Suicídio no Brasil

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SUICÍDIO NO BRASIL: Um problema de saúde pública

Francine NascimentoAbreu (UESPI)¹

Resumo:

Este artigo analisa a problemática do suicídio no Brasil, destacando o aumento preocupante das taxas desde 2010. Inspirado nas contribuições de Émile Durkheim, um dos pioneiros da sociologia moderna, o texto explora o suicídio como um fenômeno social, influenciado por fatores como coesão, integração e regulação sociais. A pandemia de COVID-19, agravando as vulnerabilidades, ressalta a necessidade de abordagens holísticas e políticas públicas eficazes. As quatro categorias de suicídio identificadas por Durkheim - egoísta, altruísta, anômico e fatalista - revelam a complexidade das influências sociais. A compreensão dessas nuances subsidia estratégias de prevenção mais robustas, considerando a interconexão entre saúde mental e contexto social.

Palavras-chave: Suicídio, Émile Durkheim, saúde mental.

Parnaíba-PI 2024

1 Graduando em Filosofia na Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Pesquisadora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensões Esperança Garcia da UESPI (GEPEG/UESPI/CNPq). Pesquisadora em Epistemologia Feminista na cidade Parnaíba – PI.

Ao longo do período analisado, o Brasil contabilizou 9.954 casos de suicídio ou mortes por lesões autoprovocadas intencionalmente, conforme revelado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021. Esta preocupante realidade atinge, de maneira alarmante, crianças e adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos, evidenciando cerca de mil casos anuais nessa faixa etária. Essa constatação, baseada em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, foi enfaticamente destacada por Luci Pfeiffer, presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância eAdolescência da SBP.

Contudo, Pfeiffer ressalta que esse número, por si só, é subnotificado, abrangendo casos onde a verdadeira intenção suicida é mascarada por eventos como quedas ou ingestão excessiva de medicamentos. A gravidade dessa subnotificação é sublinhada pela pediatra ao alertar que "todo dia morrem três crianças por suicídio no Brasil". Diante desse cenário, Pfeiffer enfatiza a presença de estímulos nas redes sociais que promovem a autoagressão e o suicídio como uma saída, destacando a importância crucial de discutir e identificar sinais de alerta para buscar ajuda, reconhecendo a essencialidade do tratamento desse problema. No âmbito geral do suicídio no Brasil, configura-se como uma questão de saúde pública, demandando atenção dos governos e conscientização da sociedade.Aanálise dos números, segundo oAnuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, evidencia um aumento de 11,8% em 2022 em relação a 2021, apresentando uma taxa de 16.262 casos, contrastando com os 7,2 homicídios por 100 mil habitantes registrados em 2021. A preocupação se acentua ao considerar a tendência crescente desde 2010, como apontado por dados da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, que revelam um aumento de 43% no número de casos de suicídio de 2010 a 2019.

Esses dados ressaltam a urgência de políticas públicas efetivas e ações de prevenção abrangentes para enfrentar esse desafio de saúde pública. Além disso, agravando o já preocupante aumento do suicídio no Brasil, a pandemia de COVID-19 intensificou os casos de depressão e ansiedade globalmente. Diante desse contexto desafiador, é imperativo adotar uma abordagem abrangente, considerando não apenas os fatores sociológicos, mas também os impactos psicológicos decorrentes das crises sanitárias. A contribuição da abordagem pioneira

Introdução

de Émile Durkheim, o sociólogo francês, torna-se fundamental para compreender a complexidade do suicídio. Em sua obra "O Suicídio", publicada em 1897, Durkheim realizou umaanálisesociológicadofenômeno,identificandotrêstipos:egoísta,altruístae anômico,cada um ligado a diferentes dinâmicas sociais. Este artigo busca analisar em profundidade o problema do suicídio no Brasil, explorando suas principais causas e fatores de risco, enquanto considera a relevância das contribuições sociológicas de Durkheim.Ao compreender o suicídio como não apenas um desafio individual, mas também um fenômeno social, visa-se estabelecer bases mais sólidas para políticas públicas e iniciativas de prevenção.

Ao desdobrar as nuances por trás das estatísticas disponíveis, busco contribuir para uma abordagem mais holística e informada em relação a esse grave problema de saúde pública. Adicionalmente, é crucial integrar as considerações relacionadas à pandemia de COVID-19, que intensificou os desafios já existentes, ampliando a necessidade de estratégias preventivas e de suporte psicológico. Essa abordagem integrada é essencial para lidar eficazmente com o problema do suicídio, evidenciando a importância de uma resposta coordenada e abrangente.

Impacto nos Jovens e na Saúde Pública:

O suicídio entre crianças e adolescentes emerge como um grave desafio de saúde pública, afetando diversas faixas etárias e regiões do globo. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), observou-se um alarmante aumento de 24% nos casos de suicídios entre adolescentes no período de 2000 a 2016. A Organização Mundial da Saúde (OMS)classificaadepressãocomoo"maldoséculo",afetandoatualmentemaisde300milhões de pessoas em todo o mundo. A gravidade da depressão reflete-se em estatísticas impactantes, com mais de 800 mil mortes anuais resultando de suicídios relacionados a essa doença incapacitante.

No gráfico da figura 1, são apresentadas as porcentagens de aumento de suicídios e o número de pessoas afetadas pela depressão, tanto em adolescentes quanto em crianças. Afaixa etária de crianças não especificada não foi incluída no gráfico. Conforme destaca-se, a porcentagem de aumento de suicídios é mais significativa entre os adolescentes do que entre as crianças.Alémdisso,onúmerodepessoasafetadaspeladepressãoémaiorentreosadolescentes do que entre as crianças. É importante ressaltar que esses dados representam apenas uma estimativa e podem não refletir a realidade de todas as regiões

Portanto, o uso excessivo de tecnologia, notadamente smartphones e mídias sociais, torna-se um fator preocupante, associado ao surgimento de sentimentos de solidão, ansiedade e

Fig. 1

depressão, particularmente entre crianças e adolescentes. A cultura contemporânea, marcada pela individualização, amplifica a vulnerabilidade dos jovens diante da questão do suicídio

Desafios e Fatores Contribuintes:

O suicídio entre jovens representa uma realidade complexa e multifacetada, envolvendo desafios diversos que dificultam sua identificação e prevenção eficaz. A ausência de conscientização sobre saúde mental, aliada à persistente estigmatização das doenças mentais, contribui para um cenário onde o acesso limitado aos serviços de saúde mental e a escassez de recursos financeiros para tratamento se configuram como obstáculos expressivos.

A presença marcante das redes sociais adiciona camadas de complexidade. Enquanto essas plataformas podem oferecer apoio social e conexão, também podem ser fontes potenciais de pressão social, cyberbullying e comparação prejudicial. O acesso a informações que fomentam a autoagressão, incluindo tutoriais de suicídio, emerge como um fator de risco significativo, agravando a vulnerabilidade dos jovens. Garantir que os jovens tenham acesso a recursos de saúde mental e suporte social é crucial para ajudá-los a enfrentar o estresse e a ansiedade associados a esses desafios. Além disso, a conscientização por parte dos pais, educadores e profissionais de saúde sobre os sinais de alerta de comportamento suicida é fundamental. Essa consciência coletiva não apenas facilita a identificação precoce de possíveis crises, mas também capacita esses adultos a orientar os jovens na busca apropriada por ajuda profissional quando necessário.

Comparação com Dados Gerais de Suicídio:

Os dados apresentados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023, revelam uma realidade alarmante sobre o suicídio no Brasil. Em 2022, foram registrados 16.262 casos, resultando em uma taxa de 8 suicídios por 100 mil habitantes, representando um aumento preocupante de 11,8% em comparação a 2021, onde foram registrados 7,2 homicídios por 100 mil habitantes.

Ainquietação se intensifica ao observarmos a persistente tendência de crescimento nos índices de suicídio desde 2010, conforme indicado pelos números da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. Este período testemunhou um aumento expressivo de

43%, passando de 9.454 casos em 2010 para 13.523 em 2019. Esse aumento abrangente afetou todas as regiões do Brasil, sendo mais acentuado no Sul e no Centro-Oeste.

Ao desagregar os dados por gênero, nota-se uma disparidade significativa, com a taxa de morte por suicídio entre homens atingindo 10,7 por 100 mil em 2019, enquanto entre mulheres o número foi de 2,9. Entre os jovens, o suicídio emerge como a terceira maior causa de morte para homens na faixa etária de 15 a 29 anos e a oitava maior causa para mulheres na mesma faixa etária. Esses dados apontam para a urgência de estratégias específicas de prevenção, particularmente voltadas para diferentes grupos demográficos.

Com base nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2023, e nas informações do Ministério da Saúde, podemos elaborar as seguintes tabelas na figura 2 e figura 3.

Tabela

Tabela Ano Número de Suicídios 2010 2011 2012 2014 2015 2016 2017 2018 2019 9.454 9.710 10.321 11.736 11.433 11.178 11.433 12.491 13.523
Fig.2

Fig.3

Contribuições Sociológicas de Émile Durkheim ao Estudo do Suicídio:

Émile Durkheim, figura seminal na sociologia moderna, deixou um legado notável em sua análise do suicídio. Em sua obra “O Suicídio”, Durkheim desafia a visão tradicional de que o suicídio é exclusivamente um dilema individual, propondo uma abordagem inovadora ao considerá-lo como um fenômenointrinsecamenteligado aocontexto social. Durkheim destacou a influência de fatores sociais cruciais, como coesão social, integração social e regulação social, na dinâmica do suicídio. Sua classificação de quatro tipos distintos – egoísta, altruísta, anômico e fatalista – oferece uma compreensão mais refinada das nuances por trás desse fenômeno complexo. No suicídio egoísta, o indivíduo se percebe desconectado da sociedade, enquanto no altruísta, a excessiva integração social é o gatilho. O anômico ocorre em contextos de falta de regulação social, ao passo que o fatalista se manifesta em situações de regulação social excessiva.As contribuições deDurkheim transcendem aesferateórica,impactandodiretamente a formulação de políticas públicas e estratégias de prevenção. Ao reconhecer o suicídio como um fenômeno social, Durkheim sinalizou a necessidade de abordagens holísticas, incorporando elementos sociais na concepção e implementação de iniciativas de prevenção. Sua visão pioneira continua a moldar o entendimento contemporâneo do suicídio, enfatizando a interconexão entre indivíduo e sociedade.

Com base nas ideias de Émile Durkheim, podemos elaborar a seguinte tabela na figura 4.

Tabela

Tipo de Suicídio Descrição

Egoísta

Ocorre quando o indivíduo se sente desconectado da sociedade.

Sexo Taxa de Mortalidade por Suicídio por 100 mil habitantes Masculino 10,7 Feminino Geral 2,9 5,8

Altruísta Anômico

Fatalista

Ocorre quando o indivíduo está excessivamente integrado à sociedade.

Ocorre quando há uma falta de regulação social.

Ocorre quando há uma regulação social excessiva.

Conclusão:

Ao contextualizar essas ideias no cenário brasileiro, onde as taxas de suicídio apresentam uma trajetória preocupante desde 2010, compreendemos a urgência de abordagens abrangentes. O impacto da pandemia de COVID-19 amplificou as vulnerabilidades, especialmente entre os jovens, evidenciando a necessidade crítica de políticas públicas e apoio psicossocial. É crucial adotar medidas que vão além da esfera individual, incorporando as dimensões sociais identificadas por Durkheim. As categorias delineadas por Durkheim –egoísta, altruísta, anômico e fatalista – desvendam a diversidade de influências sociais na manifestação do suicídio. Do desligamento individual à integração excessiva, da falta de regulação social ao excesso dela, cada categoria reflete a interconexão entre o indivíduo e seu contexto social.

Ao estabelecer uma ponte entre teoria sociológica e prática, podemos forjar estratégias de prevenção mais eficazes, reconhecendo que a saúde mental é inseparável do tecido social. Nesse panorama, as lições de Durkheim ressoam, guiando-nos na busca por soluções que considerem não apenas os desafios individuais, mas também os fatores sociais que permeiam a complexa tapeçaria do suicídio. Enquanto enfrentamos essa delicada questão de saúde pública, é imperativo unir esforços, promovendo a conscientização, desmitificando a estigmatização e estabelecendo redes de apoio que se estendam além do âmbito individual, refletindo a visão inovadora de Durkheim no século XXI.

Fig.4

Referência:

DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

REVISTA PODER. Suicídio aumenta no Brasil. Disponível em: https://revistapoder.uol.com.br/2023/09/30/suicidio-aumenta-no-brasil/amp/. Acesso em: 12 jan. 2024

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