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Artigo

A ECONOMIA COMO FATOR DECISIVO PARA A QUEDA DO GOVERNO DE SALVADOR ALLENDE Por Bernardo Farias Lima

RESUMO: Este artigo busca compreender, a partir da perspectiva econômica, o golpe no governo da “via pacifica para socialismo”, de Allende e da Unidade Popular. Golpe esse respaldado e patrocinado pelo governo norte-americano, através do financiamento de greves e locautes do empresariado nacional, entender a participação das multinacionais e da oposição política. Palavras Chaves: Allende; Socialismo; Golpe; Economia; EUA; Cobre.

Introdução

E

m 1964, ano marcante na história brasileira por se tratar do ano do golpe civil-militar que desembocou em uma ditadura cuja duração teve 21 anos, os Estados Unidos tomavam as rédeas de ações que tinham por objetivo impedir a vitória de Salvador Allende à presidência da república no Chile. Allende, marxista declarado do PS chileno, buscava chegar pela terceira vez ao poder e mudar o regime capitalista através da “via pacifica para o socialismo”, inédito na história do socialismo, era candidato da FRAP (Frente de Acción Popular), um grupo formado pelo Partido Socialista, Partido Comunista e partidos menores. Acabou derrotado pelo can-

didato da Democracia Cristã, Eduardo Frei, contudo deixou um alerta aos Estados Unidos que desde então se preocupava com a possível eleição de um marxista declarado, cujo objetivo era o socialismo e não apenas a social democracia sem a mudança do status quo. O interesse dos Estados Unidos no Chile se devia ao principal produto exportado pelo país: o cobre, cujo país andino era responsável por 80% da produção no mercado mundial e os principais responsáveis por essas produções eram empresas americanas que representavam cerca de 75% da exportação total do país.1 KEVINSON E DE ONÍS, 1972 apud BANDEIRA, 2008, p.99. 1

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Salvador Allende em comício

Durante seu governo, Eduardo Frei, para acalmar os ânimos, tanto de chilenos que cobravam a nacionalização do cobre quanto dos investidores estrangeiros, resolve realizar o que denominou de “chilenização do cobre”. Por meio da companhia estatal Corporação Nacional do Cobre do Chile o governo começou a adquirir ações de empresas produtoras do Cobre, O governo de Frei, segundo Moniz Bandeira “comprou por US$ 80 milhões 51% de participação na Kennecot na sua subsidiaria Braden Copper” também “comprou 25% da Anaconda”.2 Na prática essa chilenização não se mostrou benéfica para o Chile e sim para as companhias que continuavam a exportar e produzir e tinham seus lucros maiores a cada ano. As políticas econômicas tomadas por Frei ao 2

Ibid., p.110

contrário de diminuir a dependência estrangeira fez a mesma aumentar, no fim de seu mandato cerca de 100 empresas estrangeiras faziam investimentos no Chile.3 Dessa forma o capital estrangeiro se tornou mais presente no mercado chileno. Com o fracasso econômico, a dependência de capital estrangeiro, a alta inflação e o crescimento da dívida externa o governo Frei abriu margem para o crescimento e chegada ao poder da UP (Unidade Popular) que tinha como seu candidato, pela quarta vez, Salvador Allende. Em 1970 o governo da “via pacífica para o socialismo” triunfara e obtivera 36%, dependendo assim do parlamento para aprovar e aceitar o novo governo, já que não chegara à maioria absoluta. A partir desse momento, em que a dúvida pairava, sobre a 3

LOVEMAN, Brian, 2001 apud BANDEIRA, 2008, p.119.

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GNARUS - 79 aclamação ou não do nome de Allende à presidência, surge o terror econômico causado pelos Estados Unidos que busco nesse artigo elucidar.

A queda de Allende causada pelo deterioramento econômico. A vitória de Allende anunciava de maneira “privada” as intensificações das ações do governo americano para desestabilizar a administração que ainda nem começara. O terror econômico causado pelos EUA e pelos adversários internos de Allende causou uma corrida aos bancos, um candidato socialista cuja tendência econômica se opunha às tendências de potências capitalistas causou pânico no mercado. O ministro da Fazenda e Economia de Frei foi um dos responsáveis pelo pânico causado, indo à televisão anunciar o “retrocesso” econômico que a eleição de Allende causaria.4 A situação de terror financeiro que preocupava as classes média e alta estava formada. A campanha inicial da CIA funcionou, segundo Bandeira, “a bolsa de valores caiu 60%. A bolsa de comércio não abriu suas portas, os valores em escudo de propriedades e casas caíram. Passagens para países da América e da Europa esgotaram-se”.5 Contudo, Allende conseguiu contornar a situação obrigando Frei a criar uma série de medidas que freassem o problema criado pelas ações do governo americano. Após o fracasso dessas ações iniciais o presidente americano, Richard Nixon e o assessor de segurança de Segurança Nacional,

Henry Kissinger, através do Comitê 40,6 concordam que deviam intervir no Chile, no dia 16 de setembro, através do projeto FUBELT, esse projeto consistia em planos que tinham como objetivo criar a desordem econômica que culminasse em um golpe de estado desferido pelas forças armadas. As ações seriam realizadas através de duas “Tracks” e contavam com a participação de empresas multinacionais como a ITT. As tracks foram dividas em duas, a primeira era a “Track One” dirigida pelo embaixador dos Estados Unidos no Chile, Edward Korry. Essa buscava impedir a chegada de Allende ao poder de forma “constitucional” realizando “operações políticas, econômicas e de propaganda, que visavam induzir opositores de Allende a impedir sua ascensão ao poder por métodos políticos”.7 Ou seja, queria impedir através do parlamento, que decidia se Allende assumiria ou não tendo em vista a não obtenção de maioria absoluta de votos, a chegada do socialista ao poder. Já a “Track Two” era dirigida pela própria CIA, essa tinha por objetivo o golpe militar (e civil já que havia participação do empresariado). A Track One tinha como objetivo o retorno de Frei ao governo e contava com a sua conivência para um “golpe”, pois este representava melhor os interesses americanos, através de manobras. Dessa forma a CIA influenciou jornais para assim mostrar que o Chile estava no caminho do caos econômico.8 O objetivo da Track One segundo Bandeira, foi o de

O Comitê 40 servia para a realização de ações encobertas cujo objetivo era interferir na política interna de alguns países, como foi o caso do chile. Kissinger era o presidente do comitê. 6

4

Ibid., p. 163

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VERDUGO, 2003, p. 45

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Ibid., p.164

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Ibid., p. 46

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“alarmar a população e o meio empresarial, demonstrando a reação que a eleição de Allende provocaria no estrangeiro e as graves consequências para a economia do chile, de forma a provocar um pânico financeiro, um crash, a instabilidade política, forçando os militares a intervirem para impedir a investidura de Allende na presidência do Chile. O 40 Committee decidiu determinar que os organismos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, cortassem todos os créditos e pressionar as empresas americanas e de outros países no sentido de que reduzissem seus investimentos no Chile”.9

Essas operações, porém, fracassaram momentaneamente e não atingem o objetivo esperado: impedir a chegada de Allende ao poder. E o socialista através de acordos com a DC teve a eleição referendada pelo parlamento em 4 de novembro 1970, mas nem por isso as ações encobertas cessaram, o terrorismo econômico continuava e o governo socialista herdara todos os problemas econômicos do governo anterior, como uma alta dívida externa (em torno de US$ 4 bilhões sendo essa mais da metade adquirida dos EUA),10 dependência estrangeira afinal como foi dito anteriormente ao contrário do que pretendia o governo Frei acabara incentivando o investimento de capital estrangeiro, sobretudo americano, no Chile. Após apenas 5 dias de governo socialista, os EUA preparam outras intervenções econômicas a fim de arruinar a administração que mal começara. Em um memorando, Henry Kissinger trata das “políticas para o Chile”. Tal documento discute posições políticas que pudessem suscitar um fracasso e justificar uma intervenção militar no governo da Unidade Popular. Dentre os tópicos abordados estão questões econômicas como a influência sobre instituições financeiras internacionais impedido assim qualquer ajuda ao Chile, e de que “o 9

BANDEIRA, 2008, p.169.

10

Idem, p.188.

presidente decidiu que o diretor de Preparação de Emergências fará estudo acerca das possíveis condutas do mercado do cobre, os estoques disponíveis e outros fatores que possam afetar o mercado de cobre do Chile”.11 Com as expropriações o governo Allende irritou mais ainda as multinacionais e o governo americano, ainda mais pelo fato de Allende não querer pagar indenização pela nacionalização do cobre chileno, justificando que as empresas americanas tinham lucrado excessivamente com a mineração do cobre ao acumular lucros acima da média do mercado internacional.12 Apesar de ser uma decisão que estava dentro de leis estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, as empresas e os EUA reclamaram a falta de indenização e então intensificaram a campanha contra o governo da Unidade Popular. O governo americano, a partir de instituições financeiras internacionais das quais passou a fazer parte, estabeleceu medidas que privassem à países que fizessem expropriações e nacionalizações sem pagamento de indenizações, empréstimos. Agindo assim para arruinar a economia chilena. No primeiro ano de governo, Allende conseguiu contornar a crise financeira gestada por seus opositores e pelo governo americano: No primeiro ano de governo, o desemprego baixou 4%, o Produto Interno Bruto cresceu 8,5% e – mais importante – melhorou a distribuição de renda. Quer dizer, os trabalhadores aumentaram em 51% a 63%, a sua participação na renda nacional. Traduziu-se no aumento do apoio eleitoral da Unidade Popular. Obteve 50,2% dos votos nas eleições municipais de 1971.13

11

VERDUGO, 2003, p. 70

12

SADER, 1992. p. 45.

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VERDUGO, 2003, p. 79

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GNARUS - 81 Assim concluía-se o primeiro ano do governo socialista de Allende. Todavia, diante de tal sucesso as políticas estadunidenses de boicote econômico em relação ao Chile recrudesceram, a oposição, aliada aos americanos, também intensificou as suas ações a fim de desestabilizar o governo da Unidade Popular. Os empresários chilenos viram seus privilégios e riquezas ameaçados e resolveram agir para a derrocada do governo socialista. Organizaram-se através de movimentos do empresariado como a Sociedade de Fomento Fabril (SOFOFA). A partir daí entraram em contato com empresários brasileiros que apoiavam a ditadura civil-militar no Brasil e para derrubar Allende eles deviam “criar o caos econômico e político, fomentar o descontentamento e aprofundar o medo do comunismo entre os empregados e empregadores, bloquear os esforços legislativos de esquerda, organizar manifestações e concentrações, e mesmo atos de terrorismo, se necessário.”14 Entrementes, os empresários também reagiram através da queda no grau das produções, fazendo com que diminuíssem, gerando assim um déficit na produção de bens, o que não atendeu às demandas. Produtos de primeira necessidade (alimentícios principalmente) começaram a sumir e reaparecer no mercado negro onde chegavam a preços exorbitantes. Criaram-se então órgãos de fiscalização, tais órgãos encontravam por vezes sacas de alimentos em depósitos e através das JAP (Juntas de Abastecimento e Preços) distribuíam às camadas mais pobres da população. Em 1972 os conflitos, ao passo que as dificuldades econômicas se tornavam mais agudas, aguçaram-se os conflitos de classes. Os anseios do governo americano, da oposição e 14 BANDEIRA, 2008, p. 287.

da ala militarista que apoiavam um golpe civilmilitar estavam sendo atendidas. Criava-se assim, aos poucos, um ambiente de tensão que pudesse justificar um golpe civil-militar. A CIA financiara também os donos de transportes, cuja greve dos caminhões foi de extrema importância para o desgaste econômico no Chile, Orlando Sáenz, presidente da SOFOFA comentou sobre tais pagamentos: “Depositava-se, em dólares, em cinco contas que tínhamos na Europa, Estados Unidos e América Latina. Dinheiro da CIA? Da ITT ou de outras empresas multinacionais? Esse não era nosso problema. Só sabíamos que era preciso dispor de muito dinheiro, para criar as condições de um golpe militar”.15 Tendo em vista os diversos problemas econômicos existentes no governo de Allende os militares conspiracionistas começaram a movimentar-se, segundo o embaixador brasileiro no Chile, Câmara Canto. Devido aos problemas econômicos os militares “teriam chegado à conclusão de que, à vista da atual situação econômica, social e política do país, as Forças Armadas deveriam tomar uma atitude, a fim de evitar a dêbácle total da nação”.16 Dessa forma a conspiração suscitada pelos atores já conhecidos ganha seus contornos. Segundo Moniz Bandeira, os conflitos sociais entre as classes refletiam-se na economia chilena, impedindo assim que qualquer medida econômica tomada pelo governo diminuísse tais problemas. A CIA e seus subordinados tinha total conhecimento acerca disso. Allende também tinha plena consciência disso e sabia que a responsabilidade se devia ao bloqueio “virtual” que sofria por parte de instituições internacionais de créditos.17 15

VERDUGO, 2003, p. 80.

16

BANDEIRA, 2008, p. 341.

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Ibid., p.345.

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Trabalhadores chilenos marcham em apoio a Salvador Allende, em 1964

Nesse período, “[...] a taxa de inflação no mês de agosto foi da ordem de 22,7%, contra apenas 12,7%, em 1971, o que elevou o custo de vida, referente aos oito primeiro meses do ano, em 63,5%, afetando principalmente os gêneros alimentícios – verduras, frutas, carnes, aves, peixes, ovos, produtos lácteos, farinha etc.”18

Outro meio encontrando pelos empresários para boicotar a economia do país andino foi o locaute, ou seja, os empregadores não cediam aos trabalhadores seus meios de trabalho, uma forma de manifestação dos empregadores com o objetivo de diminuir ainda mais a produção. O comércio fechava suas portas durante manifestações da oposição, manifestações essas que buscavam animar os ânimos a fim de criar ainda mais um ambiente hostil já existente. E em 13 de setembro de 1972 é denunciado pelo MIR, um plano que contava com membros do Partido Nacional, 18

Ibid., p.346

Democracia Cristã, membros da SOFOFA e do grupo neofascista Patria y Liberdad. “o plano consistia na paralisação do país, por meio de um conflito com a Confederação Nacional de Transporte Terrestre, que cortaria o território nacional em oito partes, acumulando veículos em distintos lugares, o que impediria consequentemente, o abastecimento da população”.19 A crise em 1972, mostrara-se mais evidente, o preço do cobre chileno no mercado mundial diminuíra, houve falta de peças para veículos como caminhões que eram de extrema necessidade dentro do país devido ao transporte de bens, sendo dos estados unidos a origem de maior parte dessas peças. A maquinaria usada nas industrias também necessitava de peças estadunidenses, porém os trabalhadores chilenos conseguiram contornar a situação na indústria criando peças que substituíssem as 19

BANDEIRA, 2008, p. 350.

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GNARUS - 83 norte-americanas. Entrementes, o descontentamento do empresariado dos transportes fez com que o clima se acirrasse ainda mais. Estouraram-se greves em 10 de outubro, greves essas que foram financiadas pelo Comitê 40. O setor de transportes tinha função vital dentro do sistema econômico chileno, afetando assim toda a cadeia produtiva, acabaram-se juntando a eles outros setores. “Cerca de 100% do transporte, 97% do comércio, 80% dos profissionais, 85% das cooperativas camponesas se juntaram à greve, que envolvem entre 6.000 e 7.000 chilenos”.20 Contudo segundo o embaixador Câmara Canto e o próprio Allende, a greve se fez sentir muito mais nos bairros de classe média, já que para a população mais pobre as JAP abria os comércios e distribuía os alimentos, enquanto nos bairros de classe média a especulação crescia devido a procura de produtos, o que fez com que houvesse até mesmo leilões. Foi o preço a ser pago por se juntarem aos grevistas usados pelo governo americano e pela oposição. Esse novo capítulo da crise chilena conseguiu ser driblada a partir da mobilização dos trabalhadores e da conciliação feita entre governo e militares que desistiram de um golpe que estava em andamento. A crise econômica gestada pelo governo americano e suas empresas que impediam praticamente qualquer forma de comércio chileno no mercado internacional do cobre e cujo país o Chile era dependente de produtos, fez com que o Allende pedisse ajuda aos soviéticos em dezembro de 1972, esses porém tinham receio e acreditavam não poder subsidiar outro país latino-americano como fize20

Ibid., KISSINGER, 1982 apud BANDEIRA, 2008. p. 361

ra com Cuba. Allende, porém, conseguiu uma ajuda econômica do país de US$ 100 milhões o que era pouco diante da necessidade. A crise levou o valor das exportações a um nível mais baixo. “[...] da ordem aproximadamente de US$ 1,3 bilhão em 1970, caíra para US$ 1,1 bilhão em 1971 e US$ 956 milhões em 1972. A inflação de cerca de 163,4% em 1972 havia anulado a distribuição de renda ocorrida em 1971 e tornara-se incontrolável, concorrendo para o brutal encarecimento do custo de vida”.21

As eleições de 4 de março de 1973 poderiam deixar ainda mais acirrados os ânimos e o confronto entre executivo e legislativo tornar-se-ia dessa forma mais constante. A burguesia esperava atingir 60% de opositores a fim de derrubar Allende e o enfrentamento entre classes se acentuou, fazendo com que a tensão atingisse o seu ápice até então. A oposição, porém, atingiu 54,70% não atingindo, portanto, o número de representantes esperado. Fazendo com que o legislativo continuasse dificultando a vida do governo, esperando qualquer passo em falso que fizesse com que o governo extrapolasse a constituição para desferir o golpe. O congresso em junho ainda tentou forçar o governo a mudar sua política econômica, ameaçado derrubar todos os ministros da economia do governo Allende. Produções de produtos básicos consumidos no dia-a-dia foram paradas devido a falta de produtos primários, a oposição obviamente responsabilizava o governo a fim de incitar ainda mais os militares para o desfecho do golpe. Um diplomata americano define as perspectivas em relação ao futuro do Chile, dentre elas

21

BANDEIRA, 2008, p. 395.

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GNARUS - 84 “[...]na área econômica e financeira, as previsões eram no sentido de que o país passaria “do péssimo para o desastroso”, devido à premente necessidade de importar combustível e alimentos, bem como acessórios para transportes, comunicações, indústrias, e por não ter os recursos necessários para fazê-lo”.22

A obra da CIA estava em andamento e obtendo sucesso, a economia chilena estava em frangalhos, destruída com uma alta inflação, escassez de alimento e sem perspectiva de melhores, o golpe gestado desde sua eleição estava nos últimos momentos antes do golpe que culminaria na tomada de poder pelos militares. Novamente no dia de 2 de agosto de 1973 os transportadores entram em greve. Mais uma vez a crise foi acentuada pela falta de abastecimento de gêneros alimentícios. “A CIA incrementava o mercado negro de bens e de dólares, financiando os pequenos comerciantes e distribuidores, e as greves, através de um sistema bancário clandestino, criado em fins de 1972, com o objetivo de sustentar suas próprias atividades”.23

Esses movimentos coordenados pela oposição chilena, sobretudo, pela Democracia Cristã, impuseram a Allende a derrota final. Em agosto os militares chilenos já conspiravam pela conclusão do que começara em 1964 através do temor causado pela CIA, sem que Allende tivesse sequer ganho. E em 11 de setembro de 1973, bombardearam o La Moneda, onde Allende, democrata convicto, resistiu até quando pôde e se matara com um fuzil que recebera de presente de Fidel Castro.

22

Ibid., p. 452.

23

SCHESCH e GARRET apud BANDEIRA, 2008, p. 489.

Considerações Finais O governo da Unidade Popular e seu líder, Allende, fizeram os socialistas e comunistas do mundo crerem numa revolução cuja necessidade de violência não se fizesse presente. Não levaram, talvez, em conta as forças internas e externas que poderiam interromper tais anseios, os EUA em seu imperialismo interviu de forma direta e indireta na sociedade chilena nos anos 1960 e 70. Nixon dissera que faria a economia daquele país gritar de dor e o fez. A democracia liberal burguesa, pregada pelos americanos, não permite qualquer forma de pensamento socialista ou comunista que leve um país à quebra do status quo e consequentemente a destruição da economia capitalista deste. Configura-se assim uma forma ditatorial do mercado, cujo os interesses se pautam em lucros e quando ameaçados agem de forma a inibir quaisquer movimentos que interrompam tais ganhos. Essa ditadura existe na dependência de países subdesenvolvidos cuja a industrialização se deu tardiamente e as multinacionais, sobretudo dos EUA, se apropriaram de um mercado interno. O imperialismo que como no caso cubano era constituído através de ações militares até a primeira metade do século XX, dá lugar a um imperialismo que funciona através da dependência financeira afinal o mercado mundial está diretamente ligado ao país norte- americano. A democracia liberal burguesa impõe uma aceitação do mercado de regimes que não mexam com a estrutura econômica do país, se tais regimes nadarem em sentido contrário, eles são destruídos economicamente fazendo com que se percam empregos, com que preços de produtos básicos extrapolem os preços tradicionais, etc, criando assim um detonante pra um golpe.

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GNARUS - 85 Na segunda metade do século XX, em meio à guerra fria, países latino-americanos buscam romper os lanços de dependência com os EUA e demais países, porém a “ditadura” imposta pelo mercado, cujo principal interessado é o governo norte-americano, não permite que isso aconteça. No caso do Chile, o cobre, manejado por multinacionais estadunidenses, tem seu valor reduzido no mercado internacional após a nacionalização, levando assim o país a quebrar. Assim configura-se a ditadura do mercado, uma falsa democracia cujas eleições, por vezes financiada por corporações, tem como claro objetivo a manutenção do mercado capitalista e acumulação de mais capital por parte das empresas. Se a escolha feita pela população é considerada “errada” por essas corporações ou pelo governo norte-americano, como foi o caso do Chile, as intervenções “necessárias” são feitas. Não importa se isso signifique desmantelar um regime eleito democraticamente dentro da legalidade pregada pelo próprio governo americano e instaurar um governo ditatorial com características fascistas.

democrata de democracia burguesa que se guiava de acordo com o mercado, mas que até o ultimo momento defendeu o direito do povo de escolher seu representante, fato é que um dia antes de sua morte e, consequentemente, do golpe convocaria um plebiscito, para decidir a continuidade ou não do seu governo. Bernardo Farias Lima é Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM.

Referências Bibliográficas BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Fórmula para o caos: Ascenção e queda de Salvador Allende (1970-1973). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. HOBSBAWM, Eric. Viva la revolución: A era das utopias na América Latina. São Paulo: Cia das Letras, 2016. SADER, Emir. Cuba, Chile, Nicarágua: Socialismo na América Latina. São Paulo: Atual, 1992 VERDUGO, Patrícia. Como os EUA derrubaram Allende – Chile, 1973. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

Assim como no Leste europeu, o governo americano se aliou a forças neofascistas da América Latina para frear o avanço do socialismo, forças essas que se encontravam dentro das Forças Armadas. Não importava se isso representava o assassinato de milhares de pessoas, os americanos, que tanto se vangloriavam por uma vitória contra forças do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial, se aliou a grupos com ideais semelhantes apenas para manter as amarras com que segurava os países latino-americanos a fim de explorá-los objetivando o crescimento e hegêmonia econômica. Allende era um democrata legitimo, não o

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