Livro Fantastica

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3. Conto do Leon Neves: Névoas de Sonho à Sombra Nome do conto inspirado pelo “Mínimo de Sugestão”, como quis Henry James, obtido por um fragmento do inteligentíssimo conto detetivesco “Arquivo nº6: Além das sombras” de Joe Gore.

N

ão pretendo tecer toda a história e toda transformação a que fui vítima, senão um proposital

breve relato do que me aconteceu; sem falar no fato de que tive de me acostumar a esta metamorfose biológica, reaprender a escrever com a mão que ainda não se transformou de todo. Acho que não me acostumei a este novo corpo – venho pensando em suicídio faz um bom tempo. Meus dedos, os que completaram esta mutação vagarosa e dolorida, transformaram-se em uma espécie de tentáculo ou membro cuja extremidade é uma ponta viscosa e, parece-me, dona de vida própria. Minhas pernas, duas hastes compridas e membranosas com pelos na sola; meu peito repleto de fungos. Meu coração, um tabernáculo de sei qual aberração. Disse vagaroso, mas esta transformação deu-se com certa e espantosa velocidade – se analisado a partir do fato de tê-la percebido há pouco mais de um mês. Recordo (motivo provável de minha doença) que o Exército andou em polvorosa cá no Brasil há cinco meses, aproximadamente; a mídia fez questão de abafar, mas o caso é que, descobri por internet, perdeu-se o controle de um vírus estudado nos laboratórios da ByBrasil. Houve apenas um prejudicado nesta manobra atabalhoada. Naquela noite do dia cinco a neblina forrou minhas propriedades e pareceu invadir, irradiar por entre as paredes uma fumaça inodora que só aos poucos foi engrossando. O ar, apesar disso, não ficou pesado – pelo menos não me pareceu difícil de respirar. Não obstante a estranheza daquela repentina neblina, por não ter ideia quanto a origem daquela bruma tudo me pareceu normal. Por um tempo, tão-somente. Quando, motivado apenas por curiosidade, olhei para fora, vi no lugar da luz da lua uma brancura que não se explica; acho que algo me fez ir até a janela, não sei. Observei pelo vidro que a intensidade daquele fenômeno aumentava de acordo com o passar dos minutos (lá se ia a aparente normalidade). Achei ter visto movimentos estranhos, furtivos, mas naquele momento senti meus olhos pesados, enevoados; caí num torpor cujo sono fora, creio, embalado por mãos inumanas – sei disso porque a última imagem que carrego, uma efígie apenas, foi de mãos ou garras me encostando, voluptuosas. Na manhã do dia seguinte (adormeci ali mesmo, na sala) vi em derredor de minha casa pegadas desproporcionais – pés ou patas dir-se-iam gigantes circundavam-na, displicentes. O próprio dia amanhecera carregando consigo uma luz avermelhada que não se esquece, irritando os olhos de quem vê. Descobri posteriormente que o Exército Brasileiro estava envolvido até o talo com um projeto secreto cujo nome e cuja abominação não sai mais de minha mente. Névoas de sonho. Para piorar descobri, através de minhas pesquisas – não houve nenhum relato no país que se referisse direta ou indiretamente ao fenômeno; que apenas minhas propriedades foram infectadas; malditos aviões. Meu corpo dói. Mas esta dor foi sobrepujada pelo horror em que estou sendo transformado. É minha intenção não deixar terminar esta metamorfose biológica, assim como cessar meu relato. Recuso-me a falar mais sobre; é por demais aviltante esta minha situação. No que estou me transformando e no que serei mais adiante: é por demais contra meus princípios. E aguentar não sei se vale a pena. Estou decidido a acabar com tudo isso.

FIM

Revista Fantástica – Primeira Edição – Metamorfose

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