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ESTADO DO PARÁ DEFENSORIA PÚBLICA DIRETORIA METROPOLITANA NÚCLEO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR

EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE BELÉM – ESTADO DO PARÁ.

URGÊNCIA - PEDIDO DE LIMINAR. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ, por meio dos seus órgãos de execução signatários, membros do Núcleo de Defesa do Consumidor da Capital, vem, à presença de Vossa Excelência, com o devido acatamento e respeito, com fundamento no artigo 5º, LXIX e LXX da Constituição Federal, artigo 21 da 12016/2009, artigo 3º-A, II e III, artigo 4º, III, VII e IX da Lei Complementar 80/94, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face do MUNICÍPIO DE BELÉM, ente da Federação, pessoa jurídica de direito público interno, com CNPJ nº 05055009/0001-13 que deve ser citado, conforme preceitua o artigo 12, inciso II, Código de Processo Civil, na pessoa do seu Chefe do Executivo ou do Procurador Responsável, sito Endereço: Palácio Antônio Lemos - Praça Dom Pedro II, Belém-PA – Cep. 66020-240 e da SUPERINTENDÊNCIA EXECUTIVA DE MOBILIDADE URBANA DE BELÉM (SEMOB) foi instituída através da Lei nº 9.031 de 18 de setembro de 2013, com CNPJ nº 63803100/0001-76, que deverá ser citada na pessoa da Superintendente, com endereço na Avenida Júlio César, 1026-A – Val-deCans – Belém – Pará – Brasil, Cep. 66617-420, haja vista os seguintes fatos e fundamentos jurídicos:

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I – DA SÍNTESE FÁTICA A presente Ação Civil Pública tem como objeto a tutela jurisdicional aos direitos difusos dos consumidores de escolher o meio de transporte mais adequado e dentro de um quadro de livre concorrência e dos direitos coletivos dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa dos motoristas "parceiros" prestadores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros cadastrados em aplicativos, direitos que vão ser prejudicados pelo cumprimento da Lei Municipal nº 9.233 do Município de Belém, publicada no Diário Oficial do Município de Belém, de nº 13180, de 06/12/2016, com a seguinte redação na integra (Doc.01):

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A lei proíbe no âmbito do município de Belém o transporte remunerado de pessoas em veículos particulares cadastrados através dos aplicativos para locais pré estabelecidos (art.1º), do qual é exemplo o aplicativo UBER dentre outros, fato este público e notório, posto que amplamente divulgado pela mídia e debatido em redes sociais. Na hipótese de descumprimento da lei, fica o “condutor e as empresas solidárias sujeitas a multa no valor de R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), apreensão do veículos e demais sanções cabíveis”(art.3º). Pretende-se com a presente ação que os réus “se abstenham de praticar atos que coíbam o uso de aplicativos baseados em dispositivos de tecnologia móvel ou quaisquer outros sistemas georreferenciados destinados à captação, disponibilização e intermediação de serviços de transporte individual de passageiros no Município”, nos termos da jurisprudência que vem se formando sobre o assunto. O que se faz consubstanciado no direito fundamental dos consumidores de escolher o meio de transporte mais adequado e dentro de um quadro de livre concorrência, na esteira do que prevê o inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal. Por outro lado, também temos tutelado o direito coletivo dos motoristas "parceiros" prestadores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros cadastrados em aplicativos aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa que são fundamentos da República, à luz do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, devendo também ser sobrelevada, de plano, a diferença entre prestação de transporte público e contrato particular de transporte, espécie em que se enquadra os referidos prestadores de serviço, do qual o UBER é um exemplo proeminente deles. Preconiza o artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil que: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

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Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” No mesmo sentido é o inciso XIII do artigo 5º do mesmo texto constitucional: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” O artigo 730 do Código Civil Brasileiro, por sua vez, reza que: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. Como se vê, o serviço de transporte de pessoas oferecido através de aplicativo de dispositivo móvel (aparelhos celulares, tablets etc), como por exemplo, o UBER, insere-se na modalidade de contrato particular de transporte, não se confundindo com o serviço público de transporte prestado por taxistas, mediante permissão do poder público, não é por outro motivo que LEIS MUNICIPAIS QUE SIMPLESMENTE PROIBEM o uso do aplicativo como foi o caso de diversos municípios deste Brasil estão com a sua aplicabilidade suspensa em face de decisões judiciais.

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Defende-se que poderia o município regular a atividade, como foi o caso do município de São Paulo, que institui regras e pagamento de taxas, o que não se admite, repisa-se, é simplesmente proibir o uso. Por outro lado, esclarecesse que o pedido formulado na presente ação não é de declaração da inconstitucionalidade da transcrita lei, o objeto do presente feito limita-se apenas a defender de forma direta o direito coletivo dos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros não serem passíveis de fiscalização e aplicação de penalidades administrativas em função única e exclusivamente do exercício de sua atividade econômica de transporte privado individual remunerado de passageiros com uso da plataforma tecnológicas, o que se faz no sentido do que a justiça vem decidindo em sede de ações coletivas envolvendo o assunto. A justiça tem sido chamada – não só no Brasil como será demonstrado no decorrer da presente peça, mas em vários países no Mundo – a responder questões sobre liberdade fundamentais diante do surgimento de novas tecnologias como é o caso do transporte privado individual remunerado intermediado por aplicativos. No Brasil, a jurisprudência vem se formando favoravelmente aos consumidores e aos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros a conceder decisões que coíbem práticas que inviabilizem a utilização dos aplicativos. Destaca-se Processo de nº:0406585-73.2015.8.19.0001 (doc.02), o juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, que assim entendeu em sede de sentença proibindo a aplicação de multas: “A atividade das impetrantes e dos motoristas "parceiros" prestadores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros surgiu há poucos anos e vem crescendo exponencialmente na esteira da difusão do uso cada vez maior da tecnologia dos smartphones pela população mundial. Em verdade, cuida-se de negócio jurídico moderno que, embora possa ser enquadrado em previsão legal 5


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já existente no ordenamento jurídico pátrio, ainda não possui regulamentação específica própria. É atividade que vem gerando discussão por todo o mundo, não só no âmbito jurídico, mas também econômico e social, existindo já inúmeras ações judiciais em diversas Capitais dos Estados da Federação questionando atos normativos municipais editados para embasar a aplicação de penalidades administrativas única e exclusivamente pelo desempenho da atividade das impetrantes e de seus motoristas "parceiros", considerando-a irregular. Com efeito, a Constituição da República de 1988 estabelece que o Estado Democrático de Direito possui como fundamento a livre iniciativa. Trata-se de indiscutível liberdade fundamental garantida a todos os indivíduos pelos artigos 1º, IV e 170 da Constituição da República de 1988. Como extensão desta garantia, figura também na Constituição o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, estabelecido no inciso XIII do artigo 5º. Todos estes princípios e garantias constitucionais devem balizar toda e qualquer tentativa de regulação por parte do Estado, não sendo legítimo, de modo geral, proibir atividade econômica lícita, aberta à iniciativa privada e à livre concorrência.” A Eg. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0061837-32.2015.8.19.000 (Doc.03), sob relatoria da douta Desembargadora Marcia Ferreira Alvarenga, assim se manifestou: “Em nenhum momento está em discussão aqui a competência e legitimidade da Municipalidade de

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regular e fiscalizar a atividade de transporte, zelando pela sua qualidade e segurança. O ponto controverso cinge-se a avaliar se exercer essa prerrogativa abrange a possibilidade de proibir todo um setor dessa atividade econômica, isto é, se é compatível com os postulados normativos da razoabilidade e da proporcionalidade, que o Município possa, em lugar de fiscalizar a presença dos requisitos para realizar o transporte, impedir que os particulares celebrem contratos de transporte individual, com pessoas que não sejam taxistas, com autorização do Poder Público”. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, processo de nº 201483163.2016.8.26.0000, Desembargador Relator, FERMINO MAGNANI FILHO (doc.04): “A fiscalização das Prefeituras sobre a frota circulante e os transportes públicos em particular, neles incluído o serviço (autorizado ou dito clandestino) de táxis, é necessária e está constitucionalmente legitimada em proveito da segurança comum, cidadãos e usuários desses veículos; deve existir e está autorizada, seria um contrassenso coibi-la. Mas essa vigilância deve restringir-se à análise das condições de conservação e de segurança do veículo, sua regularidade documental, aplicação das leis de trânsito, coibição de embriaguez ao volante etc. A Administração não pode apreender veículos, como diariamente noticiado, apenas por que tais motoristas não são considerados “oficialmente” taxistas num campo, ao que parece, ainda não convenientemente regulamentado da atividade econômica eletrônica. 7


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Agir de modo contrário impediria, num exame perfunctório, o exercício da liberdade constitucional de empreendedorismo privado. Debate desafiante a ser melhor estruturado no julgamento do mérito da demanda.” A 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, em mandado de segurança coletivo impetrado pelo SUCESUMG SOCIEDADE DE USUARIOS DE INFORMATICA E TELECOMUNICACOES DE MINAS GERAIS, processo de n 501492375.2016.8.13.0024 (Doc.05), entendeu em sede de liminar: “Como se vê, o serviço de transporte de pessoas oferecido através de aplicativo de dispositivo móvel (aparelhos celulares, tablets etc), como por exemplo, o UBER, insere-se na modalidade de contrato particular de transporte, não se confundindo com o serviço público de transporte prestado por taxistas, mediante permissão do poder público. Ademais, a sentença que eventualmente reputar qualquer ato prejudicial a Sociedade autora, no particular, como, de fato, arbitrário ou ilegal, restará ineficaz.” Assim, as decisões que trouxe à baila são só exemplos do que vem se avolumando na justiça Brasileira, que é chamada para resguardar direitos fundamentais dos cidadãos, no caso a livre iniciativa dentre outros. Ademais, a sentença que eventualmente reputar qualquer ato prejudicial aos usuários do serviço, como, de fato, arbitrário ou ilegal, restará ineficaz se não tiver os seus efeitos funcionando antes, na medida que já se encontrará inviabilizada a atividade. Em outras palavras, significa dizer que, além da relevância dos fundamentos, encontra-se presente também o periculum in mora que se faz necessário para a 8


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concessão da liminar, considerando sobretudo a ineficácia de decisão posterior. No mérito, por se tratar de ato ilegal e absolutamente abusivo, violando diretamente a Constituição Federal e afetando o direito difuso dos usuários e dos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros e que se pleiteia a confirmação da liminar antes deferida e o julgamento procedente do nos termo do direito a seguir exposto. II – DO DIREITO. A – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA. DIREITOS COLETIVOS DOS FORNECEDORES DO SERVIÇO DE TRANSPORTE PRIVADO INDIVIDUAL REMUNERADO DE PASSAGEIROS. DIREITO DIFUSO DOS USUÁRIOS.

Inicialmente é preciso advertir que estamos diante de basicamente duas categorias de direito: 1 – Direito coletivo em sentido estrito relativo aos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros intermediado pela relação jurídica com aplicativos. 2 – Direito coletivo em sentido lato senso, ou direito difuso, de todos os consumidores a livre escolha dos meios de transporte. Os direitos coletivos em sentido lato se classificam em direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. A diferenciação entre esses direitos se dá, dentre outros aspectos, pela transindividualidade, que pode ser real ou artificial, ampla ou restrita; pelos sujeitos titulares, determinados ou indeterminados; pela indivisibilidade ou divisibilidade do seu objeto; pela disponibilidade ou

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indisponibilidade do bem jurídico tutelado; e pelo vínculo a ensejar a demanda coletiva, jurídico ou de fato. A classificação e a diferenciação literal legal dos direitos coletivos em sentido amplo é dada pelo parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: “I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. (grifou-se) No caso em apreço se tutela os direitos coletivos dos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros, e os direitos difusos dos usuários consumidores do serviço. Feita essas observações iniciais, pode-se afirmar que a doutrina e a jurisprudência já assentaram a plena legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de demandas que busquem tutelar direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Assim, em 15 de janeiro de 2007, foi publicada a Lei Federal nº. 11.448, que expressamente admitiu a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública ao inserir esta instituição no rol presente no artigo 5º da Lei nº. 7.347 de 24 de julho de 1985. Não é demais lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 134, dispõe que à Defensoria Pública incumbe a assistência jurídica 10


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integral e gratuita aos necessitados. Por conseguinte, o objetivo da Defensoria Pública é de servir como instrumento para o acesso a ordem jurídica justa dos necessitados, seja sob o aspecto econômico, seja sob o aspecto jurídico. Decerto, sem a ação civil pública a Defensoria Pública não conseguiria cumprir a sua vocação constitucional, que, em última análise, visa a promoção da dignidade da pessoa humana. Confirmando esse entendimento, foi promulgada e publicada a Lei Complementar 132, de 07 de outubro de 2009, que alterou a Lei complementar 80/94, que estabelece normas gerais sobre as Defensorias Públicas. Nesse diploma, consta, expressamente, como função institucional da Defensoria Pública “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”. Tratando sobre a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública, assim se manifestou o Ministro MINISTRO HERMAN BENJAMIN, no RECURSO ESPECIAL Nº 1.264.116 - RS (2011/0156529-9), in verbis: “Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Basta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis”. Não é difícil vislumbrar que dentre os prestadores de serviço de transporte particular remunerado se encontram diversas pessoas que não 11


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conseguiram um emprego formal ou uma renda e que estão procurando meios de se sustentar. Por fim, o objeto da presente ação circunscreve-se, com exatidão, aos objetivos e funções institucionais da Defensoria Pública, notadamente a “afirmação do Estado Democrático de Direito” (art.3º-A, II), “a prevalência e efetividade dos direitos humanos” (art.3ºA, III); “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico” (art.4º, III) e “promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art.4º, X, todos dispositivos da Lei complementar nº80/94). B – DO DIREITO DOS CONSUMIDORES A LIVRE ESCOLHA. A questão vem sendo sempre abordada sobre o direito dos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros intermediado por aplicativos sobre o prisma dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, porém, entendemos que esta em jogo também o direito fundamental dos consumidores de escolher o meio de transporte mais adequado e dentro de um quadro de livre concorrência. Defender liberdade de escolha individual do consumidor de escolher entre o transporte privado individual remunerado de passageiros intermediado por aplicativos, o taxis regulares e respeitar a livre concorrência com foco no lucro é a espinha dorsal do capitalismo liberal, e essa competição beneficia sobretudo o consumidor final. Ademais, a atividade econômica é fundada na livre concorrência entre os diversos meios de transporte, conforme preconiza a nossa Constituição Federal:

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“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência; (...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” Poderia como já foi dito a municipalidade regulamentar a atividade, o que não se pode era simplesmente proibir e aplicar sanção aos fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros intermediado por aplicativos, para proteger a categoria dos taxistas em detrimento do direito fundamental do consumidor de escolher o meio de transporte que mais lhe agrada. O direito da concorrência deve ser visto no caso em apreço como um desenho de tutela aos consumidores, não de forma interna ou micro, mas, sim, de forma externa, macro, visando assegurar a competitividade do mercado. Percebe-se, assim, que a defesa da concorrência, assegurando o interesse institucional, irá tutelar o interesse do consumidor de uma forma ampla, mas indireta, coibindo ou prevenindo práticas abusivas. Neste sentido foi o estudo realizado pelo CADE (Doc.06), que assim concluiu: “Finalmente, é necessário discutir a regulação do mercado de transporte individual de passageiros, visto que não há elementos econômicos que justifiquem a proibição de novos prestadores de serviços de transporte individual. Para além disso, elementos econômicos sugerem que, sob uma ótica concorrencial e do consumidor, a atuação de novos agentes tende a ser positiva.” 13


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O estudo pode ser acessível na integra no site: http://www.cade.gov.br/noticias/o-mercado-de-transporte-individual-depassageiros.pdf. Assim, a atuação dos prestadores de serviço de transporte privado intermediado por aplicativos atendem a ótica concorrencial e do consumidor, que, na visão dos peticionantes, devem ser observados por este juízo. C – OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA. CONFORMAÇÃO E PROTEÇÃO. A Lei Municipal nº 9.233 do Município de Belém, publicada no Diário Oficial do Município de Belém, de nº 13180, de 06/12/2016, que “proíbe no âmbito do município de Belém o transporte remunerado de pessoas em veículos particulares cadastrados através dos aplicativos para locais pré estabelecidos” (art.1º). Na hipótese de descumprimento da lei, fica o “condutor e as empresas solidárias sujeitas a multa no valor de R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), apreensão do veículos e demais sanções cabíveis”(art.3º). Pela simples leitura de alguns de seus dispositivos vê-se que, a pretexto de regular a matéria ou não, o que houve, em verdade, ainda que indiretamente, foi a proibição pura e simples do exercício da atividade desempenhada fornecedores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros, o que prejudica também evidentemente os consumidores destes serviços. O que contraria os princípios salvaguardados pela Constituição da República de 1988 da livre iniciativa e da livre concorrência, além do livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Assim estão previstos os aludidos princípios na Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, in verbis: "TÍTULO I 14


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Dos Princípios Fundamentais Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ....................................................................................... IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; ....................................................................................... Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ....................................................................................... XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; ....................................................................................... Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação 15


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dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei." Com efeito, a Constituição da República de 1988 estabelece que o Estado Democrático de Direito possui como fundamento a livre iniciativa. Trata-se de indiscutível liberdade fundamental garantida a todos os indivíduos pelos artigos 1º, IV e 170 da Constituição da República de 1988. Como extensão desta garantia, figura também na Constituição o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, estabelecido no inciso XIII do artigo 5º. Todos estes princípios e garantias constitucionais devem balizar toda e qualquer tentativa de regulação por parte do Estado, não sendo legítimo, de modo geral, proibir atividade econômica lícita, aberta à iniciativa privada e à livre concorrência. Sobre a limitação material da liberdade de conformação no âmbito da atividade estatal regulamentadora confira-se, a seguir, trecho da obra "A Eficácia dos direitos Fundamentais", do Eminente jurista Ingo Wolfgang Sarlet (Quarta edição, atualizada e ampliada, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2004, págs. 353/354), in verbis: “Neste contexto, cumpre referir a paradigmática e multicitada formulação de Krüger, no sentido de que hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em 16


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leis apenas na medida dos direitos fundamentais, o que - de acordo com Gomes Canoilho – traduz de forma plástica a mutação operada nas relações entre a lei e os direitos fundamentais. De pronto, verifica-se que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora” Ainda neste contexto há que reconhecer a pertinência da lição de Gomes Canotilho, ao ressaltar a duplo dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Assim, num sentido negativo (ou proibitivo), já se referiu a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direito fundamentais, que, sob este ângulo, atuam como normas de competência negativas. (...)" Em verdade, como dito acima, a atividade desempenhada pelos motoristas "parceiros" prestadores de serviço privado remunerado de transporte individual de passageiros, apesar de não possuir regulamentação própria específica, não é vedada por norma legal emanada de autoridade competente para tanto. Não se pode impedir uma atividade econômica sob o argumento de não estar ela ainda regulamentada. Assim, como questão prejudicial à resolução do caso concreto submetido à jurisdição deste Juízo, entende-se pela não conformidade com a Constituição da República de 1988 da absoluta restrição e/ou proibição do exercício do tipo de atividade desenvolvida pelos motoristas "parceiros", sendo inconstitucional a criação de monopólio da atividade de transporte individual de passageiros por parte dos taxistas por meio dos atos normativos municipais acima mencionados. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu artigo 22, inciso XI, que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte e em seu artigo 30, incisos I e II, que compete aos Municípios

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legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. A Lei nº 12.587, sancionada pela Presidente da República em 3.1.2012, institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelecendo em seu artigo 1º que "a Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do artigo 21 e o artigo 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município". O artigo 3 da Lei de Mobilidade urbana dispõe que o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município, fazendo previsão em seus parágrafos 1º e 2º, dentre os modos de transporte urbano, do transporte motorizado de passageiros coletivo e individual e privado e público. Não há dúvida de que a Lei Federal de Mobilidade Urbana não só prevê como admite a existência concomitante do transporte individual de passageiros privado e do transporte individual de passageiros público, não sendo possível confundir-se o transporte realizado pelos motoristas colaboradores das impetrantes mediante o uso da plataforma tecnológica com aquele realizado pelos taxistas, serviço normatizado por meio da Lei nº 12.468/2011. No entanto, apesar da indiscutível distinção entre uma atividade e outra, não há dúvida quanto à existência de razões de interesse público para a regulação também da atividade de transporte privado individual remunerado de passageiros. Na forma do disposto no artigo 5° da Lei nº 12.587/12: "a Política Nacional de Mobilidade Urbana, dentre outros princípios, está assentada no desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais, na equidade no acesso 18


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dos cidadãos ao transporte público coletivo, eficiência, eficácia e efetividade na prestação os serviços de transporte urbano, justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços, equidade no uso do espaço das vias públicas e eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana". Estabelece, ainda, o aludido diploma legal, em seu artigo 6º, que "a Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes: “I - integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos; II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano; IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade; V - incentivo ao desenvolvimento científicotecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes; VI - priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; VII – integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional". 19


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Ademais, dispõe o art. 7º que "a Política Nacional de Mobilidade Urbana possui os seguintes objetivos: I- reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana". Todos esses princípios se traduzem em razões de interesse público que justificam a regulação do serviço de transporte de passageiros não só público coletivo ou individual, mas também do serviço de transporte de passageiros privado individual remunerado prestado pelos motoristas "parceiros" mediante o uso da plataformas tecnológicas. É a legítima regulação estatal da atividade desenvolvida pelas pelos motoristas "parceiros", o que não pode é o município simplesmente proibir a atividade. Neste sentido o parecer do Eminente professor de direito constitucional da UERJ, Daniel Sarmento (Doc.06), cujo transcreve-se a seguir, in verbis: "(d) O legislador infraconstitucional de qualquer dos entes federativos pode converter toda a atividade de transporte individual de passageiros em serviço público, ou se valer de restrições regulatórias que impeçam, que particulares compitam, nesta área, com os serviços de táxi? É possível e legítima a regulação estatal dessa atividade, mas as restrições devem ser proporcionais, visando sempre à salvaguarda do interesse público, e jamais à garantia de uma reserva de mercado para uma corporação, à moda do Ancien Régime, o que não se compatibilizaria com a nossa ordem 20


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constitucional republicana." (PARECER Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de Passageiros: O "caso Uber" 10 de julho de 2015 Daniel Sarmento Professor de Direito Constitucional da UERJ Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ Pós-doutor pela Yale Law School) Neste sentido faço menção ao artigo "UBER x TAXI: a solução pela via da regulação" de autoria do I. Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Flávio Amaral Garcia, pede-se vênia para transcrever, em seguida, alguns de seus trechos, in verbis: "(...) O UBER não deve ser objeto de restrições ou vedações absolutas a sua entrada no mercado pelos entes públicos. Trata-se de atividade que se insere no campo do livre exercício das atividades econômicas e que se encontra protegida pelo princípio constitucional da livre iniciativa (artigo 1°, IV e caput do artigo 170, da CF). Vedar a entrada do UBER no mercado de transporte individual brasileiro, para além de afetar o núcleo de liberdade das pessoas - físicas ou jurídicas de se organizarem e desempenharem livremente atividades e escolherem os seus próprios destinos é adotar uma postura que ignora a realidade, os fatos e, principalmente, o advento de novas tecnologias transformadoras da vida em sociedade. O Direito nunca andou bem quando olhou para trás e não para frente. Essa primeira conclusão não significa, como adiante se pretende demonstrar, que o UBER não possa ou não deva ser regulado pelos entes públicos. Aqui já se pode chegar a outra conclusão: o UBER presta serviços materiais de transporte e a plataforma tecnológica é apenas o instrumento para intermediar e 21


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organizar a relação entre a demanda e a oferta. Mas o que o UBER efetivamente entrega e o que o consumidor efetivamente espera é um serviço eficiente de transporte individual das pessoas. Avançando no tema, é possível asseverar que os serviços de transporte prestados pelo UBER não se equivalem aos serviços prestados pelos táxis. Explicase: é que a Lei n.° 12.587/12 - Lei de Mobilidade Urbana - considera no seu artigo 4°, inciso VIII, transporte público individual o serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas, enquanto que, no inciso X, do artigo 4°, define transporte motorizado privado como o meio de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares. Bem vistas as coisas, é possível enquadrar os táxis como transporte público individual e o UBER como transporte privado individual. A diferença entre as duas modalidades é que o transporte público individual é aberto ao público. Em outros termos, qualquer cidadão pode pegar um táxi na rua, o que não acontece com o UBER, que depende exclusivamente da plataforma tecnológica. Cabe aqui um apontamento: existem várias cooperativas e prestadores de serviços de táxi que se beneficiam da mesma tecnologia para angariar consumidores, como, por exemplo, o EASY TAXI e o 99 TAXIS. A diferença para o UBER, como apontado, é que os táxis também dispõem da alternativa de conquistarem os consumidores nas ruas; daí ser aberto ao público.

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Essa distinção entre transporte público individual e transporte privado individual nos permite avançar em mais duas conclusões. A primeira é que a circunstância de o táxi ser enquadrado como transporte público individual não implica na sua classificação como serviço público, parecendo mais apropriado o seu enquadramento como serviço de utilidade pública. Não se vislumbram, nos serviços prestados pelos táxis traços de essencialidade, universalidade, continuidade ou de atendimento a necessidades coletivas intrinsecamente conectadas com direitos fundamentais, a qualificá-lo como serviço público, o que, evidentemente, não significa dizer que não devam ser regulados. A segunda conclusão é que essa convivência entre um regime público e outro privado, prevista na Lei de Mobilidade Urbana, não é nenhuma novidade. Ao contrário, é amplamente adotada em vários outros setores. Trata-se da concorrência assimétrica, identificada nos setores de telecomunicações, energia e portos, que admite e estimula a concorrência entre os distintos regimes, o que se deve, em grande medida, à contribuição do Direito Europeu Contemporâneo. Portanto, a concorrência entre táxi (transporte público individual) e UBER (transporte privado individual) está em absoluta sintonia com o Direito Administrativo do século XXI. (http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/flavioamaral-garcia/uber--taxi-a-solucao-pela-via-daregulacao, UBER x TAXI: a solução pela via da regulação, Flávio Amaral Garcia (RJ) Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Professor de Direito Administrativo da Pós-Graduação de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas do Rio de 23


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Janeiro. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro IDAERJ. Advogado – Sócio do Escritório Juruena e Associados. 19/02/2016)” Ainda nessa linha, transcreve-se, ainda, trecho de artigo denominado "Uber e as tensões jurídicas globais da sharing economy", de autoria de Rafael A. F. Zanatta, Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e Mestre em Direito e Economia Política pela International University College of Turin/Universidade de Turim, acerca da questão em debate, in verbis: "(...) o que precisa ser observado pelos juristas brasileiros é o tipo de regulação adequada para essa nova realidade de intermediação de serviços. Não se trata de adotar um discurso meramente punitivo e proibitivo. Isso resolve muito pouco o problema e ignora as potencialidades de novas formas de regulação. Como observei em um texto escrito com Pedro de Paula publicado pelo Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da USP, ‘se a regulação tem por finalidade evitar a lesão ao consumidor, condutas ilícitas e práticas desleais, podemos pensar em modelos de regulação que combinam o controle realizado de ‘baixo para cima’ -- pelos usuários e organizações-comum a supervisão governamental’. No entanto, para que a supervisão governamental funcione, precisamos de categorias jurídicas atualizadas e novas teorias jurídicas capazes de abranger a complexidade dessas novas relações de serviço e trabalho. Os pesquisadores brasileiros não podem evitar essa discussão de caráter global. As tensões jurídicas da sharing economy, uma 24


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hora ou outra, terão que ser resolvidas. Seja em São Francisco ou São Paulo." (http://rafazanatta.blogspot.com.br/2014/11/uber-e-astensoes-juridicas-globais-da.html - 9 de novembro de 2014) Assim, é ilegítimo a prática de quaisquer atos que restrinjam ou impossibilitem o exercício da atividade econômica dos prestadores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros mediante o uso da plataforma tecnológica, única e exclusivamente em razão do desempenho de sua atividade, caracterizando-a indevidamente como transporte irregular de passageiros, até que esta mesma atividade venha a ser efetiva e validamente regulada. D – DO PEDIDO DE LIMINAR. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. “(...) a técnica antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do tempo do processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada.”1 À luz do sistema das cautelares, quando o art. 4° da Lei n. 7.347/85 dispõe que “poderá ser ajuizada ação cautelar para fins desta lei, objetivando, inclusive, evitar o dano” e o art. 5° aborda a legitimidade ativa para “a ação principal e a cautelar”, tanto está a se referir à ação cautelar preparatória ou incidental quanto àquela situação em que a cautelar terá natureza satisfativa (quando então não será necessário ajuizamento de ação principal). Dessa feita, a liminar provisória aludida no art. 12 da lei n. 7.347/85 pode ser concedida em quaisquer ações, com ou sem justificação 1

MARINONI, Luiz Guilherme & ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3.

ed. São Paulo: RT, 2004. p. 234.

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prévia, inclusive sob astreinte. Só essa interpretação permite atingir o escopo da lei quando o seu art. 4° reza que as cautelares podem ser ajuizadas “objetivando, inclusive, evitar o dano”. De acordo com o magistério doutrinário, o primeiro requisito para a concessão da liminar (fundamento relevante), consistira na situação de o autor “deverá convencer o magistrado de que é portador de melhores razões que a parte contrária; que o ato coator é, ao que tudo indica, realmente abusivo e ilegal”2. Por sua vez, o segundo (ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida), deve entendido como a concreta possibilidade de a tutela do direito in natura não ser alcançada apenas com o provimento final, “na exata proporção em que o tempo de seu procedimento, posto que bastante curto, não tenha condições de assegurar o proferimento de sentença apta a tutelar suficiente e adequadamente o direito tal qual venha a reconhecer”3. Entende-se que os dois requisitos estão bem delineados nos autos. No tocante ao fundamento relevante, basta verificar a jurisprudência que vem se consolidando nos mais diversos tribunais deste pais. Por outro lado, há, na hipótese, verdadeiro periculum in mora. Constata-se a presença deste requisito, inicialmente, por simples raciocínio aritmético. Deveras, considerando os prazos previstos nos artigos 7º, I, artigo 12, caput e parágrafo único, tem-se que, mesmo que respeitados todos os termos legais assinalados, se o pleiteado for deferido somente na sentença teremos prejudicado de forma irreversível diversos usuários e os prestadores do serviço de transporte privado individual remunerado de passageiros mediante o uso da plataforma tecnológica.

2

BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São

Paulo: Saraiva, 2010, página 64. 3

IDEM, página 65.

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III – DOS PEDIDOS Diante de tudo o que foi exposto, requer-se: A) CONCEDER, liminarmente, em observância ao princípio da prevenção, medida cautelar de urgência inaudita altera parte, para o fim de as demandadas “se abstenham de praticar atos que coíbam o uso de aplicativos baseados em dispositivos de tecnologia móvel ou quaisquer outros sistemas georreferenciados destinados à captação, disponibilização e intermediação de serviços de transporte individual de passageiros no Município de Belém”. B) Para o cumprimento, por parte do ente público requerido, das medidas a serem impostas por este Juízo, inclusive em sede de liminar, fica desde já requerida a adoção das providências que se fizerem necessárias, especialmente a intimação pessoal do agente público (Prefeito do Município e Superintendente), sob pena de desobediência (artigo 26 da Lei 12016/2009) e fixação de multa única, no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), por ato/ordem do Município; C) DETERMINAR a CITAÇÃO da Ré para, querendo, contestar o presente feito, sob pena de revelia; D) INTIMAR o ilustre representante do Ministério Público para intervir no feito (art. 5°, § 1°, da LACP); E) A concessão das prerrogativas da Defensoria Pública, nos termos da LC 80/94 c/c LCSP 988/06, em especial a intimação e vista pessoal dos autos do processo. F) No MÉRITO, que seja julgado PROCEDENTE O PEDIDO para que as autoridades demandadas “se abstenham de praticar atos que coíbam o uso de aplicativos baseados em dispositivos de tecnologia móvel ou quaisquer outros sistemas georreferenciados destinados à captação, disponibilização e intermediação de serviços de transporte individual de

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passageiros no Município” de acordo com a jurisprudência que vem se formando e da fundamentação acima exposta. G) Requer-se a dispensa quanto ao pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no art. 18 da Lei n. 7347/85. H) Dá-se à causa o valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Belém, 09 de dezembro de 2016.

Arnoldo Péres Defensor Público do Estado do Pará Titular da 3 Defensoria Pública das Relações de Consumo

João Paulo C G Ledo. Defensor Público do Estado do Pará.

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ROL DE DOCUMENTOS. Doc.01 – Lei Municipal. Doc.02 – Decisão da 6ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro no Processo de nº:0406585-73.2015.8.19.0001 (doc.02). Doc.03 – Decisão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos do Agravo de Instrumento nº 006183732.2015.8.19.000. Doc.04 – Decisão da 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, processo de nº 201483163.2016.8.26.0000 Doc.05 – Decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, processo de n 5014923-75.2016.8.13.0024. Doc.06 – Conclusão do Estudo do CADE. Doc.07 – Parecer do Dr Daniel Sarmento.

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