Revista Cidade

Page 1

FELIPE FOGUINHO Skatista conta sua hístoria e como anda sua carreira como SKATISTA profissional

GRAFITE De crime a arte: A hístoria do grafite nas ruas de sp

SABOTAGE A ÚLTIMA ENTREVISTA DO RAPPER ASSASSINADO EM SÃO PAULO




SUMÁRIO Grafite Pg. 8 De crime a Arte: A História do grafite nas ruas de São Paulo

Beco do Batman Pg. 14 O incrível Beco do Batman, na Vila Madalena em São Paulo

Slam Pg. 20 Campeonatos de slam ganham adeptos na cidade

Capoeira

Pg. 22

Evento entra no universo de mulheres capoeiristas para debater questões de gênero


Pg. 24

Futebol de Várzea Em São Paulo, várzea se divide entre tradição e modernidade

Pg. 28

Skate

Entrevista com um dos Mestre do Skate, Felipe Foguinho conta sua hístoria e fala sobre sua carreira Pg. 32 Mais articulada, cultura da periferia de SP ganha visibilidade Pg. 36

Hip-Hop

A influência da cultura hip-hop se mostra cada vez mais frequente e representativa no cotidiano de diferentes grupos sociais ao redor do planeta. Pg. 40

Sabotage

A última entrevista do Rapper antes de ser assassinado em São Paulo. Pg. 50

Food trucks

Às vésperas da regulamentação da lei para a venda de alimentos em vias públicas, pelo menos sete veículos circulam pelas ruas da metrópole. Outros dez já estão a caminho. Pg. 54 A Tinta Como Arma

Pg. 56

Galeria do Rock

Além dos roqueiros, a Galeria do Rock é velha conhecida da turma do rap e do hip hop. Pg. 58

Pontos Turísticos de SP Pontos Turísticos para ver a pé no centro de São Paulo


Coordenador: Gabriel A. Rodrigues de Jesus. Designers: Angélica Aguilar Munhos, Ariane Ferraz dos Santos, Daniel Victor S. Ramos Cunha, Gabriel A. Rodrigues de Jesus, Victor Henrique Mendes Almeida. Publicidade: Victor Henrique Mendes Almeida, Angélica Aguilar Munhos. Fotografia: Bayer Jovens, Helge Tscharn, Flavio Samelo, Sérgio Silva, Bruno Viterbo, Gregório Torossian, Fernando Frazão, Mike Peel, The Photographer, Kleber Narvaes, Deni Williams, Dornicke, Governo do Estado de São Paulo,Marco Aurélio Eparz, Edson Aoki, Peter Louiz, Kleber Narvaes, Victor Grigas, Henrique Boney, Guilherme B Alves, Eugenio Hansen. Redatores: Lais Modelli, Alessandra Fratus, Juliene Moretti, Luiz Felipe Albuquerque, Gonçalo Junior, Guilherme Genestreti, Rafael Gregorio, Xico Sá, Cássio Brandão, Sophia Braun, Gabriela Santos, Camila Coubelle. Editores de Fotografia: Daniel Victor S. Ramos Cunha, Gabriel A. Rodrigues de Jesus. Infografistas: Ariane Ferraz dos Santos, Daniel Victor S. Ramos Cunha, Gabriel A. Rodrigues de Jesus.

Os textos utilizados para a composição da revista podem ser encontrados no link a baixo: https://bit.ly/2slBDle


CARTA AO LEITOR A Revista Cidade foi idealizada para o Projeto Integrado Multidisciplinar para a Universidade Paulista. O projeto foi desenvolvido pelos alunos: Angélica Aguilar Munhos, Ariane Ferraz dos Santos, Daniel Victor S. Ramos Cunha, Gabriel A. Rodrigues de Jesus, Victor Henrique Mendes Almeida, estudantes do 2º e 3º semestre do Curso de Design Gráfico no Campus Tatuapé. A Revista busca passar ao leitor um conteúdo voltado para a cultura de rua paulistana, viajando do cenário do rap e do hip hop nacional até o gourmetizado mundo dos foodtrucks. Acompanhe entrevistas, notícias e matérias especiais sobre as ruas de São Paulo.




DE CRIME A ARTE: A HISTÓRIA DO GRAFITE NAS RUAS DE SÃO PAULO No início da década de 1980, desenhos enormes de frangos assados, telefones e botas de salto fino começaram a aparecer em muros de São Paulo. Eram alguns dos primeiros grafites em espaço público da capital paulista, feitos pelo artista etíope radicado no Brasil Alex Vallauri. Naquela época, com a liberdade de expressão caçada pela ditadura militar, o grafite era considerado crime pela legislação brasileira. “A própria ocupação da rua já era vista como um ato político”, diz o sociólogo e curador de arte urbana Sérgio Miguel Franco.

12

E nas obras de Alex Vallauri era possível entender o lado político do grafite paulistano: um dos seus primeiros desenhos foi o “Boca com Alfinete” (1973), uma referência à censura.Nos anos seguintes, ele encheu os muros da capital de araras e frangos que pediam Diretas Já, o slogan do movimento por eleições diretas no final da ditadura. Vallauri influenciou outros artistas a ocuparem as ruas da capital paulista e a data de sua morte - 27 de março de 1987 - é lembrada como o Dia do Grafite no Brasil. O aniversário de 30 anos da data, em 2017, criou nos artistas a expectativa de que este seria um ano de valorização do trabalho que fazem na cidade. No entanto, em 14 de janeiro, o novo prefeito da capital paulista, João Doria Jr. (PSDB), anunciou que seria apagados os painéis da avenida 23 de Maio, como parte do programa “São Paulo Cidade Linda”. A decisão provocou críticas dos artistas e dividiu opiniões entre especialistas em arte urbana.


13


Grafitódromo

C

om a polêmica gerada após a ação, a Secretaria da Cultura de São Paulo afirmou que pretende cria uma área para grafiteiros e muralistas no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, chamada de grafitódromo. Segundo Doria, assim como a arte fica nos museus, o grafite também deve ficar em “lugares adequados”.A ideia é inspirada em Wynwood, um bairro de Miami que abriga painéis e murais de arte urbana, assim como a venda de produtos licenciados para viabilizar o negócio.

14

“Doria não precisa olhar para Miami para intervir nas artes de rua. O mundo é que olha para nós. São Paulo sempre foi a capital do grafite mundial”, afirma Rui Amaral, autor do primeiro grafite pintado à mão em São Paulo, em 1982. Para o artista plástico Jaime Prades, que também fez parte da primeira geração de grafiteiros, o grafitódromo representa um limite para liberdade de expressão. “É uma visão paternalista que quer impor o que considera ‘certo’. Logo, o grafite é algo errado, que tem que ser contido e controlado”, diz. “Mas nesse caso, não seria mais grafite, já que a alma do grafite é interagir com a cidade livremente.” A prefeitura também informou que criará um programa de grafite, que terá início com a criação, na rua Augusta, do Museu de Arte de Rua (MAR), no qual 150 artistas terão seus painéis expostos por até três meses. “Criar um distrito para o grafite pode ser interessante, pois daria total liberdade para aqueles artistas exercitarem sua arte. Seria necessário verificar quais se-

riam estes critérios para estabelecer o local certo. Eles teriam que ser ouvidos e a população também”, defende o arquiteto João Graziosi, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. Graziosi diz, no entanto, que a criação do grafitódromo não deve excluir outros locais da cidade possíveis para os murais e grafites. “Os painéis da 23 de maio, assim como a parte de baixo de viadutos e uma série de paredes cegas existentes na cidade ficaram bem melhores com a intervenção artística, por exemplo. Acho que deveriam continuar a existir.” Já para a arquiteta e professora Ana Cláudia Scaglione Veiga Castro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, “a ideia de grafites em ‘lugares adequados’ pareceria inadequada se não fosse trágica”. “Trata-se de uma espécie de ação de marketing que busca dar visibilidade a essa ideia de prefeito-gestor, aquele que administra a cidade como se esta fosse uma empresa. Nesse caso, o ‘gerente’ da empresa quer dar um exemplo para seus ‘funcionários e clientes’ de que não se deve sujar as paredes.”


Grafite x pichação A discussão sobre o grafite como arte ou como vandalismo, segundo Rui Amaral, reflete o modo como cada gestão pública entende essas intervenções urbanas. A autorização para fazer intervenções na avenida 23 de Maio, por exemplo, era pedida pelos artistas desde a gestão de Jânio Quadros (1986 a 1989), mas foi autorizada somente no fim da gestão de Fernando Haddad (PT), em 2016. “A avenida 23 de Maio foi o ápice do movimento artístico urbano paulistano”, relembra Amaral, que é responsável pelas gravuras do buraco da av. Paulista, desenhados pela primeira vez, de forma ilegal, em 1989 e legalizados em 1991 pela gestão de Luiza Erundina (PT). Até 2011, o grafite em edifícios públicos era considerado crime ambiental e vandalismo em São Paulo. A partir daquele ano, somente a pichação continuou sendo crime. De um modo geral, a pichação - que costuma trazer frases de protesto ou insulto, assinaturas pessoais ou de gangues - é considerada uma intervenção agressiva e que degrada a paisagem da cidade. O grafite, por sua vez, é considerado arte urbana. Para o sociólogo Alexandre Barbosa Pereira, pesquisador de Antropologia Urbana da Unifesp, a dissociação entre grafite e pichação contribuiu para que o grafite começasse a ser aceito, mas apenas como forma de combate ao picho. O pesquisador lembra que uma das justificativas da gestão Doria para apagar os painéis da 23 de Maio era a presença de pichação sobre eles.

“O grafite, mais associado à arte, é mais facilmente entendido como forma de ação do Estado e mesmo do mercado, já a pichação, execrada pela maioria da população, é uma máquina de guerra, nômade e difícil de ser capturada. Assim, fica mais fácil criminalizar esta e mesmo criar certo pânico moral em torno dela como forma de marketing político e publicidade pessoal.” Outro efeito da decisão de legalizar somente o grafite, segundo Rui Amaral, é a confusão entre os conceitos de grafite, pichação e muralismo. De acordo com o artista, foi o que aconteceu na decisão do atual prefeito de apagar os painéis da avenida 23 de Maio. “O que havia na 23 de Maio eram murais, e não grafite. Os murais são painéis autorizados e encomendados”, afirma. “(A artista plástica japonesa naturalizada brasileira) Tomie Ohtake também tem painéis em espaços públicos e duvido que a gestão pública mexeria na obra dela sem consultar os responsáveis.” A artista plástica Bárbara Goys, autora de um dos painéis apagados da 23 de Maio, diz que ação contra as obras é “um tiro no pé”. “Por trás de um grafite existe uma história que não pode ser ignorada”, diz. “A própria capital criou um guia mapeando os grafites na cidade. Não sei como será agora, talvez tenham que refazer este guia. E, infelizmente, agora a avenida 23 de Maio perde o título de maior mural a céu aberto da América Latina.”

15



Do erudito ao popular Qual é exatamente a origem do grafite em São Paulo? Para acadêmicos, ele é fruto dos jovens do movimento hip hop que nasceu na periferia da capital. Mas para alguns dos pioneiros da arte de rua na cidade, o grafite paulistano nasceu de movimentos artísticos consagrados, que foram trazidos para um contexto público e urbano. Segundo o sociólogo Sérgio Miguel Franco, os primeiros desenhos que apareceram na capital eram influenciados pelas culturas negra e latina e traziam consigo um traço marginal. “O grafite foi um espelho próspero para a cultura desenvolvida pelos jovens de origem periférica da cidade.” Para o artista Prades, os 20 anos de censura e isolamento cultural imposto pela ditadura militar fizeram com que os grafiteiros que passaram a ocupar as ruas na década de 1980 se inspirassem na obra dos artistas plásticos da geração dos anos 1960. “O pensamento que alimentava as ações de arte nas ruas era fruto da nossa tradição modernista, da anarquia antropofágica, da poética neoconcretista, da irreverência inspiradora de Flavio de Carvalho, Waldemar Cordeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Artur Barrio, Nelson Leirner, Mira Schendel e muitos outros”, conta. Prades era membro do Tupinãodá, um dos primeiros grupos de artistas grafiteiros do Brasil. O coletivo, responsável pela ocupação do Beco do Batman, na Vila Madalena, escolhia lugares públicos considerando sua relevância para a cidade de São Paulo. “Evitamos sair por aí pintando nas paredes das casas das pessoas, não fazia sentido. Quando decidíamos pintar, escolhemos

espaços públicos de grande impacto urbano”, afirma. “Era uma catarse, um grito de jovens artistas de uma geração esmagada pela brutalidade insana e truculenta da ditadura. Artistas que não trilharam o caminho da formalidade e que, ao perceberem a dificuldade de encaixar-se no sistema da arte, procuraram encontrar o seu próprio espaço.”

17


grafites fazem a fama do Beco do Batman



U 16

ma galeria a céu aberto. É a definição fácil para a Rua Gonçalo Afonso, o Beco do Batman, pequena viela que serve de alternativa ao trânsito da Rua Luís Murat, ladeira nos fundos do Cemitério São Paulo. Com paredes inteiramente dedicadas ao grafite, sua história remonta à década de 80, quando um desenho do homem-morcego apareceu naquele canto do bairro. A partir daí, estudantes de artes plásticas passaram a cobrir o cinza dos muros com regularidade. “Quando chegamos, em 1985, o lugar estava sujo, deteriorado e sem vida. Passamos a pintar sistematicamente, todas as semanas”, relembra Rui Amaral, autor de algumas das primeiras pinceladas por lá, ao lado do americano John Howard. As imagens são variadas, de letras estilizadas a influências cubistas e psicodélicas. O colorido chamou a atenção da rede de TV e rádio inglesa BBC, que em seu site descreveu o local como cheio de “energia criativa”. Apesar de não ser uma galeria formal, a Gonçalo Afonso tem suas regras. Na ética da rua, quem está na parede é o dono do pedaço. Desenhar sem pedir autorização é chamado de “atropelar”. “Eu não posso chegar lá e pintar, mas, se vejo uma obra desgastada, converso com o autor e sugiro mudança. Ele pode autorizar que eu altere ou ele mesmo o faz”, conta Luis Birigui, grafiteiro há dez anos. É justamente esse regime de autogestão que fez a fama da rua. “Virou referên-

cia de ocupação do espaço público, um lugar criado e conservado pela própria comunidade”, afirma Baixo Ribeiro, fundador da galeria Choque Cultural. Em três décadas, a viela escondida passou a servir de cenário para fotos de publicidade, festas e passeios turísticos. “Desde 2009, já levei cerca de 1 500 pessoas ao Beco do Batman”, calcula Thiago Cyrino, dono da agência de turismo Soul Sampa. “Em torno da rua surgiu um circuito de atrações para amantes de artes plásticas, como a Mercearia Baraúna, na Rua Harmonia, que tem móveis criados por Lina Bo Bardi”, diz Diogo de Oliveira, da SP Bureau. Quem visita acaba voltando, porque, no muro vivo da Vila Madalena, as cores sempre se renovam.





CAMPEONATOS DE SLAM GANHAM ADEPTOS NA CIDADE

Por aqui, são apenas dois slams oficiais na cidade. O Zap! e o Slam da Guilhermina. Com as mesmas regras, este acontece toda última sexta-feira do mês próximo à estação de metrô da Vila Guilhermina. Os vencedores também concorrem

a l

A modalidade nasceu em 1986 em um bar de jazz em Chicago, pelo grupo Chicago Poetry Ensemble, como tentativa de popularizar a poesia falada. O jogo ganhou força nos Estados Unidos na década seguinte, chegando em São Francisco e Nova York. Em 2002, atravessou o oceano e chegou à Europa, espalhando-se principalmente por França e Alemanha, onde ocorrem competições que reúnem milhares de pessoas.

S

Desde o ano passado, toda segunda quinta-feira do mês o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, em Perdizes, fica lotado. Mesas e uma pequena arquibancada improvisadas são voltadas para o microfone em um dos lados do salão. Esta é a noite do slam Zap!, competição de poesia falada onde cada jogador precisa recitar versos próprios em apenas três minutos. Jurados definidos na hora dão as notas para cada poema. Os que somarem mais pontos seguem para as próximas rodadas, que acontecem na mesma noite. “Os vencedores de cada mês disputam em dezembro a grande final”, diz Roberta Estrela Dalva, uma das fundadoras e organizadoras do campeonato, ao lado de Eugênio Lima, Cláudia Schapira e Luaa Gabanini. Apesar de existir desde 2008, foi nos dois últimos anos que o slam ganhou força – e mais competidores. Quem levar a melhor no fim do ano garante a vaga para representar o Brasil em junho, na França.

m

Competições de poesia falada levam vencedor a disputar mundial na França


as passagens para o torneio francês. Há ainda a opção não-oficial para aqueles que gostariam de testar suas habilidades poéticas – ou apenas ouvir poesia: o Menor Slam do Mundo, que acontece também uma vez por mês, na Casa das Rosas. Organizado por Daniel Minchoni e Ge Ladera, o desafiado deve recitar versos próprios em apenas 10 segundos. A reportagem acompanhou uma das noites do Zap!, na qual 21 nomes se increverem para o jogo. Entre eles, o vencedor do ano passado, o músico Lews Barbosa. Organizador do Ter Sarau, em Heliópolis, ele participou de apenas quatro competições e uma delas o consagrou campeão em 2012. “Eu faço músicas e talvez isso tenha ajudado”, diz. “Agora participo porque preciso treinar mais. A pressão lá fora é grande”, conta. O microfone é aberto para todos que quiserem participar, sem precisar de inscrição prévia e a atividade é gratuita (paga-se apenas os petiscos e bebidas oferecidos no bar improvisado). Os próprios organizadores se revezam na animação da festa. Entre uma apresentação e outra, Eugênio comanda os pick-ups com black music – entre James Brown, Isaac Hayes e Sabotage. Roberta sorteia a ordem dos participantes e dá início à disputa. Dez segundos ultrapassados do tempo limite não geram punição. Mais do que isso, o competidor perde meio ponto. Luaa é responsável por avisar a penalidade, com a gaita. No fim, com aplausos ou não, cada jurado levanta a placa com a nota. O grupo vaia cada nota baixa e o júri tem a obrigação de não ceder à pressão da plateia. “É assim mesmo. Uma poesia pode impactar as pessoas de várias formas. Por isso,

é importante a variedade de jurados”, diz Lu’z Ribeiro, uma das poetas que se apresentou na noite e por pouco não passa para a segunda fase. Além das palavras, a performance do poeta ao microfone também é levada em conta. Vale deitar no chão, dramatizar e até cantar. No aquecimento, quando a competição ainda não está valendo, até versos sobre cervejas foram declamados. Na hora da disputa, os assuntos ficam mais sérios. Temáticas sociais, como o preconceito, drogas e miséria, e a rotina na favela são os mais abordados. Dos 21 participantes, sobram cinco para a segunda rodada e na terceira, apenas três. Este mês, os finalistas foram Lews, James Bantu e Emerson Alcalde, que está por trás do Slam da Guilhermina. “Aqui está a nata dos slams paulistanos”, diz Minchoni. Na última etapa, nenhuma nota ficou abaixo dos nove, o que deixou a disputa acirrada. Com a voz grave e interpretação suave, Bantu levou a melhor da noite ao cantar sobre as desigualdades do Brasil. “Tinha um tempo que não participava. Eu faço música também e estou gravando um CD”, contou o vencedor, que apesar da sua altura de 1 metro e 90 centímetros, responde em tom baixo e fica tímido ao elogiarem o poder da sua voz. Para os participantes, o grande desafio é conseguir levar a modalidade para outros bairros e, quem sabe, outros estados. “Eu sei de algumas iniciativas parecidas em outros locais e eu estou conversando para poder alinhar e fazermos um campeonato nacional. Imagina quantos poetas podemos ter por aí?”, planeja Roberta.

21


Evento entra no universo de mulheres capoeiristas para debater questões de gênero

E

ntre os dias 15 e 20 de novembro, mulheres capoeiristas realizam a sétima edição do evento “Chamada de Mulher”. A atividade pretende refletir sobre as questões de gênero dentro e fora do universo da capoeira.

22

Com uma programação extensa, os seis dias de atividade contarão com rodas de conversa sobre feminismo, sobre relações de gênero e terá exibições de filmes, atividades de danças e aulas de capoeira. Realizado pelo grupo Nzinga de Capoeira Angola, o evento integrará capoeiristas de vários grupos e coletivos de diversos estados do Brasil e de outras partes do mundo. Todos os espaços serão coordenados por mulheres. Mestra Janja, do grupo Nzinga e uma das organizadoras do evento, explica que o Chamada de Mulher dá continuidade a uma série de processos de organização de luta que vêm sendo realizados por mulheres nos últimos 20 anos no interior da capoeira. “O que está em jogo é discutirmos tradição, resistência e, portanto, chamar atenção ao fato de que a capoeira também deve se comprometer com essas bandeiras de luta que envolve a autonomia das mulheres, assim como elas se envolvem com outras bandeiras em defesa dos direitos das pessoas negras e da classe trabalhadora.”

Diversos ícones da cultura popular, como as mestras Paulinha, também do grupo Nzinga; Cristina, do Mocambo de Aruanda; Elma, do Nzambi, e Beth Belli, do Ilú Obá de Min, estarão presentes na atividade, que este ano traz o lema “Corpos em Jogo”, ao buscar levantar provocações e responder a questão: o que está em jogo quando estes corpos estão em cena? Mestra Janja fala sobre a relevância do tema: “Pensar o corpo é pensar a descolonialidade do poder e do conhecimento, entendendo que o corpo é um espaço sagrado e consagrado ao acolhimento desses saberes, seja aqueles conhecimento que lhes dão autonomia ou aqueles que lhes violentam”. Ela também ressalta a importância da presença e da força das mulheres nas culturas populares. “As mulheres são detentoras de grande parte dos legados culturais do nosso país. E infelizmente sobre elas se mantêm jogada uma cortina que as inviabilizam nesses processos.” Ela aponta também a necessidade de se dar maior visibilidade às mulheres como forma de romper com os processos de dominação.


“Nos cabem, então, refletir os processos que as inviabilizam, e ao fazermos isso buscar traduzir em importância para aquela própria cultura o quanto todo mundo ganha e o quanto a sociedade ganha se esses aspectos de invisibilidade, que são processos de dominação, se eles são quebrados e rompidos.” O evento acontece na própria sede do grupo INzinga, que fica na Rua dos Cariris, número 13, em Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo.


O 24

Botafogo de Guaianazes é dono de uma sede própria de 240 m² perto do CEU Jambeiro. Seu campo tem grama sintética que exige R$ 18 mil por ano em manutenção. O uniforme, inspirado no Botafogo carioca, tem cinco patrocinadores fixos. O time tem um parceiro que ajuda na fisioterapia e produção dos uniformes. No mesmo bairro, o campo da Liga Esportiva de Guaianazes, a antiga cancha do River Plate, tem grama só nas laterais, no meio é terra batida que levanta um poeirão em cada dividida. Os próprios moradores aparam a grama e fazem a limpeza do córrego que passa perto na linha lateral. Querem evitar doenças quando os meninos vão buscar a bola que cai lá depois de uma bicuda. A renda vem da lanchonete e do aluguel dos campos. São R$ 600 por time para um torneio que vai até novembro. Essas duas faces da várzea paulistana estão separadas por apenas três quilômetros, ou nove minutos de carro, como atesta o GPS. Essas paisagens não estão só em Guaianazes, quase na linha de fundo da zona leste, mas se multiplicam por toda a cidade. O Ajax da Vila Rica, o “Lobão da Vila”, vende seus uniformes em uma barraquinha na beira do campo – aceita cartão - e também na loja Granzotti, tra-

dicional na região. Na zona sul da cidade, o campo do Flor de São João Clímaco, que antes era de chão batido, quase sem grama e cheio de morrinhos e buracos, foi substituído por um vistoso e verdinho gramado sintético. Alguns campos contratam locutores para os grandes jogos. Inúmeros clubes estampam suas marcas em chaveiros e relógios. “Esse é o crescimento normal do futebol. A modernidade valoriza o futebol amador”, diz Itamar de Jesus, presidente do Botafogo. A modernização muda também o jeitão das competições. Hoje, o principal torneio da várzea é inspirado na Liga dos Campeões da Europa (leia abaixo) e oferece ao campeão uma taça que é a réplica da “orelhuda”, o troféu que Cristiano Ronaldo e Salah vão disputar no dia 26 de maio, em Kiev. Anos atrás, havia até álbum de figurinhas dos jogadores amadores. O antropólogo Enrico Spaggiari, que defendeu a tese “Família joga bola. Constituição de jovens futebolistas na várzea paulistana” em seu doutorado na USP, em 2015, explica que o futebol amador se espelha cada vez mais nas práticas do futebol profissional. “Existe um movimento de aproximação da várzea ao futebol profissional. Por isso, a grama sintética, que representa uma ruptura com os campos de terra, e a venda de


EM SÃO PAULO, VÁRZEA SE DIVIDE ENTRE TRADIÇÃO E MODERNIDADE A tradição do ‘terrão’ convive com a venda de produtos licenciados e grama artificial

produtos licenciados”, diz o especialista. “Muitos representantes dos clubes citam a expressão profissionalização da várzea”, completa. “Somos contra. Grama e terrão são a várzea verdadeira”, sentencia Otacílio Ribeiro, integrante da Sociedade dos Clubes Mantenedores do Complexo Esportivo de Lazer e Cidadania do Campo de Marte. Como já deu para perceber pelas palavras de Otacílio, o Campo de Marte, na porção norte da cidade, representa a tradição. São seis campos utilizados semanalmente por cerca de cinco mil pessoas, entre jogadores e torcedores. A bola corre em chão de terra batida, algumas redes dos gols precisam de remendos urgentes. A área é famosa por outra razão. Após uma longa disputa judicial com o Ministério da Defesa pela posse do terreno, os defensores dos campos de várzea da região conseguiram um acordo para que a área fosse administrada pelo município. Ali serão construídos um parque público, o Museu da Aeronáutica e um Centro Desportivo Comunitário. A modernização também mudou a relação dos jogadores com os times amadores. Em alguns deles, os craques são contratados – sim, algumas equipes da várzea pagam seus atletas – para atuar duas ou três por semana em diferentes

regiões da cidade. Uma van leva e busca os grandes talentos. Cada partida vale entre R$ 150 e R$ 300. No campo da liga de Guaianazes, o papo é outro. “Já tinha gente no campo desde às 6h30”, conta Claudio Clementino dos Santos, presidente do Paradão. Os jogos vão acontecendo e os jogadores de várias regiões da cidade param nem que seja por meia hora para a famosa resenha. “A várzea não representa apenas o futebol em si, mas define formas de sociabilidade, com o churrasco e a confraternização do final de semana”, diz Aira Bonfim, pesquisadora do Museu do Futebol, entidade que se debruça sobre o tema, visita a várzea com frequência e possui acervos fotográficos e documentais das equipes centenárias. As fontes de financiamento também são diferentes. No Campo de Marte, o dinheiro para manutenção dos clubes sai das mensalidades dos associados, de empresários locais e de eventos comunitários. No total, os clubes possuem dois mil associados que pagam mensalidade entre R$ 20 e R$ 25. Os patrocinadores fixos do Botafogo garantem uma verba de mensal de R$ 4 mil. Em todos os casos, o financiamento público também é uma boa fonte de irrigação. Mas ela é indireta. Não existe uma política pública definida de finan-

25


ciamento do futebol amador. Com isso, surgem ações pontuais nos momentos de campanha eleitoral para vereador ou deputado estadual. “Existem torneios com o nome do vereador de uma região”, exemplifica Spaggiari. Modernos ou tradicionais, os campos mantêm uma relação calorosa com o passado. É quase uma reverência. O Botafogo se orgulha de ter vários joga-

dores que viram seus pais atuando ali e decidiram continuar a tradição. Não é estranho colocar juventude e tradição na mesma frase. O time do bairro também é um sinal de identidade, de quem sou. “Quando venho aqui, eu me lembro da minha infância”, diz o motorista Edvado Maciel, olhando para o campinho com a terra batida desde sempre.


AMADORES TÊM SUA LIGA DOS CAMPEÕES No dia 20 de maio, no estádio do Água Santa, o time do Pau no Gato vai enfrentar o Mocidade Esporte Clube. O jogo é muito mais que uma partida do futebol amador. É a final da Copa Pioneer, o mais prestigiado torneio de várzea de São Paulo. O campeonato é totalmente inspirado na Liga dos Campeões da Europa. O troféu é uma réplica da “orelhuda”, apelido do troféu do principal torneio de clubes europeus – Real Madrid e Liverpool fazem a final no dia 26. Os jornalistas interessados na cobertura devem fazer credenciamento antecipado. As imagens

dos jogos são registradas por drones e a final terá narração exclusiva. No torneio organizado pelo time do Pioneer de Diadema (de acordo com os jogadores, a pronúncia é piôner e não tem relação com a marca de equipamentos eletrônicos), a entrada dos jogadores obedece ao protocolo da Uefa: eles entram perfilados ao som do hino tradicional do torneio europeu. O glamour da competição se explica com o apoio de empresas e comerciantes da zona sul, que apostam na fidelização do público local e regional e que resgatar a importância da várzea como celeiro de atletas.

TRÊS PERGUNTAS PARA ENRICO SPAGGIARI, ANTROPÓLOGO 1. A cara dos campos de várzea em São Paulo está mudando? Por quê?

3. Qual é o futuro do futebol amador na cidade de São Paulo?

Existem alguns clubes que estão se espelhando no futebol profissional para tentar profissionalizar a várzea. Isso passa pelos equipamentos, como a troca dos gramados, por lojas responsáveis por produzir camisas, pela venda de produtos licenciados, até a preparação física e pagamento das equipes. Os melhores jogadores podem escolher em qual clube eles vão jogar. E são relativamente bem pagos.

Em São Paulo, existe uma intensa busca por espaços públicos de lazer por diversas modalidades e atividades. Não há hegemonia do futebol, como existia nas últimas décadas. A zona leste, por exemplo, que é a região mais populosa, tem uma grande demanda por pistas de skate. A pergunta é: como os clubes de futebol vão conseguir se manter, cuidar da manutenção de um gramado, por exemplo, sem uma política pública de apoio? Todos querem espaço, e ele é cada vez mais raro.

2. De onde vem o dinheiro dos clubes de várzea? A maior parte vem da própria comunidade. Empresas locais e pequenos comerciantes investem no clube da região como uma estratégica para se aproximarem da comunidade. Além disso, existe o financiamento público. Em época de campanha eleitoral, os candidatos se aproximam dos clubes na tentativa de aumentar o eleitorado. Não podemos negar que alguns clubes têm ligação com o tráfico, como outros, no passado, eram ligados ao jogo do bicho e outras atividades ilegais.

27


ACABOU O MISTร RIO! Conheรงa o novo integrante da equipe ON!


BEM VINDO À FAMÍLIA ON, FELIPE FOGUINHO!

F

elipe Caltabiano, ou “Foguinho” tem 22 anos e anda de skate desde os 11. Natural de Guaratinguetá, interior de São Paulo, mora atualmente na capital e se tornou skatista profissional em 2014. A partir de agora, Felipe se une a Otavio Neto, Marcelo Formiga, Murilo Peres e Creke Aires na família ON SKATE HARDWARE! Confira uma entrevista com ele, e saiba mais sobre sua história com o skate! Como e quando começou a andar de skate? Em 2005 o skate entrou na minha vida como um modo de me sentir livre, feliz e desafiado. Assim como eu me sentia no surfe, uma modalidade que havia começado a praticar cerca de um mês antes. Dentro dos dois esportes acabei me dedicando mais ao skate. Nasci em Guaratinguetá-SP, uma cidade que preserva uma grande história no skate devido aos brasileiros da década de 80 e aos eventos que aconteciam no Itaguará Country Club, justamente por esse estimulo me dediquei mais em curvas e ao bowl. De que forma a mudança para Florianópolis contribuiu com sua evolução no esporte? Florianópolis com o decorrer dos anos se transformou em um centro do skate, acredito que tenha o maior números de bowls por metro quadrado do Brasil, e vindo de Guará, eu não poderia ter escolhido outro local para morar, ainda mais no paraíso que é o bairro do RTMF – Rio Tavares. A mudança foi essencial para minha evolução e aprendizado, agradeço sempre a todos por me receberem de braços abertos e me incentivaram a viver esse lifestyle. Agradeço especialmente para família Barros e a todos amigos que fiz na “Ilha Mágica”.

Você passou para PRO em 2014, certo? A transição de um skatista amador para o profissional envolve muitas mudanças? Com certeza não é uma decisão simples, embora esteja trabalhando com o que você mais gosta de fazer, não deixa de ser um trampo… O comprometimento tem que existir. Dentro disso o trabalho de manutenção corporal é essencial, fortalecimento, fisioterapia e boa alimentação, tem que andar juntos, se não a “carcaça” não aguenta. Tem que estar na pegada de produção sempre e por este por motivo uma marca tem que estar por trás, apoiando e fortalecendo nas expectativas e em todos os projetos do skatista, o que hoje é uma das coisas mais complicadas no Brasil. Se tornar um profissional é um passo importante e tem que ser feito no momento certo e preparado, por que depois disso, a brincadeira fica séria. Você participa de muitos eventos pelo mundo, e este ano o Brasil recebeu alguns eventos bem legais de Bowl, você acha que a modalidade esta ganhando mais espaço no país? O Bowl/Park vem ganhando cada vez mais espaço e praticantes, assim como o skate em geral, mas o Park, na minha opinião, é a modalidade que mais consegue unir os estilos de skate, fazendo com que seja uma categoria “overall” e assim atraindo a atenção de um publico novo, dos leigos e também dos skatistas que gostam da mistura de estilos. A dinâmica nos eventos também é um ponto positivo para o Park, com o formato de “jam session” ou até mesmo por voltas, conseguem fazer uma competição mais dinâmica e interessante, a transmissão ao vivo cativa a galera e assim ganhamos maior visibilidade num geral. Acho inclusive que com muito trabalho a modalidade só tem a melhorar com os anos!

29


Quais os 5 melhores Bowls que já andou no mundo? Qualificar o melhor ou os melhores Bowls é impossível! Cada Park ou pico tem o suas características, por isso procuro dizer que o melhor pico é aquele que eu to agora, aquele que eu tenho pra andar. Em qualquer lugar que seja a ideia é sempre tirar o máximo, tanto em persão quanto em manobra. Claro que existem alguns lugares se encaixam mais com as características de cada skatista, no meu caso posso falar que me perti bastante andando em La Kantera Pool na Espanha, no Vert in Roça e no RTMF Bowl que ficam no Brasil, no Bondi Beach na Australia e no Backyard Pools nos EUA.

30

O que você prefere a adrenalina de uma competição ou a energia de uma sessão com os amigos? As duas sensações são boas e necessárias para evolução, uma é de um desafio e nervosismo batendo junto com a pressão de resultado. A outra é de andar desencanado e descontraído, deixando o “flow” tomar conta e o skate acontecer. O campeonato nos proporciona a momentos que nos fazem inventar e improvisar coisas que talvez você não fizesse em uma sessão normal e isso acaba te colocando em um nível maior de skate.Porem, não só eu, mas eu acredito que a maioria dos skatistas, prefere muito mais uma sessão com os amigos, uma sessão energizada, pega e longa, isso já vale pelo resto do dia. A sensação quando acaba uma sessão destas é de que não vemos a hora de o corpo descansar, pra que a próxima aconteça. As risadas e harmonia com os amigos também te trazem evolução, não intencionalmente, mas é algo que vem livre como uma forma de expressão de cada um dentro da energia presente no momento. É algo alias que não troco isso por nada!

Para quem esta iniciando na modalidade skate e esta curtindo andar em bowl existe alguma dica especial? Deixar fluir e o estilo importam muito! Levar o skate na persão sempre e andar com os amigos, mas… sempre saber que o coping block não é brincadeira. Bowl tem que ter pressão e correr as bordas, andar rápido é lei. Junte tudo isso e misture com suas características, sua personalidade e opinião… bata tudo no liquidificador! (risos) Sobre sua entrada na ON, como é ter um produto assinado e um personagem que ilustra isso? Sem palavras, o Otavio Neto sempre foi um cara que me inspirei muito, desde o meu inicio do skate em Guará tive ele como um ícone. Hoje ter a oportunidade de me unir a ele e uma equipe pesada como a da ON Hardware está sendo muito gratificante, tenho um respeito e admiro muito todos os skatistas da equipe. Estou amarradão com tudo isso! Agora faço parte de um seleto time de “bonequinhos styles” – o que já vinha querendo fazia tempos. O bonequinho F.F. (Felipe Foguinho) está agora em vários produtos da ON, e isto não poderia ser melhor. Com tantas conquistas e bons resultados dentro do skate, quais são os próximos planos? Muito importante para mim é continuar a ter bons momentos com o skate, estar na presença de amigos e família. Quero continuar representando o país nas mais importantes competições, focado sempre em melhorar meus resultados o meu trabalho de preparo. A produção de filmes e vídeos, é também minha maior ambição no momento, quero poder produzir histórias que representem meu skate e quem sou, isso é um sonho… pulgar cada vez mais o skate e também promover a evolução.



MAIS ARTICULADA, CULTURA DA PERIFERIA DE SP GANHA VISIBILIDADE


Passa das 21h e as mesas já estão cheias quando o primeiro poeta assume o microfone no Bar do Zé Batidão. O time de futebol mais popular da cidade disputa sua primeira final da Libertadores, mas a TV está desligada. “Aqui é a ‘La Bombonera’ da poesia periférica, mano!”, brinca Sergio Vaz, 48, escritor e fundador do Sarau da Cooperifa, citando o estádio do argentino Boca Juniors. Sem investimentos públicos ou privados, a Cooperifa completa 11 anos em outubro, oito deles no Jardim Guarujá, na zona sul. O pioneirismo se tornou referência e inspirou projetos semelhantes em outros bairros afastados do centro. Nas contas de Vaz, são mais de 60 saraus hoje na capital. A profusão de atrações não se resume à poesia. Há muita música --principalmente hip-hop, samba e reggae--, teatro, circo e dança. Iniciativas que atraem, cada vez mais, as atenções de quem mora nos bairros mais centrais. “A dinâmica cultural não é nova. O que é novo é a visibilidade desses movimentos”, explica Frederico Barbosa, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que estuda o acesso à cultura no país. Segundo ele, iniciativas como os Pontos de Cultura, lançados em 2004 pelo governo federal, ajudaram a dar fôlego às produções periféricas. “Essas políticas de fomento deixaram uma margem de autonomia muito grande para os grupos.” Rose Hikiji, professora de antropologia da USP e estudiosa da cultura da periferia, concorda. “Por muito tempo, as políticas públicas tentaram tornar a cultura acessível. Houve uma inversão. Percebeu-se que já havia práticas culturais enraizadas, como o samba e as danças de rua, que precisavam ser desenvolvidas.” Para Hikiji, o momento é de “instigar o centro”. “A favela sempre interessou para o cinema, para a literatura, mas, em geral, a produção era feita a partir do olhar da elite. Agora, é pela ótica da própria favela, fora dos estereótipos.”

“O momento é bom, mas a movimentação cultural sempre existiu”, diz Vagner Souza, 27, um dos organizadores do sarau Poesia na Brasa, que ocorre há quatro anos na Vila Brasilândia, zona norte. Segundo ele, o que mudou, além da visibilidade, foi o contato entre os movimentos. “Antes, a Brasilândia não sabia o que acontecia no Capão. Hoje os saraus se conversam, têm uma solidariedade graças às redes sociais.

BOTECO E CENTRO CULTURAL Diante da ausência de espaços culturais, muitos desses recitais ocorrem em bares. “Esse tipo de estabelecimento acaba sendo o único espaço de socialização da periferia”, afirma Dennis de Oliveira, professor da USP e especialista em comunicação popular. De acordo com a jornalista Tatiana Ivanovici Kwiezynski, 33, que criou em 2008 a rede DoLadodeCá para divulgar ações na periferia, o sarau transformou o boteco em centro cultural. “Não faltam histórias de moradores que voltavam do trabalho, viram pela primeira vez um recital e tiveram suas vidas modificadas”, diz. Mas, apesar da falta de espaços, a arte na periferia começa a se beneficiar de ações mais afortunadas, com sede, programação fixa e financiamento. O Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso capitaneia o time da fartura. Espaço municipal inaugurado em 2006 na Vila Nova Cachoeirinha, na região norte, o CCJ tem biblioteca, anfiteatro, teatro de arena para mil pessoas, estúdio de gravação musical e ilhas de edição em vídeo. Só neste ano, receberá cerca de R$ 5,5 milhões. No outro extremo está o Sarau do Binho. O bar em que era realizado havia oito anos, no Campo Limpo, zona sul, foi fechado em junho. Desalojado, Rob-son Padial, o Binho, 47, leva o evento para um lugar novo a cada segunda-feira. “Começaram alegando que não tenho licença, depois, estacionamento, depois,

33


34

ligação com gás, depois, que o banheiro não condiz com a planta.” Segundo a Subprefeitura do Campo Limpo, o estabelecimento não tinha licença para funcionar naquele local. “O subprefeito se comprometeu, desde que o zoneamento do novo endereço permitisse a atividade, a dar orientação técnica para agilizar a regularização”, afirmou em nota. Neste mês, o sarau ganhou um financiamento coletivo na internet. A ideia era angariar verbas para quitar dívidas, estimadas em R$ 8.000. A arrecadação já supera os R$ 7.000.

UNIÃO E AUTOAFIRMAÇÃO A rede de fomento que alimenta a cultura periférica é amparada, principalmente, por microcrédito e agentes culturais engajados. No Jardim Maria Sampaio, zona sul, o Banco Comunitário União Sampaio faz circular em 30 comércios uma moeda chamada “sampaio” e empresta a juros de 2%. O poeta Luan Luando tomou emprestados R$ 2.000 para editar 500 unidades do seu primeiro livro, “Manda Busca”. Ao preço de R$ 15, a obra já vendeu 450 unidades, o suficiente para repor o custo e ainda gerar ganhos. “Luan Luando é o best-seller da quebra-

da!”, diz Thiago Vinicius de Paula da Silva, 23, que se define como articulador cultural e é ligado à agência Solano Trindade. Idealizada em 2009, a entidade atua com força desde novembro, quando lançou sua própria moeda, chamada “solano”. Com 200 agentes, a instituição ajuda os artistas em três frentes: fomento, produção e comercialização. “Todo mundo fala em classe C, mas ninguém sabe falar com essas pessoas”, diz Tatiana Ivanovici, que já ajudou marcas como a Kaiser a articular campanhas nos subúrbios da cidade. As empresas, aliás, estão de olho na periferia. Vivo e Adidas têm seus logotipos expostos na quadra da Unas (União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco), na zona sul, onde ocorre todo mês a Balada Black Sem Álcool, que tem apoio do site Catraca Livre (catracalivre.com.br) e patrocínio da Ambev, gigante multinacional do setor de bebidas alcoólicas. “Nossa balada nasceu em um CEU, e lá não podia ter álcool. Quando mudamos, resolvemos manter a proposta”, explica o DJ Reginaldo José Gonçalves, 35. Ele e Ivon Alves, 34, o Ivonverine, reúnem de 500 a 800 jovens ao som de pancadões eletrônicos com pop internacional e hip-hop. Por outro lado, há casos em que a visibi-


lidade incomoda os criadores dos projetos. O Samba do Monte, no Jardim Monte Azul, na zona sul, é organizado desde 2008 por Jaime “Diko” Lopes, que tem a missão de exaltar as raízes paulistanas do gênero. O evento, que chegou a juntar 800 pessoas por edição, está interrompido até 2013. “Estava ficando difícil transmitir qualquer mensagem, então paramos antes que se tornasse só mais uma festa”, conta ele. Outra vítima do próprio sucesso é o projeto Samba Autêntico, cujo fruto mais vistoso é a Rua do Samba. Realizada no último sábado de cada mês desde 2002, a roda já reuniu 5.000 pessoas na avenida São João, segundo seu idealizador, o sambista e sociólogo Tadeu Augusto Matheus, 39, o T. Kaçula. O projeto está há três meses parado. “Chegamos ao local e fomos impedidos de atuar por policiais”, diz. Em nota, a Subprefeitura da Sé informou que não autoriza mais a realização da Rua do Samba por causa da venda de bebidas alcoólicas. Kaçula concentra-se agora em terminar as obras de sua sede, o Instituto Cultural Samba Autêntico, em seu bairro natal, a

Freguesia do Ó, zona norte. “Queremos construir teatro e auditório e reforçar nossa biblioteca.” Sergio Vaz, da Cooperifa, chama o momento atual de “primavera periférica”, em alusão às movimentações recentes no mundo árabe. “É a mesma efervescência cultural que a classe média viveu nos anos 1960 e 70. Canibalizamos o que veio do centro. Fizemos a antropofagia da periferia.” O escritor Ferréz, que despontou no fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000 com livros como “Capão Pecado”, não vê este como a melhor fase da cultura da periferia. Mas ressalva: “É o momento menos nebuloso. A gente já viveu cercado de fumaça. Agora, sabe com quem conversar, como chamar a atenção para conseguir as coisas”.

35


Hip-hop, a cultura das ruas

A influĂŞncia da cultura hip-hop se mostra cada vez mais frequente e representativa no cotidiano de diferentes grupos sociais ao redor do planeta.


37

A essência da música rap, um dos principais alicerces do hip-hop, com uma mistura simples e pulsante de rimas e batidas, dá uma boa dica sobre o êxito mundial do movimento. Em sua raiz, é um fórum democrático de troca de ideia, ideologias e histórias de vida. É uma música que ajuda e estimula a socialização dos indivíduos. Pode ser pela contestação, pela revolta, pela crítica ou pelo sarcasmo, mas o fato é que a música rap abre espaços para debates e trocas de experiências. O rap é a mais conhecida ferramenta da cultura hip-hop, mas é só um dos elementos de um rico conjunto de expressões artísticas que tem

as ruas como berço. A batida e a rima andam lado a lado com a dança (originalmente o break dance) e o desenho (o grafite que é a representação gráfica, as artes plásticas do legado do hip-hop). Tudo isso cria pontos de conexão que compõe o chamado quinto elemento: o conhecimento. É daí que vem a necessidade constante do hip-hop de preservar a sua história e, ao mesmo tempo, interagir com outros estilos e linguagens. Há 43 anos (o hip-hop nasceu em 11 de agosto de 1973, no South Bronx, em Nova York), pessoas de todos os lugares aderem à cultura hip-hop para expres-


sar seus sentimos e ter convívio mais positivo com o mundo. Não é possível dizer que este estilo foi criado, mas não é também, simplesmente, uma evolução de uma cultura anterior atualizada ao longo do tempo de forma premeditada. Falamos nascimento, porque o hip-hop foi tomando forma organicamente, em frentes diversas, movido pela necessidade de mudanças e autoafirmação, principalmente de pessoas segregados de outras atividades culturais.

38

Parte dessa ebulição originária do hip-hop pode ser vista em The Get Down, série para TV do Netflix, ou na cinebiografia do grupo NWA: Straight Outta Compton. O primeiro retrata a cena do começo dos anos 1970, na costa Leste americana, quando as primeiras block party experimentaram a mistura explosiva de rimas e batidas. Já no filme sobre o grupo NWA, ambientado na costa Oeste dos EUA, o foco é a revolução cultural e a rápida ascensão da nova indústria musical surgida nos anos 1980. Vale conferir estes dois registros que mostram bem como o hip-hop tomou os EUA de assalto e mudou de vez o comportamento dos jovens. No Brasil, não foi diferente, a juventude, já sem esperança nos modelos políticos

da época, via no conservadorismo vigente uma camisa de força herdada das duas décadas de ditadura militar, identificou de cara o potencial libertador do hip-hop. Produzindo as próprias batidas e rimas, organizando as próprias festas e rodas de break, os rappers brasileiros fizeram história. Daí voltamos na questão do conhecimento, o quinto elemento, sem ele o movimento hip-hop teria perdido força e, muito provavelmente, seria substituído por outro estilo. O que aconteceu, no entanto, foi a troca de experiências e aprendizado entre as gerações. Quem começava no hip-hop buscava a orientação dos mestres. Essa dinâmica fez com que cada vez mais jovens, os artistas de rap conseguissem consolidar a sua independência (autoral e financeira) para fortalecer ainda mais a base do hip-hop. Assim surgiram selos fonográficos, marcas de roupas, estúdios de gravação, rádio comunitárias, blogs e agências de notícias ligadas ao hip-hop e à cultura de periferia, além de muitas e muitas festas cabulosas (o hip-hop também valoriza o dialeto falado nos guetos das grandes cidades do mundo, cada um com suas particularidades). No fundo, o hip-hop nada mais é que a arte do encontro e da evolução.



A

Ú LT I M A

E N T R E V I S T A

D E

S A B O T A G E


U

m galo velho da vizinhança e um despertadorzinho de camelô, como o prefixo da alvorada de Mano Brown no disco novo dos Racionais, tiraram Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, da cama naquele 24 de janeiro. Tudo sempre igual na favela do Canão, zona sul. O cara catou a mulher pelo braço, como fazia quase todo santo dia, para levá-la ao trampo. Andava sossegado. Do tipo que chuta tampinhas pelas calçadas. E assobiava baixinho “O Meu Guri”, de Chi-

co Buarque, a sua preferida. “Vivia na paz e cumprimentava todos os manos e todos os velhos, no respeito”, conta Maria Dalva, 28, a “patroa”. Rapper cordial, treta zero — havia pelo menos quatro anos que não se metia em broncas. “E mesmo as confusões antigas não deixaram inimigos no seu rastro.” Quem fala agora não é mulher nem mano. Plantão do 16º DP, 18 de fevereiro, 25 dias depois. “Confusõezinhas de rua, bar, besteira”, diz Miguel Pinheiro, investigador-chefe.

QUATRO TIROS, ALGUMAS SUSPEITAS O cara deixou a mulher no trabalho, uma concessionária no Jardim Saúde. Maria Dalva pega cedo no batente, auxiliar de cozinha. “A patroa do Sabotage.” É assim que é conhecida na firma. O chapa do “Rap é Compromisso” bate-pernas de volta para casa. Logo ali tem um ponto de ônibus. “Firmeza, gente honesta do caralho”, costumava fazer a louvação, baixinho, só para os amigos, quando esperava as vans. “Parece gado, ninguém se revolta.” O homem na estrada. Quatro tiros secos, possivelmente de uma pistola de 380 milímetros, estouram ouvido, boca e coluna cervical do rapper. 5h50 da manhã no relógio da rua. Pânico em SP. O parceiro de Maria Dalva caiu atravessado sobre a calçada da avenida Professor Abraão de Moraes. Ainda vivo. No Hospital São Paulo, alguns amigos músicos enxergam, do outro lado do vidro da sala de cirurgia, o corpo do magrelo sangue bom. Só restava rezar. 11h25. Ponto final. Assassinato sem autoria conhecida, como os bê-ós narram

a matança nos arrabaldes. A primeira suspeita: um desafeto que havia deixado a cadeia no início deste ano. Os seus amigos da favela do Canão não levam muita fé nessa pista. E só abrem a boca, natural, sob a garantia do anonimato. Volta o investigador-chefe: “É lenda, não existe nenhum desafeto que tenha saído da prisão nos últimos tempos”. A polícia tem nas mãos apenas a máscara preta, daquelas de motociclistas, que o assassino largou ao lado do corpo. Nos depoimentos, tudo na base do ninguém sabe, ninguém viu. A polícia, velha inimiga e alvo do hip hop, não teria nenhuma razão para botar auréola em rapper, mas não enxerga depois de ouvir cerca de 40 pessoas — entre depoimentos oficiais e informais — inimigo com motivação para o assassinato. Suspeita número dois: um grupo de traficantes resolveu afrontar a família de Sabotage com a morte do seu parente mais notório. Falam os amigos: “Tudo pode acontecer”... Fala o investigador-chefe: “Não temos nenhum elemento que sustente essa linha de suspeita”.

41


M A EST RO D O C A NÃO Nascido em 3 de abril de 1973, na Zona Sul de São Paulo, Sabotage ainda era Mauro Mateus

Em 1997 lança seu primeiro albúm, “Supervisionando a sociedade.

No ano 2000 lança a música “Rap é Compromisso”, junto do albúm de mesmo nome, que alavancou a carreira do músico.

Em 2003 interpretou o personagem Fuinha no filme Carandiru, onde além de atuar serviu como consultor do filme

Em 2009 ganhou o prêmio Hutúz como “Maior revelação da década” e “Maior artista solo da década”.

Em 2010 o albúm póstumo de nome “Sabotage” é lançado, com as músicas gravadas na semana da morte do rapper


BOLINHA DOS ZÓIO Há quem diga, tanto entre os que investigam o crime como entre os manos, que não existe inimigo na parada. E sim um invejoso. Alguém da área não suportava o sucesso do rapper de O Invasor (filme de Beto Brant) e futuramente de Carandiru (de Hector Babenco, aquele do Pixote). Demasiadamente humano. No último show de Sabotage, com os bambas do Instituto, grupo de Rica, Tejo, Ganja Man — brothers do rapper até a última hora —, o parceiro de Maria Dalva também estava sossegado, como quase sempre. Tirava onda com um convite que havia recebido: pousar nu para uma destas revistas dedicadas à clientela gay. Espaço Sérgio Porto, projeto Humaitá pra Peixe, Rio, 7 de janeiro. “E aí, setentinha [R$ 70 mil], você acha que devo mostrar a vassoura?”, sapecou para uma amiga confidente do estúdio YBrazil. Os amigos votaram contra. “Que corte doido, rapaz: numa noite estou lá com o cara no Humaitá, tirando onda no show e no camarim; dias depois, o cara é morto pela guerra, e eu lá tentando entender essa guerra com os manos, tomando maria-mole com os manos na frente do cemitério, como os amigos fazem em enterros no interior do Nordeste para suportar as doideiras da vida”, pronuncia-se o pernambucano Otto, amigo do rapper. Furioso com a guerra do seu mundo, Sabotage sabia fazer amigos nos mais diferentes segmentos. Mas sempre com o pisca-alerta das diferenças ligado: “Se vacilar, o cara da periferia que faz sucesso, como eu, tem festa de playboy para ir de segunda a domingo. Aí chega na favela, pá, dá de cara com outra realidade... Não pode perder o pé da sua história, senão dança”. Para consolidar as amizades, o recurso era a busca da sinceridade extremada: “Eu sou um cara que olha na bolinha dos zóio”. A seguir,

você lê a última grande entrevista inédita do cara, feita no final do ano passado. São trechos de uma conversa de 2 horas, sob a brisa calma do Canão. Por que o nome Sabotage? Meu irmão que já morreu vivia me chamando de Sabotagem. Você trabalha no tráfico e não vai preso — isso, para ele, era uma espécie de sabotagem. Na época eu não sabia o significado da palavra. Hoje, quase oito anos depois, eu já entendo. Sabotagem é um ato terrorista. Mas a mensagem das suas músicas não chega a ser assim tão violenta… É bem antiviolência. Vi meu irmão assassinado com treze tiros no Jardim Arthur Alvim [zona leste de São Paulo]. Vivi a violência e cheguei à conclusão de que não adianta. Se eu usar da violência contra quem matou meu irmão, vou perder dois irmãos. É um cuzão filho da puta? Como todos nós, filhos da puta e irmãos. A violência é a maior besteira. Qual efeito a violência provoca? O resultado da violência é você ir se transformando, sabe uma metamorfose? O cara pratica o primeiro ato de violência quando discute na rua, briga. Depois entra no tráfico, vira o terror da violência. Aí ele não vai mais bater, vai dar tiro. Aí cai um, caem dois, três, quatro, e ele cai numa cadeia, perde 10, 15 anos da vida dele. E sai com a mente podre, pensando em outro assalto. Uma hora ele vai morrer, vai ser preso de novo, procurado, não vai poder passear. É tão legal você poder passear, meu... pegar um tênis, uma calça e sair de rolê, pegar a lotação e ir embora... É tão legal respeitar todo o mundo com palavras simples, “com licença”, “obrigado”. Mas o lance é que é muito difícil ver um cara que conseguiu sair da violência.

43


Você conseguiu… Quando eu estava no crime, fazia minhas artes e corria para cá igual a um homem-bomba, com duas armas na cinta, sabe? Eles, coitados, ficavam olhando para mim e pensavam “porra, o que será que esse cara vai fazer?”. Eles gostam de ver como eu estou hoje, vêem que eu venci. Dizem até na boa, “vou fechar a porta aqui para o fumo não entrar, beleza?”. Os boys da televisão, as minas que fizeram Playboy, isso nunca me incentivou em nada. Só a favela me deixou com vontade de sair dos bagulhos… Você nasceu na favela, não foi? Nasci na favela do Canão, onde hoje tem a [avenida Águas] Espraiadas [centro-sul de São Paulo]. Mas defendo a tese da periferia toda. A fome e a pobreza falam a mesma língua, assim como os ricos. Para eles é festa todo dia, de segunda a sexta, balada de mil grau, sexo e gomorra, tá ligado? 44

Quando você era criança, o que era a violência da favela? Na minha época, eu passava fome, mas tinha os caras do crime que falavam: “Você não vai nessa fita, não. Fica aí que, se arrumarmos um dinheiro, nós te damos”. Hoje isso mudou, a droga é mais forte e o crime, mais pesado. Você vê moleque de 14 anos com arma 9 mm dando tiro que nem louco na porta do salão. Você vê cara colocando roupa da Eletropaulo [a companhia de luz de São Paulo] e estuprando as minas por aí. O bagulho tá louco, mano, e a tendência é piorar… Emprego só tem na Polícia Militar. Aí o cara vira polícia, sabe que você conhece o morro e vai te atazanar para o resto da vida. Você já foi preso alguma vez? Já, né? E eu analiso as coisas assim: há males que vêm para o bem. O inteligente é aquele que aprende com o erro do errado. Quem está no crime e não vai preso? Qualquer cara da periferia que não escuta o pai nem a mãe vai parar na cadeia ou vai morrer rápido. E aí, mano,

é o seguinte: morreu, fodeu, tá entendendo? Satanás usa a TV como um livro dele! Não tem estudo na TV. Tem informação, sim, mas sobre sexo. É só pega ali, chupa aqui, alisa lá. Você não vê novela? Das 6, das 7, das 8, Malhação. Isso gera a violência. Hoje você está casado, construiu uma família. Você se considera um sobrevivente? [Aponta para um senhor gordo do outro lado da rua] Ali é meu sogro. Ele fica mordidão porque eu fumo maconha. Ele me vê na televisão e diz que não sou eu. Só me chama de Maurinho... É daqueles caras do interior, humilde. Repara bem: a bicicleta dele tem um motor de moto. O velho é mil grau, uma inspiração que a gente tem. Trabalha pra caralho e não fala da vida de ninguém. Pode chegar e perguntar: “Você viu o cara do 44?”. Ele mora no 43, mas vai dizer que não viu nada. Ele é parte daquela maioria honesta e trabalhadora que paga o pato das ações criminosas que acontecem no morro… A cocaína não vem do morro, vem do avião da FAB. A maconha é plantada no terreno de quem? Além disso, tem os caras que buscam o neguinho na favela, dão dez reais para ele e amanhã já era. Amanhã esses mesmos caras ganham um Oscar, ganham tudo, mas o neguinho continua no barraco... Isso seria uma crítica ao diretor Fernando Meirelles e à produção de seu filme, Cidade de Deus? Primeiro pego na mão dele por mostrar a realidade. Depois discordo de algumas coisas. Cadê a mãe dos caras, que não aparece nunca no filme? A molecada só cresce, vira ladrão, mata, morre. A mãe deles sofreu, chorou para não entrarem no crime. Tem que ter uma história bem contada, não é assim não! Eu fumo maconha o dia inteiro, mas vejo tudo em detalhes. Então não vem com essas de “mas isso é um filme”. Vai enrolar os boys, os caras da casa do caralho!


Você disse que fuma maconha o dia inteiro. Que efeitos te provoca? Eu vivo num mundo totalmente isolado. Analiso as coisas antes de fazer as paradas. Fico sentando de cantão, olhando. Então as pessoas falam: “Puta, aquele cara viaja 24 horas na maconha, será que ele pensa o quê? Será que ele não pensa em nada?”. Eles não encararam qual é a minha, mas os filhos que são adolescentes dizem: “O Sabotage é doido, escreve as músicas dele, já não tem mãe nem irmão, perdeu os primos todos assassinados, o tio está preso há 29 anos, o velho Monarca [personagem do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, foi retratado no documentário Travessia do Tempo, da jornalista Dorrit Harazim]”. Conclusão: não tenho muito o que ficar rindo, mas também não tenho muito de ficar “coitadinho sou eu, culpado são vocês”. Então fico aí registrando as coisas e escrevendo, sabe? O maconheiro sofre muito preconceito? Total. Tanto é que a [revista] Época fodeu a mina lá, a Cidinha da MTV... A Soninha? Isso, a Soninha! Vai lá no morro perguntar se eu fumo maconha. Vou dizer que fumo e é o seguinte: você vai ganhar prêmio de melhor cagüeta, que nem o outro que morreu e deu prêmio para a Globo… O Tim Lopes? Ele mesmo. Ficou rico em vitamina — debaixo da terra. Voltando lá atrás, como começou a sua carreira na música? Sempre gostei de música. Com 8 anos eu já escutava Pixinguinha, Chico Buarque. Sou aquela espécie de negão que não joga uma bola, que gosta de escrever uma música, de escutar um som. Eu gos-

to de ouvir Cassiano… Não gosto de caras da minha idade cantando uma parada de agora. Muitos enxergam Aracy de Almeida como aquela gorda nos jurados do Silvio Santos. Vejo Aracy como uma mina de 25 anos cantando nos grandes coretos por aí. Para falar de música comigo, tem de ser professor. Você é daquela turma de rappers que ia para o metrô São Bento, no centro de São Paulo, junto com Thaíde e DJ Hum? Ficava escutando rádio e ouvia que os caras se encontravam na estação São Bento. Eu falava: “Pô, do jeito que estou aqui no morro, vendendo droga para comer um arroz e feijão, não vou chegar lá nunca”. Eu já estava no crime a milhão. Minha mãe morreu, meus irmãos morreram, não tinha nada a perder. Aí veio uma luzinha: “Não é porque você não tem sua mãe que vai ficar sem estudar. Vai ter de estudar e cantar ao mesmo tempo”. Então entrei na escola. Qual é a primeira música marcante de sua vida? Quando ouvia “O Meu Guri” [de Chico Buarque], aquilo era o meu retrato no morro. Porque eu era vendedor de droga. E, quando vinha a polícia, corria para dentro do morro, guardava os bagulhos em tal lugar, a arma em outro, trocava de roupa e ia para dentro do meu barraco. Chegava lá, meu pai estava vendo televisão, e meu coração batendo na boca. Aí entravam os homens, perguntavam se ele não tinha visto nada e ele “não, não”. Ficava olhando para mim, para os policiais, e quieto. Ele tinha medo dos caras, mas eu dizia para ele: “Você não viu nada, não vai falar nada. Se vierem aqui falar que vendo droga, você não diz nada”.

45


O que você está ouvindo hoje? Sou um cara que mistura. Estou escutando Eminem, aí vou pegar Naná Vasconcelos. “Pô, esse cara é louco! Ele misturou um bagulho de fora com isso aqui [aponta para um barraco que toca alto Pena Branca e Xavantinho].” Tá escutando? Tá me entendendo? Um cara me perguntou como eu consegui misturar a levada rápida do Eminem com o sotaque do Chico. Mano, eu entrei na música dos caras, imaginei e inverti. Essa é a música! E você, qual crítica faria ao rap de hoje? Antigamente o rap falava assim: “Vamos rezar para que a gente consiga pelo menos o pão de cada dia”. Agora está assim: “Mano, vamos brindar, champanhe, caviar, Chivas”. Conheço gente aqui dentro da favela que está brindando com ki-suco. Não é bem por aí, irmão.

46

Isso soa uma crítica indireta aos Racionais. Eles abriram várias portas para o rap, não? Para um cara igual eu, RZO, Possemente, Zulu, tudo bem. Mas e os caras que estão chegando agora? Ninguém quer ouvir... Só estão falando deles, então só vão comprar CD deles. Não, mano, a união faz a força! E quem encabeça essa união? Quem são os caras que lideram o rap no Brasil? É uma quadrilha, igual torcida de time. Eu não tenho núcleo para isso, mas você vê uma galera com camiseta do Sabotage, Racionais, 509E, tá ligado? Se essa galera pega um cara no meio do show dizendo que não canto porra nenhuma, vai querer dar botinada no cara igual a torcida de futebol. Como foi participar do filme O Invasor? Aprendi bastante com o Paulo Miklos, principalmente aquelas paradas de doidão. Ele falou assim: “Você não tem insônia?”. Eu tenho. “Então por volta das duas horas da manhã começa a escrever uma música. Você vai perder a insônia e vai querer ela de volta.” Outro cara foi o Beto [Brant, diretor]. Ele tinha mostrado uma parada para mim que não concordei. “Isso aqui não cabe, nunca vi um

cara da favela falar isso aqui”, eu disse. Eram as falas do Anísio, personagem do Paulo. Umas paradas meio Mauricinho de faculdade. Aí ele deu corda e fui mudando tudo. Você fez o lado de lá falar a língua da periferia… Hoje os globais sabem falar gíria. Caio Blat, Rodrigo Santoro, os caras que conviveram comigo nas filmagens do Invasor e do Carandiru não conseguem mais falar normal. A Mariana Ximenes também… Conte um pouco como foi gravar Carandiru, com o diretor Hector Babenco. Foi foda, mano. Eu dizia: “Isso não existe”. Ele dizia que era um filme, e eu dizia que era a realidade. Aí ele começou a dar ouvido. Mas é um cara rígido... Exige de mim, como exige do bonitão. Quer saber é do filme dele pronto, senão põe outro no lugar. Também, se você não tiver objetivos, vai chegar onde? Você compôs um rap com Babenco, não foi? Fiz a trilha sonora. Ele escreveu umas paradas de águas turvas, uns bagulhos lá de onde ele nasceu, da Argentina. Aí me explicou que águas turvas significava águas sujas, escuras. Ele começou a me explicar e eu fiz a música com ele. Deu um bagulho violento. O nome é “Sai da Frente que Vem Gente”. Você fez filmes, aparece na mídia. A exemplo do Xis, que participou da Casa dos Artistas, você já sofreu críticas por isso? Ninguém fala isso para mim. Mas para o Xis… vixe, só faltaram bater no cara. O caso é que ele plantou uma parada e fez outra. Entra na Casa dos Artistas do nada e diz que não arruma a cama porque é favelado. Vendeu uma imagem que não corresponde à da favela. É, e aí já era. O Belo [cantor carioca acusado de envolvimento com o tráfico], você acha que está malvisto? Nada, meu, a galera gosta dele, as minas, a criançada. A gente já conhece ele, sabe que nasceu na favela, passou por circunstâncias, teve problemas também. Vocês não sabem disso.


Alguém já chegou questionando suas atitudes, te intimando? Nada. Sou vacinadão nesses baratos. Já foi o meu tempo de crise, de dar porrada. Sabe o que falo para o cara? Pergunto o que ele não gostou e digo que vou melhorar. Pago até esse mico [risos]... Comparando seu som ao dos Racionais, ele é, digamos, menos contundente. Você concorda com essa avaliação? Eu mudei a técnica vocal, a levada. Depois do meu CD, é Jão pra cá, Tio pra lá, essas paradas que veio da cadeia, do velho Monarca. Tanto é que no Invasor já tem um Jão e um Tio, bem antes de sair qualquer lançamento de rap [os termos aparecem no último trabalho dos Racionais MC’s, Nada como um dia após o outro dia]. O Anísio é total Jão… Quando o Beto [Brant] me perguntou se existia um Anísio, disse que em cada periferia, cada botequinho, tem um. Você virou sucesso na periferia. Como lida com isso? Me chamam de fodidão. Mas fodidão é o caralho! Fodidão está lá em cima e manda sol, chuva, trovão e estoura essa porra se quiser, tá ligado? Eu olho no olho do cara e vejo se ele merece, se é amigo de verdade. Porque hoje em dia seu inimigo não tem cor nem tem cheiro. E não é só na favela que é assim. É na faculdade, no trabalho. Você se considera um líder? Eu queria poder falar “vamos trabalhar” e que os caras viessem na minha. Eu falo: “Mano, já vendi droga, já tomei tiro de polícia, já dormi no matagal por causa de polícia e de ladrão querendo me pegar. No mundo do crime você arruma vários buchichos”. Aí uns falam: “É mesmo, né”... Mas, depois que eu saio fora, continuam fazendo a mesma coisa. Mano, a paz não se prega assim [fazendo o sinal da campanha “Sou da Paz”], mas com comida, estudo. [Aponta para um senhor] Aquele velhinho ali é muito inteligente, mas não tem trampo. Os adolescentes, só na maconha — na zona

sul já tem até uma lei que diz que se alguém ligar reclamando porque tem gente fumando na porta, quem vai preso é quem ligou. Você se sente um vitorioso? Meu show é 500, 800 reais. Já é mais que um salário mínimo. Falei para a minha mãe que um dia ia viver de música, e hoje vivo de música. O que você vai deixar para seus filhos? Eu falo para eles: “O pai, daqui a uns 40 anos, se chegar lá, vai perder a voz, o pai fuma maconha, cigarro… Portanto, vai estudar, porque eu já alcancei o que queria”. Quais são seus próximos trabalhos? Fiz uma participação com o Sepultura, regravamos um Public Enemy. Os Titãs querem regravar “Um Bom Lugar”, se ainda tiver espaço no disco novo. Qual vai ser o seu futuro? [Pensativo] Vou ficar fazendo cabeças por aí com o rap... Vamos simplificar a pergunta: como vai estar daqui a dois anos? Puta que pariu… [Pensativo] A tendência é só piorar... Se o Lula não der jeito, meu Deus do céu, estamos todos pegos!

47




Food trucks movimentam as ruas de São Paulo

E

m novembro do ano passado, a aprovação na Câmara Municipal de uma iniciativa que autoriza a venda de comida nas vias públicas deixou muitos chefs e empreendedores animados. Até então, somente eram liberadas as atividades das vans de cachorro-quente. O restante do mercado, de vendedores de churrasquinho grego a barraquinhas de yakissoba, agia na clandestinidade, sob os olhos complacentes da fiscalização. “Com a criação de uma regra clara, o consumidor terá mais segurança na hora de comprar, e o vendedor poderá atuar com tranquilidade”, afirma o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), um dos autores do projeto de lei. Mesmo faltando ainda os detalhes de como o negócio vai funcionar na prática (a previsão da prefeitura é anunciar a regulamentação até sexta 11/04/2014), a perspectiva da nova norma para o setor foi suficiente para muitos colocarem sua cozinha na rua. Nessa caravana culinária destacam-se os food trucks, como

são chamadas as caminhonetes gastronômicas inspiradas nos veículos do tipo que fazem sucesso em metrópoles como Nova York. Existem hoje pelo menos sete delas em São Paulo e outras dez devem iniciar operação nos próximos meses. Espécie de precursor do sistema por aqui, Rolando Massinha sacia a fome de muitos notívagos em sua Kombi, estacionada desde 2008 na Avenida Sumaré, com receitas como fettuccine à bolonhesa (12,50 reais), feitas para ser saboreadas ali mesmo com talheres de plástico. Entre fevereiro e março, ele colocou mais três carros na praça, dedicados a churros, kebab e cachorro-quente. No mês passado, a matriz ganhou um concorrente direto, o Holy Pasta Food Truck, que também tem massas como especialidade. Para vencer a batalha pelos estômagos em trânsito, seus proprietários apostam em um fornecedor renomado. Eles compram nhoque (15 reais) e até ravióli de cordeiro (22 reais) do Pastifício Primo, que tem unidades em Perdizes, Higienópolis e Pinheiros. “Queremos


trilhar um caminho diferente, com uma pegada underground”, justifica Adolpho Schaefer, um dos donos. Buzina Food Truck faz receitas de restaurante Lollapalooza terá feirinha gastronômica e food trucks. No vácuo da onda natureba, está prometido para o feriado de Páscoa o Salve, Salve, veículo especializado em sucos naturais e vitaminas funcionais. Neste mês, deve começar a operar por aqui também o 13Truck, com sanduíches como o de pernil e salada coleslaw a partir de 13 reais. Até o fim do ano, o circuito será incrementado ainda com culinária árabe e até francesa (veja no quadro abaixo). Um dos desafios de quem está entrando no negócio é montar um time de fornecedores de boa qualidade. Para colocar na rua o Buzina Food Truck, em dezembro, os chefs Márcio Silva e Jorge Gonzalez levaram quase um ano fazendo pesquisas e testes. “Ainda não existe um know-how para o serviço”, comenta Silva. O investimento de 250 000 reais, porém, mostrou-se um acerto: a dupla serve, em média, 120 refeições durante o almoço, a preços que variam de 15 a 25 reais, entre hambúrgueres e pratos de restaurante, como confit de pato. Embalado por música, o descolado food truck costuma estacionar em pontos das zonas Oeste e Sul. Em cada espaço, os proprietários espalham mesinhas e cadeiras, e a festa começa. “Lançaremos mais duas unidades até o segundo semestre”, promete Silva.

51 A expansão da onda tem preocupado alguns donos de estabelecimentos. “Estacionar um veículo de temakis na frente de um restaurante japonês seria desleal”, opina Joaquim Saraiva de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo. Outros empresários do setor, em vez de fazer oposição, resolveram criar filiais ambulantes. Depois de três meses instalado na cobertura do Shopping Cidade Jardim, o Astor Food Truck, versão míni do bar da Vila Madalena, deve estacionar no Butantã, onde até o fim do mês será inaugurado o Food Park, uma área de 1 400 metros quadrados que funcionará como uma praça de alimentação. “Os trucks poderão trabalhar diariamente com segurança e infraestrutura”, explica Mauricio Schuartz, um dos idealizadores do espaço.




A TINTA COMO ARMA

O

grafite está ligado diretamente ao Hip Hop. Dentro do movimento, a tinta é uma ferramenta que representa uma resposta política e cultural como forma de manifesto. É a forma de expressar toda a opressão que a humanidade vive, especialmente entre os menos favorecidos. A arte deu voz à rua e a rua por si só tem diversas realidades. O aparecimento do grafitte se deu por volta de 1970, em Nova York, nos Estados Unidos. Alguns jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade e depois essas “marcas” foram aperfeiço-

adas com novas técnicas e desenhos. Foi introduzido no Brasil no final da década de 1970, em São Paulo, paralelamente ao movimento em Nova York. Como era uma época conturbada na história do Brasil, a arte em diversos formatos foi silenciada pela censura com a chegada dos militares no poder, e com o grafite não foi diferente. Tido como uma arte transgressora, a linguagem da rua, da marginalidade, os brasileiros não se contentaram com o estilo norte-americano, e recriaram a arte com um toque brasileiro. O estilo do grafite brasileiro é reconhecido entre os melhores de todo o mundo.


55

Alex Vallauri foi um cara importante para esse manifesto no Brasil, pois foi a arte dele que possibilitou o entendimento do lado político do grafite paulistano. Alex influenciou vários artistas a ocuparem as ruas da grande São Paulo e a data de sua morte, 27 de março de 1987, é tida como o Dia do Grafite no Brasil. Um canal de comunicação conectado diretamente com a cidade e com o público. O grafite está na cidade, no espaço público, não tem proprietário nem vigia. O grafite levou o ocidente a repensar e questionar muitos de seus valores estabelecidos, entre eles o da ocupação dos

espaços da cidade e o da apresentação, valoração e criação da arte. Uma nova forma de política surge e com ela, surge uma nova forma comunicação e de arte. O grafite foi a chave inicial para a união de muitas culturas que coexistem e permitiu a fusão entre o centro e a periferia.


A galeria que não vive só de rock Além dos roqueiros, a Galeria do Rock é velha conhecida da turma do rap e do hip hop.

56

D

igno de figurar nos cartões postais de São Paulo, o Shopping Center Grandes Galerias é tão famoso quanto a torre do Banespa ou o Edifício Itália. Nunca ouviu falar? Nacionalmente conhecido como Galeria do Rock, o prédio é parada obrigatória para quem passeia pelo centro da cidade. Porém, ao visitar o local, deixe para trás a expectativa de encontrar apenas pessoas vestindo preto e lojas dedicadas ao gênero musical que faz aniversário no dia 13 de julho. A Galeria do Rock é muito mais que isso. As 450 lojas do centro comercial dão origem a um verdadeiro caldeirão cultural, com espaço para o rock, o blues, a mpb e o hip hop, que sozinho, domina cerca de 70 lojas. O síndico do prédio, Antonio de Souza Neto, é quem põe ordem na casa há 14 anos: “Antes, era uma grande salada, havia de tudo. Foi com a criação do conceito Galeria do Rock, que nós começamos a organizar o espaço”. Hoje, o subsolo concentra as lojas de hip hop e cultura negra. Vitrines com as roupas largas dos Mc´s estão lado a lado com os salões de cabeleireiros afro.

Os importados chineses tomam conta do térreo, com tênis, vestuário e até perfumes similares aos da Rua 25 de Março: “Produtos falsificados têm no país inteiro, mas a maioria aqui é original. Das lojas de CDs e DVDs, só ficaram as que vendem produtos originais”, esclarece Toninho da Galeria, como é conhecido. A loja de discos mais conhecida e antiga do prédio (está lá desde 1978) é a Baratos Afins, que reúne preciosidades da música nacional e internacional. É do primeiro andar para cima que os fãs de rock e todas as suas vertentes se esbaldam nas 250 lojas dedicadas ao estilo, com roupas, acessórios, discos, vídeos, pôsteres, bandeiras, fãs-clube e estúdios de piercing e tatuagem. No meio de toda essa efervescência roqueira, há curiosidades como o fã-clube do Zé Geraldo, uma loja inteira dedicada ao blues e lojas onde até o pop encontra seu espaço. Confecções e silk-screen ocupam os andares mais altos e menos movimentados do prédio. No quinto e último andar, o Instituto Cultural Galeria do Rock promove atividades culturais, como exposições e shows.


Foto: MariliaKaz

MOVIMENTO O público da galeria é tão diversificado quanto o comércio. Roqueiros cabeludos, dreadlocks, moicanos, black power e franja emo se cruzam nos corredores, que são pontos de encontro das tribos: “Eu sou skatista, não frequento muito, só vim dar uma olhada nos tênis”, diz David Soares, 19 anos. Numa quarta-feira à tarde, engravatados circulavam descompromissadamente. Esse é o espírito do lugar: “Todos são bem-vindos. Não tem um público predominante, mas há períodos em que vêm mais os punks, outra hora são os góticos. Os emos se encontravam aqui às sextas, mas agora está diminuindo. São ondas que passam, mas as influências ficam”, diz o síndico. Aos fins de semana, o público chega a 20 mil pessoas. Nos dias úteis, varia entre 10 e 15 mil. Neste espaço “democrático por excelência”, como Toninho gosta de definir, as confusões não têm vez, embora brigas entre tribos tenham sido comuns no passado: “Havia brigas, assaltos, tráfico de drogas. Depois que virou a Galeria do Rock, nós contratamos seguranças, e aos poucos, isso foi desa-

parecendo”, explica. Pessoas de todas as idades e famílias inteiras freqüentam a galeria, que assume seu papel na criação da identidade dos jovens. A tolerância é um pré-requisito para quem quer conhecer este lendário endereço da capital paulista. O formato ondulado da fachada é obra do arquiteto Alfredo Mathias. O prédio foi inaugurado em 1963 e oferecia serviços de alfaiataria e lojas de souvenirs. Hoje, Mc´s e roqueiros convivem pacificamente num dos locais mais undergrounds do país: “A mistura sempre foi a característica da galeria. O rock vem em primeiro lugar, mas tem de tudo um pouco aqui”, explica Toninho. Por isso, ao entrar na Galeria do Rock, se desfaça dos pré-conceitos e tente se lembrar mais do nome oficial do que do apelido do prédio: no Shopping Center Grandes Galerias, onde há rock´n roll e um pouco mais. Entrada pela Avenida São João, 439 e pela Rua 24 de Maio, 62 - Centro - São Paulo

57


58


Pontos turísticos para ver a pé no centro de São Paulo Nem em sete vidas seria possível conhecer a imensidão de atrações no centro de São Paulo e na cidade em geral. Mas há que se ter um ponto de partida, a começar pelos pontos turísticos principais. Separe um dia para circular a pé pelos museus, igrejas, espaços culturais e prédios históricos de São Paulo. As atrações estão relacionadas em ordem de proximidade, confira o mapa, siga a lista e aproveite! A dica é chegar pelas Estações República ou São Bento do Metrô.


GA LERIA DO ROCK Um ícone do centro de São Paulo, reduto de skatistas, roqueiros e várias tribos descoladas. O local que funciona desde 1963 tem 7 andares e em torno de 400 lojas com artigos predominantemente ligados ao rock, hip hop, skate, piercings, tatuagens, tênis, roupas, discos. Av. São João, 439, República Funcionamento: segunda a sábado, de 10h às 18h

EDIFÍCIO MARTINELLI O famoso prédio de 30 andares, com data de 1929, de onde se tem uma vista 360º do centro de São Paulo. No momento o mirante está fechado para visitação, mas vale a pena conferir a arquitetura clássica do exterior do edifício. São Bento, 397 a 413 | Av. São João, 11 a 65 | R. Libero Badaró, 504 a 518

EDIFÍCIO ALTINO ARANTES (BANESPA) Outro “gigante” famoso, esse, com de 35 andares e 160 metros de altura. O Banespão foi sede do antigo Banco do Estado de São Paulo. A construção de 1947 tem estilo completamente diferente da anterior e dá para ver os dois de outro grandão, o Edifício Itália. Pena que o mirante também está fechado para visitação. João Bricola, 24


THEATRO MUNICIPAL A construção é lindíssima e além dos concertos pagos, há visitas guiadas e agenda cultural de graça. Praça Ramos de Azevedo Visitas guiadas: terça a sexta, às 11h, 15h e 17h. Sábado e feriados, às 11h, 12h, 14h e 15h

VALE DO ANHANGABAÚ Entre os viadutos do Chá e Santa Ifigênia, o local é conhecido por ficar acima do Rio Anhangabaú, que corre no seu subsolo. Ali estão os prédios do Theatro Municipal, da Prefeitura de São Paulo, da Escola de Dança de São Paulo e vários outros. De vez em quando rolam alguns eventos por ali.

SESC 24 DE MAIO É um dos complexos mais recentes no centro de São Paulo. São treze andares com diversos espaços democráticos que reúnem pessoas de todas as idades. Vale visitar as galerias de arte, tomar um café ou um sorvete no 11º andar, onde está o espelho d’água, e visitar a piscina olímpica do terraço. O prédio de concreto, vidro e ferro tem até uma parede de escalada no 8º andar! Rua 24 de Maio, 109, República Funcionamento: terça a sábado 9h às 21h. Domingos e feriados 9h às 18h


MOSTEIRO SÃO BENTO A obra-prima da arquitetura tem um interior belíssimo e missas em Canto Gregoriano. Eu tive sorte em ouvir os monges por volta do meio dia, fora do horário das missas. Largo de São Bento

MERCADO MUNICIPAL A essa hora já deu fome e aqui é uma ótimo opção para comer! Um dos lugares mais tradicionais e uma das atrações mais procuradas em São Paulo. A dica é experimentar frutas exóticas, comprar queijos, vinhos, embutidos e outros produtos típicos e claro, tomar um chopp gelado acompanhado do famoso pão com mortadela ou um pastel gigante (gigante meeesmo). Rua da Cantareira, 306

CATEDRAL DA SÉ E PRAÇA DA SÉ Dois ícones da história e da arquitetura que são alguns dos pontos turísticos mais visitados no centro de São Paulo. A Catedral, com capacidade para milhares de pessoas, marca o centro da cidade e a Praça da Sé guarda o marco zero de São Paulo. Funcionamento: segunda a sábado, de 6h às 18h. Domingos e feriados, de 6h às 16h


CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL (CCBB) A atração no centro de São Paulo tem programação cultural com cinema, música, dança e teatro, além de exposições gratuitas. Vários nomes de relevância mundial já passaram por ali. Picasso, Van Gogh, Matisse e Aleijadinho são alguns deles. Rua Álvares Penteado, 112 Funcionamento: quarta a segunda, de 9h às 21h

PATEO DO COLLEGIO O local é considerado o ponto onde São Paulo nasceu. O complexo reúne o Museu Anchieta, a Igreja São José de Anchieta, o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, a Biblioteca Padre Antônio Vieira e o Café do Pateo. Praça Pateo do Collegio, 2 Funcionamento dos museus: terça a domingo, de 10h às 20h. Sábados, domingos e feriados, de 13h às 17h

RUA 25 DE MARÇO Pertinho do Mercadão, vale dar uma volta nesse imenso complexo popular de compras. Se quiser comprar algo, pesquise antes e vá direto ao ponto. Caso contrário, você ficará circulando por horas e horas (risos). Funcionamento: segunda a sexta, de 7h às 19h. Sábados, de 7h às 16h. Domingos, de 9h às 14h

LIBERDADE Para finalizar o dia, visite os bares e restaurantes do bairro das tradições orientais. Suas grandes lanternas vermelhas pelas ruas movimentadas chamam a atenção. Culinária, cultura, festas, feiras, espaços culturais, lojas e tudo mais relacionado ao oriente fazem da Liberdade um dos lugares mais visitados de São Paulo.





Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.