conta da Hugolândia , mas é muita burocracia, muita gente errada dificuldade na prefeitura para legalizar a documentação pra esse povo..e já ouvi falar q eles querem fazer parque na parte alta...nossa era tudo organizado em projeto..tinha até os postes de luz...chegamos a colocar e incrivelmente a prefeitura tirou..um absurdo. Jardim América teve seu auge mais ou menos em 1970 e foi abandonada...mas acredito muito que daqui 20 anos ele retomará o desenvolvimento..aqui é muito perto do centro, lugar estratégico..eu acredito...e mais pra frente quando ficar mais velho volto a morar aqui


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8)Sidirlene, 52 anos, Ex-moradora e ex-liderança comunitária Me diz uma coisa..você ta pegando que aspecto?...a paixão por jardim América você percebeu isso?o bairrismo...a gente que morou tem muita relação com o bairro mesmo..na nossa época o nosso bairro nos bastava a gente tinha de tudo..e tudo era muito próximo, a gente tinha o supermercado melhor, a gente tinha o cinema, a gente tinha as domingueiras, a gente tinha os bailes da LBA, a gente tinha os encontros da juventude, o pessoal da igreja...a comunidade em peso era voltada para a igreja, entende?!..e passaram padres muito evoluídos por lá também..e o que fica de bacana na memória da gente e exatamente isso...eu sempre digo assim a gente constrói ...o bairro nos bastava, e hoje parece que a gente nunca encontra nada..ficamos naquela busca sabe?!...essa sensação é a que sempre sou tomada por ela...vou ao shopping pra comprar “não sei o quê”...andei, andei, andei me enchi e fui embora..lá você se precisasse ia na lojinha do Kill, ou na tenda no senhor Alaor pra comprar, ou lá na dona Mirtes...tudo dentro da nossa realidade, a gente achava tudo ali!...todo mundo se conhecia..as escolas eram de qualidade..as 2 escolas públicas, apesar da gente sempre ter tido a presença da escola particular Passionista que ali tinha onde as pessoas de condição melhor estudavam, por que o bairro também, digo, veja bem o que acontece com Jardim América, na sua formação ele é um bairro de classe média, vem sendo o diferencial do município que hoje não é assim mais, claro. Temos Campo Grande, por exemplo que tem outra visão, né?!..mas então até mesmo do ponto de vista intelectual..eu já cheguei a falar isso com você por telefone... Por que a forma como o bairro foi construído, consolidado o primeiro conjunto habitacional foi lá, e, foi pra atender a demanda, eu acho, da Cofavi..bem não sei se você tem essa informação.


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Foram feitas as casinhas para abrigar os operários; então ali já começa, você não traz, não vai consolidar o bairro sem algo que não o sustente, quer dizer: você já está trazendo ali trabalhadores, que já tem habitação então é um bairro que já vem por si só se consolidar, você concorda?! Enão o perfil dessas famílias que foram se formando, por serem operários ali, ela tinha relação com a Belgo Mineira (então Cofavi) vieram muitos de fora também, visto diversos profissionais de Minas, esse intercâmbio foi criando esse interlace, eu diria. ..aquele divisão ali [do terreno da Cofavi] era contestado na justiça se ali era divisa com as terras dele [Hugo Viola]..ixi ali você tem Vasco da Gama que é Cariacica ainda mas ta batendo na porta de Vila Velha juntamente com Nova América, segue e vai para o Vale [bairro Vale da Esperança] então de fundo ali ela se instala mas não se trna briga na justiça assim como foi com as terras que a antiga CVRD se instalou porque não eram de Jardim América mesmo, digo que a porta da Cofavi só foi ter abertura por Jardim América bem depois a entrada era pelo bairro Nova América e eu te digo isso assim por conhecimento de causa...E ouvimos por muitas e muitas vezes a gente participando do movimento popular, todas as vezes que sentamos com a empresa pra falarmos sobre a poluição, esse bairros adjacentes na nossa luta e por muitas vezes tivemos entraves sérios por conta disso e eles diziam:”nós chegamos aqui para construir o bairro”...e aqui não era um bairro, aqui era uma fazenda...então assim: a família Viola ela não entra nessa disputa ai, pois, eu entendo hoje que aquela área não era deles, eles não tinha demarcação de proprietário naquela época...eles tinham da Vale, até mesmo eles ganharam, não sei se você ficou sabendo...eles até estavam recorrendo ainda uma outra parte..a família toda ficou bem por conta da indenização recebida o avô fez a fortuna e os filhos viveram bem..


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Bem, isso foi a vale, agora a cofavi, inclusive chequei isso pra te falar tinha duvida se era história com a Vale ou Ferro e Aço, mas vi que foi com a Ferro e Aço, ai você vê eles “startam” um bairro com o mínimo a movimentação, o trabalho, as casas ..diferente de, por exemplo, Padre Gabriel, aquilo lá foi invasão.é o controponto que eu quero dizer...Jardim América nasce dessa forma. Claro que, somado a isso, tinha a venda dos lotes e foi onde meu pai veio para Jardim América em 1950..um dos primeiros moradores..a primeira moradora de Jardim América foi D. Patrocínia, que mora na rua Chile..ali no encontro com a rua Venezuela na esquina..ela está viva e mora lá até hoje..se perguntar lá todo mundo vai ser quem é dona Patrocínia.lá pertinho da antiga igreja católica que depois foi pra pra cima e virou “Santa Maria Gorete”. Minha histórica com o bairro é o que eu to te falando..tem a coisa do lúdico, todo mundo se conhecia, todo mundo conhecia de quem eram as famílias. Ali se formaram famílias muito importantes, por que muitos vinham do interior para dar estudo aos filhos, ai tinham que se instalar na periferia, né?!.... Um bairro que tinha uma estrutura muito boa, com comércio e tal, próximo do centro...bairro é mais próximo de vitória que muitos bairros do município de Vitória...tirando o transito ..pois naquela época só tinha as “cinco pontes”..eu mesmo em 1979, quando entrei na UFES, a gente ia literalmente a pé por que o ônibus a gente pegava na Vila Rubim..pegava quando dava um em Jardim América e outro na vila Rubim...não tinha transcol não tinha nada e fazíamos assim “baldiando” né?!...Então a gente gastava muito pouco, por que era tudo muito pertinho...assim como é São Torquato pra Vitória, quer dizer um bairro de Vila Velha pra Vitória...nessa ótica que eu to falando ..proximo da capital. Sem contar que Jardim América também sempre foi o Celeiro..se você perguntar assim: “Quem não é de Jardim América levanta o dedo”..porque se não é, é filho de alguém que foi, que é neto de alguém que teve por lá...alguém passou por Jardim América.


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. Isso é fantástico..vê só tava conversando com o prefeito da Serra , Sérgio Vidigal, ai disse “eu lembro de você, eu lembro de você” ai ele “ eu fui amigo do seu irmão, eu morei na rua Espírito Santo-Jardim América, você não lembra de mim?!”...ele era muito amigo de Suely que morava lá também..ai ela separou e dessa amizade com Sérgio um tempo depois namoraram e casaram e estão ai até hoje. O prefeito de Vitória, João Coser, registro mesmo-histórico...veio do interior, chega e vai para casa de uma tia em Jardim América, na Av. América ele fica lá até se acertar e tal..você entendeu? Jardim América tinha essa referência, muito imigrante: Itaguaçu, Itarana...Eu nem te contei a história da minha mãe, ela é mineira de Muriaé ai a família muda para Itueta...quando meus pais se casaram vieram pra Jardim América, pois meu pai mexia com madeira e moveis e lá havia maior marcenaria da família Maia e então meu pai vai trabalhar com eles por isso que se instalam lá...Lá teve um cinema e quem arendava o espaço desse cinema, quem patrocinava eram os donos do supermercado Schneider , já ouviu falar?...aconteciam nos finais de semana, mas a coisa foi tão volumosa, fez tanto sucesso, filas e mais filas..pessoas pelo chão que daí nasceu a história de construir o cine Hollywood. Naquela parte de lá..por que não sei se você sabe onde é a Caixa Econômica na rodovia ainda é Jardim América. A dona da loja Kill, os avôs dela moravam do lado do cinema novo...então como tava te falando o Schneider detinha esse poder, estava no meio da juventude isso em 1977/1978 e hoje é diretor geral da ACAPS [associação capixaba de supermercados] ele é um dos que participam da festa que acontece anualmente que nesse foi adiado pra março...mas era isso.. Nessa época tinha os bailes, as domingueiras também que funcionavam no cinema, como as cadeiras eram soltas, eles tiravam...e quando o cinema passou pro outro lado, o novo, os bailes passaram a acontecer na LBA...nossa inclusive era muito boa a escola..havia diversos cursos, eu mesmo fiz diversos cursos lá i na época do Collor eles acabaram com a legiões de assistência no Brasil todo...


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Acaba a missa , e depois todos iam pra lá pro baile, até as 23:00 h todo domingo, virava ponto de encontro. Nós já fizemos a feira, não sei se você já ouviu falar da feira também..feira comunitária...ela foi tomando proporções muito grandes e na época a gente fez uma parceria com a color som e assim foi a te passamos a não ter controle, eram 3 dias de festa por ano mas era muito pesado buscar estrutura para aquela festa:palco, som, shows...chegamos a levar Zé Geraldo, olha que celebridade (risos)...o movimento comunitário retoma em 1990..antes era um cara chamado Gutemberg que tomava conta até que decidimos reunir e votar..uma loucura, mas ganhamos de “carroçada”..participei no período de 1994 mais ou menos..o mandato era de 4 em 4 anos.. Agora eu acho que o bairro está muito descaracterizado, as pessoas mudam, não vendem, ai alugam, ai o bairro vai perdendo a referência...vai descaracterizando muito...vejo uma tristeza, o trafego ali.. Como está tudo diferente..o que a gente vivia, o que eu vivi?..na minha casa limpar a casa correspondia a varrer a rua também..quer dizer cuidar do espaço público..sabe aquela coisa de família que vem do interior, ordeira , religiosa...a concepção mudou com relação a sua cidade, do seu bairro...na escola a inversão do papeis , quem educa?...eu mesmo ia pra escola pra aprender português e matemática mas hoje a escola ensina religião e tudo mais...isso é a família que deveria fazer....dar educação!....e isso vai num ciclo, vemos ai essa violência, violência esta que me fez sair de lá..fui assaltada várias vezes...nossa casa era referência, era bonita e bem projetada...mas não tínhamos paz..por que lá nós éramos UM..não mais um..


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Tem coisa a fazer...como o esgoto e assim o rio marinho assoreado..e Jardim América é abaixo do nível do mar..as obras de draga é caríssimo!...Muito de abandono é reflexo do governo de Cariacica, anos e anos de abandono...o Helder fez um mandato interessante..., Cariacica ter outra cara assim como a Serra tem hoje......lembro de tudo que eu passei no bairro ...dos espaços das domingueiras..faziam jovens congregações e laços de amizade. Cultura é a memória, ter registro histórico do bairro...eu torço por isso e sabe, tenho orgulho de falar que sou de Jardim América, pois é diferente de falar ser de Cariacica..não sei se você me entende mas tem peso.

9) Altair Tagarro Leal , 88 anos, Moradora Tinha aqui bambuzal e cafezal lá pra cima[...] Eu tinha uma casinha lá no canto [ ano de 1940], mas ela era muito ruim, então meu marido desmanchou a detrás pra fazer outra...mesmo assim eu olhava para essa aqui [Dona Altair aponta na foto as casas do conjunto de Hugo Viola] e ficava apaixonada, pensava “Não posso comprar uma casa daquela”. Depois Sr. Anísio Soto ele tinha esse terreno aqui, ai a gente comprou esse terreno aqui do Sr Anísio Soto e vendemos aquela casa de lá para outra pessoa..era na rua Piauí ..e aqui era uma lagoa..meu marido aterrou. É essa casinha aqui da frente, mas ela já foi reformada, inclusive tem um retrato dela....Comprava antigamente no supermercados Schneider ,antes era ele..[a neta de Dona Altair, “Luizinha”, completa dizendo sobre os bailes de carnaval que aconteciam no clube desportiva, depois de muito dançar chegava na casa de vovó escalando aqui pela varanda]...


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