Contos de uma Vitória AFRO-ARQUI-FUTURISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO

Contos de uma VITÓRIA AFRO-ARQUI-FUTURISTA

GABRIELA MINDAS BRAGA

VITÓRIA 2021

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Contos de uma VITÓRIA AFRO-ARQUI-FUTURISTA Gabriela Mindas Braga

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador Prof. Dr. Lutero Proscholdt Almeida

VITÓRIA 2021

GABRIELA MINDAS BRAGA

Contos de uma VITÓRIA AFRO-ARQUI-FUTURISTA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Aprovado em 21 de junho de 2021.

Banca examinadora

Prof. Dr. Lutero Proscholdt Almeida Orientador / Universidade Federal do Espírito Santo

Prof. Dr. Kléber Perini Frizzera Universidade Federal do Espírito Santo

Prof. Dra. Gabriela Leandro Pereira (Gaia) Universidade Federal da Bahia Vitória, 21 de junho de 2021

AGRADECIMENTOS Aos meus pais, por sempre apoiarem minha caminhada e investirem em mim com muito amor e dedicação. Não poderia haver jeito melhor e não poderia haver pessoas melhores.

Ao meu irmão, à minha cunhada e aos meus sobrinhos Lívia e Davi Luiz, por todo amor e carinho que me dão e pelos momentos de diversão e divisão.

Aos meus padrinhos, Dulcélia e Solivan, que contribuíram para a minha formação sempre que possível e me incentivam. À vovó Maria que em um momento de impasse me disse as mais sábias palavras: “você precisa tomar uma atitude, minha filha!”. Bem, eu tomei, e continuarei tomando. Graças a ela eu mudo meu futuro todos os dias. Às queridas amigas de infância: Karol, Brunna e Amanda. Aos amigos que fiz durante minha caminhada na Universidade, em especial à Izabel, Isadora, Natasha, Lorena, Marília, Pedro, Erivelton, David, Flora, Julia, Camila, Amanda… e tantos outros que preencheriam essa página inteira. A vocês meus mais sinceros agradecimentos por dividirem suas jornadas pessoais comigo e por fazerem parte da minha. À Maria Laura, que me acolhe, que briga, que sempre me apresenta mundos novos. Meu amor por você está aqui e em todos os anos que estão por vir. À Mariana, por ser exatamente quem ela é, por todo amor que tem por mim e recebe de mim; obrigada pelos momentos fáceis, pelos momentos difíceis, pelos momentos de amparo, por se dividir, se dobrar e multiplicar comigo. Porque é você, senão eu não seria eu.

Ao Fillipy, que não está aqui para ver esse trabalho, mas era o maior fã da Beyoncé que esse mundo já viu. Obrigada por não se segurar em si mesmo.

Aos que vieram antes de mim e aos que vão vir depois.

Por fim, a todos que fizeram e fazem a Universidade Federal do Espírito Santo.

VIVA A UNIVERSIDADE PÚBLICA E DE QUALIDADE!

ATENÇÃO Esta é uma obra de ficção. Os personagens, incidentes, locais retratados e os nomes aqui não são fictícios, e qualquer semelhança ou identificação com o local, nome, personagem ou história de qualquer pessoa, produto ou entidade não é uma coincidência e é inteiramente intencional.

SUMÁRIO

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QUEM HABITAVA A ILHA DE VITÓRIA NO COMEÇO?

QUEM HABITAVA A ILHA DE VITÓRIA NO MEIO?

QUEM HABITAVA A ILHA DE VITÓRIA NO FIM?

_INTRODUÇÃO No primeiro capitalismo os homens e mulheres negros - tal como os indígenas e os amarelos - sofriam diversas formas de opressão. No capitalismo atual - o capitalismo financeiro - existe uma série de opressões e movimentos de segregação sobre esses grupos que ainda se mostram parcialmente escondidas pela sombra do mito da igualdade racial e pela promessa da paridade social. As desigualdades e diferenciações não são consequências somente de um passado devastador para o povo negro, mas também da lógica de produção atual. E em decorrência desses fatos, nós somos seres colonizados como resultado do nosso passado e do nosso presente.

Esse trabalho procura lançar indagações e trazer à tona algumas divisões que existem na cidade de Vitória, no Espírito Santo, interseccionando com a história de lutas de negros e negras que foram trazidos à força para cá para trabalharem sob um regime de escravidão.

O capítulo I disserta sobre o sistema colonial empreendido por europeus a partir do século XIV e como ele atuou em África e América e nos indivíduos que habitavam esses locais. O capítulo II coloca em voga as divisões raciais existentes em Vitória e como o projeto do Novo Arrabalde operou e opera como um dispositivo de segmentação social. No capítulo III é apresentado o Afrofuturismo como uma expressão estética e política para a fabulação de um futuro que vai para além do que o presente nos reserva atualmente.

Por fim, o capítulo IV contém ensaios sobre um outro futuro para a cidade de Vitória, impulsionados por narrativas que evocam pluralidades de ritmos que atuam sobre as mentes e corpos que habitam esse mundo.

A Arquitetura e o Urbanismo foram operados como armas da colonialidade para enclausurar e hierarquizar corpos e espíritos - caso não subvertamos o discurso atual, isso poderá continuar acontecendo. Eles são con-

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tribuintes do desenho da linha vertical de segmentação dos povos, onde o branco permanece no topo como detentor dos meios e pensamentos hegemônicos que regem a organização da sociedade. No passado essas armas também foram instrumentos de resistência, de vivências, força e criação, e hoje devem ser reclamadas e ressignificadas pelos grupos marginalizados a fim de reestruturar o presente e construir um outro futuro.

Objetivo geral Levantar questões e refletir sobre como a Arquitetura e o Urbanismo atuaram na colonialidade e como podem contribuir para a emancipação dos indivíduos inseridos em uma sociedade de controle, fazendo um apanhado de acontecimentos do passado, do presente e fabulando sobre acontecimentos do futuro.

Objetivos específicos - Questionar a construção colonial das cidades, especificamente de Vitória - ES, e como muitas estruturas e ações de colonialidade são remanescentes no ambiente urbano.

- Questionar os projetos da cidade de Vitória - ES no passado e no presente e como eles segregam e negam modos de pensar e viver da população.

- Apresentar produções dos mais variados campos que contestam as formas de expressão hegemônicas.

- Ficcionar sobre a realidade a fim de tensionar a maneira como as pessoas e os poderes - públicos e privados - atuam sobre as naturezas, construídas ou não.

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I.

Colonialismo, colonialidade, Arquitetura e Urbanismo

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ARMAS I O pensamento ocidental dominante considera há tempos que a Modernidade - período compreendido a partir do começo do Renascimento, passando por Reforma Protestante, Iluminismo, Liberalismo, Revoluções Inglesa e Francesa, etc - foi um grande sucesso da razão, do livre mercado, democracia, autonomia dos indivíduos e surgimento do sujeito.

Essa história é contada a partir de perspectivas europeizadas e reserva espaço apenas para o que acontece internamente na Europa. Ações como a escravidão e as questões de dominação colonial são justificadas, postas como realidades paralelas que não fazem parte do reduto da modernidade. Coincidentemente — mas nem tanto —, a escravidão atingiu grande grau de abrangência durante os séculos XVIII e XIX, quando a Europa consolida seu modelo econômico e social pautados no liberalismo.

A modernidade burguesa está fortemente atrelada às formas de escravidão e dominação dos indivíduos não-europeus. (MANOEL, 2019).

Existe na modernidade burguesa uma filosofia universalista que é agressiva e colonizadora, e coloca o Ocidente como o apogeu de um mundo civilizado que deve levar o avanço a todo mundo. É o “fardo civilizatório” do homem branco europeu (LOSURDO apud MANOEL, J., 2006, p.6-65).

A conquista de terras americanas, o extermínio e escravização da população nativa, a conquista e saqueio das Índias Orientais e a tomada da África transformando-a em armazém para o comércio de pessoas negras, foram processos basilares da acumulação primitiva de capital. Todos esses momentos deram origem ao sistema colonial, sistema pautado na violência bruta. Com o desenvolvimento da produção capitalista, a acumulação de riquezas se tornou o principal objetivo europeu, consciência e pudor foram deixados de lado.

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No século XIX, ao passo que os trabalhadores assalariados europeus eram submetidos a um regime de trabalho exaustivo, sem saúde, sem segurança e com remuneração irrisória, a escravidão de negros e nativos em América se tornava a base de todo sistema social das colônias. Os burgueses europeus necessitavam da escravidão nas colônias para continuar com o regime de escravidão disfarçada do proletariado da Europa (MARX, 2014).

O modo de dominação burguesa é sutil na metrópole, mas nas colônias acontece em sua forma mais brutal. O sistema colonial é o capitalismo em puro estado de barbárie (MARX, 2014 apud MANOEL, 2019).

Amílcar Cabral (2019) afirma que a história de um agrupamento urbano é processada em três fases: a primeira é a sociedade agropecuária comunitária, não há Estado e a estrutura social é horizontal; a segunda corresponde às sociedades agrárias (feudal ou assimilada e a agroindustrial burguesa, que vivemos na atualidade), com estrutura vertical e Estado ativo; e a terceira fase seriam as sociedades socialistas e comunistas, onde a base econômica é industrial, o Estado tende ao desaparecimento e a estrutura social volta a ser horizontal. Portanto, cada agrupamento social tem a sua história a ser vivida. É na segunda fase que o fenômeno classe social surge, determinado por duas variáveis fundamentais e dependentes uma da outra: o nível das forças produtivas e os regimes de propriedade dos meios de produção.

Esse fenômeno desenvolve-se de forma lenta e desigual.

No plano interno dos agrupamentos o ritmo de processamento das fases pode variar, sendo que avanços bruscos só ocorrem se houverem transformações bruscas nas forças produtivas e nos regimes de propriedade.

Esse movimento de mudança brusca é comumente chamado de revolução.

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Em África, América e Ásia, o imperialismo foi - e é - um fator de transformação brusca. Ele representa a busca gananciosa por acumulação de mais-valia, primeiramente pela Europa e mais tarde pela América do Norte (exceto México). Ele interferiu com violência nas estruturas sociais e processos históricos dos povos subjugados. O capital imperialista, além de edificar cidades e mudar o modelo das forças produtivas, permitiu o desenvolvimento de burguesias locais e o agravamento das contradições nas sociedades.

Cabral (2019) elenca pelo menos duas formas gerais de dominação do imperialismo: “1º) Dominação direta - por meio de um poder político integrado por agentes estrangeiros ao povo dominado (forças armadas, polícia, agentes da administração e colonos) - à qual se convencionou chamar de colonialismo clássico ou colonialismo.

2º) Dominação indireta - por meio dum poder político integrado na sua maioria ou na totalidade por agentes nativos - à qual se convencional chamar neocolonialismo” (p. 142)

E os possíveis efeitos do primeiro caso sobre a população dominada são: “a) destruição completa, acompanhada e, geral da liquidação imediata ou progressiva da população autóctone e consequente substituição desta por uma população exótica; b) destruição parcial, em geral acompanhada da fixação mais ou menos volumosa de uma população exótica; c) conservação aparente, condicionada pela confinação da sociedade autóctone a áreas ou reservas

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“Amílcar Lopes Cabral nasceu em 12 de setembro de 1924 na então Guiné Portuguesa.

Em 1955 participa da Conferência de Bandung e, em 1959, impulsiona a criação do clandestino Partido Africano Para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Através do partido, participaria da greve dos trabalhadores portuários de Pidjiguiti, e em todo período posterior de lutas independentistas até o início da luta armada, em 1963. Foi assassinado em 20 de janeiro de 1973 em Conacri, por membros do próprio partido antes da independência da Guiné-Bissau se concretizar (em 24 de setembro de 1973).” (MANOEL et al., 2019, p. 125)

Retrato de Amílcar Cabral, envergando a sumbia - barrete tradicional [presumivelmente durante o Congresso de Cassacá, região libertada do Sul da Guiné]. Fevereiro de 1964. Fonte: Wikimedia 26 Commons.

próprias e geralmente desprovidas de possibilidades de vida, acompanhada da implantação massiva de uma população exótica.” (p. 143)

Já no neocolonialismo, a dominação se estabelece com a criação de uma burguesia local, subalterna à classe dirigente da nação dominadora. A existência dessa falsa burguesia local agrava as diferenças entre as camadas sociais, vê-se o enriquecimento da burguesia, o aumento de uma classe operária citadina, propriedades agrícolas privadas e do proletariado agrícola. Dessa forma, há a sensação de que o processo histórico voltou ao seu curso normal. Mas é um sentimento falso, uma vez que a burguesia local dominante está sujeita à classe dirigente do país dominador. (CABRAL,2019)

CULTURA As nações que sustentam uma guerra colonial não se preocupam com o conflito de culturas. A implantação de um sistema colonial é antes de mais nada um grande negócio comercial. A primeira etapa é a escravização da população autóctone. Para isso é necessário destruir os sistemas de referência desse povo. As tomadas de terras e propriedades, os assassinatos, tudo é tirado, inclusive os padrões sociais. Os valores são esvaziados, a cultura é silenciada e toda estrutura de organização é desmontada. Desorientados, os povos nativos são submetidos a um novo sistema de valores à força - força esta bélica, militar. (FANON, 1979) Contudo, o regime colonial tem como objetivo instaurar uma “agonia continuada” da cultura e não seu apagamento completo. Segundo Fanon (1979): “Esta cultura, outrora viva e aberta ao futuro, fecha-se, aprisionada na condição colonial, estrangulada

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pelo jugo da opressão. Simultaneamente presente e mumificada, depõe contra os seus membros. Com efeito, define-os sem apelo. A mumificação cultural leva a uma mumificação do pensamento individual.

A apatia tão universalmente perceptível dos povos coloniais não é mais do que a consequência lógica desta operação. A acusação de inércia que constantemente se faz ao “indígena” é o cúmulo da desonestidade. Como se fosse possível que um homem evoluísse de modo diferente que não no quadro de uma cultura que o reconhece e que ele decide assumir” (p. 70-71).

Portanto, na primeira fase da dominação o invasor assegura sua superioridade por meios militares e econômicos e desumaniza o grupo social invadido. Violência, assassinatos coletivos, racismo, são atitudes tomadas intercaladamente que transformam os autóctones em objetos para a nação ocupante. Este homem-objeto não encontra meios e razões de ser, é quebrado em seu mais profundo interior, o desejo de viver se esvai aos poucos.

Entretanto, a evolução das técnicas de produção exige que o invasor assuma outra postura: é preciso aplicar sutilezas nas formas de exploração técnica do homem-objeto - consequentemente das formas de racismo - para angariar mais mão de obra. O racismo não perde sua força, apenas assume novas formas. “É preciso procurar incansavelmente as repercussões do racismo em todos os níveis de sociabilidade” (p. 73).

(FANON,1979)

RACIALIDADE I Segundo Achille Mbembe, três momentos marcam a história do corpo

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negro - e isso vale para todos os que foram colonizados, escravizados, objetificados, na América, Ásia, África, Oceania - desde seu encontro com o europeu. O primeiro diz respeito ao período de tráfico atlântico, no qual os homens e mulheres de África foram sequestrados e aprisionados em sua aparência, privados da posse de si mesmo, tornando-se pertences de outros, transformados em “homens-objetos, homens-mercadoria e homens-moeda” (MBEMBE,2014). O segundo, datado do final do século XVIII até os anos finais do século XX, é referente à eclosão de revoltas, independência do Haiti, descolonização da África e lutas por direitos civis nos Estados Unidos, angariado por uma retomada da escrita para si, entendendo-se novamente como sujeitos no mundo. O terceiro momento se dá no século XXI, onde o neoliberalismo transforma qualquer situação em potencial mercadoria; o indivíduo é agora regulado em todas as esferas de sua vida pelas condicionantes do capital - sobretudo financeiro, ilimitado -, é instigado a sempre tornar-se outro; ele é um “sujeito neuroeconômico absorvido pela dupla inquietação exclusiva da sua animalidade (a reprodução biológica da sua vida) e da sua coisificação (usufruir dos bens deste mundo), este homem-coisa, homem-máquina, homem-código e homem-fluxo” (MBEMBE, 2014); o neoliberalismo é a época em que o capitalismo e o animismo fundem-se novamente, depois de um longo período separados.

O projeto de conhecimento e governança moderno se difundiu a partir de uma lógica “de autoficção, de autocontemplação e, sobretudo, de enclausuramento” em que Negro é tudo aquilo que gera repulsa e está atrelado ao primitivismo e à maldade. Contudo, tanto a branquitude superior europeia quanto a negritude são ficções de raça, tanto um quanto o outro estão enclausurados em definições que são produtos da modernidade.

Essa construção de raça restringe o indivíduo à aparência, a uma cor de pele, e nos séculos passados esteve no cerne de muitos crimes e catástrofes da humanidade.

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O Negro é um produto da técnica e de uma máquina social cuja história está intrinsecamente atrelada ao capitalismo, dos seus primórdios até a globalização, e esse nome foi inventado para designar tudo aquilo que deve ser abominado e excluído. O indivíduo negro, na modernidade, teve sua carne transformada em coisa e seu espírito em mercadoria. (MBEMBE, 2014)

FALA Ao negro foi designado apenas um destino: o branco. Espera-se que ele se aproxime do branco culturalmente para alcançar o ideal de civilidade moderno europeu. Foi criado um processo duplo de inferioridade: primeiramente economico (dentro do sistema econômico europeu capitalista) e depois pela epidermização da inferioridade, da alienação do negro enquanto ser. Quanto mais ele se aproxima culturalmente do branco europeu, mais ele se afasta de sua condição tida como selvagem para os europeus.

Mas isso não acontece ao negro, pois a sua diferenciação não está primeiramente nos modos de vida, mas na cor da sua pele. Esse preconceito que utiliza a cor como objeto de opressões se dá no campo da irracionalidade, e para um homem que opera racionalmente dentro de arranjos sociais ao qual está inserido e nasceu e cresceu, esse contato com o irracional é neurotizante (FANON,2008). Com os sistemas de referência modificados e tendo que lidar com a imposição de outro modo de vida, a pessoa não branca acaba inserida em um contexto de desorientação de identidade, e é neste nível que o racismo passa de uma condição sistêmica para um falso entendimento de que é uma questão pessoal. (FANON, 2019).

O peso inusitado do olhar branco insere o homem de cor em uma condição em que este tem dificuldade em entender o seu corpo, esse proces-

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so de conhecimento se apresenta como uma atividade de negação, ele se dá em terceira pessoa e é envolto por uma atmosfera de incertezas.

Esse esquema corporal que é atacado ruiu e deu lugar a um esquema epidérmico racial. O negro é responsável por seu próprio corpo, por sua raça e por seus ancestrais. A negridão é descoberta pelo olhar objetivo do estrangeiro e então uma avalanche de estereótipos é jogada no corpo negro: “a antropofagia, o atraso mental, o fetichismo, as taras raciais, os negreiros, e sobretudo o y’a bon banania.”. Ele é escravo de sua própria aparição. (FANON, 2008)

RACIALIDADE II O Atlântico é a incubadora do mundo moderno. Os povos Afro-Latinos comercializados, não serviram apenas como mão de obra escrava, eles desempenharam diversas funções - desde exploradores e colonos até proprietários de escravos - para manter o sistema colonial em pleno funcionamento. Entre os séculos XVIII e XIX diversos levantes anticoloniais aconteceram, a Europa perdeu em grande número suas colônias americanas e a relação entre esses territórios - colônia e metrópole - se modificou. Uma classe de crioulos brancos - brancos nascidos fora da Europa - foi instaurada e estabeleceu influências. Essa nova elite se apoderou da ideologia de mestiçagem para mascarar seu preconceito e a falta de atenção dada a questões raciais. Nesse processo as grandes contribuições de Afro-Latinos na construção das Américas são apagadas ou muito bem ocultadas.

O conceito de raça foi utilizado durante séculos para designar as humanidades não europeias como seres inferiores, uma imagem pobre que se separa do homem ideal pelo tempo e por conta dessa distância nunca alcançará a forma verdadeira humana, estará sempre ligado a suas sensações, ao que é biológico e animalesco. Citar esses corpos e espíritos não europeus é falar de ausência ou de presença segunda inferior. Processo fantasioso, de efabulação, raça não existe, Negro não existe. O Negro é

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produzido ininterruptamente, garantindo um corpo submisso e explorado, colocado diante da vontade de um senhor, num campo de batalha com grupos sociorracialmente seccionados. Sobre os processos atuais, Mbembe (2014) afirma: “À semelhança de outros tempos, o mundo contemporâneo é modelado e condicionado profundamente por estas formas ancestrais da vida cultural, jurídica e política, que são a da clausura, da cerca, do muro, do campo, do cerco e, no final de contas, da fronteira. Por todo o lado, são recuperados processos de diferenciação, de classificação e de hierarquização para fins de exclusão e de erradicação.

Novas vozes se levantam para proclamar que o universal humano ou não existe ou limita-se ao que é comum, não a todos os homens, mas apenas a alguns deles.” (pg. 51)

Contudo, na contramão das chances, o negro tornou-se símbolo e força de mudança que abraça a possibilidade de uma humanidade que vive em simbiose com a natureza e representa uma nova voz, movimento, rosto. (MBEMBE,2014)

ARMAS II Tanto no colonialismo quanto no neocolonialismo o que ocorre é a interrupção, por meios violentos, do processo histórico dos povos dominados.

A libertação de um povo subjugado por outro autointitulado superior reside portanto no direito de dispor da sua história: é a reconquista do processo de desenvolvimento de suas próprias forças produtivas, ora interrompidas e violentadas por uma dominação imperialista/colonialista.

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Se para que a retomada da autonomia aconteça é preciso uma mudança profunda no processo de desenvolvimento das forças produtivas, é correto afirmar que o único caminho é a revolução.

E os responsáveis pela revolução são os grupos oprimidos. A assimilação dos conhecimentos e das experiências do outro são o motor que permite pensar e agir, logo, criar. Dessa maneira que se alcança a libertação e se ultrapassa os obstáculos para a criação de uma vida justa, com dignidade. (CABRAL, 2019)

ESPIRAL Em uma discussão que teoriza estrutura e forma, Milton Santos (2013) afirma que a estrutura é mais fácil de ser apreendida pois é o presente; ao passo que a forma apresenta um grau de dificuldade maior pois são estruturas remanescentes do passado no presente. Algumas já desapareceram do nosso campo visual e tátil, e até de nosso entendimento. No presente, os conjuntos, as configurações territoriais - como formas de paisagem ou não -, são realizações do presente e do passado somados.

A história das cidades - e consequentemente da arquitetura e do urbanismo - é a história de suas produções, que são vivas e contínuas. O que existe são sucessivas modernidades que estabelecem períodos e se sobrepõem. De uma visão externa é possível notar em alguns cassos gerações de cidades e padrões de urbanização; e internamente formas de organização espacial e social. Essas características permitem-nos periodizar e reconhecer processos históricos.

Dessa forma, é possível afirmar que as formas criadas na cidade, em um outro momento futuro, vão acabar se tornando formas criadoras. Ou seja, as formas do presente estão submetidas ao passado de forma ativa (SANTOS,2013). Convivem a um mesmo tempo passado, presente e

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futuro - o presente que amanhã se tornará passado. Em conformidade com o pensamento de Santos (2013), vale aqui apresentar uma citação de Fanon (2008): “Todo problema humano exige ser considerado a partir do tempo. Sendo ideal que o presente sirva para construir o futuro. (...) De modo algum pretendo preparar o mundo que me sucederá. Pertenço irredutivelmente à minha época. E é para ela que devo viver. O futuro deve ser uma construção sustentável do homem existente.”

PASSADO Muito da abundância europeia foi construída a partir do trabalho e do sangue escravo - de negros, árabes, indígenas, amarelos -, enquanto roubavam as riquezas das colônias. Esse processo ocorre até hoje entre os países considerados de Primeiro Mundo (Estados Unidos da América, Oeste Europeu, principalmente) e aqueles chamados de Terceiro Mundo, muitos situados no Sul Global - como o Brasil, que tem uma forte indústria de exportação. O problema reside na necessidade de redistribuição das riquezas e no rompimento do modo de produção instaurado pelo regime colonialista. “Se não se modificarem as condições de trabalho, serão necessários séculos para humanizar este mundo tornado animal pelas forças imperialistas.” (FANON, 1979, p. 80).

NECRÓPOLE Nas cidades, novas formas são criadas a partir de novas necessidades.

Essas formas são dotadas de uma rigidez funcional e material, tanto em relação à arquitetura quanto à sua localização. Isso marca a diferença entre a cidade do período histórico anterior e a do período atual. Segundo

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Lewis Mumford, as grandes cidades europeias e norte-americanas passam por 3 estágios de evolução: 1 - cidade, 2 - Metrópole, 3 - Necrópole. Já nos territórios colonizados, as cidades criadas para serem grandes crescem muito rápido e se transformam em necrópole também muito rápido.

As metrópoles das nações imperialistas destinadas a comandar as transformações cometidas por esse empreendimento, desempenham os movimentos internacionais da mesma forma que exercem a sua lógica nacional. Nos países subdesenvolvidos as metrópoles nascem como espaços derivados; seguindo a lógica imperialista elas crescem em um momento de abundância, com muitas construções e planejamentos, e justamente por conta dessa interferência externa, dela são usurpadas “seiva, vigor, beleza, capacidade renovadora das coisas e das práticas. [...]

Quanto mais os países se modernizam e crescem, mais as grandes cidades associam lógicas externas e lógicas internas subordinadas.” (SANTOS, 2013, p. 70) São cidades que já nascem críticas, sem as ideias de espaço público e do homem público. Em uma cidade que predomina o privado, o egoísmo está presente em sua arrumação global, em seus arranjos particulares, ocorrem verdadeiros embates.

Mas graças ao meio ambiente construído a cidade resiste como um todo.

As grandes aglomerações ocorrem onde o tempo é mais lento e a sobrevivência se dá em infra estruturas inacabadas e do passado. É dessa flexibilidade que pode-se tirar potência para construir um planejamento eficaz. (SANTOS, 2013)

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II.

Vitória colonial Vitória moderna colonial

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VITÓRIA COLONIAL O Espírito Santo era uma província de base econômica agrícola sustentada pelo trabalho escravo. Os negros exerciam os trabalhos urbanos e rurais que haviam. Para desempenhar essas atividades era necessário inteligência, iniciativa e saberes técnicos nos mais variados campos, “(...) como o extrativismo mineral e vegetal; os serviços domésticos de todos os níveis; o artesanato e as manufaturas com argila, madeira, couro e metais; os trabalhos como tripulantes de embarcações fluviais e marítimas; pescadores; artistas; ferreiros; consertadores de armas e serralheiros; criadores de animais etc. Todas as atividades produtivas constituíam trabalhos para negros, logo, pode-se dizer que foram eles os construtores da base da riqueza capixaba, fossem eles escravos ou livres.” (MACIEL, 2016, p. 87)

Em 1887 o Espírito Santo tinha 13.382 pessoas escravizadas, portanto conclui-se que esse era o número mínimo de negros no estado. Os dados são duvidosos e imprecisos. Em 1890 o número de pretos e pardos era maior que o número de brancos, a partir desse ano a quantidade de brancos aumentou devido à massiva imigração de europeus. Mesmo com números imprecisos, é evidente a grande participação de negros e mestiços na formação do Espírito Santo (MACIEL, 2016).

Variação do número populacional de raças no Espírito Santo.

Baseada no Departamento Estadual de Estatística do IBGE (1960). Fonte: MACIEL, 2016, p. 74.

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Como declara a tabela, o número de pretos e pardos era superior ao de brancos até a década de 1890. Em 1950, em decorrência da imigração europeia, o número de brancos aumentou em 10 vezes em relação à 1890, enquanto que o número de pretos e pardos aumentou em apenas 5 vezes cada. Além disso, o número de pretos diminuiu consideravelmente (20 mil) de 1940 para 1950, apontando para a inconsistência dos dados, que podem ter sido, por exemplo, manipulados pelos pesquisadores da época. Em 1887, dos 22 mil pretos censitados no estado, 13.382 eram escravos e aproximadamente 10 mil eram livres. A população negra livre estabelecia-se em terras devolutas, organizada coletivamente e sem fins mercantis. Muitos negros também foram ocupar os litorais, vivendo de susbistência da atividade pesqueira e passando longe dos censos. Apesar da proibição do tráfico negreiro através da Lei Eusébio de Queirós em 1850, o tráfico ilegal continuou acontecendo por algumas décadas.

As concentrações de população escrava eram na região central (Vitória e adjacências), norte (São Mateus) e pólo sul (Cachoeiro de Itapemirim).

Apesar disso, no sul e no norte o número de pretos era maior que o número de mestiços, enquanto que na região central esse número era mais equilibrado - a miscigenação era maior, e continuou aumentando durante o século XX. Outro fator de distinção da atual capital para as outras regiões do estado era a idade dos escravos: a maioria possuía menos de 20 anos, sendo 43,6% crianças menores de 16 anos (MACIEL, 2016).

A vida dos negros na América não se resume a números e trabalho. Apesar da branquitude europeia e do racismo se fazerem presentes nos mais variados espaços e situações, as produções e subjetividades negras não foram totalmente oprimidas e apagadas. Muitos movimentos e vivências resistiam e compunham as cidades brasileiras, e em cada uma esse contingente tinha suas próprias identidades que eram reinventadas no dia a dia (FARIAS et al., 2006).

Um exemplo de ação direta de formação das cidades negras era a situ-

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ação de fugitivos escravos. A existência de negros que fugiam do regime de escravidão produziam diferentes cenários e relações. Eles fugiam para festas, ajuntamentos, para trabalhar como escravos de ganho. A maior parte dos que escapavam possuíam algum tipo de especialização como carpinteiros, ferreiros, pedreiros, costureiras, etc., e acabaram por exercer esses ofícios pelas cidades. As fugas eram em sua maioria atitudes individuais, mas existiam as coletivas também (FARIAS et al., 2006).

Nas cidades, as ações de fugas estavam inseridas na experiência cotidiana dos cativos. Revelavam tanto mecanismos de protesto como a constituição de comunidades e culturas na diáspora. Nesse processo, desvendam-se lógicas dos cativos e universos sociais das cidades negras (cotidiano, relações de trabalho, controle social, etc.). [...] As cidades revelavam, escondiam e protegiam. Um pouco de tudo misturado. (FARIAS et al., 2006, p. 32-33)

Havia redes de apoio para aqueles que fugiam, esconderijos eram disponibilizados para manter e alimentar os que procuravam liberdade ou mesmo gostariam de trocar de senhor. Rotas subterrâneas eram cavadas e estabelecidas abaixo das ruas da urbe.

As revoltas dos escravos contra o sistema em que foram forçados a viver era não apenas uma luta por liberdade do corpo, mas também por liberdade da mente. Desde o começo do processo escravista, no negro já havia pensamentos de revolta, resistência e luta. Primeiro as ações de resistência possuiam cunho individual, ocorriam nos mercados - de venda de negros -, nos navios, fazendas e eram marcadas por fugas, suicídio e motins. Após o aumento do contingente negro sob regime escravista e a continuação violenta desse sistema, as revoltas e as fugas passaram a ter maior organização e a luta chegava muitas vezes a ser armada (MA-

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CIEL, 2016).

Outras figuras importantes na constituição das cidades negras brasileiras eram os marinheiros, conforme aponta a citação abaixo.

“Mais recentemente vários estudos têm destacado o papel histórico dos “homens do mar”, da “cultura marítima” e das experiências de marinheiros - a maioria negra nas sociedades dos séculos XVII a XIX. As cidades negras atlânticas foram articuladas de alguma maneira por esses personagens. Navios, conveses e portos constituíram espaços improvisados de comunicações, gestação de culturas étnicas, criação de linguagem e percepções políticas originais.

Locais para o surgimento de personagens e idéias transatlânticas. [...] Existia uma vasta teia de rotas e fugas e contatos que se lançava pelas baías, rios e lagos das cidades negras, alcançando distantes pontos do Atlântico.” (FARIAS et al., 2006, p. 47) Além dos portos e navios, as ruas e tabernas das adjacências também constituíam espaços de vivência e relações.

A diáspora negra urbana era composta por uma malha fina e extensa de relações, e ela não se limitava aos centros das cidades. Quilombolas suburbanos que se instalavam em morros ou planícies próximas faziam parte do comércio da área e recebiam apoio de libertos e pessoas brancas (FARIAS et al., 2006). Os acampamentos eram provisórios, itinerantes.

“Num estudo sobre as áreas urbanas de São Paulo e

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suas imediações, na segunda metade do século XIX, a historiadora Maria Cristina Wissenbach (1993) destaca os espaços de vivência negra. Eram entre chácaras e casebres que se movimentavam escravos e libertos. Mundos urbanos e semi-urbanos se encontravam conformando estilos das comunidades negras em gestação. Cativos e forros podiam comercializar gêneros ou trabalhar em improvisadas oficinas nas áreas mais centrais da cidade, fazendo desses trajetos periódicos - dos locais de trabalho às suas casas - espaços de socialização e construção de autonomia. Espalhando-se e estendendo os limites da cidade, escravos e libertos reorganizavam sua vida.” (FARIAS et al., 2006, p. 57)

Segundo MACIEL (2016): “(...) pode-se dizer que a luta dos escravos pela liberdade deu-se no Espírito Santo da mesma forma que no resto do Brasil. Além disso, o número de quilombos era tão grande que praticamente espalhavam-se por quase todo o território da província.

Entretanto, apesar da violenta repressão, a resistência aumentou e foi incorporada pela sociedade livre.

Foi graças aos sacrifícios e lutas dos negros que as autoridades adminis-trativas do Brasil acabaram cedendo às pressões, também internacionais, e foram, aos poucos, criando as leis para o fim da escravidão. Nesse sentido, muitos foram os heróis negros capixabas que lutaram pela liberdade. Para os negros, o fim da escravidão não significou o fim

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dos sofrimentos e das humilhações, mas foi o início de novas lutas pelo reconhecimento da dignidade de ser livre; lutas por trabalho, salários justos, comida, saúde, educação e moradia; lutas contra o preconceito de cor, a discriminação racial e o racismo; lutas contra a violência policial, o extermínio das crianças e adolescentes negros; lutas contra a exploração das mulheres negras. Enfim, lutas em defesa dos direitos que a própria Constituição Federal atual estabelece para um cidadão brasileiro livre.” (p. 103 e 104)

AS CASAS DE ZUNGU Para abrigar uma população cada vez maior de libertos, de imigrantes e de escravos de ganho que não moravam com os senhores, fazia-se necessário um maior número de casas, de modo que a falta de moradia popular tornou-se um problema crônico no século XIX, intensificado pelas chegadas de imigrantes a partir de 1840. Nesse contexto, moradias começaram a surgir pela cidade, sendo mais tarde denominadas de cortiço, ocupando as cidades negras tal como os palacetes, chafarizes, prédios públicos e demais intervenções desenhadas por arquitetos. Havia nesses locais a reinvenção de significados culturais, físicos e simbólicos.

As moradias escravas e negras “redefiniam as cidades atlânticas e produziram novos territórios” (FARIAS et al, 2006, p. 83). Um dos territórios mais misteriosos (pela falta de arquivos existentes e maiores pesquisas) eram as chamadas Casas de Zungu. Esses locais eram: "[...] um tipo de moradia, para onde convergiam homens e mulheres negros. E igualmente constituía um espaço de invenção de práticas culturais prontamente reprimidas se praticadas à luz da lua. Um

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esconderijo, um reduto bem protegido na imensidão de corredores e becos dos labirintos urbanos.

Para onde convergiam silenciosamente centenas de africanos, escravos, pardos, mulatos, libertos, crioulos e pretos. Em busca de amigos, festas, deuses, esperanças…" (FARIAS et al., 2006, p .84)

Os autores citam duas origens para a palavra zungu. A primeira vem do quimbundo, língua falada pela maioria dos africanos que chegaram no Brasil, e significa cova, toca, buraco. A segunda é de origem bakongo povos da África centro-ocidental -, no qual nzo significa casa para esses povos e ungu é uma modificação de angu, o alimento mais popular entre os cativos urbanos. O angu era um grande elemento de sociabilidade, muito vendido e consumido pelos negros. Segundo o historiador Luís Carlos Soares, os angus - equivalente à Casa de Zungus - eram os principais locais de refúgio para fugitivos e para refeições coletivas (FARIAS et al., 2006).

As casas cresciam no decorrer do crescimento das cidades. Eram em sua maioria casas térreas e com frentes pequenas, mas seus interiores continham grande complexidade, de modo que quem não conhecia essas construções não saberia se orientar.

“Um ambiente fácil para esconder-se de um perseguidor, pular um muro e sumir no emaranhado. Ainda mais tentador era criar microcomunidades que se reunissem em porões e sótãos, longe dos olhares brancos, para manter rituais, prescrever feitiços, juntar companheiros de cativeiro ou dar proteção a malungos perseguidos pela polícia e pelos senhores. Aparentemente angus e zungus surgiram nas cidades como locais de refeição, onde africanos e

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crioulos repartiam o alimento conseguido a duras penas. Espaços e práticas para estreitar laços de solidariedade tão importantes para estrangeiros, escravos e libertos. Logo, porém, o alimento entrou para segundo plano. E a formação de redes de ajuda mútua se tornou a tônica dessas microcomunidades africanas e suas denominações.” (FARIAS et al., 2006, p. 86-87)

Uma parte dos arquivos disponíveis para pesquisa são os registros policiais da época. Em 1879, no Espírito Santo, ficou registrada a prisão de Rosa Benguela em um Zungu, ela tinha 69 anos e trabalhava nas ruas da cidade vendendo doces como escrava ao ganho. Ela estava em uma das casas com companheiros e companheiras quando foram surpreendidos pela polícia. Apesar de mais velha, ela não era a líder, esse papel era desempenhado por uma africana Mina chamada Maria do Carmo. De acordo com pesquisas, as africanas da Costa da Mina eram em sua maioria as principais organizadoras e formadoras das Casas de Zungu.

“O fato é que o zungu tornou-se mais um espaço (podemos citar outros, como os quilombos suburbanos e as irmandades que veremos) onde as fronteiras étnicas urbanas foram relidas, interpretadas e modificadas por aqueles que chamamos genericamente de africanos ou crioulos. Um local de encontro, de troca, de solidariedade, onde a fronteira étnica podia ter, momentaneamente, pouca importância como fator de cizânia. Assim, damos uma nova interpretação do significado maior do zungu para a população africana urbana. Talvez a imagem generalizada da resistência fosse tão importante como trocar, compartilhar, solidarizar-se, mesmo

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sabendo que esses atos tinham um forte impacto subversivo na visão das autoridades. [...] Talvez um chamado. Um chamado distante da cultura, do rito, da cerimônia, da aldeia, da tribo, da gregaridade natural de povos e sociedades, em que o papel do grupo é tão importante. Como já foi destacado por relevantes estudos antropológicos, a proximidade da sociedade ocidental moderna não representou a súbita morte cultural e étnica de outros povos.

Pelo contrário, esses dispositivos aglutinadores se tornaram ainda mais importantes, mesmo sofrendo modificações muito grandes. Como denominar esse processo: adaptação, recriação ou reinvenção?

Como já foi exposto pioneiramente por vários estudiosos, as tradições africanas não foram mantidas no ambiente da escravidão na América em sua plenitude original, mas recriadas. A essência do ato cultural podia se manter, mas a morfologia, o recorte externo e mesmo a amplitude sofrem variações profundas. Elas cunharam a expressão reinvenção cultural e étnica como conceito explicativo central dessa nova visão, não buscando mais permanências, sobrevivências puras, como ilhas de africanidade num mar de ocidentalização, mas sim a versatilidade, a plasticidade cultural dos africanos para adaptar-se ao quase sempre hostil ambiente da escravidão.” (FARIAS et al., 2006, p. 92-98)

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Gravura de louis villeneuve, do século 19, mostra o lundu, dança criada a partir dos batuques dos escravos. Fonte: Museu do Amanhã.

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VITÓRIA MODERNA COLONIAL Como exposto anteriormente, a modernidade investe em um discurso de ruptura entre passado e presente, ela nega tudo que há de anterior e celebra a transformação a partir de um movimento de destruição. Nesse sentido, o espaço urbano foi o grande palco material e cultural da modernidade. Nela coexistem dois mundos: uma em plena transformação que serve de modelo e outro que é o atraso - o colonial no caso do Brasil.

Vitória não escapou a este processo. No final do século XIX a capital permanecia pequena e com núcleo urbano limitado. Saturnino de Brito engenheiro que assumiu o projeto de reforma da cidade posteriormente - e Muniz Freire - Presidente do Espírito Santo de 1892 a 1896 - atribuíram esse atraso à administração portuguesa e à maneira de organização da cidade como características inerentes ao processo de colonização (QUINTÃO, 2015). Em uma visita ao Espírito Santo na década de 1810, o viajante Auguste de Saint-Hilaire fez uma descrição da cidade de Vitória: “As ruas de Vitória são calçadas, porém o são mal; têm pouca largura, não oferecendo nenhuma regularidade . [...] A Vila de Vitória não tem cais; ora casas se estendem até a baía, ora se vê, na praia, terreno sem construção que tem sido reservado para o embarque de mercadorias. Esta cidade também é privada de um outro gênero de ornamento: não possui, por assim dizer, nenhuma praça pública, posto que aquela existente defronte do palácio seja muito pequena e é com muita condescendência que se dá o nome de praça à encruzilhada enlameada.” (SAINT-HILAIRE, 1936 apud OLIVEIRA, 2008 apud QUINTÃO, 2015)

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Vitória era uma típica vila colonial portuguesa, precária e obsoleta. As ruas e as construções arquitetônicas atendiam aos desejos portugueses e a população se concentrava em uma pequena área entre o mar e os morros (DERENZI, 1995 apud QUINTÃO, 2015). E assim permaneceu a capital até o final do século XIX. Este século foi marcado por grandes mudanças no ocidente. Uma delas foi o crescimento populacional. No Brasil, isso ocorreu por conta de um programa de governo que incentivou a imigração europeia e pelo êxodo rural de negros recém libertos do regime de escravidão. Esses fatores contribuíram diretamente para o aumento populacional das cidades brasileiras (FERREIRA et al., 2015).

Com empregos e agora com infraestrutura de transportes, a concentração de pessoas só aumentava e isso ficava evidente por conta do crescimento no número de edificações que serviam de habitação (VAZ, 2002 apud FERREIRA et. al., 2015). Contudo, muitas dessas moradias não possuíam instalações adequadas e eram insalubres, facilitando a proliferação de doenças.

No Rio de Janeiro e em Paris, a forma de resolver esse problema foi a mesma: reforma urbana. Com o discurso de modernizar o espaço citadino, as moradias coletivas insalubres foram derrubadas e em seu lugar construíram edifícios que só a camada social mais abastada poderia usufruir. E enquanto isso, a população mais pobre foi empurrada para locais periféricos que também não possuíam infraestrutura. Foi uma reforma urbana e social.

Em Vitória, o problema não era a densidade demográfica, e sim a falta de estrutura e o aspecto colonial português da cidade. Nesse sentido, os governantes da época buscaram inserir também a capital do Espírito Santo nos padrões da Belle Époque francesa (FERREIRA et al., 2015).

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A mudança dos quadros urbanos aconteceu primeiro na Europa, sendo a reforma de Paris, sob projeto de Haussmann a mais marcante e que viria a ser usada como grande exemplo no ocidente. Na capital francesa ruas foram alargadas e retificadas, antigas estruturas foram destruídas em prol da higienização, do embelezamento e da racionalização do espaço (FERREIRA, 2009 apud QUINTÃO, 2015).

A transformação brusca de Paris foi um referência de ação sobre o solo urbano, mas não necessariamente um modelo de projeto a ser seguido à risca. Algumas obras seguiram o plano de destruição e reconstrução do sítio urbano, ao passo que outras partiam para a expansão da malha urbana a fim de deixar o velho para trás. Esse último caso foi o que aconteceu em Viena e Barcelona, modelos de cidades que foram paradigmáticas no projeto de modernização de Vitória: o Novo Arrabalde (QUINTÃO, 2015).

O objetivo era trazer a “civilização” para os trópicos. A fim de alcançar a “civilidade”, três ideais eram basilares: higienização, embelezamento e racionalização do espaço (FERREIRA, 2015). As elites copiavam da Europa o que era conveniente, mas sem despender ajuda aos pobres e sem romper a estrutura econômica vigente, essencialmente agroexportadora (QUINTÃO, 2015). Portanto, a modernidade era reservada aos poucos, muitos continuavam em posição de exploração, de certa maneira a hierarquia vertical da sociedade se manteve.

No caso de Paris, Haussmann praticamente demoliu a cidade medieval e erigiu uma nova e moderna no lugar. No novo não havia lugar para os pobres, eles foram renegados a áreas periféricas sem condições de habitação. Essa “população perigosa” devia ficar longe da burguesia abastada.

Na cidade de Vitória, a população pobre foi deixada para trás. O Novo Arrabalde surgiu para abrigar as classes ricas, os pobres ficaram no velho,

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sobretudo na região do Centro e da Vila Rubim. A cidade e a população continuaram a crescer, mas até hoje grande parte das pessoas pretas e pobres só ultrapassam a linha divisória - demarcada fisicamente, por exemplo, pela Avenida Leitão da Silva - para trabalhar, para servir. Depois da região do Centro e da Vila Rubim, a cidade destinada aos menos afortunados começou a crescer para cima, para os morros, além de se dirigir às cidades adijacentes a Vitória também.

O NOVO ARRABALDE Três personagens históricos foram essenciais para a implantação do projeto moderno em Vitória: i - Moniz Freire, ii - a Companhia Torrens, iii - Francisco Rodrigues Saturnino de Brito.

O primeiro foi presidente do Espírito Santo de 1892 a 1896 em seu primeiro mandato e de 1900 a 1904 no segundo mandato. Ele ansiava por modernização e um de seus projetos era transformar Vitória na principal praça comercial do estado, com objetivo de chamar atenção da administração central, atrair investidores wexternos e de ampliar suas influências políticas. A Companhia Torrens foi uma construtora de origem carioca que se tornou responsável pelas obras de infraestrutura de Vitória a partir da década de 1890; além disso, a construtora tinha grandes interesses em adquirir lotes e fomentar a especulação imobiliária na ilha, fato que supostamente influenciou a localização do projeto do Novo Arrabalde.

O terceiro personagem foi Saturnino de Brito, engenheiro responsável pelo projeto do Novo Arrabalde; era sanitarista e seu ideal de modernização era baseado na higienização, no racionalismo e no positivismo.

Como descreve Quintão (2015): “Tratava-se de um plano norteado pela modernida-

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de urbana, mediante largas e retas avenidas, como Paris, valorizando os contornos geométricos e a ruptura com o passado colonial, ainda marcante nas características da cidade.”

As cidades foram e são a expressão material da Modernidade e de seus valores. Assim como a Paris de Haussmann, várias cidades pelo mundo sofreram transformações objetivando alcançar o patamar de “civilidade” da Europa Ocidental. Contudo, isso foi construído a partir de políticas higienistas e segregadoras do espaço, com a elite ocupando as novas avenidas “limpas” das doenças e os novos empreendimentos, e a as classes populares - constituída em sua maioria por negros, ex-escravos e seus descendentes - deixadas na “cidade velha” com pouca infraestrutura.

Apesar da modernização urbano-arquitetônica, Vitória continuava sendo uma cidade essencialmente exportadora, como todo o país. Não foi uma reforma que olhava para o povo, mas sim para o capital estrangeiro (QUINTÃO, 2015). Foi assim no período colonial, no monárquico, no republicano e é até hoje, no caracterizado como democrático. Somos hoje subservientes na ordem mundial e nossas cidades respondem positivamente aos desejos das elites nacionais e internacionais.

LIMPEZA Entre o final do século XIX e o início do século XX o Brasil passou por um vertiginoso salto populacional. Nas áreas de cidade esse crescimento atingiu 412%, de 3,1 milhões foi para 15,7 milhões.

Nesse sentido, os higienistas proclamavam que a concentração de pessoas pobres proliferava vícios e doenças. Junto a isso haviam as teorias raciais que colocavam a miscigenação e a afrodescendência como catástrofes do povo brasileiro. Essas duas condutas deixavam negros sem

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emprego e sem lugar na sociedade.

As elites capixabas almejavam um embelezamento e um progresso que andavam junto com essas teorias raciais de embranquecimento. No Rio de Janeiro, famílias foram expulsas de suas casas em prol de uma europeização que não era somente física, mas da população também. O positivismo e o racionalismo chegaram ao Brasil pelo Rio de Janeiro e junto com eles veio a antropologia evolucionista europeia que defendia a superioridade de pessoas brancas. Esses aparatos ideológicos influenciaram diretamente nas ações do poder público na capital do Brasil - então Rio de Janeiro - e na do Espírito Santo.

O aspecto colonial das cidades impelia investimentos estrangeiros, era preciso embelezamento e infraestrutura. Ou seja, apesar de independente e sob regime republicano, o Brasil continuava a serviço do capital estrangeiro. As mudanças vieram para atender uma determinada elite burguesa e citadina, e não se estendia a todos os cidadãos.

Dois atores estiveram ativos na guerra contra a insalubridade das cidades: o Estado, aplicando normas de higienização, construção e demolição; e o setor da construção civil que abraçava as oportunidades de investimento e colocava em prática as normas ditadas pelo poder público.

E esse tipo de empreendimento era definido como forma de angariar investimentos estrangeiros.

No Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX, o Ministério do Império trocava correspondências com autoridades locais sobre como as epidemias, os cortiços, a saúde pública e a presença de negros libertos estavam relacionados. A reforma e a higienização, de maneira elitista e racial, resolveria o problema da cidade (CHALHOUB, 1996 apud FERREIRA et al., 2015). Aos pobres sobrou o preconceito, a expulsão e a exclusão.

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Essa tríade de extermínio social pode ser identificada nas mudanças que aconteceram na sociedade brasileira no final do século XIX. Certamente que sempre houve nessas terras preconceito com afrodescendentes, indígenas e pobres, e embora a escravidão não existisse mais como instituição social e política, essas pessoas ficaram com os serviços mais precários, menos remunerados ou informais. Nesse sentido, a elite branca prioriza a mão de obra do imigrante europeu. Essas ações não são apenas de ordem preconceituosa e excludente, mas de um política de embranquecimento da população brasileira.

Essa iniciativa governamental era baseada em teorias raciais alegadamente científicas, como o evolucionismo e o darwinismo social. Sobretudo no século XIX, os modos de pensar, viver e fazer dos brancos europeus eram considerados superiores e uma evolução natural do ser humano, em consonância com a teoria evolutiva de Charles Darwin. “Os sociólogos interpretaram o desenvolvimento cultural e tecnológico das sociedades tendo como base as teorias científicas de Darwin” (FERREIRA et al., 2015, p.75).

O europeu procurou neutralizar as desigualdades dos povos no sentido de provar sua superioridade branca e ao mesmo tempo não entrar em contradição com seus ideais liberais e democráticos, pois segundo essa lógica não foi ele quem estabeleceu a diferença, foi a natureza (TAMANO et al., 2011 apud FERREIRA et al., 2015).

Esse período foi de grandes transformações no Brasil: “a formação de mercados e a mercantilização de bens como moradia e o trabalho” (FERREIRA et al., 2015, p.75), a proclamação da república, a substituição do trabalho escravo pelo assalariado, a implantação de novas tecnologias que prezava por mão de obra especializada e não necessitava tanto de trabalhos braçais. Nesse contexto, a mão de obra de negros ex-escravos e seus descendentes - que não possuíam especialização - e seus trabalhos

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foram ainda mais marginalizados. Um povo que no Brasil sempre foi designado à margem social e econômica, e na grande maioria alocaram-se nos subúrbios.

A destruição de cortiços no Rio de Janeiro foi uma intervenção violenta instituída pelos poderes que agiam sobre a cidade contra um segmento específico da população urbana. Pessoas que não se enquadram nos padrões sociais, comportamentais, raciais e de higiene da elite dominante, que desejava transformar a cidade aos moldes parisienses. Nessa realidade, era preciso estabelecer a diferença, delimitar e limitar o espaço do outro.

No caso do Rio de Janeiro houve a destruição dos cortiços e a expulsão dos pobres, em Vitória o que aconteceu foi a expansão da malha urbana para cima do mar com o projeto do Novo Arrabalde. Nessa região que concentra bairros como Praia do Canto, Barro Vermelho, Santa Lúcia, entre outros, a elite se alojou e traçou uma linha divisória entre o antigo e o novo, entre eles e os menos afortunados. Até hoje essa barreira existe e está bem delimitada. Às classes pobres e negras foi negado o direito de participar da modernidade.

A partir disso, criam-se mecanismos para lidar com a diversidade por parte daqueles que desejavam ares europeizantes nos trópicos. Um deles é a estigmatização do outro em “classe perigosa” e “classe pobre” dentro de uma cidade que opera somente sob lógicas técnicas e científicas (FERREIRA, 2015 apud CHALHOUB, 1996). Por isso a reforma urbana só seria possível com a organização técnica do espaço e a cientificidade do higienismo e do sanitarismo, provocando o êxodo das “classes perigosas”, “classes pobres”, composta por ex-escravos, migrantes nacionais, imigrantes que trabalhavam nas fábricas, ambulantes e quem sobrevivia de pequenos serviços. Sobre essa caracterização das “classes perigosas”, FERREIRA, 2015 apud CHALHOUB,1996, descrevem que:

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Mais de 60,01% da população é negra ou parda.

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AV. LEITÃO DA SILVA

De 20% a 40% da população é negra ou parda.

57 Fonte: IBGE - Censo 2010

Rendimento nominal médio mensal de 1 a 3 salários mínimos.

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AV. LEITÃO DA SILVA

Rendimento nominal médio mensal de 5 a 10 salários mínimos.

59 Fonte: IBGE - Censo 2010

“A noção de “classes perigosas” e “classes pobres” estava intimamente ligada à questão da ociosidade. Acreditava-se que o ócio levava à pobreza e os pobres carregavam vícios que produziam os malfeitores perigosos e prejudiciais à sociedade. Em consequência, todo indivíduo pobre, por mais trabalhador que fosse, era encarado como um potencial perigo. No contexto histórico no qual surgiu o conceito de “classes perigosas” era de se esperar que os negros estivessem em primeiro lugar na lista de suspeitos preferenciais. Soma-se a esse contexto, a própria representação que os ex-senhores e atuais patrões possuíam dos negros, que eram vistos como seres sem estímulos para o bem, sem educação, sem sentimentos nobres e, claro, ociosos.” (p. 78-79)

A ideologia da higiene garantiu poder aos doutores que a defendiam.

Eles detinham a influência para dizer quais moradias iam ser destruídas ou não em prol do sanitarismo da cidade. Aos corticeiros não havia seguridade caso suas moradias fossem demolidas - e foram. Apesar do liberalismo garantir o direito à propriedade privada e a sua não violação, esse direito não era estendido às classes da base da pirâmide social. Essas áreas eram sinônimo de lucro para quem tinha poder e um projeto de cidade, a muito interessava os higienistas, aos agentes imobiliários e aos governantes envolvidos.

As reformas urbanas foram políticas de exclusão, segregação social e extermínio da população negra, e que separavam os segmentos sociais em bairros diferentes. Acerca da política de morte que era destinada à população negra, FERREIRA et al., 2015 apud MARINS, 1998, pontuam que:

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“Por outro lado, a reforma sanitarista, além da demolição das moradias, priorizou o controle da febre amarela - epidemia com maior mortandade entre os imigrantes europeus. As doenças que mais ceifavam a população negra foram relegadas a segundo plano.” (p. 83)

Em Vitória, uma barreira muito grande para o empreendimento de uma reforma urbana de grandes proporções era a falta de dinheiro. Foi a partir de 1892, que em seu primeiro mandato, Muniz Freire desempenhou esforços para edificar uma nova capital para o estado, sempre aos modernos padrões arquitetônicos e urbanísticos da época.

O Novo Arrabalde, antes de ser um projeto de melhoramento da cidade, a fim de construir um bairro convidativo e saudável, fora concebido a partir de uma lógica de mercado de terras, um empreendimento imobiliário.

No governo de Muniz Freire, os projetos modernizadores do município começaram a acontecer no sentido de abrigar novas funções econômicas e sociais - o surgimento de uma burguesia local - através do saneamento, do embelezamento e da racionalização do espaço, mais para preparar a cidade para o novo do que solucionar os problemas já existentes. Acerca dos poderes atuantes em Vitória, FERREIRA et al. (2015), complementam: “Não obstante algumas diferenças, a modernização e urbanização de Vitória e do Rio de Janeiro partilham o contexto onde uma elite rude, atuando em favor de seus interesses, alijou a maioria da população dos benefícios básicos elementares. A modernização chega à cidade de Vitória por meio de um grupo condutor, que mesmo alternando-se no poder, não deixava de privilegiar a si próprio e aos

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demais setores dominantes. Portanto, procurou se moldar às transformações ocorridas internacionalmente e no próprio país, pela ideologia ou pela coação, tentando sempre traduzir em atos e discursos certa ideia de mudança e progresso.” (p. 98)

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III.

POTÊNCIA AFROFUTURISTA

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[ REF. ] Space is the Place é um filme de ficção científica e música, lançado em 1974, dirigido por John Coney, escrito e estrelado por Sun Ra. Duração de 85min. No filme, Sun Ra deixa a Terra e suas formas de opressão, para explorar o espaço em uma nave, junto de sua Arkestra (sua banda) e um grupo formado por pessoas negras, no intuito de criar uma colônia negra em outro planeta.

Sun Ha em Space Is The Place, 1974.

Fonte: The New York Times.

Disponível em: https://static01.nyt.com/images/2015/04/05/arts/05AFROFUTURISM/05AFROFUTURISM-superJumbo.jpg

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Não só de dor, apagamentos, descaso e tantas outras violências, é feita a história dos negros pertencentes à diáspora. Se existem pessoas negras hoje, é porque no passado houve luta, resistência, sobrevivência.

E no campo da Arquitetura e do Urbanismo pouca atenção tem se despendido para colocar em perspectiva as tecnologias sociais da população negra que foram e são essenciais para a sobrevivência e manutenção de toda a sociedade. A criação de alternativas que possibilitam a vivência e a sobrevivência com o outro foram e são elementos chave que garantem a continuidade histórica (NASCIMENTO, 1988 apud PEREIRA, 2019).

Nas disciplinas, as discussões giram em torno da precarização da vida urbana de maneira generalista, dando pouco ou nenhum espaço às pautas raciais. O Brasil é um país patrimonialista, onde a propriedade é um dos mecanismos mais eficazes na manutenção das desigualdades. Não levar em conta as racialdiades no campo da propriedade e das materialidades é corroborar para a perpetuação de desigualdades. Contudo, colocar em voga a dívida histórica para com os afrodescendentes e a amplidão das vivências negras no sentido de propor ações acrescenta mais legitimidade na reivindicação de políticas e reparações nunca feitas (PEREIRA, 2019).

Apesar do inconsciente coletivo acreditar que as formações brasileiras são exclusivamente brancas europeias, a realidade é que nosso país é uma América Africana sem latinidade, mas com ladinidade, somos formadores da Améfrica Ladina. Todos os brasileiros são ladinoamefricanos. (GONAZLEZ, 1988).

O sujeito racializado enxerga o mundo a partir de um lugar específico, e diante dos códigos e normas postos cria seus territórios autocentrados, com suas próprias políticas, afetos e existências. É de muita importância afirmar e reafirmar as complexidades da presença negra nas cidades (PEREIRA, 2019). Segundo Fanon, (2008), a simplicidade do negro é mais um

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mito forjado por quem é um observador externo superficial.

A grande questão é como aprender a cidade considerando a relação e a herança com África partes do legado urbano. Pereira (2019) destaca que: “Não se trata de inversão de polos ou da positivação de práticas e dinâmicas socioespaciais e culturais marginalizadas. Mas de reconhecer que sua complexidade exige, para acessá-la, uma formulação política, epistemológica e histórica despida dos gestos, costumes e repertórios da colonialidade e do patriarcado, ainda inquestionados e legitimados em tantos espaços. É nessa encruzilhada que reside a potência de uma abordagem interseccional nos estudos sobre a cidade.” (p. 4)

É importante reiniciar a partir de outro ponto que não o da ausência e da debilidade a fim de enxergar elementos que permitiriam vivências e sobrevivências, mas sempre levando em conta as opressões dos processos que nos constituem enquanto sociedade.

O racismo é uma das condicionantes que garantem a manutenção do processo de denegação - descrito por Freud como a negação de pertencimento e a defesa da afirmação de pertencer. O racismo brasileiro se volta aos negros, que são a expressão viva da nossa amefricanidade, ao mesmo tempo em que nega sua própria existência sob o mito da democracial racial.

Nas sociedades em que o racismo acontece por denegação - como no caso brasileiro -, as melhores formas de resistência se deram por meio de manifestações culturais. Existem diversas comunidades no continente e cada uma carrega suas particularidades, mas o racismo é o sistema dominante em todas elas, entranhado em todos os níveis de pensamentos e institui-

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[ REF. ] Quanta (1997) é um álbum musical de Gilberto Gil, composto por 26 faixas e dois discos. Quanta, como disse o próprio compositor, é “uma leitura poética sobre a ciência e sobre suas interfaces com a filosofia, a religião e a arte” e o seu objetivo é criar “pontes entre o campo mágico e o campo da física".

Fala de Gilberto Gil em entrevista ao G1. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/ mauro-ferreira/post/2020/04/17/discos-para-descobrir-em-casa-quanta-gilberto-gil-1997.ghtml

Capa de álbum Quanta (1997) de Gilberto Gil. Fonte: g1.globo.com

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ções. A maneira de tomar consciência de si é abrir mão de uma linguagem racista.

Neste sentido, M.K. ASANTE (1988), destaca: “Toda linguagem é epistêmica. Nossa linguagem deve contribuir para o entendimento de nossa realidade. Uma linguagem revolucionária não deve embriagar, não pode levar à confusão”.

Para a efetivação dessa consciência, Lélia Gonzalez (1988) propõe o uso de AMEFRICANO e AMEFRICANIDADE para designar todas as epistemologias afrocentradas, e que são contidas por processos políticos e culturais de criação de novas formas, resistência, adaptação e reinterpretação que fogem do “caráter territorial, linguístico e ideológico” (p.76) que AFROAMERICANO carrega. A Améfrica é uma referência etnográfica criada por nós e nossos antepassados no continente que vivemos hoje, baseado em modelos africanos - e indígenas.

A história é marcada por etnocídio, sofrimento, humilhação, mas não podemos deixar se esvair as histórias de “heróica resistência e a criatividade na luta contra a escravização, o extermínio, a exploração, a opressão e a humilhação” (GONZALEZ, 1988, p. 78). A ladinidade que teve que se ter para sobreviver é o que nos constitui enquanto amefricanos.

Face a toda cultura e toda explosão criadora é muito mais coerente utilizar AMEFRICANIDADE. Na época da escravista ela se manifestava por meio de revoltas, deresistÊncia, “nos quilombos, cimarrones, cumbes, palanques, marronagens e maroon societies, espraiadas pelas mais diferentes paragens de todo o continente (NASCIMENTO, 1981 apud GONZALEZ, 1988, p.79).

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Reconhecer essa Amefricanidade é “reconhecer um gigantesco trabalho de dinâmica cultural que não nos leva para o lado do Atlântico, mas que nos traz de lá e nos transforma no que somos hoje: amefricanos” (GONZALEZ, 1988, p.79).

Muita coisa foi apagada, em tantos anos de violências - de variadas naturezas -, mas existem heranças irrefutáveis da existência negra em toda América, elas estão “nos gestos, nos gostos, nos corpos, na música, no jeito de fazer, na forma de ocupar, na memória, no recontar, nos objetos, nas invenções e nos causos” (p. 6). Tudo que possibilite criação e recriação de mundos pode e deve ser reivindicado.

A Arquitetura e o Urbanismo foram e são usados como elementos constituintes de opressões nas cidades. Gabriela Leandro (2019) pontua: “Embora imaginar e construir territórios sejam práticas históricas inerentes à população negra do lado de cá do Atlântico, o racismo, essa tecnologia que opera o mecanismo de morte, continua a produzir a dês-humanização de determinados sujeitos, corroborando para a desclassificação de sua propriedade no fazer cidade. O racismo neutraliza o constrangimento da eliminação do outro, e de suas faculdades.

Reconhecer a sua existência estrutural e encará-la de frente, parece ser o único caminho viável para que seja profícuo o encontro entre o direito à cidade e as questões raciais, vislumbrando a conciliação para uma vida comum possível.” (p. 7)

Além de análises e críticas, temos que assumir em nossos discursos e ações posturas daquilo que pode vir a ser. O passado é para nós um arquivo de ação, não somente de acesso a fatos, temos a possibilidade de olhar

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para o passado e enxergar outras formas de existir no futuro. É nesse limiar que a ficção científica se apresenta como uma poderosa ferramenta (IMARISHA,2016).

Muito do que se especulava na ficção científica do século XX, se concretiza diante de nossas vidas, agora no século XXI, de forma acelerada. Um dos papéis da ficção científica é justamente delirar o presente além do que a ciência delira tendo em vista o tempo futuro, espera-se que se chegue a possibilidades, alternativas, à criação de novos mundos.

Donna Haraway fala a respeito de um modo de atenção SF, no qual a ficção científica se apresenta como uma ferramenta metodológica, inspiração criativa e teoria política. São as complexas relações entre concepção imaginária e realidade histórica convergindo em um momento futuro.

Para além de problematizar, a ficção científica é uma forma de ousar pensar outras realidades para a construção de um novo futuro. É importante imaginar futuros em que as minorias se apresentam como figuras centrais, em que suas experiências são levada em consideração. Não é sobre representação apenas, trata-se da construção de futuros melhores para todos, de forma conjunta. É uma questão de experimentação.

O conceito de literatura menor, pensado pelo filósofo Gilles Deleuze, é capaz de evidenciar as potencialidades na ficção científica. Ela possui 3 características principais: i - a desterritorialização da língua maior, acarretando a criação de uma língua menor dentro dela, um delírio que tem por consequência a língua de um povo ainda por vir.; ii - a ligação do indivíduo às questões políticas e iii - “o indivíduo só devem novas dimensões de ser através do coletivo”. “A literatura menor, então, cria uma nova comunidade nos limites daquela em que existe, cria uma comunidade por vir.” Tudo é político e coletivo, a ação coletiva cria e transforma continuamente. A ficção científica, portanto, é contida de um caráter de borda, possibilitando

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novas maneiras de encarar o mundo e ações de transformação. Sobre a definição de ‘menor’ de Gilles Deleuze, Calenti (2015) explica: “Para Deleuze, menor não é a configuração de certas literaturas, mas as potencialidades revolucionárias no seio de literaturas estabelecidas, grandes, canônicas. E se consegue isso a partir de uma desterritorialização da expressão, retirando a linguagem da sua função representativa, eliminando a metáfora como forma de retratar o mundo e apostando numa utilização intensiva da linguagem. A criação de imagens não é mais uma metáfora da realidade, mas uma produção de devires.”

Ursula K. Le Guin fala da ficção científica como bolsa, receptáculo para carregar e abrigar, capaz de explorar os limites da sociedade, seus devires-menores e as histórias não contadas. Octavia Butler celebra e problematiza o encontro, “aposta nas diferenças e no encontro com o outro como produtor de novas realidades, novas formas de estar no mundo.”

Carlos Calenti (2015), afirma: “Não é à toa, obviamente, que os personagens que carregam a decisão de mudar e se tornarem algo diferente de humanos para sobreviver, nas histórias de Octavia, sejam negros, ou refugiados, ou mulheres, ou tudo isso misturado. E não apenas porque essas são características compartilhadas pela escritora.

Mas porque são essas pessoas, são os seus devires-minoritários, revolucionários, suas histórias em rede, em saco, que sabem que mudar é necessário, que o status quo não interessa, que, em algum grau, o fim do mundo é tão iminente quanto necessário. O

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que significa realmente deixar de ser humano para quem nunca o foi de verdade? Nesse sentido, construir um outro futuro, um outro mundo, passa, necessariamente, por encontrar novas configurações de vida, novos acoplamentos, novas simbioses”.

É nesse sentido que o Afrofuturismo se apresenta como uma poderosa ferramenta de emancipação. Mas o que é Afrofuturismo? Segundo Ytasha Womack (2015):

“O afrofuturismo é uma interseção entre a imaginação, a tecnologia, o futuro e a liberação. [...] Tanto uma estética artística quanto uma estrutura para uma teoria crítica, o Afrofuturismo combina elementos da ficção científica, da ficção histórica, da ficção especulativa, da fantasia, do afrocentrismo e do realismo mágico com crenças não ocidentais. Em alguns casos, é uma reelaboração total do passado e uma especulação do futuro repleta de críticas culturais.”

Imaginar um mundo de liberdade, onde todos possam exercer suas individualidades sem mecanismo de opressão, é sonhar com um mundo que não existe e sonhá-lo coletivamente já é um passo no sentido de colocá-lo em prática. É uma articulação política no formato de ficção científica. É por isso que esta é tão necessária: ela nos permite pensar possibilidades para além do que existe hoje (IMARISHA,2016). É por meio da criatividade que podemos começar a construir novos mundos. A imaginação nos garante a liberdade para questionar e entender que

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nada do que está posto é fixo, e a partir disso podemos ter forças e movimentos para mudar as coisas conforme queremos. Certamente que a ficção não gera resultados imediatos no mundo tangível, mas ela nos serve como laboratório de investigação para experiências de diversas naturezas.

Um exemplo de ficção a ser abordada são as obras literárias de Octavia Butler, onde as personagens principais são pessoas racializadas - em sua maioria mulheres, cisgenero ou não -, elas são colocadas no centro e a partir disso surgem comunidades visionárias.

Pessoas marginalizadas não podem ser olhadas apenas como vítimas, e sim como líderes. As habilidades desenvolvidas por viver fora dos sistemas aceitáveis são potência para a criação de outros mundos, mundos justos (IMARISHA,2016).

Os sistemas que existem hoje não foram pensados para pessoas negras, inclusive, muitos foram criados para serem anti-negros. Não há motivos para tentar encaixar-se nesses sistemas, insistir nisso é perpetuar a mentalidade e os enquadramentos coloniais. É preciso olhar para as necessidades de suas próprias comunidades para que emerjam mundos com liberdade e autonomia que façam sentido.

Na época da escravização, pessoas negras eram constantemente lembradas que eram propriedade de alguém e que imaginar um mundo distinto disso era irreal. Hoje nós não somos mais propriedade, pessoas pretas no passado sonharam com o que pessoas negras podem ser agora. No passado elas reformularam a realidade, lutaram, resistiram e criaram quem somos hoje. Assim como eles fizeram, temos a responsabilidade e o direito de sonhar com outros futuros (IMARISHA,2016).

Em seu artigo Afrofabuçaões e Opacidade, Kênia Freitas parte da leitura de documentários contemporâneos e da trajetória do cinema negro brasileiro para trazer discussões sobre as produções negras e as diferentes

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[ REF. ]

O Ladrão de Dados em O Último Ano da História (1995) Disponível em: https://www.hkw.de/en/programm/pro tung/p_151347.php

78

). Fonte: hkw.de ojekte/veranstal-

O Último Anjo da História (do original The last angel of History) é um filme documentário de ficção científica, estreado em 1995, dirigido por John Akomfrah e escrito por Edward George. O filme aborda a diáspora negra e as ramificações do afrofuturismo através da imagem de naves espaciais e alienígenas, associadas às músicas de Sun Ra, George Clinton e Lee Perry e às literaturas negras de Octavia Butler e Samuel R. Delany.

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formas de representação. Freitas (2020) pontua que assim como a história dos negros na América, a história das produções cinematográficas negras também é fragmentada. E essa lacuna, essa ausência, abre possibilidade para uma especulação.

A autora traz o conceito de opacidade cunhado por Edouard Glissant. Para Glissant, reivindicar a opacidade é ir além do direito à diferença. A diferença é muito importante para reconhecer os direitos e as lutas das minorias, mas ela opera no campo da redução, coloca o outro em uma relação de transparência e projeção do pensamento ocidental. (FREITAS, 2020).

Compreender a diferença é colocá-la em uma relação, é adequá-la à escala ideal capaz de fornecer elementos para comparação e até julgamentos.

Aceitar a diferença é admitir a existência dela dentro do sistema individual. É criar o Outro novamente. É preciso acabar com a escala para evitar qualquer redução.

O direito à opacidade é o direito à "subsistência em uma singularidade não redutível”. “[...] não nos iludiríamos sobre a realidade; apenas colocar em questão já é começar a mudar seus dados.” (GLISSANT, 2008) A opacidade é o não-redutível, que é a garantia de participação e confluência. É possível conceber a opacidade do outro sem colocar a própria no meio estabelecendo uma relação. Não é necessário tornar-se outro ou fazê-lo à sua imagem, essas promessas de transmutação são mitos do Ocidente. É impossível ser Outro.

Uma grande questão que Freitas (2020) nos deixa é: como atuar por estratégias ativas de opacidade?

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[ REF. ]

Game Engine Series, 2016 Lápis, tinta e cartolina em papel aquarela 30''x20'' Olalekan Jeyifous

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[ REF. ] Olalekan Jeyifous é um artista e designer nigeriano, criado no Brooklyn. Com formação em Arquitetura pela Universidade de Cornell, ele trabalha com desenhos, instalações, esculturas e murais. Seus desenhos são construções de utopias urbanas e distopias, que mesclam arquitetura, tecnologia e cultura, a fim de levantar questões relativas ao mundo e à sociedade contemporânea.

Crown Heights Bodega EcoHaven #01, 2020 Ilustração digital Olalekan Jeyifous

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Dirty co tion Pic palavras os toten cultural verno fic gem do

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Texto dis

-dirty-co

[ REF. ]

omputer é uma obra dupla de Janelle Monáe, é um álbum musical e há o Emocture de mesmo nome, ambos lançados em 2018, compostos por 14 faixas. Nas s de Tim Grierson, da revista Rolling Stone, "Monáe brinca com as convenções e ns da ficção científica distópica para falar sua verdade e promover uma mudança l em direção a uma sociedade mais inclusiva e amorosa – não importa qual goctício ou real esteja tentando esmagar esse espírito. Monáe fala com uma linguapresente, mas para ela, o futuro é agora."

sponível em: https://www.rollingstone.com/music/music-features/why-janelle-monaes-

omputer-film-is-a-timely-new-sci-fi-masterpiece-629117/

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Na África Ocidental existe um grupo étinico centenário denominado Akan, eles reconhecem as histórias como o maior bem da humanidade. Entre eles existe uma lenda, da entidade Kwaku Ananse, que possui forma humana e forma de aranha.

De acordo com a narrativa, o mundo estava em uma era de tristeza, as pessoas não enxergavam motivos para viver e viviam entediadas. Ananse percorria todo o mundo com suas teias e diante da situação chegou à conclusão de que a humanidade precisava de histórias, mas o guardião das histórias era Nyame, o deus dos céus. Ele cobrou um preço pelas histórias e imaginando que Ananse nunca conseguiria pagá-lo, a Aranha ficou incumbida de muitas tarefas, como levar diversas criaturas para Nyame.

Após uma longa jornada contornando as artimanhas do deus dos céus, Ananse conseguiu entregar todas as criaturas e resgatou todas as histórias do mundo, devolvendo a felicidade para as pessoas (SANTOS, 2019).

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“Essa figura mítica aparece interagindo com várias divindades africanas em contos populares da tradição oral, que se consolidou como uma parte essencial da cultura de vários povos africanos durante sua escravização. No Caribe, por exemplo, Ananse é frequentemente celebrada como um símbolo de resistência e sobrevivência, pois dava aos escravos a esperança de que poderiam contornar seu sofrimento com a ajuda de seu intelecto, elaborando fugas e estratagemas de combate.(...) As histórias não são apenas um pedaço de cada povo antigo: são pedras fundamentais para reconstruir novos impérios culturais africanos pelo mundo” (SANTOS, 2019, p. 10 e 12)

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O termo Contos Arquitetônicos foi utilizado por Julio Tarragó Ribeiro em seu Trabalho Final de Graduação, orientado por Marta V. Bogéa, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em junho de 2016. Ele propõe ensaios projetuais sobre a cidade de São Paulo explorando espaços esquecidos que carregam mistérios e possibilidades.

Utilizo neste trabalho o termo CONTOS-PROJETO para ficcionar sobre a cidade de Vitória - ES.

CONTOS-PROJETO A PIRÂMIDE O METRÔ ÁGUAS

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90 em: https://castielvitorinobrasileiro.com/inst_como_sobrevivo_aqui Disponível

A PIRÂMIDE "A contrariedade a esses saberes [ocidentais] se dá enquanto acolhemos e respeitamos nosso tempo singular: o tempo do sorriso, do choro, do prazer, da gastrite.

O envelhecimento acontece enquanto estamos sendo geridas no útero. A autopreservação acontece quando entendemos que a modificação também é proliferação de novos modos de viver. Minha avó Julite diz que, quando envelhecemos, vamos diminuindo de tamanho, e só voltamos a crescer quando morremos. Veja, a vida se faz como uma sanfona: contrair e expandir. O quarto de cura de cada pessoa existirá enquanto houver a possibilidade de sair e entrar, ir e voltar, abrir e fechar, contrair e expandir nossa vitalidade. A contrariedade está aí, na experiência exusiática de movimentação, rodopio, caminhos impossíveis. Somos contrárias e contraditórias quando vivemos aquilo que é impossível ao colonizador. E o que tem sido esse impossível e incompreendido: nossa liberdade. Afirmar liberdade, sendo meu corpo racializado, já é uma atitude de contrariedade, pois a liberdade para corpos negros tem sido negada ao mesmo tempo em que tem se produzido uma experiência de encruzilhada. Aqui – em nosso corpo-encruzilhada – assumimos caminhos possíveis e impossíveis, numa dinâmica de negociação com as vidas que nos curam e com aquelas que nos querem aniquilar."

Castiel Vitorino Brasileiro Trecho da entrevista à curadora Diane Lima, sobre sua expo-

Castiel Vitorino Brasileiro Como sobrevivo aqui Instalação 6m² Santos 2018

sição 'O Trauma é Brasileiro', onde reflete sobre as complexidades de suas vivências. Disponível em: https://amlatina. contemporaryand.com/pt/editorial/trauma-brasileiro-castiel-vitorino/

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1

POSSÍVEL INSTALAÇÃO DOS MÓDULOS E MONTAGEM D Vista superior

DA PIRÂMIDE 95

Na Antiguidade as pirâmides eram locais sagrados, abrigavam templos e túmulos dos Faraós e pessoas de alto escalão da sociedade egípcia. As estruturas remanescentes nos mostram a complexidade tanto no seu método construtivo quanto na composição de seu interior, repleto de corredores e galerias, espaços pequenos e subterrâneos.

Egípcios, Maias, Astecas construíram esse modelo de infraestrutura. Quando brancos europeus se depararam com a existência delas, muito começou a se especular sobre como eram construídas, até hoje existe dificuldade em precisar os métodos. Assim como em outras reminiscências de comunidades do passado, o europeu teve dificuldade em compreender maneiras múltiplas de se viver. A especulação de que pirâmides foram construídas por alienígenas ainda ronda o imaginário de algumas pessoas.

A Pirâmide surgiu de um anseio pela criação de bases. A estrutura se dá por meio de módulos metálicos rizomáticos e pode ser construída conforme as necessidades. Esse espaço modular cúbico de 10x10x10m surge como um alicerce para o desenvolvimento das subjetividades individuais e coletivas. Uma página em branco pronta para ser escrita, cada uma da maneira que for do desejo das pessoas. Moradia, cultivos, festas, esportes, religiosidades, curas, estudo, conhecimento, fabricação. Tudo pode acontecer na Pirâmide. É uma cidade dentro da cidade, feita para abrigar tudo que for desejado e necessário.

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10,0 m

DISPOSITIVO GIRATÓRIO PARA EXPANSÃO

10,0

1

m

0 10,

m

MÓDULO METÁLICO RIZOMÁTICO Isométrica 97

1

POSSIBILIDADES DE ARRANJOS DAS PIRÂMIDES

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KalÌ Pavilion, de e Nadia Perugg Fonte: Archday

1 100

ARRANJO DE VIVÊNCIAS NA PIRÂMIDE Elevação lateral

e Irene Librando gi. yli.

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DETALHE DA JUNÇÃO DOS PILARES METÁLICOS PARA MONTAGEM DOS MÓDULOS Isométrica

1

2 102

DISPOSITIVO DE GIRATÓRIO DE EXPANSÃO Isométrica

Suporte para instalação de mais pilares Dispositivo de rotação

Base metálica Mecanismo de fixação

Pilar metálico

3

DISPOSITIVO DE GIRATÓRIO DE EXPANSÃO Isométrica explodida

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Print do texto de Kênia Freitas sobre documentários que reivindicam o PretEspaço. Disponível em: http://multiplotcinema.com.br/2020/11/pretespaco-as-cidades-nao-imaginadas/

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O METRÔ

“Não é Lisboa. Não é Berlim. Não é Natal. Não é Roterdã. Não é Paris. (...) PretEspaço que também não é Fortaleza, mas sim é“lá onde as luzes artificiais ainda não apagaram as estrelas e tu conhece as ruas fora dos mapas de papel” em Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno (Leon Reis, 2018). Antes, a cidade zoneada em níveis de acessos raciais e sociais é para o jovem preto na madrugada o lugar do terror e do perigo – os lanternas brancas estão ali em cada esquina à espreita e os amigos brancos de carro já (sempre?) estão longe demais. A cidade só é, então, enquanto encruzilhada. Bifurcações e duplos da volta para a casa e/volta para si – mas são quatro pontas.”

Trecho do texto de Kênia Freitas, 'PretEspaço: as cidades não imaginadas'. Disponível em: http://multiplotcinema.com. br/2020/11/pretespaco-as-cidades-nao-imaginadas/

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Na modernidade, negras e negros foram obrigados ao deslocamento para um continente que não conheciam, para desempenharem um trabalho forçado. Não tiveram liberdade de deslocamento.

O metrô nasce da necessidade de autonomia nos deslocamentos, de ultrapassar os carros da contemporaneidade branca, de poder ir de um ponto a outro sem empecilhos.

O metrô esférico se move na vertical e na horizontal, a sala de comando fica na área superior da esfera e os pilotos estão sempre atentos ao próximo ponto de parada.

As estações principais estão situadas no alto dos morros das pirâmides. Espalhados pela cidade, há locais de parada rápida, onde os passageiros podem entrar e sair. É sobre comandar seu próprio corpo e seus andares, reinar nos solos e subsolos. É saber que se é daqui, mas que também se é de lá. É de fato VIVER - e não apenas sobreviver - sua microdiáspora diária, habitando o PretEspaço e se multiplicando por onde passa.

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ESTAÇÕES DE DESEMBARQUE RÁPIDO

Basílica de Santo Antônio, Santo Antônio, Vitória - ES

Praça Duque de Caxias, C

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória - ES

Av. Expedito Garc

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Centro de Vila Velha - ES

cia, Cariacica - ES

Rua Sete de Setembro, Centro de Vitória - ES

Av. Nossa Senhora da Penha, Vitória - ES

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ÁGUAS

"Se o mar tivesse varandas foi construído em torno de uma impossibilidade. Criando novos versos para um conhecido mote da quadra popular portuguesa, procurou-se subverter o seu sentido original. Com isso o trabalho deseja criar uma ponte de um extremo do Atlântico ao outro, entre o Brasil e o continente africano, à medida que as imagens dos familiares da artista surgem por sobre as águas. Como um reflexo do insconsciente e de si mesmo, a água também é entendida como um veículo de histórias que muitas vezes estão ocultas, e precisam ser invocadas para se fazerem presentes. Ao banhar os retratos de seus antepassados em água, busca trazê-los de volta para seus lugares de origem, onde tudo começa e termina, em ciclos contínuos de renovação e transmutação."

Sinopse de Se o Mar Tivesse Varandas, curta-docu-

Fotografia Se o mar tivesse varandas, 09:11 Aline Motta 2017

mentário de Aline Motta. Disponível em: http://www. alinemotta.com/Se-o-mar-tivesse-varandas-If-the-sea-had-balconies

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Neste projeto a escolha foram os rios. Vitória é uma ilha com uma quantidade considerável de aterro. Os morros foram perdendo seu mar imediato.

Os rios e canais abertos aparecem como espaço-ponte, como locais de criação de memórias, de renovação, contratempo, fonte de trabalho, veículo, lazer. Eles surgem como um negativo às grandes avenidas, para mudar o tempo da cidade e conectar com o mar. É uma natureza refúgio e ao mesmo tempo expande as relações, é sobre revelar as águas e o que vem com elas.

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FUTURO RIO URBANO (Atual Av. Leitão da Silva)

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_CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante as pesquisas foi possível perceber como os processos colonizadores empreendidos pelos brancos europeus foi nocivo e violento contra as populações de África e América. Outras vivências nasceram e foi preciso se adequar e sobreviver às condições impostas. Apesar dos racismos, apagamentos e mortes, pessoas negras e indígenas sobreviveram e estão hoje - assim como no passado - produzindo vida, cidades, saberes e ofícios.

Foi possível notar como existem nas cidades resquícios de colonialidade, de lógicas externas excludentes e segregadoras aplicadas em nosso contexto. Mas frente a isso, há dinâmicas de resistência, das quais se deve tirar partido para o futuro.

A ficção científica aparece como uma criadora de questões tensionando o presente e extrapolando-o. O que vem a seguir? O que queremos a seguir?

Temos que imaginar o mundo que queremos para construí-lo, fazer uma projeção de nossos desejos. E a despeito de muitas ficções científicas, nós queremos Negros no futuro, queremos Negros em todos os locais que quisermos estar.

Em busca de subverter as lógicas ocidentais de produção da Arquitetura e Urbanismo, o Afrofuturismo foi a ferramenta utilizada, interseccionando imaginação, tecnologia, criatividade, cultura e relações. A imaginação acontece como política. Dentro das lógicas ocidentais, criar histórias com Negros no futuro e com Negros dominando tecnologias no presente e no que há de vir, é desafiar as normas. Ter controle sobre imagens e liberdades é resistir.

Este trabalho parte do desejo de questionar e emancipar, de ir além do que está posto. A Arquitetura e o Urbanismo também vão estar no futuro.

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O que vamos fazer com eles agora? O que vamos fazer com eles depois?

Se essas disciplinas partem da premissa do que ainda não existe, se fazer um projeto é ficcionar, a imaginação é o campo em que o passado, o presente e o futuro se encontram. O presente texto não busca respostas, ele busca perguntas e especulações. E tem total compromisso com a realidade.

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_REFERÊNCIAS CABRAL, Amílcar. Racismo e Cultura. In.: FAZZIO, Gabriel Landi; MANOEL, Jones (org.). Revolução Africana: uma antologia do pensamento marxista. São Paulo, Autonomia Literária, 2019. p. 127 - 171.

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Pensar o documentário [recurso eletrônico] : textos para um debate.

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VITÓRIA - ES 2021 128