Fuscazu

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8- Ouvi alguém dizer 1- O menino na grade Ilustração Richard Rücker

2- Tchauzinho

5- Super Jovem Cidadão

4- Columba Livia

Quando você está numa Sempre que um idiota rua deserta, achando colava na traseira do que o máximo que pode carro da minha mãe, ela pedia para eu me levantar te acontecer é ser assaltado, ou sofrer do banco (eu aos sete anos de idade, sempre com estupro, ou ser torturado sono), olhar pela janela ou morto, você está muito enganado. Porque o e dar um “tchauzinho” pior dos seus inimigos para o dito motorista. está por toda a cidade, Nunca entendia o porquê até perguntar à minha mãe vigiando e esperando o e ela explicar que dessa momento oportuno para forma o motorista idiota atacar. Por todas as partes, porque na verdade perceberia que havia não é um, mas milhares: uma criança no carro As POMBAS. Talvez você e, talvez, por alguns minutos, ele deixaria de pense que são indefesas. Talvez pense que elas só ser idiota. sabem fazer cocô, ou que Texto Richard Rücker só estão ali para comer Ilustração Verônica a sujeira da calcada. Bertacchini Mas quando uma delas te encontrar andando sozinho, CUIDADO. Pode ser sua última ida à padaria. 3- Fomigas Às vezes, formigas aparentam ser extremamente estúpidas, principalmente em se tratando de escolher o melhor caminho para seguir. Vendo-as de cima podemos observálas fazer curvas desnecessárias, subir onde havia descidas, descer onde não há espaço e, sumariamente, gastar tempo com caminhos mais longos do que o óbvio. São Paulo gosta muito de formigar. Texto e Ilustração Richard Rücker

Relatos dizem que seu olhar profundo e malvado nos deixa petrificado e só os mais fortes conseguem enfrentá-las. Quando ela te olha, a câmera fica lenta e a música de velho oeste começa a tocar. Se isso acontecer com você um dia, prepare-se para o duelo. Tenha sempre a mão suas pistolas. Texto e Ilustração Verônica Bertacchini

Todo dia a mesma coisa, não consigo parar de pensar: afinal, quem é o jovem cidadão? O que ele faz? Não sei, só sei que faz eu me sentir muito mais segura. Ele é tipo um super-herói, ninguém sabe muito bem sobre sua vida, só se sabe que anda pelo metrô ajudando pessoas e que sempre é chamado na SSO. Ta aí outra dúvida minha, o que eles fazem tanto na SSO? Vejo uma cabine com vários botões e muito trabalho. Acho que é a central na qual tudo pode ser visto e controlado, o lugar em que o jovem cidadão pode ser chamado para resolver qualquer tipo de problema! Ninguém pode com ele. Agora as pessoas estão seguras e podem circular tranquilamente pelas estações. Nunca se viu tanta segurança nas linhas de metrô. Vejo paz, alegria e sorrisos nos rostos de crianças, adultos e idosos. Ah... esse é o jovem cidadão, cuidando das pessoas da cidade de São Paulo! É isso ou então é apenas um jovem de 18 anos no seu primeiro emprego, ganhando R$ 1,89/hora. Mas pensar assim acabaria com toda a minha alegria ao vê-lo. Texto Mariana Naomi Kubota Ilustração Richard Rücker

6- Mal-Educado Conversando no ônibus após uma noite cansativa, vejo que um vendedor ambulante entrou no transporte. Ele passa por entre os passageiros e deixa em seus colos doces com um bilhete que, presumo, contam uma história triste. Quando ele se aproxima de mim, digo com um gesto que não estou interessado no doce nem no bilhete. Nesse momento o homem se irrita e diz “não precisa ser mal-educado, é só pegar o bilhete”. Não faz sentido pegar o bilhete e o doce se não vou dar nenhuma esmola. Então, digo que não os quero e agradeço mesmo assim. Bufante, ele continua perambulando pelo corredor do ônibus. Quando decide descer em um ponto, grita “obrigado a todos...” – vira na minha direção e continua – “...que foram educados. Boa noite”. Texto Richard Rücker Ilustração Verônica Bertacchini

Perdi o meu ipod. Não ouço mais Kupek nas manhãs cinzas, nem Descendents em 7- Deus dias agitados e muito menos Quando criança, eu pegava Gorillaz nos fins de tarde. ônibus em um ponto perto Comecei a ouvir as músicas da escola. Infelizmente, abafadas que escapam o ônibus que se dirigia dos fones vagabundos das a minha casa não passava pessoas do metrô. Tem com certa frequência. E, forró, funk, sertanejo por graças do universo universitário... Ah, que era frequente acontecer saudades do meu ipod! de ver na distância, antes Mas algo de bom veio de eu chegar ao ponto, o nisso. Passei a ouvir a dito ônibus chegando, eu cidade, passei a ouvir as ainda não no ponto, ele pessoas. Observo melhor as indo embora, eu correndo, situações ao meu redor. frustrado por ter que Conversas alheias sobre esperar mais 40 minutos alguma mulher que é pelo próximo, universo realmente uma cachorra, a rindo da minha cara. barra da calça de outra Dado dia estava chegando que ficou curta ou sobre a perto do ponto quando doença de algum senhor. vi que meu querido nãoNuma noite, voltando tão-frequente ônibus para casa e pensando na estava chegando e corri vida, ouvi uma mulher desesperadamente para falando no celular e, por chegar a tempo. Muitas incrível que pareça, o pessoas estavam no ponto, que ela dizia fazia todo meio-dia. Enquanto corria, o sentido com o que eu o ônibus chegava cada estava pensando na hora. vez mais perto. Com tanta Foram os conselhos que gente ocupando a calçada, precisava ouvir. tive que andar na beirada. Naquela hora, eu não Eis que aconteceu. A precisava do meu ipod. calçada em más condições Texto Mariana Naomi quebrou, eu acabei por Kubota cair na rua e meu ônibus Ilustração Verônica chegou no ponto – e em Bertacchini mim. A roda parou a alguns centímetros da 9- Velha Louca minha cabeça. Levantei-me assustado, todos no ponto Idosa, pode passar na frente. Velha louca. olhando pálidos para mim, Senta sempre na frente, eu era um fantasma. Um até nas cadeiras que ficam gritou “Deus te salvou, de costas. Velha louca. agradeça a ele” – aham. Leva um saco preto nas Fiz rapidamente o sinal e costas, sempre. Velha entrei no ônibus. Afinal, Louca. Tem um odor forte eu não ia esperar mais 40 e nauseante. Velha louca. Fala com todos, mas minutos pelo próximo. ninguém fala com ela. Texto e Ilustração Velha Louca. Dorme nos Richard Rücker pontos. Velha louca. Nunca mais apareceu. Texto e Ilustração Richard Rücker

10- Passarinhos Ilustração Verônica Bertacchini

11- Cuspe

12- As pessoas que conheci Gosto de observar as pessoas enquanto caminho ou quando pego transportes públicos. Lembro de quando eu morava em São Bernardo e pegava trólebus diariamente. Conheci todos os pedintes: a tia do um real – ela não parava de falar até a pessoa dar um real a ela –, o cara de muletas – que pedia uma moeda ou uma casa na praia – e a ilustre velha louca. Também havia os amores platônicos, como o advogado – de segunda a sexta, 18h40 na plataforma – e o oriental de terno. Quando me mudei para São Paulo conheci outras pessoas, como a tia que tentava me vender chapéu toda manhã – fizesse chuva ou fizesse sol –, o tiozinho cego, a tiazona que pede esmolas em um pote vazio de paçoca e a mulher chinesa, que sempre está acompanhada de um cachorro que veste um suéter de humano. Agora, estagiando e saindo 8h20 de casa, raramente os vejo. Na rotina atual ainda não conheci muitas pessoas, mas sei que elas vão surgir mais cedo ou mais tarde. Houve grandes mudanças nesses últimos 4 anos. E pensar que todas essas pessoas “conhecidas” estão espalhadas por aí sem saber que eu dou apelido e invento histórias para cada uma delas.

“São Paulo é assim: se alguém cuspir no chão, o trânsito para”. Típica frase da minha mãe e de muitos outros paulistanos. Com a situação dos transportes em São Paulo, saturada como está, a cidade fica no limite todos os dias, e qualquer elemento extra pode levá-la ao caos. É o que ocorre constantemente com as chuvas paulistanas. Basta surgir nuvens negras no céu e o asfalto fica completamente cheio de carros estáticos. Buzinas achando que existe passagem, vidros embaçados e a eventual notícia de que há mais de 100 km de congestionamento na cidade, quem sabe chegando até ao próximo recorde. Mas não são só as ruas e avenidas que sofrem com essa situação. Chuva cai e a lata de sardinhas que é o metrô ganha muitos peixes novos, todos em conserva no ar abafado da umidade trazida pelas pessoas com cheiro de cachorro molhado e guarda-chuvas ensopados. Chega a ter dias que nem consigo ir a algum lugar, se ia sair não saio mais, se saio só volto depois de 5 horas do planejado, preso em uma das ilhas da península São Paulo. Um cuspe e todo o Texto Mariana Naomi sistema cai. Kubota Texto e Ilustração Ilustração Verônica Richard Rücker Bertacchini


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