Construção de um Atlas Pan-amazônico de Conflitos| Versión portugues

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Construção de um Atlas Pan-amazônico de Conflitos

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região Pan-amazônica envolve milhões de pessoas e centenas de povos que vivenciam sua identidade a partir de sua relação com a água e com a mãe terra, elementos fundamentais para sua sobrevivência e existência. Estes povos, apesar de terem assegurado o seu direito à vida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, estão gravemente ameaçados por ataques do capitalismo em três frentes: a violência institucional, jurídica e econômica. Estes ataques ameaçam não apenas a natureza, com uma biodiversidade única no planeta, mas também a todos os povos que secularmente habitam esses territórios. No 8° Fórum Social Panamazônico (FOSPA) de 2017, realizado em Tarapoto, no Peru, foi divulgado o primeiro Atlas de Conflitos da Amazônia brasileira, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – Articulação das CPT’s da Amazônia. Constata-se que a situação de conflitividade é compartilhada em todos os países amazônicos. Deste Fórum saiu a iniciativa de criar um Atlas que abrangesse a Pan-amazônia em seu conjunto, reunindo esforços de 8 organizações de 4 países. O objetivo é apresentá-lo durante o 9° FOSPA, de 22 a 25 de março de 2020, em Mocoa (Putumayo, Colômbia). Antecipando o que será o Atlas de Conflitos Pan-amazônico, a partir de dados referentes aos anos de 2017 e 2018, apresentamos um panorama sobre conflitos ativos no Brasil, Bolívia, Colômbia e Peru. Estes dados revelam os conflitos no campo, as violências contra os povos e comunidades e o impacto do desmatamento. Na Amazônia há um cenário de disputa internacional, onde todos os dias centenas de conflitos atingem direta e indiretamente milhares de populações tradicionais que dependem da floresta para a sua sobrevivência.

Conflitos, violência e queimadas na Amazônia Os povos atingidos

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luta e resistência dos povos originários, sejam indígenas, quilombolas, camponeses, pescadores, seringueiros e tantas outras identidades espalhadas por toda Amazônia têm sido a principal ferramenta contra os ataques à natureza e aos territórios do bioma amazônico. Somente na Bacia Amazônica do Peru existem mais de 51 povos indígenas, que abrangem cerca de 6.500 comunidades tradicionais, e 11 Reservas indígenas/territoriales para cerca de 15 povos isolados ou em contato inicial. São ainda 60 Unidades de Conservação, com aproximadamente 73 milhões de hectares de florestas tropicais.


Toda essa diversidade cultural e riqueza de bens naturais do território amazônico está ameaçada pela ganância do capital, que, através da onda neoextrativista, avança com violência na região. Ou seja, mineradoras, petroleiras, madeireiros, além das empreiteiras que atendem o chamado dos Estados para a viabilização logística necessária para a usurpação da natureza. O resultado disso tudo é a espoliação dos bens naturais, o desmatamento em larga escala e o ataque direto aos povos que resistem a tal modelo. Entre 2017 e 2018, ocorreram, no Peru, cerca de 10 assassinatos de lideranças indígenas e camponesas. E na Amazônia brasileira, neste ano de 2019, este número já é de 15 pessoas.

Principais causas dos conflitos

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a Amazônia colombiana a mercantilização da natureza também é uma realidade dura, na qual o próprio governo implementa ações de extrativismo, como a exploração de minério energético. Mesmo com a sentença 4.360/2018, pela qual se reconhece a Amazônia colombiana como sujeito de direito e que impõe ao Estado as obrigações de proteção, conservação e restauração, o que se tem observado é o aumento dos conflitos socioambientais, provocados pela grilagem de terras e a expansão do neoextrativismo, seja ele legal ou ilegal. O governo colombiano autorizou os processos de exploração de petróleo assinados pela Agência Nacional de Hidrocarburos (ANH) e pela Agência de Licenças Ambientais (ANLA), legitimando o avanço sobre as riquezas naturais. Além desses empreendimentos e dos danos causados pelo depósito de metais nos leitos dos rios pela mineração, estão em curso na Colômbia projetos hidrelétricos que provocam danos nas vidas das pessoas com os despejos e as violências contra lideranças. A Amazônia colombiana é um dos territórios mais atingidos pelo conflito armado e pela violência paramilitar. A disputa pelo solo e pelo subsolo se dá em meio à ilegalidade e à corrupção; e traz consigo uma nova fase de violência com a presença de grupos armados, delinquência organizada e militarização, numa sociedade que busca e aposta pela paz.


Violência contra as pessoas e os territórios

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ado a lado com o desmatamento e as queimadas, na Amazônia também ocorrem os piores ataques às vidas das pessoas. São inúmeros massacres e assassinatos com todos os tipos possíveis de crueldade contra lideranças, militantes, povos e comunidades tradicionais, religiosos e tantas outras pessoas. No Brasil, há um histórico triste de violência no campo. Somente no ano de 2017 foram assassinadas 71 pessoas em conflitos no campo. O governo brasileiro, em vez de assumir a responsabilidade em garantir os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, atua com discurso em favor daqueles que cometem os mais diferentes crimes na Amazônia. A eleição do atual presidente da República do Brasil, no final de 2018, e o seu discurso agressivo e conservador, soaram como um aval às práticas de grilagem de terras públicas por latifundiários e madeireiros e aos ataques aos territórios ocupados pelas populações amazônicas. Assassinatos de lideranças que atuam em defesa da natureza e dos territórios, despejos de camponeses, expulsões de indígenas, ataques aos quilombos, desmatamentos em Unidades de Conservação passaram a ser praticados com uma frequência e violência nunca imaginada.

Queimadas e devastação das florestas

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tualmente a Bolívia vive um momento no qual as políticas para o setor agropecuário estão gerando efeitos adversos para os sistemas ecológicos e para a vida, principalmente na Chiquitania e na Amazônia Boliviana. A consolidação das propostas neoextrativistas e a ampliação da fronteira agropecuária se dão por meio de mudanças do uso do solo através dos famosos Planos de Uso de Solo (PLUS) e por leis e decretos supremos. A promulgação do Decreto Supremo (DS) 3973 modificando o artigo 5 do (DS) 26075 de 09 de Julho de 2019 sobre terras de produção florestal permanente, autoriza o desmatamento para atividades agropecuárias em terras privadas e comunitárias de dois departamentos Amazônicos: Santa Cruz e Beni. Outras leis que fomentam a ampliação da fronteira agropecuária (337/13, 502/14 e 739/15) estabeleceram a anistia do desmatamento ilegal e ampliações de prazos para corrigir o delito. Em 2015 foi aprovada a Lei 740, que permite ampliar de 2 para 4 anos a verificação da Função Social da Terra, e em setembro a Lei 741 que autoriza o desmatamento livre até 20 hectares em pequenas propriedades (antes não podiam passar de 5 hectares), em terras comunitárias ou coletivas em processo de correção, ou tituladas e em assentamentos legais. Como resultado dessa política, somente entre os dias 10 e 31 de julho de 2019, 4.270 focos de incêndio foram detectados através do satélite Aqua MODIS e Terra MODIS da NASA, e outros 26.731 entre os dias 1º e 31 de agosto. Até o mês de setembro, em toda a Bolívia as áreas queimadas chegaram a 5,1 milhões de hectares, segundo SATRIFO-FAN, sendo que grande parte dessa área é de floresta amazônica.Igualmente no Brasil, uma ação coordenada de incêndios em agosto de 2019 se aproveitou do período de estiagem para converter a floresta amazônica em cinzas. Em 2018, dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que na Amazônia Legal brasileira estão situadas cerca de 95% das áreas em disputa no país. As leis que facilitam a compra de terras por estrangeiros e as contraditórias leis de regularização fundiária favorecem as invasões de terra e a grilagem; o desmantelamento dos órgãos ambientais e de vários órgãos de monitoramento e controle de desmatamento e queimada; a quebra de acordos internacionais, e, ainda, os decretos para armar fazendeiros contra os trabalhadores, com ataques sistemáticos aos povos e comunidades, movimentos e organizações populares, buscando instalar medo e terror entre os grupos sociais amazônicos, atacando igualmente outros setores da sociedade.


O Sínodo como um sopro de esperança: Unidos e unidas pelo planeta, unidos e unidas pela Amazônia

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onclamamos as comunidades da Amazônia boliviana, brasileira, colombiana e peruana e os povos dos diferentes países do planeta, em comunhão com a Igreja Católica e demais igrejas, junto aos bispos e ao Papa Francisco, reunidos para o Sínodo da Amazônia, para reafirmar a nossa luta e resistência contra todas as formas de destruição de nossas culturas e dos nossos povos, assim como da nossa principal fonte de vida, os rios e as florestas amazônicas. É necessário e urgente a construção de novos caminhos para garantir a vida na floresta amazônica. Não se pode continuar a permitir que um sistema destrutivo e violento coloque ainda mais em risco a existência de um bioma determinante para a vida a na terra.

Mapas: Grupo de Extensão e Pesquisa sobre Terra e Território da Amazônia/UNIFAP Redação: Gilson Rego, Maria José dos Santos, Darlene Braga, Josep Iborra, Luis Hallazi, Olga Lucía Suárez, Mercedes Mejía, Patrícia Rocha, Doris Dominguez, Carmelo Peralta Edição: Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT Organização:

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