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Dr. Marcos Rovinski

“A valorização da atividade médica não veio acompanhada da valorização salarial”

Presidente eleito do Simers

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Entrevista: Claudio Andrade e Lucio Vaz Introdução e edição: Lucio Vaz e Patrícia Poitevin

Marcos Rovinski foi eleito com mais de 70% por cento na eleição que o consagrou como o novo presidente do maior Sindicato Médico da América Latina. E em uma sociedade pós-pandemia, onde a classe médica teve seu papel posto à prova, ficando ainda mais ainda mais valorizada, devido à postura heróica da classe; são muitas as expectativas em torno de seu mandato. Como diz o ditado: “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Qual será o planejamento do Simers em prol da categoria daqui para a frente? O que será mantido, ampliado ou renovado dentro da entidade? As respostas a essas e outras perguntas você confere agora, em trechos editados da entrevista, gentilmente concedida pelo Dr. Marcos Rovinski no programa Em Evidência na TV (todos os sábados, às 19 horas na RDC-

TV), confira a seguir

Fale sobre o senhor, qual a sua especialidade e a sua história?

Falar sobre nós é sempre um pouco complicado. Eu nasci no dia 25 de novembro de 1951, no Bom Fim. Realizei toda a minha formação na escola pública, no Instituto de Educação Júlio de Castilhos. Em 1969, prestou vestibular e entrei, em 1970, na Faculdade de Medicina da UFRGS. Fiz seis anos de faculdade, residência em Medicina Interna, no Hospital Nossa Senhora da Conceição, e dois anos de Endocrinologia, na Santa Casa. Eu exerço a atividade de endocrinologista, desde 1978, e tenho um consultório, no Hospital Mãe de Deus. Em 1986, eu fiz um concurso para o Instituto Médico Legal (IML). Então, a minha especialidade no consultório é a Endocrinologia, mas eu acabei na função pública, exercendo a atividade de médico legista, no IML. Onde tive a oportunidade de ser diretor-geral da instituição, em 1997 e 1998, no governo Britto, convidado pelo saudoso Eichenberg. De 2003 a 2006, fui novamente diretor-geral, no governo Rigotto. Em 2011 e 2012, no governo Tarso, eu exerci o mesmo cargo e foi quando me aposentei. Eu faço Endocrinologia no consultório médico e fui médico legista por muito tempo. Tive a honra de ser diretor-geral do Departamento Médico Legal (DML) e a oportunidade de liderar um grupo de pessoas, que estavam comprometidas com mudanças, como eu estava. Nós implementamos inúmeras mudanças na estrutura e nos processos, do DML. Com isso, ganhei o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, em 2017. Eu acho que isso me credenciou, a entrar na atividade sindical. Fizeram o convite, no início não queria, mas acabei aceitando e hoje estou aqui, eleito nessa vitória que me enche de orgulho.

Por que o senhor decidiu concorrer à presidência do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul?

Eu fui eleito como presidente, meio que sem querer, levado pelas circunstâncias. Em 2018, fiz parte de um grupo, que concorreu à presidência do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, encabeçado pelo Dr. Marcelo Matias, para renovar o Sindicato. Depois de 20 anos de uma mesma gestão, com vários problemas evidentes. A partir disso, nós implementamos uma série de mudanças. Eu entrei como secretário, nessa gestão. O vice-presidente que era da nossa chapa saiu, em função de algumas atitudes que não foram bem recebidas pela diretoria, e eu fui para a vice-presidência, convidado pelo Dr. Marcelo Matias. Juntos de toda a nossa diretoria e com o apoio de todos os colegas, que são sócios do Simers, nós fizemos uma gestão, que inovou e me ajudou a ser eleito. O meu nome foi tirado de um consenso, talvez pela minha idade e experiência. Então, os colegas me pediram para que assumisse, não era meu plano, mas eu assumi.

A regionalização foi um marco da última gestão do Sindicato, projeto em que o senhor atuou intensamente. Que tipo de atenção o senhor pretende dispensar ao assunto daqui para frente?

O Simers tem 15 mil associados, é o maior sindicato médico da América Latina, nove mil na Região Metropolitana, e seis mil no interior do estado. O interior sempre foi um pouco mais abandonado, porque a sede é na Capital. Normalmente, até a nossa gestão, os colegas que assumiram a gestão anterior se deslocavam para o interior e voltavam. Em 2019, começamos a implementar mudanças. Em 2020, ainda tínhamos um diretor no interior, mas em 2020 e 2021, nós criamos quatro regiões, são diretores do interior, representando regionais de lá. Com isso, nós colocamos o Sindicato mais atuante do interior do estado e trouxemos os colegas associados mais para dentro do Simers. A nossa ideia é aprofundar essa regionalização,assim como ampliar a nossa base de associados. Nós tivemos uma estagnação das associações nos últimos dois anos, em função da pandemia. Se nós analisarmos todas as associações, nos clubes, tiveram o mesmo efeito. Grêmio e Internacional, por exemplo, reduziram o número de associados. Nós mantivemos o mesmo número de sócios, praticamente igual desde que a gente assumiu. O nosso objetivo, a partir de agora, é o aumento da nossa presença no interior e, também, na Região Metropolitana. Nossa presença vai aumentar nas UPAs, em postos de saúde e hospitais, nas fiscalizações em nossas visitas. Nós pretendemos aumentar nossa parceria junto aos colegas, trazendo novos sócios e mostrando as vantagens que o médico tem ao se associar ao Simers.

Na pandemia houve uma sobrecarga nos médicos, porque era uma doença nova e contagiosa, que precisou da quarentena dos profissionais da saúde. A valorização dos médicos já existia, agora ficou evidente?

Concordo contigo, eu costumo dizer que a pandemia nos mostrou o que de melhor as pessoas têm e o que de pior elas têm. O doutor Thiago Duarte, presidiu a CPI, na ALRS, mostrando os abusos que

aconteceram durante a pandemia, com os preços dos medicamentos. A utilização do sofrimento das pessoas para obter lucro é absurdo. Essa é a pior parte. A melhor parte, que podemos constatar nessa pandemia, foi a solidariedade. A população foi compreensiva e nós vimos os médicos e profissionais da saúde absolutamente solidários. Realmente houve uma valorização da atividade da saúde. Eu vou falar dos médicos, porque represento o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e é a minha atividade. Houve realmente uma valorização e uma constatação da importância que a atividade médica tem. O trabalho que os médicos fizeram nesta pandemia foi exaustivo, muitos médicos pereceram, adoeceram, levaram a doença para a sua família, tiveram a Síndrome de Burnout, que é o esgotamento físico e mental em função do trabalho, principalmente os intensivistas, por exemplo, que é uma atividade relativamente nova e rara. Onde, os médicos se doam ao serviço intensivo e semi-intensivo. Esse pessoal realmente se esgotou.

E de que forma o Sindicato oferece suporte aos colegas?

Nós temos um Núcleo de Psiquiatria que funciona muito bem dentro do Simers e o núcleo fez um trabalho mostrando o impacto na saúde psíquica dos profissionais médicos e foi realmente impactante, grande parte dos colegas adoeceu, estão usando medicação e precisando de ajuda psicológica. Isso aconteceu não só com os médicos, se olharmos a população em geral, os psiquiatras e os psicólogos aumentaram muito a sua atividade em função do adoecimento da população em geral na pandemia. Isso atingiu os médicos de uma maneira mais impactante, porque nós estamos ali em frente àquele sofrimento todo da sociedade, não podendo nos omitir e encarando uma pandemia, que fez muito sofrimento e trouxe muita perda. Nosso Núcleo de Psiquiatria criou um serviço chamado de SIM Saúde Mental, que é de atendimento para os médicos. É um convênio com institutos psiquiátricos, que dão atendimento a custo mais reduzido para os profissionais de saúde. GRANDES EXPECTATIVAS Em uma sociedade pós-pandemia, onde a classe médica teve seu papel posto à prova, são grandes as expectativas em torno do mandato do Dr. Marcos Rovinski O senhor falou de valorização, porém no setor público parece ser via regra uma tendência à desvalorização da categoria. Como o senhor analisa isso, houve uma reversão após a pandemia?

A valorização da atividade médica não veio acompanhada da valorização salarial. Nós estamos enfrentando, nesse momento, uma realidade difícil. Por exemplo, na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, ao longo do tempo, a categoria médica foi muito desvalorizada. Hoje, a categoria tem o penúltimo pior salário dos municipários de nível superior. Os médicos, atualmente, ganham menos que os enfermeiros, só ganham mais que o professor. Não foram valorizados ao longo do tempo e o médico não sabe brigar muito, sabe apenas trabalhar e ele trabalha demais. O Sindicato tem que estar liderando um trabalho junto ao secretário estadual da Saúde Mauro Sparta, que é médico também, é parceiro. Ele está sempre sensível à necessidade de modificar essa situação na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, porque nós estamos enfrentando aqui muitos concursos vazios. Os médicos não querem mais fazer concurso para prefeitura pelo salário e não existe nenhuma categoria funcional que se exonere mais que a categoria médica. Passam num concurso e se exoneram logo depois, porque não vale a pena. Então, realmente, a pandemia mostrou a importância, mas está faltando mostrar a valorização em termos de honorários para o profissional.

No interior não é diferente. Se tu olhares no interior do estado, por exemplo, o Fórum da cidade, onde trabalham os juízes e os profissionais da Justiça, o Ministério Público, onde trabalha o promotor público, é uma coisa; agora vai num posto de saúde e veja as condições que os médicos, enfermeiros e auxiliares trabalham. Qual é a condição de trabalho ideal para que se possa atender adequadamente a população? Por aí, já se vê como funciona a valorização do médico.

O Sindicato completou 90 anos, fale sobre essa data tão importante.

Em maio, o Simers completou 90 anos de fundação. Em 1931, 90 anos atrás, um grupo de médicos formados no Brasil se reuniu na Faculdade de Medicina, para criar o Sindicato Médico, porque havia na época a ideia baseada na filosofia positivista, de que qualquer médico ou pessoa, que se achasse em con-

dições de atender a população como médico, poderia abrir um consultório e atender. Nós tínhamos muitos médicos práticos licenciados, assim como tínhamos muitos médicos estrangeiros formados no exterior, que vinham para cá, se estabeleciam e atendiam a população brasileira. Então, em 1931, alguns médicos se reuniram para que fosse regulamentada a profissão. Em 1932, a partir desse trabalho, não exclusivamente de médicos do Rio Grande do Sul, outros sindicatos médicos do país buscaram essa mudança, tornando-se uma questão nacional. Neste ano, com o governo do Getúlio Vargas, foi regulamentada a profissão, autorizando apenas médicos com formação no Brasil acadêmica atuarem no país. Médicos práticos licenciados não tinham mais autorização para trabalhar. Tinha que ter uma formação acadêmica e os médicos formados no exterior deveriam fazer um exame de revalidação para poder atender a população brasileira. O interessante é que agora, 90 anos depois, nós ainda estamos enfrentando esse problema, 16 projetos de lei tramitam no Congresso Nacional, autorizando pessoas formadas em faculdades, com péssimas condições. Na fronteira do Brasil, por exemplo, Pedro Juan Caballero tem nove faculdades de medicina, uma cidade de 100 mil habitantes, um hospital com 100 leitos para fazer treinamento. Essas pessoas formadas nesses caça-níqueis não podem trabalhar no Paraguai, querem trabalhar no Brasil. Formam-se no Paraguai, não podem trabalhar no país, mas querem trabalhar no Brasil atendendo a população brasileira. Tem uma força demagógica nesses projetos de lei. Gostaria que esses congressistas, que querem autorizar esse tipo de coisa, colocassem a sua família para ser atendida por esse tipo de profissional. A Amrigs tem uma prova que está sendo levada para todo Brasil, que é o exame Amrigs, muito conceituada e é usada para as residências em todo país. No entanto, o sindicato médico que começou com esta luta, na verdade, ampliou a sua atuação. Nós temos hoje 15 mil sócios e um sindicato que não se restringe só a essa questão, que deu origem. Não se restringe exclusivamente à luta capital-trabalho, que é a função de todos os sindicatos. Nós oferecemos uma série de serviços aos médicos. Nós temos um serviço jurídico, um setor de contabilidade, que ajuda o profissional no seu imposto de renda, na gestão do seu consultório, da sua clínica e da sua vida profissional. Implantamos também, o setor trabalhista e os Núcleos.

O que seriam estes Núcleos?

Nós temos agora Núcleos que fazem a representação dos médicos, para ilustrar,cito o exemplo do Núcleo de Psiquiatria, que fez essa pesquisa que abordei anteriormente e que está fazendo um excelente trabalho, no sentido de modificar o atendimento psiquiátrico no Brasil. Existe a falta de leitos psiquiátricos, uma política, ao nosso ver, errônea. O fechamento de leitos psiquiátricos, no país, fez com que, por exemplo, pessoas que são drogadictas, que precisam de internação, não consigam leitos. Então, isso o nosso Núcleo de Psiquiatria está lutando muito. Algumas medicações que estão para serem retiradas do Sistema Único de Saúde (SUS), que são muito importantes para o atendimento psiquiátrico dos pacientes. Nós fomos a Brasília e fornecemos bastante informação, para que essas medicações não fossem retiradas do SUS. Nós temos outros Núcleos, como por exemplo, o Núcleo Exercício Ilegal da Profissão da Medicina, que recebe muitas denúncias de usos indevidos da atividade médica, por quem não é médico. São pessoas que se arvoram sem formação médica a fazer atividade médica. Optometristas que fazem consultas, como se fossem oftalmologistas, algumas clínicas estéticas que realizam atividades que são de cirurgiões plásticos ou de dermatologistas. Nós recebemos essas denúncias e criamos esse Núcleo. Ele atende praticamente a todo país, tendo inclusive um Núcleo semelhante ao Sindicato Médico de Minas Gerais. O Sindicato veio aqui e copiou nosso modelo. Temos outros Núcleos que são de interesse dos médicos, como Inovação. Nós conseguimos sistemas de gestão de consultório, que é interesse dos profissionais, trazidos pelo Núcleo Inovação. Nós ampliamos a nossa ação a partir daí.

Qual a marca que sua diretoria pretende deixar na história da instituição?

É importante ressaltar que esta gestão liderada pelo Marcelo Matias realizou tantas mudanças dentro da estrutura, que vai nos restar pouca coisa para mudar, mas nós queremos ampliar a nossa representação no interior. Tem algumas pequenas coisas, que são minhas ideias, que eu quero apresentar para o grupo, por exemplo, nós médicos trabalhamos muito e eu estou vendo a minha experiência, agora com 70 anos de idade, já estou na idade em que grande parte das pessoas já estão aposentadas. Eu estou em atividade ainda e essa é uma coisa que vejo com os meus colegas, a dificuldade em saber se aposentar. O médico não sabe se aposentar, não se prepara para isso, nem psicologicamente, nem muitas vezes, financeiramente. Então, eu gostaria de realizar um grupo para essa preparação. O importante é aprofundar as modificações que o Dr. Marcelo implementou. Nós queremos aumentar a nossa regionalização no interior do estado, aumentar nossa representação em Porto Alegre. Nós temos vários hospitais, em Porto Alegre, que não têm ainda um delegado sindical. Nós queremos que cada hospital tenha um delegado sindical e que seja representado dentro do Sindicato, traga as suas necessidades para que nós possamos fazer uma luta em conjunto, que é mais forte, porque se nos unimos, nós conseguimos mais resultados. Queremos mostrar a necessidade da qualificação do profissional e da valorização da categoria médica. Esse ano, implementamos o “Valorize o Médico, Valorize a Vida”, que é um programa que o nosso setor de marketing lançou no dia do médico, 18 de outubro. Tem também, o “Duas Vidas e um Só Coração”, que representa quando o médico atende o paciente. Mostrar essa valorização, utilizando a expertise do Sindicato, para que repercuta, também, na questão financeira. Enfim, faremos todo o possível por nossos associados, como afirma o lema de nosso Sindicato: “defender os médicos é defender a saúde”.

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