Baleação em São Miguel

Page 8

CorreiodNorte

08

2.ª Quinzena de Maio de 2008

EDIÇÃO ESPECIAL TESTEMUNHO

“Milagrosamente estou vivo”

João Luís Mariano, baleeiro, caiu no decurso de uma perseguição e o seu braço esquerdo partiu-se em três partes. A 28 de Julho de 1965, perdeu o companheiro Agostinho Serrilha, que mergulhou nas águas para nunca mais aparecer. A baleia também levou o ti Henrique Rabeiro, enrolado na linha. Apesar das lesões, das mortes e do baixo salário, é com enorme emoção que João Luís Mariano nos relata como era o seu dia-a-dia na caça à baleia POR CARMEN COSTA correionorte@yahoo.com.br

Correio do Norte - João Luís Mariano, foi baleeiro durante vários anos, uma actividade que recorda com emoção. O que fazia a bordo? João Luís Mariano - O meu pai foi oficial da baleia e eu um polivalente: fui remador, arpoador e maquinista da famosa lancha “Vedeta”. Comecei com dezasseis anos. Cada bote levava sete homens: seis remadores, um dos quais arpoador, e o oficial, que dava as ordens. O oficial era o único que ia com a cara para a frente, pois os restantes iam a remar. Estive na caça à baleia de 1959 a 1965, altura em que fui para a tropa. Quando regressei da tropa, a actividade tinha cessado e fui trabalhar, como motorista, com o senhor Luciano do Rego. Entretanto, em 1970, a Sociedade Corretora comprou as Armações Baleeiras e a actividade renasceu. Nem pensei duas vezes: deixei o Luciano e voltei para a baleia, onde trabalhei até 74, data em que a caça à baleia na ilha de São Miguel terminou. Parte da minha infância foi passada na Terceira porque o meu pai também foi oficial da companhia de Cristóvão Mota Soares, natural das Capelas, que operava nas ilhas Terceira e Graciosa. Depois ele voltou para São Miguel e, em 1973, foi para a Graciosa balear com o meu tio Manuel. Fui fazer-lhe uma visita, em 74 ou 75, e matamos uma baleia grande e duas de cardume, no mesmo dia. CN Era uma actividade rentável? JLM - Apenas a União das Armações Baleeiras, do Dr. Pedro Cymbron, tinha baleeiros assalariados. Tínhamos o nosso salário mensal e, no fim do ano, os lucros eram divididos pelos baleeiros: chamávamos a fortuna.

Carmen Costa

“Por muitos anos que o baleeiro tenha de actividade e por muito esperto que

seja cada baleia tem a sua maneira de morrer: algumas levam com o arpão e ficam em cima da água num tremor; outras enrolam-se à linha com o rabo no ar; outras vão pelo mar fora que parecem um torpedo. “ Nessa altura, pagavase as dívidas das lojas, ao senhor Guilherme e ao senhor Fernando. Nas outras ilhas, era à soldada, ao quinhão. CN - Em escudos, o que ganhava? JLM - Um oficial ganhava 110 escudos mensais, tal como os maquinistas, trancadores, mestres e vigias. O remador ganhava 70 escudos mensais. No fim do ano, recebíamos cerca de 2 contos. CN - Era possível viver apenas da caça à baleia? JLM - Não. Todo o baleeiro ia para o mar à noite e

trabalhava na terra. O morro das Capelas era dividido em quartas e meias quartas. Quando não tinha baleia, a gente estava na terra a trabalhar no forno da cal, ou no campo, nomeadamente nas vinhas. Quando aparecia a baleia, ia toda a gente para o porto. CN - Como é que o vigia anunciava aos baleeiros a presença de baleias? JLM - Com um bombão. Quando apareciam baleias, íamos na corrida pelo porto abaixo. Seguíamos o rumo que o

vigia dava, via rádio: mais para a direita, mais para a esquerda. Quando a gente chegava lá fora e via a baleia, não precisava de ajuda. CN - Como é que se caça um cachalote? JLM - Por muitos anos que o baleeiro tenha de actividade e por muito esperto que seja cada baleia tem a sua maneira de morrer: algumas levam com o arpão e ficam em cima da água num tremor; outras enrolam-se à linha com o rabo no ar; outras vão pelo mar fora que parecem um torpedo. CN - A luta com o animal pode levar quanto tempo?

JLM - Meia hora, uma hora, cinco horas, depende. CN - Era frequente perdê-los? JLM - Às vezes rebentava a linha e iam embora. Lembro uma vez em que se arpoou uma baleia de manhã, ela foi retrancada e à noite tivemos de cortar a linha para ela se ir embora. Estivemos ali como escravos todo o dia e acabamos por desistir. CN Era uma actividade de sentimentos extremos… JLM - Muitas vezes, viemos para terra esmorecidos. Lembro-me que quando


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.