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e clientelista do período anterior. A Cruzada foi também a primeira intervenção a produzir uma ação quantitativamente significativa de produção de moradias permanentes em um terreno bem próximo, para favelados removidos, ao contrário dos parques proletários concebidos como transitórios. (VALLADARES: 2005:77)

Assim, ao invés de serem retirados do local em que já tinham relação e uma dinâmica de vida como aconteceu com os removidos das favelas da Zona Sul que foram transferidos para a Cidade Alta, em Cordovil, ou Cidade de Deus, em Jacarepaguá, dois conjuntos habitacionais contemporâneos à Cruzada, os moradores do conjunto ficaram a poucos metros da extinta Favela da Praia do Pinto. Entretanto, mesmo com o direito a uma moradia considerada mais adequada e perto do trabalho, os moradores da Cruzada seguiram como uma população divergente dentro do bairro. Por isso, é possível afirmar que o direito à terra não foi alcançado de maneira plena, pois a segregação espacial foi transposta, mas as segregações sociais e raciais não. Um dos discursos de Dom Hélder mostra a clara cisão que há entre o nós - moradores do Leblon, classe média - e eles - operários, pobres -. Esta fala descreve o que há até hoje, uma clara separação entre os moradores da Cruzada e demais moradores do Leblon.

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Por eles e por nós. Por eles, porque são em sua maioria domésticas, lavadeiras e operários do bairro. Homens e mulheres que ganham o pão de cada dia nas vizinhanças de suas casas. Como iríamos jogá-los em Vicente de Carvalho ou Parada de Lucas, numa cidade que não tem transportes coletivos adequados? Por que haveríamos de querer afastar de nosso convívio os trabalhadores? Por que criar nossos filhos longe deles? A sociedade de hoje precisa combater esse aburguesamento, evitando esse perigoso abismo com a classe operária.6

Um dos meus objetivos neste trabalho é tratar dessa segregação latente que impera sobre o existir do conjunto no contexto do Leblon e também dos confrontos com esta ideia através de seus dispositivos, tanto aqueles que são a favor dessa força de segregação - o que interpreto como os muros de maneira literal e metafórica-, quanto aqueles que resistem à ela - o que chamo de pipas nesta mesma interpretação por vezes literal e em outras metafórica-.

O livro “Lagoa”, organizado por Augusto Ivan de Freitas e Eliane Canedo de Freitas Pinheiro, conta a história da Lagoa Rodrigo de Freitas fazendo algumas considerações sobre as favelas que a rodeavam e alertando para o rápido esquecimento delas. Os autores falam ainda do andar inconsciente sobre os escombros destes assentamentos e de sua memória que se perdeu e que segue desaparecendo.

A convivência das favelas com a Lagoa durou apenas uma geração. E foi esquecida em menos de uma geração. Tão esquecida que hoje um jovem pode caminhar sobre os vestígios de uma delas sem se dar conta que ali existe uma riquíssima memória arqueológica das relações sociais e da questão urbana do Brasil. Poco a pouco, porém, isso também ficará perdido no tempo e nas lembranças, como se parte a história houvesse sido apagada do espaço. O incêndio da Praia do Pinto permanecerá para sempre como símbolo de um passado literalmente sepultado e quase esquecido, sob as cinzas da favela.7

Com a pouco convivência e formas para contar a história dessas favelas-escombros que ergueram os condomínios de luxo, sua memória fica cada vez mais soterrada e de difícil aproximação. Por isso, falar e pensar sobre essas favelas é reencontrar relações que construíram e constroem nossa cidade ao longo do tempo, é encontrar nestas histórias o que está sob nossos pés, escavar. Segundo os autores, nove favelas foram removidas da região: Cidade Maravilhosa; que era um conglomerado das favelas da Praia do Pinto, Ilha das Dragas, Largo do inferno e Areia; Capinzal; Olaria; Largo da Memória; Jockey Clube e Catacumba.

A maioria destas favelas carecem de registros suficientes que façam possível compreender suas extensões. Entretanto, os autores apontam que as maiores delas eram a do Capinzal e Olaria. Apesar de não apresentarem a quantidade de moradores ou casas, outras pesquisas relatam que a população da Favela da Praia do Pinto era de aproximadamente 15.000 habitantes (VALLADARES:1978:53). Podemos considerar que pelo menos essa quantidade de pessoas habitavam essas duas outras favelas apresentadas como mais populosas, o que já nos remonta a uma perspectiva de bairro completamente diferente da atual. Hoje, o único assentamento da região (Leblon-Ipanema) com população majoritariamente negra e de baixo poder aquisitivo é a Cruzada de São Sebastião.

Além desse desaparecimento contínuo das favelas, os autores abordam o grande contraste dos clubes com as favelas do entorno, entre eles, o Monte Líbano, AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) e Paissandu que se instalaram em terrenos cedidos pelo Distrito Federal em áreas aterradas da Lagoa Rodrigo de Freitas. Diferente das terras cedidas a estes clubes, entre os anos 40 e 60, os moradores da Cruzada só receberam o direito à posse dos apartamento nos anos 80. Hoje, a Cruzada de São Sebastião fica de frente para os muros destes clubes que fazem uma barreira entre o conjunto e a Lagoa Rodrigo de Freitas. No sentido oposto à Lagoa, o Shopping Leblon se apresenta como outra barreira, desta vez entre a Cruzada e a Praia do Leblon. Conjecturando a separação entre o conjunto popular e o bairro ao seu redor.

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Não lembro da última vez que vi uma pipa no céu. Sempre morei em casa de rua no subúrbio carioca, naquelas ruas que tem uma parede pintada de verde e amarelo com texto bem grande escrito “É Hexa!” - o que me lembra que já tem muito tempo que não ganhamos uma Copa do Mundo -. Por um bom tempo vivi na rua em que os vizinhos eram os meus parentes (sem romantizar, por que viver perto de parente é difícil, viu?). Lembro dessa época da minha infância em que via pipa voando quase todo dia, que o armarinho da esquina vendia pipa e o kinder ovo era baratinho, dava pra “pendurar” a conta e depois a gente pagava. Achar pipa no quintal era rotina, vez ou outra achávamos mais de uma no mesmo dia. Lembro do meu pai recolher as pipas e sair para procurar o dono ou outro alguém que a quisesse. As ruas eram cheias de meninos descalços empinando pipa, lembro de ficar na expectativa pra que eles conseguissem. Olhando de longe, parecia que eles ficavam horas ali, um tempão tentando levantar a pipa que logo logo caía, com a latinha de leite condensado que era o carretel na mão e com um cuidado danado para não se cortar, por que o cerol era de vidro.

A pipa é um brinquedo inusitado, demanda determinação, por que é difícil fazer subir pipa. É um brinquedo que fica de longe e que se liga com quem brinca através de uma linha fininha. Além disso tudo, é comum não conseguir pegar a pipa de volta depois que ela vai pro céu, o final da brincadeira geralmente é cortar a linha e deixar a pipa ir. Esse aglomerado de papel, palitinhos de madeira ou bambu, cola e linha fica no céu um tempinho, marca a paisagem com sua cor que contrasta no azul do céu, ainda mais no Rio, que o céu é azulzinho e depois cai no telhado da casa de alguém ou no quintal, na árvore, na rua. Sem muitas grandiosidades, a pipa é delicadeza. É a brincadeira com o vento.

Fiquei por um bom tempo procurando me aproximar da Cruzada através da leitura de autores que falavam sobre ela, pesquisando por imagens que mostrassem a transformação daquela paisagem do Leblon e entorno. E em algum feliz momento me deparei com essa foto dos meninos soltando pipa sobre a Pedra do Baiano, lembro que ela ficou por dias marcada em mim. Eu olho para este trabalho e vejo o quanto ele mudou no decorrer do tempo, a quantidade de imagens, textos, pesquisa que não estão mais aqui. No entanto, essa foto desde que a encontrei, não saiu em momento algum, pelo contrário, foi ganhando cada vez mais força e sentido, instigando. Foi delineando minha abordagem, tornandose tão decisiva a ponto de me fazer mudar o título deste trabalho. Tantas vezes olho para ela e sinto um calafrio, um arrepio no corpo todo e uma felicidade. Aqueles meninos que provavelmente só estavam tendo mais um dia ordinário de suas vidas, naquele gesto e naquele lugar são um dos motivos que fazem esta investigação existir. Através desta foto, a pipa se apresentou para mim como essa potência subversiva, como aquilo que ocupa e transforma ainda que sutilmente, que encontra as brechas e voa. Para a instalação do Shopping Leblon, foi realizado o desmonte da Pedra do Baiano, antes das aproximações com os moradores da Cruzada, eu olhava para esta mesma imagem e me perguntava onde os meninos e meninas da Cruzada brincam hoje. Quais eram as pipas hoje, o que elas atravessam, rompem, ressignificam. Antes de conhecer cada um dos atores dos meus relatos e visitas, eu já sabia o que queria encontrar; onde estão as pipas.

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As aproximações que fiz ao longo desta pesquisa foram me apresentando muros e pipas de diferentes formas e escalas. O muro literal, muro dispositivo usado para separar territórios, demarcar terras e instituir propriedades é um deles. Estes muros foram os mais fáceis de enxergar em um primeiro momento, já que, são físicos e muitas vezes de escala acentuada. São os muros dos clubes, o Shopping, são as grades na rua da Cruzada, os gradis que dividem os corredores do conjunto. Muros vistos de cima das janelas do Shopping Leblon ou de dentro da Cruzada.

Algumas das observações presentes neste capítulo se deram através das aproximações com a Cruzada sobre as janelas do Shopping Leblon, um momento em que eu busquei entender e observar a Cruzada de fora. Analisar estas idas ao Shopping agora e a forma como me coloquei a ver a Cruzada naquele momento, após tanto tempo, depois de ter lido tantos autores e ouvido os moradores, me faz repensar se esta primeira aproximação foi a ideal. Tanto Wagner, quanto Vera ao serem perguntados sobre as janelas e a visão que é possível ter no Shopping da Cruzada ficam um tanto incomodados. Vera introduz o assunto enquanto falava da “bagunça” dos corredores do conjunto, conta que adverte os outros moradores que “dá pra ver a bagunça do shopping, o que eles (os frequentadores do Shopping) vão pensar?”. Como quem diz “vão ter razão de chamar aqui de favela”. Wagner parece sentir-se exposto pelas janelas do Shopping e pela curiosidade de quem olha delas e não tem coragem de entrar no conjunto, mas ficam a observar de longe. Fiquei em dúvida sobre deixar ou não estas observações no trabalho e decidi que para entender esta pesquisa enquanto processo, faz-se necessário também compreender qual processo foi esse e acredito que este olhar de cima,

afastado e sem intimidade foi o início de um contato que se desenvolveu até o momento presente. Acredito ser necessário enxergar como ao longo do tempo fui deixando de ser o olhar intruso para ser a convidada benvinda.

Shopping de luxo no Leblon dá “banho de loja” em conjunto popular.

O novo shopping Leblon, na zona sul do Rio, deu um banho de loja no conjunto habitacional favelizado vizinho. Retocou as paredes da Cruzada São Sebastião e maquiou ao menos parte da vista de paredes e telhas do conjunto.

O investimento do shopping na Cruzada foi de R$ 1,5 milhão, entre obras no prédio e cursos profissionalizantes para os moradores. A principal janela do shopping com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas fica na praça de alimentação, no quarto andar. Duas das três janelas têm jardins que obstruem a visão do conjunto habitacional. A administração do shopping, aberto ao público ontem, afirma que o jardim faz parte do projeto paisagístico. A terceira janela, que não tem um jardim, é a que tem a vista mais ampla da lagoa e do Corcovado - que abriga o Cristo Redentor.8 Contar a história de alguém é diferente de contar a história sobre alguém. O “sobre” nos leva a uma posição de quem está de cima e olha para baixo. Enquanto o “de” me soa como uma aproximação frente a frente, corpo a corpo, aproximação de iguais. Meus primeiros contatos com a Cruzada foram primeiramente através da leitura do que alguns autores falam sobre o conjunto, o contexto político e as favelas de seu entorno, o que foi apresentado no capítulo Muro-Terra, já meu segundo contato se deu através das janelas do Shopping Leblon que se voltam para o conjunto.

Antes da construção do Shopping o que havia alí era a Pedra do Baiano, algumas moradoras da Cruzada, apresentas por Soraya Silveira Simões em sua tese “Cruzada São Sebastião do Leblon: Uma etnografia da moradia e do cotidiano dos habitantes de um conjunto habitacional na Zona Sul do Rio de Janeiro.” narram que o morro era onde as mulheres do conjunto costumavam lavar as roupas quando mais jovens, em algumas visitas à Cruzada os moradores me contaram essa mesma história quando levei a fotografia dos meninos soltando pipa, que a Pedra era o lugar de quarar as roupas. Esse lugar da pipa e do calor que seca as roupas foi transformado em um “Shopping de luxo”, como descreve a reportagem. O Shopping é significativamente mais alto do que a Cruzada e contorna grande parte do lote em que ela se insere, formando um verdadeiro enclave ao seu redor. Em minhas visitas enquanto procurava me aproximar da Cruzada através destas janelas, fiz alguns relatos sobre os elementos que me pareciam mais significativos na relação Shopping-Cruzada, são muros de matérias e texturas diversas.

Sobre a Janela

Desci no ponto de ônibus que fica próximo ao Clube do Flamengo e fui andando em direção à Cruzada, procurando fazer um caminho diferente dos que já havia passado. Atravessei algumas ruas e segui andando ao lado da Selva de Pedra, quando percebi como aqueles prédios são semelhantes, uma massa construída quase homogênea tanto em altura, quanto em cor e textura. As varandas parecem ser o elemento mais distinto entre eles.

Caminhei pela Av. Afrânio de Melo Franco até ver a Paróquia dos Santos Anjos. Onde decidi entrar para entender sua proximidade com a Cruzada, se haviam acessos para dentro do conjunto ou algo do tipo, mas descobri que não. No entanto, existem algumas portas laterais voltadas para a Rua Humberto de Campos, que é um dos dois logradouros públicos que dão acesso à Cruzada, sendo o outro, a Avenida Borges de Medeiros. Saí então por esta porta lateral e andei em direção aos edifícios residenciais da Cruzada, para isso tive que passar pela Escola Municipal dos Santos Anjos e de algum edifício paroquial. Ao chegar no conjunto, observei uma movimentação comum de mães com seus filhos e idosos pela rua.

Os blocos da Cruzada têm acesso pela Rua Humberto de Campos que é separada por várias grades que tem da calçada que pertenceria ao conjunto e a faixa de carros. Segui até a Borges de Medeiros e caminhei em direção ao Shopping, onde ficou evidente o limite entre Shopping e Cruzada. O acesso à parte empresarial do shopping, apesar de não ser o principal, se dá há poucos metros de onde acaba o conjunto. Subi entre o Shopping e o Conjunto dos Jornalistas, rebatizado Condomínio Jardim de Alah, que também fez parte de uma programa de habitação social. Entretanto, sua tipologia e público, diferenciam-se significativamente da Cruzada. Como o nome já diz, foi concebido para abrigar profissionais da imprensa. Dessa forma, o shopping se coloca no meio de dois conjuntos habitacionais, ainda que, o Condomínio Jardim de Alah seja visto de uma maneira completamente diferente da Cruzada perante o bairro. Mas, é como se aquela quadra (pobre) do bairro nobre fosse dividida pelo shopping. Neste caminho percebi uma formação rochosa onde o shopping se apóia, que parece ser parte do que restou da Pedra do baiano. Depois deste momento, entrei no shopping e fui em direção à Janela - forma como passei a chamar as janelas do Espaço Gourmet do Shopping Leblon-, por conta do horário, o shopping estava vazio. Consegui fotografar e entender um pouco mais a Cruzada de cima, percebi que são poucas as brechas em que pode-se ver a Cruzada.

Tirei algumas fotos, passei completamente desapercebida, não me senti inibida. Afastei algumas folhas, tentei encontrar vazios entre as folhagens. É difícil ver hostilidade em algo tão delicado quanto uma planta, mesmo quando tem espinhos. Geralmente, não vemos folhas como um gesto de agressividade. A inocência que elas exalam parece tornar ainda mais sutil esse encobrimento e o desejo de “fazer desaparecer” que ele opera. Se no lugar das plantas houvesse um adesivo ou quadros, o desejo de negar a Cruzada como vizinha e de negar toda a realidade que ela transborda, se mostraria mais sincero.

As folhas permitem um olhar entre e não apenas sobre,

mesmo que estejam ali de uma maneira massiva, as brechas, ainda que pequenas, existem. No decorrer deste trabalho conversei com alguns colegas da Puc e do trabalho sobre esta observação que havia feito e grande parte deles não sabia que era possível ver a Cruzada daquelas janelas. É preciso um olhar atento para ter a visão do conjunto daquela posição, os que se incomodam e preferem fingir que a Cruzada não existe, o que significa se negar a entender ou pelo menos assumir o país desigual que vivemos, só precisam olhar de uma forma um pouco mais desatenta. Para quem olha deste jeito, a única paisagem evidente é o Cristo, a Lagoa, o Rio de Janeiro dos cartões-postais.

Diferente da época da inauguração, atualmente, todas as janelas possuem jardins. O projeto paisagístico mudou, não só acrescentando jardins, como também, com um plantio de folhas mais altas. Formando muros sutis feitos de folhas.

Me concentrei por um momento na dimensão dos muros do shopping e em como eles se projetam sobre a Cruzada. As janelas são altas e distantes dos telhados da Cruzada. Para olhar sempre de cima e nunca de frente. Senti a potência do afastamento entre corpos tão próximos e fiquei tentando imaginar formas de romper com essa lógica.

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Olhando a Cruzada pelas brechas dos jardins do Shopping consegui ver alguns lugares ocupados de maneiras que causam dissenso. Eu acredito que como arquitetos, vemos a forma como as pessoas ocupam os lugares de maneira instigante. Passamos horas desenhando e definindo percursos, rotas, lugar para cada aparelho doméstico, para porta, parede, móvel, caminha do cachorro... A definição da definição com um desenho detalhado que é “pra não ter erro”. É incrível ver como independente de tudo que se projete e planeje, sempre há um desencaixe, aquele alguém que não se satisfaz com a resposta que o senhor arquiteto desenhador e organizador do cosmos definiu. Alguém que vai lá e coloca a janela na empena, como no filme Medianeras.

A Cruzada é cheia dessas pessoas que encontram escapes para o planejado, eu vi isso sobre as janelas do Shopping, eu ouvi conversando com os moradores e vivi isso lá dentro. A gambiarra mostra como o povo brasileiro é um inquieto habitante da cidade. Na verdade, não sentimos ser suficiente habitar, então nos fazemos autores da cidade. E que projeto é capaz de parar isso?

O telhado que virou área de lazer

Um azulejo simples, umas espreguiçadeiras brancas e uma pequena palmeira caída. Um telhado não foi capaz de impedir os moradores da Cruzada de ocupar o que possivelmente é um dos lugares mais privilegiados do conjunto: a laje.

Imagino como é feito o acesso para essa laje de cobertura, talvez por uma escada de manutenção para a caixa d’água? Me questiono; por que as outras lajes não seguiram seu exemplo e se recusaram a ser apenas telhado? A paisagem que fez com que o Shopping Leblon construísse uma janela panorâmica de frente para um conjunto popular é ligeiramente negada à Cruzada, as fachadas que dariam vista para o Cristo são cegas. Mas, pelas lajes de cobertura, é possível resgatar esta paisagem que não se pode ver de dentro dos apartamentos. Dessa laje de lazer com vista para o Cristo, no meio das antenas de internet e televisão, imagino se aqueles meninos da Pedra do Baiano não se aventuraram por ali também com suas pipas, enquanto os pais tomam um sol no verão do Rio.

O acesso aos apartamentos da Cruzada é feito por meio de um bloco de escadas - dependendo do edifício pode haver mais do que um bloco, variando de 1 à 3 por prédio - aberto e destacado em relação ao edifício. Suas escadas se encaixam ao edifício, que possui um corredor/varanda para onde se voltam as portas dos apartamentos.

Quase todos os apartamentos produzidos pelo mercado imobiliário no Rio de Janeiro, tem escadas e corredores fechados, cujo único objetivo é o acesso para o apartamento, o espaço privado, são uma mera solução funcional, geralmente antipáticos e pouco ocupados. Entretanto, na Cruzada, as escadas estão nesse elemento solto e arejado, que pode ser o mirante, o lugar de ver quem está embaixo... de jogar bola? De correr? E seus corredores são, na verdade, varandas coletivas. O espaço privado que se lança para fora.

Roupas nas cordas, bicicletas, pessoas, pranchas de surfe... Nos corredores da Cruzada há espaço pra muitas coisas. Em alguns andares, algumas máquinas de lavar sugerem que aquele espaço é a área de serviço de muitos apartamentos. O antigo hábito das mulheres de lavar a roupa na Pedra do Baiano, hoje, parece manter-se como atividade coletiva, mas nos corredores do conjunto.

As passarelas

Originalmente, todos os blocos do conjunto eram conectados através de passarelas no 4º pavimento. Contudo, depois da inauguração da Cruzada permitiram a construção de apartamentos neste andar. Assim, algumas unidades ficaram com esse espaço “livre” para si. A maioria das passarelas são divididas ao meio, então cada um dos apartamentos que têm acesso à ela fica com metade do espaço. Alguns moradores fizeram uma cobertura nesta área e aumentaram o espaço do apartamento, outros a deixaram descoberta e ficaram com um terraço, que é muitas vez a área da churrasqueira.

Infância

Através das minhas visitas e encontro com os moradores outros lugares para além dos que vi de cima da Janela do Shopping emergiram como pipas, em especial o lugar da brincadeira. Vera me conta de seu tempo criança na

Cruzada e fala do pilotis que antes era completamente livre, hoje os blocos se separam através de muros que os delimitam. Também não tinham os espaços fechados onde hoje há igreja, mercadinho, salão de beleza, comércio de gelo, restaurante japonês e tanta outras coisas. Além do momento em que o 4º pavimento era livre. Vera me conta do Tivoli Park que frequentou muito e que no bairro era um dos lugares que mais levava as crianças de sua família, o parque existiu de 1973 à 1995, sendo o lugar da brincadeira para várias gerações. Além disso, Vera me contou da piscina que havia na praça que fica bem na frente da Cruzada. Hoje, a praça é bem deserta, não tem muita sombra, nem frequentadores. No lugar onde era a piscina que Vera brincava quando criança, hoje há um pergolado que foi reformado pela comunidade em um dia de mutirão.

Para os meninos e meninas da Cruzada, a quadra da escola é onde acontece as aulas de basquete e Jiu Jitsu, mas há também uma quadra bem pequena na frente de um dos blocos que os meninos usam bastante. Jow me contou que há aulas de Futsal feminino dentro do Monte Líbano, eles cedem o espaço para que a atividade possa ocorrer. Contudo, os dois espaços mais ocupados são; o pilotis, que ficam cheios quase o dia todo e a Rua Humberto Campos, na calçada além dos ambulantes, sempre há gente conversando e aos domingos a rua fica sem acesso para os carros para a comunidade poder ocupá-la.

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Com o objetivo de encontrar a memória que sobrevive e investigando como essa palavra -sobrevivência- opera na contexto em que a Cruzada se insere, foi necessário avaliar como o conjunto responde às questões impostas pelo Leblon ao longo do tempo, como também como a população negra sobreviveu e sobrevive às imposições da dominação branca no decorrer da história o que agrega desde os tempos da vinda forçada do povo africano para a América. Assim, este capítulo procura dialogar de maneira mais detalhada sobre as formas de sobrevivência do negro brasileiro, de sua cultura e religiosidade, o que atravessa a Cruzada e revela relações conturbadas, especialmente por conta da influência da Igreja Católica no conjunto, sobretudo pela pessoa de Dom Hélder Câmara. Além disso, este capítulo visa demonstrar as questões pelas quais eu tive que passar, sendo uma mulher branca que investigava a sobrevivência de um conjunto popular em um bairro rico carioca, mas que ao longo do tempo foi se deparando com uma pesquisa que emana diversas outras questões, que se dão para além de um objeto arquitetônico, um território, um contexto urbano ou uma forma de ocupação.

A verdade é que todos os muros antes deste foram mais fáceis de identificar (muro-terra, muro-matéria), uma vez que referem-se a temas que abordamos continuamente na faculdade de arquitetura: O direito à cidade e os dispositivos que segregam o espaço habitado. Entretanto, o que chamo Muro-Pele, que é o racismo estrutural, não discutimos em lugar algum. Um professor ou outro vai mencionar a segregação socio-racial, lemos alguns autores que beiram o tema. Mas, a verdade é que a academia é branca demais e que não falamos, nem pensamos sobre o real lugar do negro brasileiro em nossa sociedade e por consequência em

nossas cidades. Penso que é urgente questionar, investigar, descobrir o mínimo que podemos fazer e acima de tudo transformar a nós mesmos e a nossa profissão percebendo cada partícula de preconceito para desmistificar, arrancar, queimar cada parte. Além disso, ao invés de nos omitir precisamos andar lado a lado e conhecer a luta um do outro; mulheres, negras e negros, LGBT+, índios, nordestinos...

Para essa fala sobre a questão do negro brasileiro, acho necessário abordar os conceitos e os questionamentos presentes no trabalho de Abdias Nascimento, este autor que fala sobre sua trajetória enquanto promotor das artes através do Teatro Experimental do Negro, do Museu da Arte Negra e de temas relacionados à memória, sobrevivência e cultura africanas, entre tantos outros. Para a leitura da Cruzada neste contexto, a contribuição de Nascimento (2002) é fundamental para entender esta sobrevivência que atravessa diferentes tempos e formas de dominação, compreendendo que a história do negro brasileiro parte de um contínuo, ou seja, não se inicia na favela e não termina no conjunto habitacional. Mas, atravessa questões territoriais, políticas e culturais.

Além de Nascimento, procuro dialogar neste texto com Aza Njeri e Katiúscia Ribeiro (2019) que são pesquisadoras da filosofia Africana que resgatam termos usados por estudiosos negros sobre a filosofia e cultura africana, como Maafa, que significa o holocausto pelo qual os negros são subjugados. Além disso, estas autoras falam sobre como a centralidade da mulher (especialmente do papel mulher e não necessariamente da pessoa feminina) permite e permitiu a sobrevivência dos povos negros.

Inicialmente faz-se necessário entender ao que é preciso sobreviver. Quando tratamos da questão do negro brasileiro é preciso estar atento às sutilezas dominadoras e às formas de destruição presentes no discurso e na atuação da supremacia branca. Assim, uma das primeiras atitudes da dominação é provocar o esquecimento, apagar a memória do povo negro é apagar sua história de luta, sua ancestralidade, seu autoconhecimento e autoestima, palavra de Wagner e Jow sempre insistem em dizer.

A primeira medida do escravagista, direta ou indiretamente, era produzir o esquecimento do negro, especialmente dos seus lares, de sua terra, de seus deuses, de sua cultura, para transformálo em vil objeto de transformação. (Sebastião Rodrigues Alves, citado por NASCIMENTO: 2002:96)

Segundo Nascimento (2002), este “fazer esquecer” se dá através: da destruição dos documentos e instrumentos de tortura dos africanos escravizados; da falta de estudo sobre as culturas destes povos e da afirmação a respeito de uma miscigenação que dilui quem seria o negro e o branco em nossa sociedade (argumento usado para corroborar com a ideia de inexistência do preconceito e da situação desigual em que vivem os afro-brasileiros). O autor destaca que para o africano o “inimigo está visível” enquanto o afrobrasileiro deve lidar com um “emaranhado de sutilezas domesticadoras”.

O negro brasileiro, ao contrário [do africano], tem de enfrentar uma teia emaranhada de sutilezas domesticadoras que principia já na obliteração de sua memória; depois vêm a violação miscigenadora, o estupro aculturativo, a imposição sincrético-religiosa, enfim, todo um elenco de máscaras para ocultar o desprezo das nossas elites que só tratam dia e noite de neutralizar a nossa integridade de ser total. (NASCIMENTO: 2002:97)

O autor destaca ainda o esquecimento do tráfico e da escravidão como o esquecimento do ponto de partida - a África - e evoca a necessidade de lembrar constantemente da escravidão “como uma obrigação permanente e diária”, não como forma de autoflagelação. Por isso, segundo Nascimento (2002), não evocar a condição em que viveram os povos africanos escravizados no Brasil é “amputar o nosso [negros brasileiros] potencial de luta libertária, desprezando o sacrifício de nossos antepassados para que o nosso povo sobrevivesse. Escravidão quer dizer raça negra, legado de amor da ancestralidade africana.”

Assim, a sobrevivência do povo negro brasileiro parte de África de sua memória e presença, parte da resistência, da teimosia em viver destes africanos escravizados, que permitiu a vida dos negros brasileiros até hoje. Nascimento alerta que é a opressão existente desde os tempos da escravidão que permite compreender a opressão que existe hoje, pois ela parte do contínuo daquele tempo. E, que é da força dos ancestrais que sobrevive a esperança que prepara o negro brasileiro para a luta que virá.

Escravidão não significa para nós um vocábulo petrificado nas páginas da História. Não é longínqua nem abstrata. Antes é uma palavra que nos devolve parte viva e dinâmica de nossa própria carne e espírito: os nossos antepassados. A violência que eles sofreram é a violência que tem se perpetuado em nós, seus descendentes.A opressão de ontem forma uma cadeia no espaço, uma sequência ininterrupta, no tempo, e das feridas em nosso corpo, das cicatrizes em nosso espírito, nos vêm as vozes de esperança. Embalados na esperança, os negros brasileiros não perderam sua alegria e este gosto de cantar e de dançar a vida, e assim se preparam para os momentos da luta mais difícil que virá. (NASCIMENTO:2002:100)

Assim, falar da situação do negro brasileiro é falar do povo africano em diáspora no Brasil, palavra que Aza Njeri e Katiúscia Ribeiro repetem insistentemente em seu trabalho “Mulheirismo Africana: práticas na diáspora brasileira”. As autoras apontam que na vinda forçada dos povos africanos para o Brasil e para a América de um maneira geral, não só o corpo negro veio para estas terras, mas consigo suas práticas filosófico-culturais-identitárias extremamente matriarcais o que garante e garantiu sua sobrevivência.

Nos realinhar com nosso eixo civilizatório, que parte de África, perpassa a compreensão e resgate do matriarcado africana, cujas características são xenofilia, cosmopolitismo e coletivismo, além de valores morais baseados em otimismo, paz, justiça e bondade. (NJERI, A. e RIBEIRO, K in Currículo sem Fronteiras, v. 19, n. 2, p. 595-608, maio/ago. 2019)

Nesta investigação identifico que algumas pessoas e história que conheci apresentam a centralidade da mulher negra que as autoras reivindicam. Ao falar com Wagner, a história de como sua família chegou à Cruzada parte desta potência feminina. Primeiro de sua bisavó, pois é através de sua fuga de uma fazenda em Macaé, após matar outra escravizada ao descobrir que seu namorado (companheiro) a estava traindo com ela, que veio para a Praia do Pinto com a avó de Wagner, que foi a continuadora dessa história ao vir com sua família para a Cruzada. Foi ela também que dividiu por

tantas vezes as histórias da favela e da própria Cruzada com a comunidade.

Outra família que parte da mulher como centro é a de Dona Vera que teve o pai falecido antes de chegar à Cruzada e que em momento algum fala sobre um companheiro ou quem foi o pai de seus filhos. Essas mulheres são as genitoras e gestoras de suas famílias, na maioria das vezes são elas que estão dispostas a falar, conversar e lembrar de suas origens e quando não são elas a contar, elas são o ponto de partida dessas famílias que vivem hoje na Cruzada. É preciso apontar que o Mulheirismo Africana não é um tipo de feminismo, mas a consciência de que o papel matrigestor é aquele que sempre norteou os povos africanos, mas que esse papel também pode ser apresentado por um homem. Wagner em minha leitura seria um desses homens que se preocupam em gerir e cuidar da sua comunidade, cuidar das crianças “dos outros” como se fossem dele também. E Dona Vera é esse exemplo máximo de se doar e estar a serviço do cuidado com a comunidade.

Além de abordar sobre a centralidade da mulher negra, Njeri e Ribeiro retomam ao termo Maafa que Marimba Ani define como “o holocausto negro que se moderniza a cada século”. A Maafa é o genocídio que o povo negro em diáspora vive e que mata sua cultura, seus corpos e ancestralidade como já mencionado.

Vale atentar que genocídio é algo que tange a um povo/raça, e devemos, logo, entender que a emancipação político-econômicaidentitária-cultural somente ocorrerá quando negras e negros estiverem cientes da dinâmica de vida na qual estão inseridos e a influência do Ocidente sobre si, tornando-se agentes de sua própria história, os leões que contam sua própria história, conforme o provérbio bantu

‘Até que os leões inventem suas próprias histórias, os caçadores sempre serão os heróis

das narrativas de caça’. A população negra afro-brasileira precisa em caráter de urgência ser aquela que narra suas próprias realidades, possibilitando, assim, novas vias para o reestabelecimento de sua humanidade, defesa e sobrevivência. (NJERI, A. e RIBEIRO, K in Currículo sem Fronteiras, v. 19, n. 2, p. 595608, maio/ago. 2019)

A Igreja e a Cruzada

Durante toda pesquisa era notório o carinho dos moradores da Cruzada por Dom Hélder Câmara, Jow (o presidente da Associação) assim que nos conhecemos e comecei a falar que o trabalho era sobre memória, me contou sobre seu sonho de pintar nos muros dos clubes (que ficam voltados para a Cruzada) com a história do conjunto desde a Favela da Praia do Pinto até a inauguração Cruzada e ao final colocar um busto de Dom Hélder em um jardim (que fica no cruzamento da Humberto Campos com a Borges de Medeiros, esquina do Monte Líbano). Sempre me soou agressivo entender um cardeal como ponto central de toda a história daquela comunidade. A pessoa de Dom Hélder que faz o discurso apresentado do capítulo Muro-Terra e deixa claro o eles - operários, negros, pobres - e o nós - elite, branco, Igreja - nessa história, e que se apresenta como como parte deste “nós”, é o mesmo cardeal que participa do Concurso Cristo Negro (que foi contemporâneo à construção da Cruzada)

promovido pelo Teatro Experimental do Negro, indo contra a posição de toda Igreja que encara como extremamente ofensiva a proposta de se representar um Jesus negro, ou seja, representar o próprio Deus como um homem negro. O Jornal do Brasil, do Rio, publicou em 26 de junho de 1955 o editorial abaixo:

Pelo seu exemplo de abnegação, de renúncia, de bondade, a Mãe Negra que nos embalou o sono, que nos deu seu leite, foi a grande formadora de nosso coração (...) Essa exposição que se anuncia deveria ser proibida como altamente subversiva. Tal acontecimento, realizado às vésperas do Congresso Eucarístico, foi preparado adrede para servir de pedra de escândalo e motivo de repulsa. O nosso descontrole moral, a nossa grande falta de respeito e de bom gosto, o nosso triste estado d’alma não podem ser dados em espetáculos aos que nos visitam. Damos aqui o nosso brado de alarma. As autoridades eclesiásticas devem, quanto antes, tomar providências para impedir a realização deste atentado à Religião e às Artes. O próprio povo brasileiro se sentirá chocado pela afronta feita. (Jornal do Brasil, citado por NASCIMENTO:2002:118)

O jornal apresenta o estereótipo do negro servil e calado, que deve sofrer sem reclamar, estas seriam as qualidades esperadas pelos brancos, enquanto uma simples representação do Cristo Negro seria ofensiva e subversiva, verdadeiro motivo de escândalo. Nascimento (2002) destaca a participação de Dom Hélder no concurso e classifica como belo o seu discurso sobre o quadro de Otávio de Araújo denominado o Cristo Favelado. Eu que tive e ainda tenho tantas restrições acerca da pessoa de Dom Hélder entendo que, tal como foi para mim, para ele também deve ter sido difícil enxergar seu papel nessa história. São linhas muito tênues que traçam essas relações, que partem de conceitos muito mascarados como alerta Nascimento (2002). Se produzir habitação popular no contexto do Leblon é um ganho para a imagem que temos de Dom Hélder, entendê-lo como parte do processo que removeu as favelas cariocas é uma perda. Se vê-lo como o religioso que se posicionou a favor de uma ação que propõe um Cristo Negro é um ganho, ver a rigidez e a crença de uma dogmatização através de condutas brancas que deveriam ser assimiladas pelos negros dentro da Cruzada é uma grande perda.

Ocultamento e disfarce

A respeito da religião é necessário apontar que para além de toda a dominação feita através da imposição da religião católica e da negação às religiões africanas e posteriormente religiões afro-brasileiras, a Igreja também escravizou negros para seu serviço e quase todas as ordens possuíam negros escravizados.

A Igreja Católica era a religião oficial que ditava as normas de cima para baixo. Tanto não havia igualdade ou paridade religiosa, condição prévia do verdadeiro sincretismo, que os escravos se viam submetidos, ainda nos portos de embarques africanos, ao batismo compulsório. A escravidão espiritual constituía parte intrínseca da escravização física. Tanto assim que era uma prática normal do catolicismo se

associar com o tráfico e o sistema escravista, que seu proselitismo tinha o amparo dos traficantes, do Estado e da força suasória da polícia. Podese afirmar, assim, que o procedimento da Igreja Católica dos seus sacerdotes ajudou a marcar o sentimento cristão brasileiro com uma indelével característica de tirania e sadismo. (NASCIMENTO: 2002:106 e 107)

Essa mesma tirania se apresenta no contexto da Cruzada quando os moradores contam da “disciplina” imposta à comunidade e como os apartamentos concedidos - visto que, os moradores não tinham a posse - eram vistoriados e, como conta Vera, “tinha que ser tudo arrumadinho”, pois, caso contrário, os moradores eram expulsos. A condição religiosa existente na Cruzada impunha as normas sociais ditadas pela Igreja, então a família deveria ter pais casados, não poderia haver gravidez fora do casamento e tantas outras medidas que são observadas desde os tempos do batismo compulsório apresentado por Nascimento. Medidas que tinham como objetivo ajustar a pessoa negra às normas da supremacia branca. Assim, para o negro sobreviver deveria submeter-se a estas condições. Sobreviver aos senhores de escravos aceitando o batismo ou sobreviver no sentido de ter o mínimo de recursos para viver, no caso das condutas impostas na Cruzada para a manutenção do direito à permanência na moradia. Ou seja, o que aconteceu na Cruzada é uma atualização deste processo catequizador que a Igreja opera sobre a população negra.

Nascimento apresenta o que é chamado de sincretismo religioso como a forma que as religiões africanas encontraram para sobreviver às imposições da Igreja Católica e do poder de dominação branco. Nas minhas visitas à Cruzada não encontrei nenhum espaço religioso de origem africana, mas além da Paróquia dos Santos Anjos, que fez parte do projeto do conjunto, há igrejas neopentecostais alocadas no térreo de algumas áreas que eram pilotis antes das modificações.

...a cultura negra no Brasil se mantém, em grande parte, devido à sua possibilidade de se disfarçar e calar. Queremos dizer com isso que a cultura negra pôde sobreviver, escapar do extermínio (os mesmos de que foram vítimas, fisicamente, os malês da primeira metade do século XIX), porque se guardou no recesso das comunidades religiosas (os terreiros), disfarçando-se quando queria, silenciando quando devia. A história da cultura afro-brasileira é principalmente a história de seu silêncio, das circunstâncias de sua repressão. (Santos, citado por NASCIMENTO: 2002:112)

Assim se deu a sobrevivência das religiões e do traço de ancestralidade africana nas populações negras, a partir do ocultamento e disfarce. Outro silenciamento (já apresentados nesta pesquisa) se dá através do estabelecimento dos muros que circundam o conjunto, ora os muros dos clubes, ora do Shopping Leblon, tornando a Cruzada um quilombo contemporâneo. Além do silenciamento ao atrelar o conjunto à Igreja Católica desde a sua fundação, afastando ainda mais a possibilidade do culto religioso de origem africana dos moradores do conjunto.

Sobrevivência e quilombismo

Além da ancestralidade, da centralidade da mulher e do disfarce como traços essenciais à continuidade da existência

do negro brasileiro, o espaço do quilombo como lugar de resistência e liberdade também é um ponto central para a sobrevivência de mulheres e homens negros no Brasil. Os quilombos são estes espaços de resistência desde meados do século XVI e tem se ressignificado ao longo do tempo, contudo sem deixar de ser o lugar onde há transmissão dos saberes africanos e sendo essencialmente o espaço de resistência do povo negro. Dessa forma, a Cruzada pode ser interpretada como esse quilombo contemporâneo por diversos motivos. Nascimento (2002) atesta que devido à condição do negro que fica à margem do emprego no semi e subempregos, a segregação residencial se dá por conta tanto da condição social quanto pela racial. Assim, os lugares que lhes restam como moradia são os “ghettos de várias denominações: favelas, alagados, porões, mocambos, invasões, conjuntos populares ou ‘residenciais’” (NASCIMENTO: 2002:263).

O quilombismo se estruturava em formas associativas que tanto podiam estar localizadas no seio de florestas de difícil acesso que facilitava sua defesa e sua organização econômico-social própria, como também assumiram modelos de organizações permitidas ou toleradas, frequentemente com ostensivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficentes, esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam as aparências e os objetivos declarados: fundamentalmente, todas elas preencheram uma importante função social para a comunidade negra, desempenhando um papel relevante na sustentação da comunidade africana. Genuínos focos de resistência física e cultural. Objetivamente, essa rede de associações, irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afochés, escolas de samba, gafieiras foram e são quilombos legalizados pela sociedade dominante; do outros lado da lei se erguem os quilombos revelados que conhecemos. Porém tanto os permitidos quanto os “ilegais” formam uma unidade, uma única afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria história. A este complexo de significações, a esta praxis afro-brasileira, eu denomino de quilombismo. (NASCIMENTO: 2002:264)

Através das observações de Nascimento, entendo que a Cruzada é esse lugar que possibilita uma prática de libertação dentro do contexto do bairro em que se insere, por diversos motivos, entre eles; por abrigar uma população majoritariamente negra e por sua fundação advir de um contexto religioso que propiciou a sua existência e permanência no Leblon. Outro apontamento de Nascimento que me leva a considerar fortemente esta premissa da Cruzada enquanto quilombo contemporâneo é a discussão acerca da posse daquele território, em praticamente todas as conversas e idas ao conjunto a questão sobre a propriedade dos apartamentos esteve em voga. Primeiramente por que a posse das unidades foi concedida no governo de Leonel Brizola, em 1982, após quase 30 anos da inauguração do conjunto, soma-se a isso a sensação dos moradores de que a especulação imobiliária teria o desejo de removê-los dali, além da vivência de quem já viu ou ouviu as história das remoções das favelas,em especial, da Favela da Praia do Pinto, a conjuntura destes fatores geram a insegurança acerca da propriedade e da permanência do conjunto. Como

alerta Nascimento (2002), os quilombos desde o início de sua existência até os dias atuais são atacados pelo homem branco no intuito de destituir as comunidades quilombolas do direito à terra. Além dos ataques de latifundiários, há o próprio ataque policial, que reforçam a ideia de que a residência ou o espaço que o negro habita o é de direito até que o Estado encare como necessário sua intervenção. Uma das histórias que Dona Vera dividiu comigo foi quando em um Natal na Cruzada seu sobrinho e alguns de seus amigos foram detidos pela polícia sem nenhum motivo aparente. Ela me contou que por trabalhar no rádio, telefonou para uma das radiofonistas que tinha contato e após a denúncia da repórter, os meninos foram liberados. Ela termina a história me falando “discriminação, né?”.

Eis como a sociedade dominante apertou o cerco da destruição, da fome e do genocídio dos descendentes africanos. Até aos poucos, as raras exceções que por um milagre conseguiram ultrapassar a fronteira implacável da miséria, ou as instituições religiosas que ocupavam há séculos determinado espaço, se vêem de uma hora outra invadidos em suas propriedades e usurpados em suas terras! (NASCIMENTO: 2002:269)

Além da negação do direito à terra que acontece nos territórios quilombolas e que é também possível enxergar nas terras indígenas através da invasão de latifundiários, o atual (des)governo deu ao superministério da agricultura controlado por esses mesmos latifundiários o poder de decisão sobre o direito às terras quilombolas e indígenas, um dos maiores retrocessos na luta pela permanência destas comunidades. Outro episódio que não podemos esquecer é a grave ofensa que o (anti)presidente fez em abril de 2017, pouco mais de um ano antes de ser eleito presidente do país, acerca do quilombo que visitou em Eldorado Paulista dizendo “Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é ‘gastado’ com eles”. O discurso foi feito em um clube na Zona Sul carioca, estes mesmos espaços para o lazer da elite branca que cercam a Cruzada. Bolsonaro foi absolvido pela denúncia de racismo em junho deste ano, o que só reforça ainda mais a urgência em cuidar pela manutenção destes espaços e pela segurança da vida da pessoa negra.

pipagente

No fundo tudo se inicia e termina aqui, no entendimento que são as histórias pessoais e a força das pessoas através do coletivo que possibilitam a existência das pipas. É fato que tanto os muros quanto as pipas são feitos por nós. Mas, os muros são frutos da estruturação de nossa sociedade, dos preconceitos que ela gerou e gera ao longo do tempo. Os muros são a apresentação do que nos tornamos enquanto sociedade dentro do sistema político e econômico que nos condiciona. As pipas são o indivíduo, a personalidade e proposta de escape das pessoas que resistem ao sistema. As pipas são pessoais, identitárias, contam sua história, sorriem.

Este capítulo apresenta alguma dessas pessoas, de suas histórias e desejos pessoais, aventuras, curiosidades, gestos, inconsistências. Se o muro é uno, sistemático, quadrado. A pipa é diversa, inconstante, flexível. Não é que não tenhamos muros dentros de nós, pois, reproduzimos conceitos, verdades e práticas que aprendemos por vivermos imersos neste sistema. Mas, a verdade é que são as pipas que nos impulsionam.

Wagner, Vera, Jow, JP, Kelvin, Caique, Vitória, Jeferson e tantos outros que chegaram até mim por conversas atravessadas, pelo encontro casual. No fundo o trabalho é falar um pouco da minha relação com essas pessoas, do que dividiram comigo, me mostraram, de suas causas, dores e felicidades.

wagner

WAGNER - 12/06

Era meu primeiro contato legítimo, a primeira vez que falaria com alguém que talvez tivesse respostas, perguntas, que fosse afirmar ou negar o esforço que eu vinha colocando naquele lugar e naquela história. Foram vários textos e autores tentando entender, analisar, estudar. E, em uma conversa à toa na hora do almoço “eu conheço um cara que mora lá”, uma colega de trabalho me contou de se conhecido que não vê há mais de 15 anos e que talvez ainda morasse na Cruzada. Wagner.

Um misto de expectativa e impaciência, Avenida Niemeyer fechada, fiquei quase uma hora do final do Joá até a Rocinha, decidi descer do ônibus para não me atrasar, peguei o metrô. E como de costume, pensei em descer na Antero de Quental, besteira, lembrei que a estação Jardim de Alah fica bem próxima à Cruzada. Entrei no metrô e em poucos minutos, eu diria 5, estava do lado de fora. Foi incrivelmente rápido. Um sonho para uma suburbana que demora pelo menos 2 horas para chegar até a zona sul.

Recebi uma mensagem no WhatsApp, era o Wagner dizendo que chegou mais cedo, 10:16, já eram 10:32, liguei para ele. Bloco 6, 208. “Sabe chegar?”. Não, eu não sabia. Fui andando rápido para não me atrasar, ainda que nosso horário fosse às 11h. Perguntei para um rapaz parado em frente a um dos blocos. “É sem ser esse o outro”. Segui. Quando cheguei em frente ao, finalmente, bloco 6, Wagner também chegou. Saiu e me cumprimentou. Ele foi simpático e solícito, assim como ao telefone. Entramos pelo portão, cada bloco tem seu acesso individual pela Rua Humberto Campos, subimos as escadas. Ele me perguntou se eu queria fazer um projeto como o da Cruzada no meu TCC, respondi que não e que preferia explicar o trabalho após nossa conversa, para não influenciá-lo.

Entramos no que ele chamou de q.g da ong. Wagner é responsável por projeto social que tem como principal atividade o basquete, chamado Basquete Cruzada. Conversamos ali, em um apartamento de um quarto, onde o quarto é a sala de reunião e a sala é escritório, com vários Macbooks, uma cozinha e um banheiro verdadeiramente pequenos. Nos sentamos no escritório, fiquei de frente à janela do apartamento, de onde era possível ver o bloco 05, vez ou outra parava alguém olhando, mas geralmente o movimento era das crianças correndo pelo corredor e das pessoas descendo as escadas.

Wagner Silva, homem, negro, 39 anos, casado, pai de uma menina de 1 ano e 4 meses, autônomo (fotógrafo), gestor do Basquete Cruzada. Nasceu no conjunto, ou melhor, como disse “sou nascido e criado aqui”. Sua avó veio da favela da Praia do Pinto para o conjunto, onde teve sua mãe, que também mora na Cruzada. Wagner passou toda a vida no conjunto, exceto pelo um ano que morou nos Estados Unidos e outro que morou na Suíça, ambos por conta do basquete.

O história de Wagner e sua família atravessa a história tanto da Cruzada, quanto da Favela da Praia do Pinto. Wagner me fez olhar para dois fatores fundamentais para entender as tensões presentes naquele território. O primeiro, a relação atual com o bairro. Em vários momentos ele diz que o Leblon faz com que eles vivam em gueto, que eles estão isolados, sendo seus amigos e familiares, geralmente,

moradores de favelas. A segunda questão é que ele sugere que os moradores da Cruzada são favelados em alguns momentos, em outros fica uma dúvida sobre quem são e a que lugar pertencem.

Conversamos por volta de uma hora, nas quais falamos da relação com o bairro, preconceito, cidadania, história. O Wagner é muito ativo no conjunto e demonstra seu carinho e preocupação a todo momento. O projeto social em que atua acaba sendo o meio pelo qual tratamos dos assuntos. Assim, quando falamos sobre o bairro, Wagner contou situações de conflito que viveu e também que “os garotos” - forma carinhosa que ele chama os jovens que participam do Basquete Cruzada - passaram, e momentos que experienciaram juntos.

Um dos garotos do projeto ‘tava’ reclamando que levou três duras pra chegar na praia. A polícia parou três vezes ele. A gente ‘tá’ há dois quarteirões da praia. Enquanto o playboy vai descalço, pega sua bolinha de futevôlei, cheio de maconha no bolso e não toma dura de ninguém, entendeu?

Duas outras histórias que Wagner dividiu comigo foram no Shopping Leblon, que ele considera outro assunto difícil - a relação do shopping com a Cruzada -. A primeira foi quando ao levar os jovens do projeto no shopping a convite da Nike, os 15 meninos uniformizados foram parados na entrada pelo segurança. Em outra ocasião, Wagner acompanhou 80 meninos para assistir ao filme Pantera Negra, antes de levá-los, entrou em contato com a segurança do shopping avisando, para que não houvesse mais uma situação de constrangimento. Após essas ocasiões, Wagner acabou fazendo amizade com o chefe da segurança do estabelecimento.

Assim, ainda que enquanto mulher branca, não possa expressar e até entender o quão grave é o preconceito sofridos por estes jovens, e pelos moradores de um modo geral da Cruzada. É possível compreender, ainda que de maneira distante, a falta de simpatia que existe entre o bairro e o conjunto.

Olhares que fuzilam

Para Wagner, o maior objetivo do projeto é não permitir que esses jovens acreditem no que eles veem todo dia; Olhares de medo, repulsa, gestos que escondem a bolsa, pessoas que atravessam a rua. O mais importante é resgatar o olhar o humano para ver a si mesmo e seguir acreditando tanto na sociedade, quanto no próprio valor. Este seria o único jeito de tirá-los do tráfico. Segundo ele, a Cruzada é o maior ponto de tráfico de drogas da Zona Sul do Rio de Janeiro. E, por isso, a necessidade para aqueles jovens da potência de saber que podem fazer e ser o que quiserem e não o que aqueles olhares dizem que eles são.

Eu acho que eu prefiro um helicóptero fuzilando, sei lá, semanalmente, do que você ser fuzilado no olhar todos os dias, “tipo”, eles me lembram que eu sou preto toda vez que eu atravesso a rua, sabe? Eu saí da Cruzada, eles fazem eu me lembrar, mesmo eu me esquecendo, alguém me lembra. “Tipo”, por exemplo, eu tava no Pão de

Açúcar (rede de supermercado) aqui, eu entrei no elevador, entrou um rapaz, ia entrar uma mulher que parecia uma madame e ela esperou fechar a porta pra pegar outro elevador.

O cara do lado que parecia ser um porteiro ou alguma coisa assim, falou pra mim, “ela não entrou por que você é preto”. Ele, “tipo”, ele riu, “cara, ela não entrou por que você é preto”. “Tá” entendendo? Eu nem tinha me ligado, ele falou “que palhaçada, cara”. Tá entendendo? Então assim, existe esse fuzilamento, diário, a cada minuto.

Enquanto conta a história, ele ri de um jeito meio sem graça, jeito de quem continua não acreditando naquela história. De quem não se conforma com os olhares que fuzilam.

Favela

A questão que Wagner chama de cidadania, fala sobre o comportamento dos moradores da Cruzada. Para ele, um dos maiores problemas do conjunto é não ter uma Convenção de Condomínio, que funciona como um manual de regras para o convívio social. Assim, ele alerta para a falta de consciência coletiva para que o lixo, por exemplo, não seja arremessado pela janela.O termo favela aparece difuso em sua fala, por vezes, ele aponta a Cruzada como favela, em outros momento, ele parece mostrar que são situações parecidas, porém distintas.

A gente não tem Convenção (de Condomínio), a gente não se sente “incluso” no Leblon. E aí o fato da gente só ter contato com outros favelados, façam com que a gente “pensa” como eles também. E aí, a gente traz a cultura deles que eu também acho super normal também. Até por que são pessoas que “se” identificamos. A Cruzada tem problemas completamente diferentes de outras comunidades, como as comunidades da Zona Sul são diferentes da zona norte, zona oeste, baixada. Mas, o bairro em si faz com que a gente viva em gueto.

Apartados do próprio bairro, fuzilados. Os moradores se juntam e vivem entre eles mesmos, entre eles e entre outras comunidades - como diz Wagner - por identificação.

A Cruzada é lugar de quê?

Ao final da nossa conversa, faço minha última pergunta a Wagner “A Cruzada é lugar de quê?” e ele responde;

Lugar de resistência mesmo, de extrema importância que pode ser um case de sucesso “pra” outras comunidades... em questão de cidadania. Acho que a gente precisa mostrar não só para as pessoas, mas para o governo. Se a gente tem uma escola, o emprego perto, um hospital decente perto e trabalhar a cidadania dessas pessoas de comunidade carente pode dar certo, acho que não é o que acontece em todas as outras comunidades (...)

É um espaço de resistência que todo ano “tá” brigando “pra” buscar um lugar ao sol, né. Mas, ao mesmo tempo não adianta a gente só brigar lá fora. A gente tem que brigar pra ter uma estrutura aqui dentro. Acho ridículo, a gente

não ter uma convenção (de condomínio), a gente “tá” brigando “pras” pessoas não jogarem o lixo na janela.

Assim, ao final de nossa conversa parece que tudo se encaixou em mim, revelou outros sentidos e me deu força para continuar estudando esse lugar, que resiste e segue buscando por novos espaços.

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PRÁTICA FOTOGRÁFICA - 03.11

Sobre as intenções:

A primeira ação prevista para acontecer no dia 03.11 sob o pilotis do Bloco 06, com ponto de encontro na portaria do mesmo bloco é, no primeiro momento, uma roda de conversa sobre o conjunto, procurando estabelecer lugares de afeto dentro e fora da comunidade, assim como, os espaços que os moradores ocupam dentro da região, através do diálogo e da elaboração de mapas mentais. A segunda parte é uma experiência fotográfica dentro do conjunto. Wagner, fotógrafo amador, morador do conjunto e responsável pelo Basquete Cruzada que tem o hábito registrar o conjunto, vai falar um pouco sobre a prática fotográfica e sua experiência como fotógrafo, depois andaremos pela conjunto no intuito de registrar lugares de afeto.

Sobre o acontecido:

Domingo de sol ardente e céu azul, azulzinho mesmo. Dia de Enem. Dia de Flamengo.

Na noite anterior demorei a dormir, acordei algumas vezes pela madrugada, levantei cedo, uma ansiedade enorme tinha tomado todo meu corpo, tomei café em família, mas o pressuposto dia de preguiça, era um dos dias mais importantes para mim, um dia aguardado.

Organizei tudo que achava ser preciso para a ação, folhas para a elaboração dos mapas mentais, lápis de grafite e de cor, canetinhas, celular carregado, refrigerante, o bolo que havia preparado no dia anterior não estava me agradando tanto e resolvi comprar comida na padaria perto de casa para levar. Fiquei a manhã toda nos preparativos. O que era simples tornava-se complicado e o coração não parava de palpitar. Chorei. O que estava fazendo? Fiquei com medo. Medo do inesperado. Medo de não ser desejada. Medo de ser intrusa. Medo de não ter participação. Medos mil que me tomavam.

Marcamos para iniciar a ação às 15h, combinamos de nos encontrar antes. Nós; eu, Wagner, João e Jow. Wagner já está presente neste trabalho há mais tempo. João é amigo de Wagner, poeta contemporâneo, fotógrafo por diversão e morador do Vidigal. Jow é presidente da Associação, ex lutador e esportista de tudo que se pode imaginar. E eu que não sei ao certo quem sou nessa história toda.

Liguei para Jow assim que saí da estação, estava acompanhada de Philipe, meu namorado e companheiro nas horas de levar peso nas sacolas e na alma. Saímos pelo metrô na Borges de Medeiros e entramos na Humberto Campos enquanto eu ligava para Jow que ao atender me pediu para que eu voltasse e fosse encontrá-lo na Av. Afrânio de Melo Franco, ele bebia uma cerveja com seus amigos. Sentamos eu e Philipe, entramos na conversa que partia da Cruzada, atravessava a política, expurgava preconceitos e batia na pele para falar da cor. Deu a hora de partir, fomos para a Cruzada, eu, Philipe e Jow.

Colocamos 2 mesas e 4 cadeiras na frente do bloco 06. Esperamos. As pessoas nos passavam. Meu desejo era reter, mas não tinha como, então deixava ir. Foram. Eliane e Cláudia ficaram, conversaram pouco, eu tentava introduzir a ideia da ação, os mapas, parecia inconveniente, a pressa

balançava seus corpos e “não posso ficar nem mais um minuto com você, sinto muito, amor”. Foram também. Wagner e João não chegavam. Esperamos…

Wagner desceu e conversamos um pouco. “Cadê os meninos?” - eu pergunto - “Todo mundo na praia” - responde Wagner. Toda a minha aflição parecia fazer sentido, não viria ninguém. Na verdade, havia apenas 1, aquele mais inesperado. Antes das 15h ele estava lá, ainda sem as mesas e cadeiras postas. Viu um dos cartazes que eu havia feito e participar da ação, não era da Cruzada, só estava de passagem pelo Rio e resolveu ficar. Éramos nós 3 a ficar; eu, Philipe e o viajante. Três estrangeiros esperando à porta.

Antes de quatro e meia algumas crianças estavam bem próximas à nós, no portão do bloco 06, eu e o viajante resolvemos oferecer o lanche que estavam sobre as mesas. Eles vieram. Finalmente vieram. Wagner chegou com as câmeras. E de repente estávamos fotografando o bloco 06. Meu nome deixou de ser Anna, passou a ser tia. Me senti família. Andávamos, não, corríamos pelo bloco, na sede de fotografar, de desvendar, de brincar. As câmeras digitais antigas instigavam seus pequenos dedos acostumados com o touch “onde que coloca zoom?” “onde que aperta pra tirar foto”... Eu procurava com eles enquanto corríamos.

Proponho tirarmos foto do lugar que mais gostamos ali e enquanto subíamos as escadas, todos apontam para o Cristo. Tiramos fotos. João chega, ainda bem. O viajante e João dão dicas de fotografia para as crianças, enquadramento principalmente. Eu ajudo a mexer nos botões. E abraço. Gooooooooooooollllllll. “Gol de quem tia? Gol de quem? Olha no celular”. Pego meu celular para buscar o nome do responsável pelo gol. Bruno Henrique. Todos pulam. Todos.

JP Kelvin Caique Vitória Jeferson

O que foi projetado para ser passarela - no quarto andar o projeto de arquitetura previa interligar todos os blocos através de passarelas que não teriam apartamentos naquele pavimento, mas após um tempo permitiu-se fazer apartamentos naqueles andares - era o terraço com o churrasco e torcida festiva, fotografamos os sorrisos e a festa que conseguíamos observar das escadas. Outro gol. “Gol de quem tia? Gol de quem? Olha no celular”. Pego meu celular para buscar o nome do responsável pelo gol. Bruno Henrique. Todos pulam. Todos.

JP Kelvin Caique Vitória Jeferson

Alguns moradores descem as escadas e pedem para fotografá-los. Todas as crianças, neste momento fotógrafos profissionais, posicionam suas câmeras para registrá-los. Descemos as escadas, entramos em outro bloco. Vimos a igreja, o aquário, as bicicletas, os guarda-sóis, as plantas, as pessoas. Observávamos e éramos observados. Andamos até as pernas doerem, talvez só as minhas doessem. As

câmeras descarregavam, outras crianças chegavam e pediam câmeras. O conflito do empréstimo. Como minhas pernas doíam. Ao final sentamos nas cadeiras na frente do bloco 06, eles comeram o bolo e beberam o refrigerante. Peguei os lápis, canetas e folhas sem muita esperança. Eles vibraram. Vibrei também. Distribuí o material, enquanto eles pediam para que ficassem com o lápis e pudessem levar para casa. Falei que cada um poderia levar um. Começaram a desenhar, pedi que desenhassem o lugar que vimos que eles mais gostaram, decidiram pelo Cristo, exceto Jeferson que desenhou um lanche.

Chegavam mais crianças, distribuí mais material. Me vi sendo desenhada. “Tia qual seu nome?” - pergunta Vitória - “Anna” - respondo, mas penso que prefiro tia. Minhas pernas doíam enquanto a noite chegava. Eles terminam seus desenhos, a rua está cheia àquela hora, o jogo havia acabado, a praia também. Fomos indo, terminando, juntando as coisas.

Assim como chegaram de repente, foram indo. Fui indo também. Cada um em seu caminho. Um senhor que nos olhava da janela de seu apartamento no bloco 05 foi indo também. Minhas pernas doíam, mas precisávamos ir e fomos, ainda sem saber se tinha acontecido mesmo. Hoje, dia seguinte à ação, vendo as fotos entendo que aconteceu e tenho o desejo de morar nesse acontecido.

jeferson

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vitória

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vera lúcia

VERA LÚCIA - 18/11

Vera Lúcia é a secretária do Bloco 6, mesmo bloco em que o Basquete Cruzada e Wagner vivem. Vera ou Verinha é uma mulher negra de 74 anos e começamos a conversa por sua idade que é tão próxima a de minha avó, vez ou outra Vera cantava, assim como minha avó. Falamos de ser avó, de família, de netos, filhos, sobrinhos. Vera dividiu sua história comigo, a da Favela da Praia do Pinto, da Cruzada, mas sobretudo sua história familiar. Os sucos, receitas, lugares de brincadeira. Foi desenhando sua história em minha mente enquanto eu revivia com ela momentos tão particulares.

Era um dia escuro e chuvoso, o que me deixa confusa em relação a hora, saí do metrô e entrei na Humberto Campos, no mercadinho do Bloco 01 vi JP, “oi, tia!”, me enchi de alegria com aquele sorriso dengoso, falamos um pouco e segui em direção ao bloco 06. Nas primeiras vezes que fui à Cruzada tinha dificuldade em achar os blocos, não tem a numeração de cada um e eles me pareciam extremamente semelhantes. Em um olhar afastado continuam similares, mas hoje percebo as nuances das ocupações que cada um possui. Um tem a quadra, uma bem pequenininha, outros ficam de frente para as barraquinhas da rua, os gradis mudam. Cada bloco é cheio de detalhes que o convívio permite enxergar.

Cheguei um pouco molhada da chuva, dia de chuva geralmente faz tudo ficar atrapalhado, o pé molhado, o cabelo bagunçado e o guarda-chuva pingando. Dona Vera estava sentada em sua cadeira na portaria do Bloco 06 recebendo os pagamentos dos condôminos, sento em uma cadeira que está posta junto à dela, sobre esst cadeira uma bolsa e uma fatia generosa de melância. Dona Vera tira a bolsa e a melância da cadeira e coloca no sofá que fica à nossa frente. Água, guaraná, uva, melancia. Ela explica que sempre traz o lanche para as crianças, Dona Vera busca algumas crianças na escola dos Santos Anjos e o lanche na portaria é para quando eles chegarem, já estava quase na hora, então decidimos jogar uma conversa à toa antes de dar a hora dela buscar os meninos.

Eu fico sentada na portaria enquanto Vera vai buscar as crianças, nesse curto período de tempo algumas pessoas entram e saem do bloco, algumas perguntam sobre a correspondência ou se fulano ou ciclano passou por ali. No dia 03.11 eu estava na frente daquela mesma porta que neste momento olho de dentro. Esperando novamente. Verinha chegou rápido, como era o horário da saída da escola, a rua foi se enchendo e a portaria também. Vera abre a bolsa oferece os lanches para os meninos que de início não se interessam, ela insiste, me diz que geralmente eles aceitam. Algumas crianças sobem para suas casas, outras ficam no sofá. O sobrinho-neto de Vera estava lá também e ajuda com as crianças menores, Vera pede para que ele pegue seu óculos em casa, pois ela havia esquecido, ele não parece interessado e o óculos fica lá no sexto andar. Começamos a falar da dificuldade de subir as escadas e da quantidade de idosos que tem no conjunto.

Vera é solícita e atenta a tudo e a todos que chegam. Olha as crianças para ajudar os vizinhos, guarda a mochila de quem vai logo ali e já volta. Vera me lembra a potência da mulher no mundo, mulher gestora de vidas. Ela me conta de ter criado seus dois netos gêmeos após o falecimento de sua filha, além do outro filho, criou os meninos e como

disse - “criei igualzinho, mas os dois são muito diferentes”, Vera cuidava dos seus meninos, hoje cuida dos meninos dos outros que acabaram sendo seus também.

Ela diz que “não dá pra parar de trabalhar, trabalhei a vida inteira”. Dois empregos ao mesmo tempo, duas crianças em casa, nenhuma menção a marido ou companheiro. Vera é o poder da centralidade feminina no lar, da força. Um dos seus netos é doutor em história, 29 anos, livro publicado. Seu outro neto está na prisão, não terminou o ensino médio. Vera conta com um olhar ligeiramente tristonho, mas preciso. Olhar de quem fez além do que podia e que diz “só deus sabe dessas coisas”.

Nossa conversa era atravessada pelas outros diálogos de quem passava por ali. Vera sabia nome e apartamento de todo mundo. Contava de seu tempo na favela e da sua chegada na Cruzada. Com o incêndio na Praia do Pinto, os moradores foram para alojamentos - a Cruzadinha - que eram habitados pelos trabalhadores da obra. Ela veio para Cruzada aos 12 anos viu o conjunto receber muros e grades, viu o Shopping ocupar a Pedra do Baiano, viu o Tivoli Park fechar.

Imagens de uma Cruzada e de um bairro em transformação.

O processo de seleção feito para a escolha das famílias que saíram da Praia do Pinto para a Cruzada era bem seletivo, Simões (2010) relata esse processo cuidadosamente em seu trabalho. Vera conta brevemente, mas demonstrando quão rígido era. Depois de selecionada, as famílias realocadas deveriam participar de reuniões semanais que explicavam como limpar os apartamentos, quais condutas seriam ou não aceitas, para ter o direito a morar na Cruzada os pais deveriam ser casados e caso a filha engravidasse, ela perderia o direito a morar no conjunto. Vera me conta que viu muita famílias serem despejadas dos apartamentos por “má conduta”. Sinto uma voz saudosista do tempo em que era tudo “arrumado”, dos corredores vazios sem as roupas no varal, sem os camelôs pelas ruas e sem droga circulando. Vera acredita que “se a irmã Eny ‘tivesse’ aqui hoje, não teria mais ninguém aqui”. Irmã Eny era quem administrava a Cruzada de uma maneira que Vera compara a um “regime militar”. Como os moradores só conseguiram a escritura dos apartamentos no governo de Leonel Brizola, a falta de autonomia sobre a moradia fazia com que os habitantantes da Cruzada estivessem à mercê de um contrato feito entre eles e a Igreja estipulando as regras para a permanência nos apartamentos que eram vistoriados pelas freiras semanalmente.

Segundo Dona Vera, as famílias selecionadas recebiam os apartamentos de acordo com seu tamanho, as famílias maiores que tinham por volta de 5 / 6 filhos ficariam com os apartamentos de 2 quartos dos blocos 8, 9 e 10. As famílias com 3 e 4 filhos com os apartamentos de 1 quarto dos blocos 4, 5, 6 e 7 e as famílias com 1 ou 2 filhos nas quitinetes dos blocos 1, 2 e 3.

Dona Vera veio para Cruzada com seus pais e irmãos, a família tinha total de 4 filhos, o pai de Dona Vera morreu ainda na “Cruzadinha”. Pergunto como eles se organizavam para dormir, ela responde que não tinha problema nenhum e além da família sempre recebiam os amigos do trabalho da mãe que vinham passear pela Zona Sul, até hoje a casa de Dona Vera tem espaço para os amigos, atualmente, para

os colegas de deu neto. “Sempre cabe mais um” é o que me responde.

A gratidão de dona Vera por D. Hélder é algo muito visível. Pergunto quando a Cruzada deixou de ser administrada pela Igreja e ela diz que foi depois que “mandaram embora daqui (o Dom Hélder). Começou a fazer coisa pra pobre né?! É comunista”. Após isso, irmã Eny também veio a falecer e a Cruzada foi perdendo a administração dos religiosos.

Vera canta para mim a marchinha “Obrigado, reverendo” escrita por Luiz Antônio e gravada por Heleninha Costa à época da construção da Cruzada:

Obrigado, reverendo Deus lá no céu está vendo A nossa gratidão Acabou meu sofrimento Você fez apartamento Em lugar de barracão E a favela diz bem alto Quem traz o morro para o asfalto Tem o nosso coração. Ai, ai, só vendo o reverendo, Só vendo quanta alegria. Ai, ai, só vendo o reverendo Só vendo o olhar de Maria.

Ficamos por mais de duas horas conversando. Pergunto qual a sua relação e a da Cruzada com o bairro, ela diz que não tem o que reclamar e que “cada é cada um”, ainda que digam no noticiário que “a Cruzada é o câncer do Leblon” dona Vera não demonstra insatisfação com a vizinhança, mas aponta que “a Cruzada poderia ser um condomínio espetacular, se os próprios moradores ajudassem”. Reconhecendo os problemas existentes na comunidade.

Neste tempo que ficamos juntas ganhamos uma intimidade especial, contamos de nossas famílias, dividimos receitas, falamos das escolas de samba que haviam na Cruzada e na Favela da Praia do Pinto, dos desfiles que Dona Vera participou, de seu aniversário que é tão próximo ao Carnaval. Ao fim do dia dona Vera estava oferecendo a sacola de pipoca que o pipoqueiro lhe dera, ofereceu para todos que passavam. Uma de suas amiga se sentou no sofá à nossa frente e demonstrou ir embora já que dona Vera estava ocupada, e fomos acabando assim, nos despedindo, pedi para tirar uma foto dela, ela bem prontamente faz a “pose do Gabigol”, nos abraçamos algumas vezes antes que eu fosse embora. Saí com sorriso leve e tendo a consciência de que havia acabado de conhecer uma das mulheres que mais vou admirar nessa vida.

considerações finais

Tive muitas dúvidas sobre a relevância desta abordagem para a conclusão de um Curso de Arquitetura. Mas, observo que ao fim deste trabalho-processo descobri uma outra forma de ver a cidade e aprendi a não reduzir as questões que se colocam em um território por conta do desejo de responder à elas. É preciso encarar a complexidade das cidades em que vivemos.

Acredito que nosso grande desafio seja encontrar as brechas, refletir, ser menos autoritário e mais solidário com quem realmente vive a cidade. Pensar um pouco (ou muito) e responder menos. Ter menos certezas e mais dúvidas. E, sobretudo, ouvir. O primeiro passo que podemos dar enquanto quem se diz produzir cidade é vivê-la, encontrar as pessoas, estar nos lugares, refletir e sonhar junto.

Durante esses anos de curso, fiquei incrivelmente mais tempo no computador desenhando, do que nos lugares em que procurava projetar. Eu só consegui entender as relações tão tensionadas e delicadas que envolvem a Cruzada porque estive lá. Todavia, ter vivido por mais tempo no lugar que investigava não necessariamente me habilita a fazer um projeto que vá dá conta de responder às suas necessidades. Nem todas as questões (talvez a minoria, na verdade) das nossas cidades podem ser resolvidas através da arquitetura. Penso que devemos nos expurgar do arquiteto moderno e controlador que está arraigado em nossa formação e cultura para entender um outro caminho possível, mais colaborativo e especialmente humano. Por fim, espero que este trabalho abra uma brecha para pensarmos mais sobre esta outra cidade, sua história e sobrevivência ao longo do tempo.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Dados obtidos pelo Sistema Morei, do Instituto Pereira Passos. A amostragem dos prédios da Cruzada refere-se aos setores 110144, 110145, 110147 e 110148 do bairro do Leblon, citados por SIMÕES: 2010: 17.

2- Agradeço a contribuição de Daniel Milagres, pesquisador integrante da minha banca que me ajudou grandemente com as referências bibliográficas sobre o tema.

3- VALLADARES, L. P. A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2005.

4- VALLADARES, L. P. A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2005, p. 76.

5- Estatutos da Fundação, citados por Valladares, 2005:76.

6- Discurso de Dom Hélder Câmara na Praça Antero de Quental, Leblon em 31 de outubro de 1955, Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/cruzadasao-sebastiao-da-remocao-da-favela-na-lagoa-especulacaoimobiliaria-19067568

7- PINHEIRO, I. e RABHA, N. Lagoa Rodrigo de Freitas um bairro nascido das águas in PINHEIRO, I. e PINHEIRO, E. Lagoa, Rio de Janeiro, Andrea Jakobsson Estúdio Editorial Ltda, 2012, p. 176.

8- NOGUEIRA, Italo. Shopping de luxo no Leblon dá “banho de loja” em conjunto popular. Folha de São Paulo. São Paulo, 07 de dezembro de 2006.

BIBLIOGRAFIA

BRUM, M. Memórias da remoção: o incêndio da Praia do Pinto e a ‘culpa’ do governo. PPGH-UFF. 2012.

DIDI-HUBERMAN, G. Imagens Apesar de Tudo, Lisboa, KKYM, 2012.

________________ Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista Do Programa De Pós-Graduação Em Artes Da EBA/UFMG, 2(4), 206-219. Recuperado de https://www. eba.ufmg.br/revistapos/index.php/pos/article/view/60, 2012.

________________ Quando as imagens tomam posição: O olho da História - Volume I, Lisboa, Editora UFMG, 2017.

JACOB, A. Praia do Pinto acaba e deixa Ipanema que ajudou a construir. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 11 mai. 1969.

LEMOS, B., RIBAS, C., (Org.) Pedregulho: Residência Artística do Minhocão. Rio de Janeiro, Instituto Cidades Criativas / ICC, 2010.

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NJERI, A. e RIBEIRO, K. Mulherismo Africana: práticas na diáspora brasileira in Currículo sem Fronteiras, v. 19, n. 2, p. 595-608, maio/ago. 2019

NOGUEIRA, I.. Shopping de luxo no Leblon dá “banho de loja” em conjunto popular.Folha de São Paulo. São Paulo, 07 de dezembro de 2006.

SIMÕES, S. S. Cruzada São Sebastião do Leblon: Uma

etnografia da moradia e do cotidiano dos habitantes de um conjunto habitacional na Zona Sul do Rio de Janeiro.

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PINHEIRO, I. e RABHA, N. Lagoa Rodrigo de Freitas um bairro nascido das águas in PINHEIRO, I. e PINHEIRO, E. Lagoa. Rio de Janeiro, Andrea Jakobsson Estúdio Editorial Ltda, 2012.

VALLADARES, L. P. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.

VALLADARES, L. P. A invenção da favela: Do mito de origem a favela.com, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.

AGRADECIMENTOS

A Wagner, Jow, Vera Lúcia, Jeferson, Kelvin, Caique, Vitória, JP, João e toda comunidade da Cruzada que me acolheu e compartilhou comigo suas histórias e sorrisos.

A minha orientadora Flaviana Raynaud que com toda sua sensibilidade me ajudou a pensar e desenvolver esta pesquisa.

A Daniel Milagres que, além de integrar minha banca, contribui lindamente neste processo desde o início.

A artista visual Luiza Baldan que além de ser inspiração tanto pela fala, quanto pelo trabalho, aceitou o convite para fazer parte de minha banca.

Ao professor Michel Masson que sempre esteve disposto a contribuir com este trabalho com um olhar atento e preciso.

A Beatrice, Thaissa, Christine, Michelle, Nathália e Eduarda pela troca intensa ao longo deste ano.

A Marlene, Luany, Rosi e Alexandre que sonharam esse momento comigo e acompanharam essa luta.

A Philipe, Flora, Dario e Kátia pela paciência, acolhimento e generosidade sem tamanho.

A Milena, parceira de curso que virou irmã e a sua família pelo acolhimento e carinho únicos.

A Paula que sempre esteve disposta a ajudar no que fosse preciso.

A toda comunidade Puc-Rio e a todas e todos aqueles que constribuíram de alguma forma para que este trabalho pudesse acontecer.

Obrigada.

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