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Até onde ela vai: caminhos e desdobramentos

101 Até onde ela vai: caminhos e desdobramentos

Resumo: O ensaio aborda o processo de realização do projeto Até Onde Ela Vai, os seus caminhos e desdobramentos. No início, o objetivo era acompanhar as mudanças na paisagem da Zona Sul de Porto Alegre, entretanto transformouse em um ensaio sobre o receio de caminhar nas ruas da cidade desde uma perspectiva feminista.

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Palavras chave: Fotografia; relato; caminhada; feminismo.

Até onde ela vai: other ways and outcomes

Abstract: This essay refers to the process of the project Ate Onde Ela Vai, beyond its ways and outcomes. The objective, in the beginning was to follow the changes in the landscape of the south zone of Porto Alegre city. However, it became an essay about the fear of walking on the streets of the city from a feminist perspective.

Key words: Photography; report; walking; feminism.

1 - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV/UFRGS) barrosfdesiree@gmail.com http://lattes.cnpq.br/5194863121514886 https://orcid.org/0000-0002-9184-9610

Ao perceber a aceleração da transformação urbana na Zona Sul de Porto Alegre, resolvi desenvolver um projeto sobre o tema. O objetivo era registrar as mudanças em uma região que tem como característica a presença da natureza por ter tido um desenvolvimento posterior a outros lados da cidade. A vontade de executar o trabalho levou a realização de caminhadas contínuas para fazer pesquisa, coletar material fotográfico e escrito com o intuito de compreender os desdobramentos futuros. A tarefa não deveria ser difícil, pois bastava percorrer o lugar como uma flâneuse².

Nas primeiras saídas, a metodologia não havia sido delineada, caminhava com a câmera e um caderno de anotações. Conforme a pesquisa se desenvolvia, tinha a percepção de que usava ferramentas de outras áreas do conhecimento para colocá-la em ação como a etnografia urbana. Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha no livro Etnografia de Rua: estudos de antropologia urbana explicam que:

A intenção não se limita, portanto, apenas a retornar o olhar do pesquisador para a sua cidade por meio de processos de reinvenção e reencantamento de seus espaços cotidianos, mas capacitá-lo às exigências de rigor nas observações etnográficas ao longo de ações que envolvem deslocamentos constantes no cenário da vida urbana. (DA ROCHA; ECKERT, 2013, p.23).

Entre os objetivos do projeto, estava criar um trabalho a partir de uma observação realizada através dos deslocamentos constantes. Destaco que, como artista, busco a interdisplinariedade na construção poética que resulta em ensaios como o apresentado aqui. Desejava narrar as mudanças na Zona Sul de Porto Alegre por conter uma escassa quantidade de registros fotográficos históricos deste lado da cidade, que visivelmente estava em transformação. Novamente, recorro a uma frase das autoras já cidades em que escrevem: “O etnógrafo torna-se assim mais um narrador da cidade, de seus processos dinâmicos ou fugazes, de suas formas de sociabilidade efervescente ou de seus lugares negligenciados.”(DA ROCHA; ECKERT, 2013, p.24).

Entre os objetivos do projeto, estava criar um trabalho a partir de uma observação realizada através dos deslocamentos constantes. Destaco que, como

artista, busco a interdisplinariedade na construção poética que resulta em ensaios como o apresentado aqui. Desejava narrar as mudanças na Zona Sul de Porto Alegre por conter uma escassa quantidade de registros fotográficos históricos deste lado da cidade, que visivelmente estava em transformação. Novamente, recorro a uma frase das autoras já cidades em que escrevem: “O etnógrafo torna-se assim mais um narrador da cidade, de seus processos dinâmicos ou fugazes, de suas formas de sociabilidade efervescente ou de seus lugares negligenciados.”(DA ROCHA; ECKERT, 2013, p.24).

As rotas já estavam impressas nos passos dados, porém foi preciso aprender a desaprender os caminhos, buscar saídas distintas, encontrar o acaso e como diz a escritora italiana Elena Ferrante, “[…] ouvir os nomes das ruas como o estalido dos ramos secos, como desfiladeiros que refletem a passagem das horas.” (FERRANTE, 2017, p. 152). O espaço público fala através da presença e da ausência da natureza, dos prédios, das casas, dos seres humanos. Durante os pecursos, a passos apressados alcançava o fim das ruas sem conseguir observar, olhar os detalhes. Conforme caminhava uma, duas e mais vezes, percebia que o equipamento fotográfico raramente saía da bolsa, não sentia segurança para fotografar. Encontrava barreiras visíveis e invisíveis no percurso que impediam o seguimento. Já o caderno sim, ele era preenchido com frequência em uma espécie de fluxo de consciência que não permitia a caneta parar

Desta forma surgiu o projeto Até Onde Ela Vai. A fotografia e o texto caminhavam paralelamente, porém na hora de mostrar o trabalho em exposições ou para outras pessoas, optava pelas imagens por entender que elas pertenciam ao âmbito do público, enquanto os relatos ao privado. Ao mesmo tempo, mantinha o hábito da leitura de diários de escritoras como Carolina Maria de Jesus, Sylvia Plath, Susan Sontag e Virginia Woolf e percebia que essa escrita possibilitava conexões com as obras das autoras e uma compreensão ampla do pensamento. A autora feminista Audre Lorde defende a importância de expor questões entendidas como íntimas que afetam a todas nós, mulheres, como o medo. No texto A Transformação do silêncio em linguagem de ação, Lorde (2007) escreve:

No silêncio, cada uma de nós desvia o olhar de seus próprios medos — medo do desprezo, da censura, do julgamento, ou do reconhecimento, do desafio, do aniquilamento. Mas antes de nada acredito que tememos a visibilidade, sem a qual, entretanto, não podemos viver, não podemos viver verdadeiramente. (LORDE, 2007, p. 46, tradução livre).

No ensaio apresentado aqui, Até Onde Ela Vai: caminhos e desdobramentos, misturei diferentes linguagens. Em um primeiro momento, houve a coleta do material para, então, a partir destes materiais, construir a série onde começo com a imagem de um mapa criado a partir da caminhada, trazendo fotografias de lugares distintos, mesclando com imagens de um mesmo muro. Este muro que se repete e se aproxima nas figuras 04, 07, 10 está em uma das ruas da Zona Sul. Desde que o encontrei, tornou-se peça essencial para a pesquisa por passar a percepção da presença das barreiras visíveis e invisíveis da sociedade.

Ao caminharmos pelas ruas da cidade, seja para o deslocamento ou criação, encontramos inúmeros muros, barreiras. Todavia não conseguimos erradicar o machismo intrínseco na sociedade e como a escritora Rebecca Solnit diz: “o acesso ao espaço público, urbano e rural, para fins sociais, políticos, práticos e culturais é uma parte importante da vida cotidiana, limitada no caso das mulheres por temerem a violência e o assédio.” (SOLNIT, 2016, p. 399). Precisamos tornar públicos os obstáculos que enfrentamos diariamente seja falando sobre, escrevendo ou fotografando.

Referências

DA ROCHA, Ana Luiza Carvalho; ECKERT, Cornelia (org.). Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana. 1. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013. 294 p.

ELKIN, Lauren. Flâneuse: Una paseante en París, Nueva York, Tokio, Venecia y Londres. Espanha: Malpaso Editorial, 2019.

FERRANTE, Elena. Frantumaglia: os caminhos de uma escritora. Rio de Janeiro: Íntrinseca, 2017.

Noxaí

Resumo: Uma comunidade no interior do Rio Grande do Sul, onde um costume peculiar é passado de geraçã o a geraçã o: as mulheres aprendem, desde os primeiros anos de vida, a coletar pedras em seus caminhos e guardá-las numa bolsa que será carregada sempre junto de si. Acredita-se que o ato de manter essas pedras consigo traz sorte e garante a passagem para o paraíso quando a vida na Terra acabar.

obs: trabalho desenvolvido no ano de 2018, exposto nas mostras ATO, na Galeria Mascate (Porto Alegre, dezembro 2018); REGISTRO N.3 na Casa Baka (Porto Alegre, maio — agosto 2019) e exposto e premiado em 24º Salão Anapolino de Artes (Anápolis, maio 2019).

Palavras chave: Fotografia documental, fotografia contemporânea, ficção fotográfica, arte contemporânea.

Noxaí

Abstract: A community in the interior of Rio Grande do Sul, where a peculiar custom is passed down from generation to generation: women learn, from the first years of life, to collect stones in their paths and store them in a bag that will always be carried with them. It is believed that the act of keeping these stones with you brings luck and guarantees the passage to paradise when life on Earth ends.

obs: project developed in 2018, exposed in the exhibitions ATO, at Galeria Mascate (Porto Alegre, December 2018); REGISTRO N.3 at Casa Baka (Porto Alegre, May — August 2019) and exhibited and awarded at the 24th Anapolino Arts Salon (Anápolis, May 2019).

Key words: Documentary photography, contemporary photography, photographic fiction, contemporary art.

1 - Graduada em Fotografia pela UNISINOS e atualmente mestranda em Estudos Contemporâneos das Artes na UFF. estefaniacyoung@gmail.com http://lattes.cnpq.br/8513895651268764 https://orcid.org/0000-0003-2569-4806

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