Livro de criticas ácidas(revisão final)

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Livro de criticas ácidas/

“Um compendio filosófico sobre a mediocridade”!

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“Porque muitas vezes as pessoas se portam como loucos, se parecem com loucos, às vezes se fazem de loucos e ainda se enganam que pensam que são normais e querem dar conselhos aos outros quando deveriam ficar quietos”. Fernando “Freud” Alarcon.

1º “Cada louco com a sua mania !” Pag 6 2


Baseado em alterados e incoerentes fatos reais! 2º Lá em casa todo mundo é bobo! Só eu que não sou...Mas fo..-..mil vezes! Baseado em disforme e aberrante caso real.Pág 64. 3º Quando o feitiço se vira contra o feiticeiro! Baseado em quase inenarráveis fatos reais Pág 91.

4º “Se o dinheiro não te traz a felicidade... Então me dê o seu e seja feliz...” Baseado em delirantes fatos reais! 5ª “Nos limiares do inferno”. “Quando a ilusão e a realidade se misturam” Baseada em bizarros fatos reais! 6ª “A serpente;o tolo; e a dama no jardim sórdido do mundo”.Baseado em toscos fatos reais! 7ª “Servindo a dois senhores” Baseados em atoleimados e bisonhos fatos reais. Exórdio

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Não perdi meu sobrecarregado tempo de indolência fazendo um delongado prefácio que mais pareceria uma bula de remédio,perdendo- me mil proposições filosóficas sobre a progênie humana e suas convicções religiosas,existenciais,psicológicas e suas implicações na roda de sanssara,já que muitos nem se dariam o trabalho de ler,se é que vão ler isto. Então começo pelas historias,sempre com uma dissertação filosófico-mistica-psicologica-transcedental e tormentosa sobre o assunto a ser abordado e depois começo a historia propriamente dita narrando com minúcias dispensáveis e prolixas todo emaranhado de peripécias dos meus inspiradores. Apesar de existir muito descomedimento da minha parte,o que reconheço sem reservas,alguns amigos leram e me disseram no final o inacreditável:-Você romanceou demais as historias,não tem este glamour todo que descreve... é a vida real e são pessoas reais,que são até piores e mais torpes que isto! Nota do autor: O titulo diz respeito àquelas coisas estranhas que acontecem com a gente e as pessoas dizem:- Isto é normal, acontece com todo mundo! (Ah! As merdas das frases feitas, ideais para o conformismo e resignação!).

*Todos os personagens das historias são reais mesmo e vivem as suas vidas a “torto e a direito”,buscando a felicidade em formulas suspeitas e a fortuna em lances 4


teatrais que por vezes dão mais ou menos certo ou quando parecem dar porque de algum modo o destino resolve sair da preguiça e trabalhar,eles acabam por jogar a chance fora por negligência porque parecem ter se acostumado a serem infelizes e ser feliz é trabalhoso demais sem se aproveitar dos que não são. A um certo excesso para se tornar tudo engraçado,mas as pessoas estão aí... Alguns foram meus patrões,outros amigos,conhecidos e outros parentes,com nomes trocados obviamente já que se trata de uma biografia não autorizada. Também há misturas de pessoas,para formar um único personagem como no caso de “João Ladino”que não era lá má pessoa e muitos outros,exceto “Jodeclilson”que talvez conseguia ser muito pior do que o personagem,mas o porque disto? As vezes várias pessoas se tornaram uma porque cada uma tinha uma característica atípica,eram boas pessoas as vezes,mas que quando iludidas pelo ego exalavam justo esta característica mais abominável e que seria a sua ruína muitas vezes,talvez porque carecessem de orientação que dispensavam por(achar)saberem tudo da vida nos mínimos detalhes...esses seres humanos!.

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Dizem que ter fé é muito bom. Todo mundo tem ou “bota” fé em algo que faz, porém muitas vezes a fé se torna superstição e ai abraça o princípio do espantoso. Quando se tem fé, por vezes ela não é necessariamente em Deus, mas em si mesmo ,podendo ser também uma forma de devoção a uma pessoa ou objeto. A fé muitas vezes transforma-se em esperança, em amadurecimento como certeza, e nos momento de desespero em fanatismo que é o pior dos males,pois turva a mente tirando o poder de percepção e o beneficio da duvida...O que por outro lado deixa de ser fé para alguns,mas com certeza a fé caminha em meio a duvida porque o ser humano necessita de provas para poder acreditar que algo funciona de fato (lembra de São Tomé?). Para a cegueira espiritual a cura pode ser dolorosa,através da decepção e da experiência, então se discerne que a verdadeira fé é aquela paciente,consciente dos limites que fará esta pessoa superar os limites,mudar um passo de cada vez e ai a fé se transforma em confiança! Dna. Zenaide, protagonista desta narrativa existe e pagou por ter fé demais achava que realmente o mundo acabaria naquele vendaval porque queria uma mudança radical de vida. Até mesmo “Jesus, o mestre dos mestres” dizia que surgiriam falsos profetas e, além disso, muitos “loucos” que acreditariam neles...

Uma louca historia baseada em doidos fatos reais! 6


A pequena distância de minha casa havia uma senhora chamada Dna. Zenaide. Ela era realmente digna de observação e de longo estudo sobre a psique humana... Freud teria um prato cheio com ela onde uma encarnação para estudos seria pouco. O mestre da gnose Samael Aun Eor,certamente faria epítomes gigantescos observando o seu procedimento perante a vida... Era daquelas pessoas que nos perguntamos:”Como é possível alguém viver assim?” Para Dna. Zenaide,brigar,discutir e fazer barracos era corriqueiro todos os dias da semana da sua vida e ate preenchia de forma prazerosa o seu ocupado tempo de ócio. Investir contra seu cônjuge(ou seria adversário?!), o atormentado Senhor Deoclésio era seu prazer predileto e hobby ,ela tinha pós-graduação nisto. Ele por sua vez também não deixava por menos e fazia valer seu apelido de “Véio boca dura”,e a insultava de todos os nomes presumíveis e fantasiosos assim como do mesmo modo a mandava tomar em todos orifícios imagináveis e extravagantes ... Juntos, (se pudesse assim se descrever), formavam um compendio findo da mediocridade humana, que já há milênios tem suas prateleiras lotadas com os clássicos do malogro untadas pela providencial e abençoada poeira do esquecimento... Diante deste abatido conjunto melancólico e lastimável,os poucos “amigos de copo” inúmeras vezes perguntavam a 7


Deoclésio:- Não dá pra entender Deoclésio...Porque você casou com ela se a abomina tanto assim e ainda teve cinco filhos? Os amigos,”filósofos de botequim”,também se faziam a mesma questão,mas escutavam,pra ver se tiravam algo bom já que ele não parecia ser lá tão ruim assim como aparentava o seu grau de angustia... Depois de uma longa tragada de cachaça com limão,vulgarmente chamada de”espremida”,Deoclésio dizia: -Foi a perda de um grande amor...Ela era bela como um nascerdo-sol num horizonte escarpado e eu doente por ela,mas a pobreza e o comodismo que sempre foram inerentes a mim não a agradava de forma alguma. Ela casou com um coroa muito rico e foi curtir a vida no exterior num luxuoso iate rasgando o imenso oceano e eu fui para o bar afogar as magoas num copo e rasgando o convite de casamento que ela de sacanagem mandou...E da porta,escondido eu via que ela estava tão bonita vestida de noiva,aquele longo vestido branco quase transparente e os cabelos loiros encaracolados enfeitados com flor de laranjeira...A igreja adornada com flores silvestres que inundavam o ar com a fragrância da primavera e ela com um belo buquê de rosas vermelhas nas mãos...Um soberbo coral de anjos cantava e ela andava como se estivesse sobre nuvens! Ela foi passar a lua de mel em um hotel chique em Mônaco e eu fui para o bar e abracei os dois litros de cachaça como se fossem dois velhos amigos,chorei as magoas com eles,lhes contando toda minha historia e xingando todo o mundo pelo abençoado destino ter me desamparado e porque a vida tinha 8


de ser tão dura com os que não tinham muito a dar...E assim tomei uma carraspana de chamar”urubu de meu louro”. Sai do botequim “turbinado”e amargurado,disposto a fazer a maior loucura inimaginável... Se aparecesse um serviço voluntário de motorista de carro bomba,moto-bomba,ônibusbomba,ciclista-bomba ou até de mensageiro (bomba),que é menos solicitado,provavelmente eu aceitaria para acabar com meu tormento...Mas para minha total inconsciência estava me reservada coisa pior,muito pior... Não pensava que o destino cobraria tão caro pela aquela hora de deslize e hipnotismo insano e sai pela rua a esmo pronto pra cometer uma cagada enorme,que seria o modo de me redimir de tamanho pesar. E então a vi parada no meio fio esperando o ônibus...Não pude crer naquela sorte travestida que se anunciava,o firmamento tinha decido até mim na figura de um anjo brioso...Enxuguei as lagrimas derrocadas e parti para as cabeças afim de abraçar aquele prodígio em feitio de mulher achando que o céu tinha me dado uma compensação! A cachaça combinada a ácido de bateria perverteu de tal jeito minha capacidade de julgamento,que ao vê-la me assombrei e exclamei: - Caracoles duplos!!!... Um clone da Sharon Stone por aqui? Como deu bola fácil, fiquei com ela a noite inteira afogando as magoas e tomando um bom whisky entre uma e outra loucura de amor. E aí amigos ao atravessar da carraspana que durou dias... Amanheci com uma ressaca brutal que parecia desintegrar o fígado e liquefazer os miolos de cefaléia ainda que depois de 9


um vidro de dipirona e meio pé de boldo pilado eu ainda não conseguia divisar onde era o campo de futebol nem quem era o Juiz e muito menos quem era o bandeirinha...Percebi tarde demais que o destino não era tão magnânimo quanto esperava e com grande desilusão acordei do sonho... Estava num cartório assinando as proclamas e pronunciando o “sim” para ela e vendo que não se tratava da ilustre atriz de Hollywood, porém da decorrência de uma embriagues brutal... Triste por ver que a minha vida de casado já tinha começado pela porta do fundo de um banheiro em ruínas com o vaso entupido e que por assim dizer o “azar não anda só e nem de mão vazias” ,assim novamente fui para o botequim e exigi a caninha mais ordinária que houvesse para descomemorar o matrimonio inesperado: “Pinga com cascavel...” O dono do bar perguntou se eu tentava o suicídio,já que nenhuma pessoa ainda havia tido audácia de tomar aquela coisa que estava ali apenas como “curiosidade bizarra”...Mas depois que lhe contei o sucedido,ele encheu o maior copo que tinha e me disse:-Essa é por conta da casa amigo e se quiser mais e não tiver como pagar,penduro no prego mais alto do bar...E assim com tantas asneiras feitas em seqüência ,posso dizer que deste ou desse ou daquele modo me f...Três vezes! Para resumir a novela quando consegui atingir o grau de plena consciência depois de tomar mais umas e outras cada vez que olhava para ela...P...que o pariu,Estava grávida! Aí pensei: ”bom pelo menos é um só, fica fácil de largar e pago pensão”, e fiquei estudando o jeito de fazer isto sem parecer tão desonesto como pegar o

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“busão” para o lugar mais longe que existisse,porque há muito ela caçava uma vitima... Digo; procurava um esposo! Fui para o bar com os amigos de copo celebrar a prematura Paternidade e tomei outra carraspana de “pinga com pimentamalagueta e acido muriático” daquelas para deitar no asfalto em dia de sol abrasador e novamente...Quando vi estava grávida de novo: Gêmeos! Outra vez pensei: - P...que me pariu! Três? Caracoles triplos! Agora passou da minha conta... E os outros dois vocês devem estar se perguntando se foi resultado de outra carraspana? Depois de tomar uma tragada,limpou o beiço com a manga da camisa,acendeu um cigarro mata-rato de ambulante e finalizou o rosário de infelicidade: -Bom...Acho que vieram no vácuo dos outros três porque “já o céu tinha virado inferno e o inferno um mar de merda, aproveitei para tomar outro trago com o Príncipe das Trevas”que por sinal se lamentou bastante da minha situação! (Suspirando)...E assim vou tocando a vida tomando umas e outras para tentar suavizar a malfadada sina que tenho de pagar! -Então quer dizer que todas estas cagadas você fez inconsciente? -É...Mais ou menos...um pouco foi bebedeira e o outro pouco porque estava amargurado! -Quer dizer que se eu te desse uma nota de cem nestas condições, você a faria em mil pedaços? -Lógico que não...Pagaria as “penduradas”e beberia do mesmo modo e em dobro.

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Mas ele tinha lá suas razões para ser assim: Feio,pobre e morava longe, trabalhava em um emprego “sui-generis”: Era leão de chácara da zona e é definitivamente lógico que uma pessoa assim,não passa a noite escutando sonetos de Shakespeare,ou poemas de Camões,muito menos ouvindo música erudita e diminutamente se encontra com pessoas partidárias de erudições lingüísticas ou de altercações filosóficas transcendentes. E quiçá estivesse perto de economistas com postulados publicados em diversos idiomas que controvertessem sobre a moderna conjuntura monetária mundial e sua implicação sobre o “Déficit no fluxo de caixa”. E ainda estava aquém e alem de “degustadores”de finos destilados ou incomensuravelmente distante de “maitres”inventivos e renovadores de iguarias culinárias consagradas. Quando chegava em casa quem o esperava não era nenhuma musa que inspirou as mais belas peças de teatro ou poesias,ou ainda baladas que ficaram na cabeça do povo por delinear de feitio nobre a graça de uma mulher e ainda se pudesse assim dizer do mesmo modo, estava inacreditavelmente distante da paixão que inspirou Cyrano D, Bergerac a ajudar o juvenil e bisonho mancebo a conquistar o coração da sublime Roxane ... Passava a noite inteira escutando pachouchadas dos truanescos embriagados que lá freqüentavam e solviam o vulgar scotch doze anos envelhecido no alambique por doze dias. Separando arranca-rabos e desordem de outros macambúzios fregueses que queriam afogar suas magoas com as “psicólogas 12


de pobre” ou ainda precisavam ser carregados para fora quando acolhiam a associação de “Baco” nas suas camoecas e dali partiam desacordados para o hospital para tomar glicose no vaso sanguíneo... Nos momentos de folga ia tomar um pingado”grátis” no vendedor de cachorro-quente que controvertia sem remate com o pipoqueiro qual político era o mais corrompido ou vigarista e lembrava que pobre não tinha “déficit no fluxo de caixa”,mas sim como se diz no popular:” Vivia de teimoso”! Entre suas ciências belicosas que não necessitavam de postulados em coisa alguma e muito menos necessitava de contraventer pontos de vistas sobre a concepção da progênie humana e sua implicação no karma, poderia se dizer o seguinte: Dava muitas gravatas, “catiripapos”, safanões, piparotes e muita bordoada nos afoitos e lascivos que insistiam em abusar das suas “companheiras de trabalho...” Sem pagar antes. As “cabritas” o tratavam muito bem e o chamavam de “Paizão Deoclésio” e agradeciam enchendo de beijos ou até outros favores como aleatórias e fortuitas trocas de fluidos que não necessitavam de discursos filosóficos, mas apenas de uma boa cama flexível e algumas trocas de afeição. Gostava de tomar uns “bombeirinhos” (cachaça com groselha)ao fim do serviço para deslembrar as consternações da vida e chegava ao alvorecer descendo do busão lotado até a tampa trançando as pernas, fatigado, arrebentado e estressado pronto para cair nos braços de Morpheu... Sua “cara diferença” ao vê-lo já começava a fazer crítica de tudo que era imaginável... Da vida amargosa que parecia se 13


arrastar pela eternidade, das contas pendentes sempre no vermelho, da envelhecida habitação que parecia ruir aos poucos escoradas com caibros, dos filhos que não lhe davam a presente quietação...E para tornar pior para Deoclésio, no dia em que Zenaide veio ao mundo, passou bem longe da fila da beleza, inteligência ou quaisquer outros predicados que a tornassem no mínimo suportável... Pobre Deoclésio que cruz pesada tinha para carregar,seu pai um freqüentador costumas do botequim,filosofo por direito, consecutivamente lhe repetia: -Deoclésio meu filho,cuidados com essas borracheiras e estes dragões que você tenta matar por se crer Dom Quixote de La Mancha ”Atos impensados geram trabalho!” ...Mas como desventura de muitos seres humanos que optam acomodar-se profundamente a todo instante da sua existência praticando coisas sem refletir no resultado ,ele nunca deu ouvidos a “profecia”. Seus filhos eram verdadeiras pestes que mexiam em tudo o tempo todo, apesar de dizerem o tempo todo para não fazerem isto e também brigavam um com o outro o tempo todo que seriam precisos uma tropa de choque armada para separá-los. Faziam tantas “artes”,peraltices e reinavam tanto que uma infame bombinha em suas mãos transformava-se em um artefato nuclear, tamanho o hecatombe de bagunçada que poderiam promover,mesmo que se encontrassem num mosteiro Tibetano sob a tutela do Dalai-Lama. Dna. Zenaide “vendia sua alma ao diabo” para não ficar com eles pelo trabalho desmesurado que eles davam,então sempre 14


os encostava em alguns vizinhos e ia para as reuniões diárias nas diversas igrejólas que pululam aos montes na tentativa de encontrar a sua felicidade. Uma de suas principais vitimas era Dna Iracema,uma mulher muito boa “com jeito de Índia” que sempre aconselhava Zenaide: -Você fala mal do seu esposo o tempo todo,devia ter conhecido o meu que não valia o ar que respirava e que eu boba,sustentei durante anos e aí você daria valor a quem paga suas contas! Por falta de “aço na cara” ou consciência Dna Zenaide dizia: -Fique com ele então e você vai comprovar que ele não é tão diferente do seu! -Cuidado Zenaide...seus desejos podem se tornar realidade! Dna Zenaide, pobre, não tinha parâmetro algum para criar seus filhos,que sentiam prazer em desafiá-la o tempo todo e assim ela procurava educar no berro,xingando muito como um técnico de futebol,o único jeito de acalmá-los era com mamadeira de vinho com leite,ou chazinhos com calmante... Quando saiam para fazer compras era aquele “Deus nos acuda”, todos queriam ir. Chegavam lá,pegavam os carrinhos e tiravam rachas dentro do supermercado com os mais novos dentro e iam abrindo pacotes de bolachas,potes de doces e outros,devorando sem a menor cerimônia ,autorização e quem sabe educação, o que encontrassem pelo caminho... A despeito de Dna Zenaide tomar,xingar,bater,ameaçar eles não ligavam e o mais velho dizia:-Para de falar!Fica quieta sua velha louca, já sabemos que você nos dá calmantes e agora vamos fazer baderna dobrada! 15


O dono do supermercado tentava chamar a atenção deles por tanta falta de educação,mas era só xingação pra todos os lados: -Não mexe aí meu filho,tira a mão! -Ah seu “véio”não enche ,vai tomar no...! Vai pra P...que te pariu Tio! Outro dizia:-Vou virar esta pilha de latas no chão se continuar falando seu bosta. -E eu vou ajudar ele a virar seu velho bichona!(dizia o mais novo) Dona Zenaide correndo mais que bombeiro para apagar incêndio, estupefata se perguntava:”Por quem da família eles teriam puxado para serem tão boca duras assim”... O moço do supermercado ia anotando tudo, geralmente o dinheiro não dava pagar e na maioria das vezes ficava devendo para o outro mês,quando Deoclésio chegava do serviço o dono tava encolerizado e com a nota fiscal na mão e batendo pé no chão com ânsia para receber... -Por favor sr Deoclésio,sei que o Sr é uma boa pessoa e bom pagador,mas peça pra sua mulher não trazer mais os seus filhos no supermercado e se ela também não vir seria bom, eu lhe dou até um desconto especial e 40 dias para pagar...Melhor! Mande a lista que eu entrego na sua casa sem cobrar! Deoclésio ficava louco com Zenaide:-Catapatapara....Que o paréu!!!( e começava a esculachar)... faz um café tão ruim que nem um bêbado em choque anafilático tomaria;não sabe fazer a m....de um arroz sem que fique grudado ou cru,não gosta de limpeza,não gosta dos filhos,fica me acordando por qualquer coisa que acontece,não sabe administrar o dinheiro que eu 16


ganho suado... Caracoles quádruplos! Porque você nasceu mulher?Jamais devia ter sido mãe! Você não tem habilidade pra nada,foi um engano da natureza...Mas Ela não faria uma cagada destas,não é possível! E emendava tristemente:-Porque não morre desgraça e me liberta desta pena! “Oh meu Deus eu joguei bosta na cruz para ser obrigado a pagar tão caro os meus erros!”. -Deoclésio a culpa é sua,eu não tive os filhos sozinha e você que não fica em casa tempo suficiente para educá-los,afinal passa o dia todo dormindo! -Então tudo bem dona “sabe-tudo”, vá trabalhar no meu lugar que garanto que eu vou educá-los como num exercito,na bordoada,quero ver responderem como fazem pra você sua tchonga! -E eu vou trabalhar naquele antro com aquelas degeneradas? -Saiba que muitas daquelas”degeneradas”como você diz,estudam,tem casa e carro novo e não casam porque não querem! -Creio que não casam para não acabarem com uma merda como você como esposo... -Merda??? Porque você não conseguiu um melhor que eu então...Se acha tão grande coisa assim mulher? E o bate-boca não ficava só nisso,porque a troca de insultos era mutua,muitas vezes os vizinhos vinham apartar depois de ouvir tanta xingação e garrafas de cerveja voando... -Agora vou dormir Zenaide,só me acorde se houver uma guerra nuclear e as baratas e carangonços não tiverem onde ficar!

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Dna Zenaide nunca conseguia resolver um problema sem complicá-lo muito, como repreender um dos seus filhos por fazerem alguma coisa errada porque eles acabavam por xingar ela... Acordava o pobre Sr Deoclésio,que curtia seu reparador sono hibernal e resolvia do jeito dele: Na pancadaria e na xingaria e para não perder o costume, atracava-se com Dna. Zenaide por ter –lhe acordado e lhe dava uns piparotes,enfiava um barra de sabão na boca de cada um dos filhos por xingarem todo mundo... -Vão aprender a respeitar as pessoas seus mal criados! Dona Zenaide achava ruim dele achar ruim com os filhos que estavam fazendo coisas erradas e logo após brigava com seus filhos que a xingavam (novamente),brigava com os vizinhos e brigava com metade da torcida do Flamengo ou com cachorros,gatos,lesmas ou qualquer ser animado,inanimado e desanimado que aparece-se pelo caminho para reclamar da vida. Mas voltando ao “imo” da historia, Dna Zenaide era muito religiosa ou pelo menos pensava ser, talvez a maneira que ela achasse de ser “menos ruim” que Deoclésio, era tendo uma religião e sendo praticante...Os seres humanos adoram arrumar “alguém” pra resolver ou assumir as culpas dos seus problemas internos. Ela gostava de assembléias, onde se profetiza-se, curasse e liberta-se e muitos outros “asses”,tinha ido há muitos lugares,mas nenhum satisfazia ao seus anseios por não lhe mostrar de forma clara e objetiva como sair daquela situação que não suportava mais.

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E as pessoas que ela pedia conselhos também da mesma forma não lhes satisfaziam com as suas explicações. Um psiquiatra queria internar tanto ela como Deóclesio:Preciso ter certeza qual dos dois é o mais doido para receitar gardenal e eletro choques...Se è ele como você diz,ou você que vive reclamando de alguém que só vive pra trabalhar todos os dias,pagar contas e dormir! Um médium espírita dizia que Deoclésio era seu “Karma” de muitas vidas passadas e que somente na próxima encarnação teria paz,que se resignasse e aceitasse aquela situação até o seu passamento. Um ungido evangélico dizia que um trabalho bestial fora feito por um parente que morria de inveja dela e posto na encruzilhada e arrebentava com seu já derruído matrimonio que seria preciso 144 ungidos com uma semana de jejum para interceder ate a libertação. Um “Pai de santo” por sua vez pedia um bom dinheiro para fazer um” trabaio “de descarrego:-“Pra acalma o exu que esta lhe travando os caminho, mizifia!...”. Ela já não sabia mais aonde ir, como uma bola de ping-pong ia de um lugar a outro...Mantendo sempre as expectativas,de que havia um meio para terminar este martírio,buscando a solução sempre fora de si. Então por indicações de pessoas de boa intenção porem “insuficientemente esclarecidas”, foi a uma assembléia destas igrejólas com um nome sugestivo que aparecem aos montes arrebanhando multidões em torno de um motivo (dito) sublime. 19


Eles,os Pastores lhes davam instruções de como desemaranhar a vida e falavam também de uma nova terra para os escolhidos. Os Pastores faziam cultos diurnos,noturnos e taciturnos, explicavam tudo em minudencias e que a constante oração era o único remédio pra se curar de todos males,espirituais,psicológicos e físicos... Muitos prodígios nunca perfeitamente comprovados eram atribuídos aos cultos,as coisas se espalhavam como pólvora,o que fazia lotar de gente até sair pelo telhado em todas reuniões,mas que poucos viam ou presenciavam tantos milagres feitos a granél,mesmo assim saiam todos embasbacados com o que acontecia ali mesmo que não vissem afirmavam que eram verdadeiros: Num deles depois de beber um copo de água o Pastor jogou o restante do lado e acertou uma pessoa que era tetraplégica e mongolóide e depois ele teria saído andando e falando com eloqüência de um político acusado de corrupção quando nega tudo,mas como sempre ninguém vivo viu, filmou,fotografou,desenhou,só ouviram falar. -Bom...Er...Quer dizer...Ver eu não vi, mas um amigo me falou, que o falecido amigo do cunhado da tia do pai do primo do avô dele viu! E assim como quem conta um conto aumenta um ponto, assim se espalhou à fama. Dna Zenaide espantada mais que depressa fez o curso”fastfood”de Teologia grátis oferecido na Igreja e agora acreditava que tudo mudaria e onde encontrasse uma roda de amigas já chegava pregando a palavra,mas com o tempo todos fugiam como rato do gato. 20


Quando ia a casa de parentes para visitá-los para pregar eles nunca estavam a casa e com isto todos os parentes foram se afastando dela,amigos mudavam ate de calçada na rua porque eram interpelados para salvar a sua alma o quanto antes. Em casa ela passava o dia escutando hinos e cantarolando louvores numa desafinação de matar ate erva daninha de tristeza,Deoclésio reclamava o tempo todo: -O Mulher mais que barulheira,não tem mais respeito pelos ouvidos dos outros? Eram tantas reclamações o tempo todo e de todo mundo perturbando e fazendo guerra de som,mas ela continuava firme na sua pregação e nos louvores. E assim ela fazia o mínimo em casa para poder se dedicar “a palavra” 24 horas por dia e logo isto rendeu bons frutos no âmbito religioso em que ela estava. Numa noite teve um sonho que mudaria a sua vida e chegando ao culto contou a todos na igreja,na hora do testemunho: “Que o mundo iria acabar e que todos os nefandos seriam desintegrados, a terra seria esterilizada para seus novos habitantes”. E ainda acrescentou: “Haveria um grande vendaval e que todos deveriam se trancar em casa por um mês e passar fita isolante em todas frestas para que o vento apocalíptico não entrasse em suas casas, que todos que se encontrassem na rua nestes dias seriam tragados pelo vento abrasador e jogados ao mar no triangulo das bermudas onde era um portal do inferno!” (Nota do autor: argh, argh, argh, argh e é verdade isto,não duvidem)!

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Quando Dna Zenaide comentou com alegria sobre a visão que teve e que testemunhou na igreja e todos creram nela dizendo: -Ohhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!! E o que confirmou tudo que ela dizia foi que no seu testemunho disse que estava comendo as migalhas que caiam da mesa e fez as mil orações em jejum para ter tal dom! Quando comentou com Deoclésio, o mesmo disse: -Você já não faz nem comida em casa para as crianças,não é a toa que come as migalhas que caem da mesa,assim não tem o trabalho de fazer nem de lavar a louça. -Estou me dedicando as obras de Deus enquanto você faz coisas supérfluas em casa que não é mais que a sua obrigação! -Supérfluas? Que eu saiba eu sou Pai e trabalho para sustentar a casa e você que nunca fazia nada direito agora faz menos ainda,quem esta faltando com a obrigação é você! -Mas agora sou uma “escolhida de Deus”para a obra irmão! Deoclésio ainda falando coçando a cabeça,soltou algo bem cáustico: - Um bando de loucos dando ouvido para outra louca e todo mundo achando que os outros que não acreditam é que são loucos! -E você que trabalha num antro de perdição cheio de demônios femíneos,não é louco? -Fui louco quando me casei com você sua mal agradecida,me chama disso e daquilo,mas não deixa de gastar e de pedir, o dinheiro que eu ganho no que você chama de “covil”! Ela já não se importava mais com o escárnio dos parentes,amigos,principalmente de Deoclésio e através das “mil 22


homílias consagradas”em intermináveis noites de vigília,obteve o dom da vidência e se tornou uma mulher venerada pelos outros membros ficarem tão impressionados com as suas vidências a ponto deles abandonarem a igreja e seguirem ela. Fez na garagem de sua casa uma igreja com cultos regulares e todos iam procurá-la por sempre dizer as pessoas o que estava lhes acontecendo em suas vidas nas suas vidências.(só da dela que ela nunca sabia nada,lógico). Mesmo com os berros de Deoclésio que pedia:”Vejam se gritam mais baixo seus fanáticos,eu trabalhei a noite,vou sair dando tiros aqui se escutar mais um pio”. A sua casa se tornou popular no bairro e virou ponto de encontro de todos os seguidores, curiosos e abelhudos e em um dos cultos quando orava profetizou a Deóclesio que tomava cerveja e comia um tira gosto no meio das pessoas: - Vejo você num lugar de perdição,atolado em um barril de fezes até o pescoço rodeado por demônios femininos lascivos te atormentando pela eternidade! -Também tenho uma visão para você sua biruta;”Uma camisa de força n.48 e um montão de injeções de sedativos numa sala grande e branca”! Era a gota dagua,o fim da rabiola! Dna.Zenaide agora se sentindo uma “escolhida”estava enfadada de ser achacada por Deoclésio que reclamava todo dia da sua constante ausência em casa, das roupas manchadas e amarrotadas, das peraltices e total falta de educação dos meninos, da péssima administração das contas da casa e que abria a janela do quarto para reclamar dos

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louvores todo culto ao ponto de dar tiros de espingarda para importunar no meio das homilias. Ela estava disposta a mudar a sua vida de forma radical e resolveu seguir a sua visão do fim,já que no dia seguinte seria o “tempo do julgamento”! Mais do que prontamente, recolheu seus filhos para casa, e sem retardamento lacrou tudo com fita adesiva,portas e janelas, inclusive sua “cara diferença” ficou para fora de casa por ser um “Infra-racional” como ela rotulava . Todos os “infra-s” seriam tragados pelo túnel cósmico apocalíptico infernal e lançados no lado sombrio do globo lunar onde seriam atormentados com o horário político eleitoral pela eternidade. Era uma fria manhã e ventava forte e sibilante, Deoclésio que voltava do trabalho extenuado de cansaço, batia na porta:Blam! Blam! Blam! -Oh mulher, abre logo esta porta! Ta um vento gelado aqui fora... -Não irei abrir homem,hoje é o fim do mundo e você vai penar no inferno com esta sua boca suja seu “infra”! Ela decidida não abria,até que o barulho do vento aumentou junto com as batidas...Tum,Tum,Tum,Tum “Abre esta porta mulher,estou cansado e quero dormir”. Depois de horas batendo...Cessou de repente! E ela até chegou a se lamentar pela alma de Deoclésio que provavelmente havia sido tragada pelo vento apocalíptico para o lado sombrio da lua...Mas no fim disse: -Já vai tarde seu boca-suja! 24


Passaram-se mais de um mês do ocorrido, Dna Zenaide escutava berros ensandecidos vindo da rua principalmente á noite, se aterrorizava em pensar no final que os infra-s estavam tendo,todos sugados no ar e voando pelo túnel apocalíptico ate caírem no mar de bosta que esperava pelos infra-s. Contava aos seus filhos a noite as visões do inferno que ela tinha e que via Deoclésio ate o pescoço em barril de merda gritando por perdão enquanto era atormentado pelo horário político colocado em ultimo volume pela eternidade. E uma chuva que não parava e se regozijava pelo final de seus tormentos, e no “novo Mundo” (segundo suas vidências)ela seria uma mulher prestigiada , “conselheira da nova ordem racional dos evantólicos”numa religião que seria a amalgama de todas que haviam na terra antes do apocalipse. Seus filhos ligaram a televisão e não havia nada de novo nos jornais, tudo passava da maneira como sempre passou: ”O risco Brasil subiu, o risco Brasil caiu; o dólar subiu, o dólar caiu; Um político corrupto apesar de todas as provas não era cassado pelo congresso; No Rio de Janeiro a policia trocou tiros com alguns traficantes, que jogaram uma granada,que não explodiu... e virou o “boné-velho” de sempre; Morreu um outro monte por bala perdida,achada e até não fabrica ainda; A Al-queida prometeu outro atentado; Os desentortadores de pacova entraram em greve por melhores salários e adicionais de aleatoriedade junto com os secadores de gelo solidários a eles; e os ensacadores de carbono por sua vez exigiam melhores condições de trabalho e plano de carreira,alem de adicional de insalubridade...” 25


A coisa mais estranha que aconteceu, foi a luz acabar de repente e a água secar das torneiras, aí ela teve certeza que a profecia havia se cumprido...”Alia jacta ext!” Eles foram se virando com os baldes de água armazenados e tomando banho de gato com pano,comendo angu todo dia. Dna. Zenaide tentava ensiná-los a orar,mas eles só queriam brincar e fazer baderna dentro de casa. Ficavam perguntando até quando ia durar esta clausura porque já estavam quase comendo as barras de sabão de tanta fome. Passados 90 dias do grande Armagedon,Dna Zenaide resolveu tirar as fitas adesivas das portas e olhar para o “novo mundo”,a chuva continuava,mas ela dizia a seus filhos: -Tenho o poder de parar esta chuva agora porque sou a profetiza da nova terra! Concentrou-se,porem nada aconteceu...Tentou de novo,de novo,de novo até que uma enxaqueca enorme veio,tentou curar a dor de cabeça:-Tenho domínio para sanar esta dor de cabeça concebida pelo inimigo! Concentrou mais ainda e quase desmaiou:-Tenho domínio sobre meu corpo! ...E mais uma vez aconteceu o evidente,nada! Dna Zenaide era inabalável e outra vez tentou,tentou,tentou e começou a berrar em voz alta para que a chuva parasse. -Pare chuva eu ordeno,você esta sendo mandada pelo inimigo para me testar! Seus filhos apavorados agora percebiam que a mãe era louca mesmo como Deoclésio sempre repetia,correram pela vizinhança e acharam o Pai: 26


-Pai,corre pra casa que a mãe pirou na batatinha! Uma ambulância rasgando o silenciar da melancólica boca da noite, acabou com as esperanças de Dna Zenaide,que começava a entender tudo quando levou a picada no braço.Amortecida ela caiu nos braços do enfermeiro: -Oh...Um anjo veio me buscar para morar no novo mundo! Todos balançavam a cabeça de desalento e finalmente ela percebeu tudo,o “novo mundo” que ela viu, não era bem o que esperava...Era o “presente e ancestral mesmo mundo de sempre” e sendo assim, descobriu as respostas a todas suas indagações sobre o grande cataclisma que visivelmente... Não havia advindo: Não havia luz na habitação, mas não porque o mundo acabou,ela havia esquecido de pagar a conta há muito tempo,por isso foi cortada. Não havia água, mas não porquê haviam sido precipitadas para o mar (no triangulo das bermudas), também havia sido cortada por falta de pagamento. Seu marido o Sr Deoclésio,não havia sido precipitado para o já citado triangulo,mas se encontrava instalado confortavelmente na casa de sua vizinha Dna.Iracema,inclusive estabelecendo uma grande (ahamm!) amizade entre eles. Por ser enfermeira e com pena de sua lombalgia,o deixou dormir no seu quarto em seu colchão ortopédico pois trabalhava a noite em um hospital e o achou sentado dormindo em uma arvore na rua no dia do grande Armageddon. De madrugada sempre jogavam truco, e os gem... Ops! Os gritos eram ruidosos: 27


-Truco! Meio pau rato! -Porteira veia de beira de estrada! Zap! Ladrão! E muita gente começou a freqüentar as rodas de truco a noite e havia um berreiro louco quando alguém ganhava e assim Deoclésio começou a ganhar muito dinheiro organizando-as. Dna. Zenaide viu que “tudo estava como antes no mar de Abrantes”,que na verdade tudo não passava de um devaneio e que para tornar pior a despeito de abrir os olhos ela continuava adormecida e sonhando que era consciente... Deóclesio pegou suas coisas na casa e foi embora:-Zenaide quando me casei com você estava bêbedo,mas não doido,nem as contas você paga mais estão cortando tudo,água,luz,gás,Jesuissssssssssss onde você estava com a cabeça mulher! Dna. Zenaide viu que tudo desmoronava,o sonho de ser a profeta chegava ao fim assim como outros milhares de loucos que já previram o final dos tempos e a realidade finalmente a fez abrir os olhos e ela acabou dizendo assim: -Doutor eu fugi do hospício pela janela do banheiro e só me dei conta disso agora,será que ainda tem uma camisa de força do meu tamanho? -Com certeza minha senhora, aqui sempre temos um modelito a gosto do freguês, faça o favor de entrar “a casa é sua!” Dna Zenaide esta bem agora, após extensa terapia com múltiplos psiquiatras, eles receitaram choques nas têmporas, doses cavalares de tensiolíticos e uma camisa de força nº48, 28


alem de uma longa estadia no famoso sanatório “Casa de repouso bom regresso”. Sr Deoclésio por sua vez, ganhou um bom dinheiro no jogo do bicho graças a um sonho de Iracema, que lhe disse sonhar com Dna Zenaide andando de quatro e tomando sopa de capim(!?!?) -Burro na cabeça mulher! Apostou no bicho suas economias ganhadas nas rodas de truco e não deu outra,ganhou um bom premio acumulado na milhar, arrendou a boate de seu ex-patrão que passava um transtorno judicial movido por uma de suas várias ex-esposas, registrou as meninas como terapeutas e toca seu comércio de entretenimento, separou-se licitamente de Dna Zenaide e vive com Iracema fora da cidade. Os filhos de Dna Zenaide estão bem e mudaram muito na mão de Iracema que infelizmente não podia ter filhos e usava a metodologia do “chinelão psicológico” para educá-los e às vezes da “cinta pedagógica”quando se mostravam mais resistentes ou ainda da “havaiana disciplinadora”quando algum argumento que ela expunha aos meninos não parecia plausível,podia ser uma técnica psicológica tosca e ultrapassada do século passado, mas no final se obtinha bons resultados. Nos finais de semana vão visitá-la no hospital psiquiátrico e se divertem com ela, depois do tratamento com eletro choques e gardenal ficou pior ainda dizendo que só os seus companheiros iluminados da grande casa branca seriam salvos do próximo apocalipse que teve em outra visão...Pobre Dna. Zenaide! 29


Dna Zenaide (pseudônimo) infelizmente continua do mesmo jeito,saiu do hospício e anda a esmo pelas ruas pregando com um megafone, só que hoje em dia ninguém lhe da ouvidos mais,mesmo ela se dizendo inspirada por Deus nas suas visões...

Certa vez ,lendo um livro de um grande mestre Indiano a quem devoto muita estima e entusiasmo porque ele sabe jogar “uma luz sobre a ignorância”e talvez até sobre a minha própria em alguns momentos... O mesmo disse em certa parte ,que muitos indivíduos são assim como bêbados....No caso sofrem de um hipnotismo criado pela sociedade que não os deixam enxergar as coisas como devem ser verdadeiramente. Estas pessoas fazem as coisas sem pensar muito em porquês,simplesmente agem de qualquer forma para poder levar uma vantagem sobre as outras,mesmo que signifique prejuízos pra ele ou outrem porque pensam que o mundo é 30


dos espertos e que os bons(bobos)perdem a oportunidade por esperar demais. Acabam por formar uma cadeia de acontecimentos ruins(na quase predominância das vezes),onde são meros peões no jogo da vida,mas agem como se fossem reis devido ao seu sobrecarregado ego. O xeque-mate existencial deste pífio jogo é pagar pelo erro duramente,mas nem pensam muito nisto. Acham apenas que a roleta da vida não lhes favoreceu desta vez e esperam outra oportunidade para passar a perna em alguém e da próxima serem mais espertos... Se formos concluir de maneira justa e sem julgar, a maioria das pessoas tem defeitos,mas qualidades muito boas também e é muitas vezes a mistura dos dois é que as faz interessantes e as pessoas mais atraentes da humanidade tinham defeitos crônicos,as vezes eram sistemáticos, eram egocêntricos mas tinham idéias geniais e marcaram por isto! Deve-se apreciar a liberdade das outras pessoas e a nossa e o direito de dizerem o que sentem e pensam de modo certo e sensato e nunca esperar atitudes grandiosas de qualquer um que seja,talvez seja por muitas vezes esperarmos demais atos majestosos de quem se presume superior,que nos decepcionamos tanto quando este se mostra simples porque o verdadeiro valor da vida esta na simplicidade. Como diria meu amigo Mazão:”O maior problema do ser humano...É ser humano”!

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Baseado em horripilantes fatos reais! Ou ainda:”É inconcebívelmente extraordinário e inacreditável acreditar que esse tipo de pessoa possa existir...mas ela existe! Jodeclilson era o típico jovem recém saído da adolescência,com vinte e poucos anos de idade e muito espaço na caixa craniana para ecoar muito vácuo. Podia se dizer ao seu respeito que era titubeante e abobalhado como a quase multiplicidade dos “pré e pós“adolescentes”(salvando-se é claro; ótimas e raras exceções)que crêem surgir ao mundo com um manual de instruções sabendo sobre tudo que é a existência em pequeníssimas minúcias e que associado a isto,a instrução dos mais velhos é algo dispensável,”já que o mundo é dos espertos”e as oportunidades não esperam os lerdos. 32


Mas especificamente,(no caso dele),Jodeclison estava mais para intrometido e oferecido...Desdenhava de tudo e todos sem pesar algum, achava-se um ser superior a despeito da pobreza cerebral implícita emanada pelos seus neurônios, que para piorar eram assessorados por uma incurável bestialidade e tão e somente por este motivo (e erradamente diga-se), acreditava piamente que o orbe dos egos devia girar em torno de si por se achar peculiar. Eclipsava com sua dissimulada mediocridade toda pouca finura humana que estava ao seu doentio alcance. Não tinha boca, era uma cloaca abominável que expelia sua incultura pegajosa aos píncaros sem o menor acanhamento. Jodeclilson era um indivíduo que encerrava uma filosofia conveniente na vida de não fazer planos pro futuro ,nem ansiar por muita coisa ou prestígio...Não porque ele era um dedicado asceta em busca da iluminação,mas por ser medíocre mesmo. E entre as prerrogativas existenciais que cabem a qualquer ser humano, não constava como imperativo ser possuidor de uma ocupação paga que tomasse ostensivamente o seu valioso tempo de lassidão ou que exigisse muito sacrifício para se conseguir: - Para que? (E justificava com extensas conjecturas existenciais profundamente infundidas na essência nababesca e filosóficas derivadas da vida noturna nos botequins da vida): - Ralar igual a um escravo submisso para ganhar uma mixórdia...Sustentar uma mulher que só é bela e compreensiva até ter filhos...Estar sempre exausto,estressado e duro, e o misero dinheiro que tenta se ganhar ainda é usado para ser dado a outras pessoas em troca de uma vida sacrificada e sem finalidade? 33


Para concluir a alegação extremamente mais que justa no seu oportuno julgamento , concatenava numa extensa,crucial,irredutível,redundante e inspiradíssima conclusão filosófica digna de Eurípidio*(aprendiz de filosofo na Grécia ancestral): - Que se fodão mil vezes todos os filósofos e duas mil quem perde tempo pensando profundamente no porquês das coisas da humanidade... Vão para PQP três vezes só este ano,arrumem uma piscina cheia de merda e tomem banho nela seus dementes! Em meio às atividades econômicas que desempenhava proveitosamente,a mais hábil e rápida para granjear bons cobres(sem muito esforço,é claro), era dar golpes em máquinas caça níqueis, procedendo da seguinte forma: Fazia um furo na moeda e colocava uma linha de costura,colocava na máquina e puxava muitas vezes a linha e ganhava créditos. Fechando todas as apostas,escutavam-se muitas moedas caírem, e ele gritava: -”Ganhei de novo” -para “desbaratinar”, assim faturava uns bons trocos e enchia todos os bolsos,sacos e as vezes até tirava as meias e enchia de dinheiro dentro. Chegava a fazer isto em três maquinas de cada vez e o dono achando que ele tinha uma sorte colossal... -Caras,este rapaz nasceu com uma sorte inexplicável,chega a ganhar em três maquinas ao mesmo tempo! Deste modo diziam os compulsivos embasbacados com tamanha estrela as custas de um truque bem aplicado,quando ele saia com diversos sacos plásticos e meias abarrotados de moedas amarrados na cintura: 34


-Até logo seus perdedores,observem o seu mestre lhes ensinar como se ganha e tentem na sua próxima encarnação ganharem alguns níqueis! ...É pena que este fácil (e ilícito,quem sabe?) dinheiro era gasto egoisticamente,pois há pouco tempo Jodeclilson tinha se amasiado com uma bela e generosa moça que se chamava Maria Madalena e a “tratava na casca”por perpetrar a filosofia machista da maioria dos homens:”Quem dá moleza pra mulher deixa por o cabresto”! -“Jô”, me dê um pouco deste dinheiro para que eu compre fraldas e leite em pó! -Que conversa é esta de “me dá” uma pinóia! Eu planejei o “aplique”meticulosamente,posso ser até preso ou morto se me pegarem,tenho de fazer um teatro todo calculado me fazendo de bobo,coloquei minha valiosíssima pele em risco e vou te dar o dinheiro sem nenhum custo adicional só porque você dorme comigo? Vá você dar o golpe então “folgada”... Empresto-te a “moeda da sorte”se quiser! Maria Madalena sua recém-esposa,não era parente nem em décimo grau da “Madre Tereza de Calcutá”e quiçá fosse enteada de “ducentésima gênese” da homônima mulher que Cristo perdoou... Sendo assim,ralava o dia inteiro num restaurante industrial pra poder se suster,mesmo assim arrumava tempo de estudar com obstinação,estava grávida,cuidava da casa,e ajudava em parte dos gastos praticamente sustentando Jodeclilson que não lavava um misero copo sujo de água. Suas amigas de serviço, não se conformavam com a audácia que teve ao se juntar com Jodeclilson e lhe perguntavam o tempo todo:- Puxa Madalena,não dá pra entender...você é tão bacana, tão 35


bonita, tão inteligente,uma mulher que muitos homens sonham...Porque foi ficar justo com este frango de macumba? -Sei lá...Acho ele, legalzinho! Respondia Madalena resignada. Já Jodeclilson dizia:- Não pedi para ela ficar comigo,era bonitinha e ela que disse que tava afim de morar comigo,se um dia quiser embora a porta da rua é a serventia da casa! Apesar de Jodeclilson levar a vida na “flauta”dando seus”golpes”,”apliques”e outros trambiques de segundo plano e dizer invariavelmente-”To nem aí”-,como diz aquela musica manjada,lá no fundo sonhava com um ofício estável,com registro em carteira,estabilidade vitalícia,décimo sétimo salário,férias dobradas e tudo mais que um virtual ofício em Brasília poderia oferecer aos seus nababos mata-borrões para encher as cuecas de dinheiro a custas da indigencia de muitos. Ele legitimamente,afirmadamente,decididamente queria arrumar um bom emprego: Já havia mandado milhares de currículos pra N.A.S.A,pra Microsoft,pra Bolsa Nasdaq,não tinha sido convocado para entrevista,mas não perdia as expectativas... Queria um emprego onde sua aptidão,percepção,racionalidade, genialidade e ambição fossem reconhecidas,(logicamente devo lembrar que esta era uma imagem conveniente). Num belo dia de”nada para se fazer”pois seus trambiques estavam ficando “manjados”e carecem da fundamental amnésia dos lesados para laborarem. Ele pegou o jornal para uma proveitosa leitura dos classificados empregatícios para ver se tinha algo a sua altura e observou curioso o diminuto anuncio que em letras garrafais e convidativas incitava o individuo a se aventurar pelo extraordinário mundo das finanças e embolsar dinheiro com 36


uma pá,apesar de ocupar pequeno espaço na pagina,era grande em promessa de prosperidade e de fazer entupir os olhos dos ávidos pela ambição: ” Precisa-se jovens dinâmicos e desinibidos para serem Supervisores de Stretsell,s, inicio imediato, com disponibilidade para viagens nacionais e internacionais, convênios estudantis com a Faculdade de Harvard e Ohio. Ganhos acima de US$10 000 com registro em carteira e comissões. Comprometemo-nos com treinamento, veículos e diárias. Empresa Global Multinacional de Planos de Assistência Total!” Escritório na Rua das Esperanças Perdidas nº13 Jodeclilson ficou extasiado...maravilhado...deslembrado... com a oportunidade. Tanto que não podia acreditar nos seus olhos,o “eldorado dourado e fulgente” estava ali,o”oásis de prosperidade em meio ao mar de crise”... A despeito dos seus pais e amigos dizerem a miúde e rindo muito, que aquilo era “armação”,”um golpe”,”um aplique”, que era alguma “picaretagem” que saia todo dia nos jornais aos borbotões á procura de incautos lhes prometendo “o mundo e o fundo”em troca de uma “simbólica”taxa... E mais :”Como alguém sem trabalhar muito chega direto a um cargo de Supervisor sem passar pelos mais baixos e ainda sem estudo algum?”. Jodeclilson enxergava longe apesar da dilatada miopia intelectual e disparou sem embaraço emuladamente: 37


-Vocês não sabem porra nenhuma! Não sabem enxergar um bom momento, nem se viessem na porta oferecer uma mala cheia de dólares,diriam:”Passe amanhã”! Para explodir,implodir e reexplodir com os pessimistas de plantão que insistiam nas suas alegações, deu o golpe de misericórdia sem nenhuma clemência: -Quando me tornar bilionário, lembrarei de dar esmolas a vocês seus perdedores e fodam-se mil vezes todos os pessimistas “destruidores de sonhos” alheios! Tomou uma ducha de quase duas horas, se odorízou, colocou sua melhor béca, pegou dois passes de ônibus da sua cara metade e pensou consigo: - Ela precisa caminhar um pouco,desde que engravidou esta ficando muito gorda! Assim rumou para o ponto a passos largos e firmes, como um goleiro após ter feito uma defesa monumental caminha majestoso para dar reinicio ao jogo... Como um cavalariano após vencer difícil combate caminha ereto, abalizado, com sua armadura magnífica e brilhante, com o sorriso da vitória sobre o oponente derrocado e envergonhado na arena da pugna! Assim era o estado de espírito de Jodeclilson, como um “gozo incontido pronto para se esvair de deleite na lascívia de um momento extremo”... ele caminhava rumo ao sucesso ou pelo menos pensava assim, apesar da hilaridade de seus vizinhos que escarneciam sem cessar: -Olhe aí o comédia, tentando descobrir outro jeito de ganhar dinheiro sem trabalhar!

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-Nem que ensacasse bosta para vender...Precisaria fazer força pra cagar,seu vagabundo! Jodeclilson altivo não se ligava com a gozação, na sua cabeça existia o pensamento pegajoso da vitória que como um tumor se alastrava pelo encéfalo, (ou pelo que existia dentro do vácuo da sua caixa craniana) e pensava consigo: “Perdedores! Daqui a um tempo possuirei um Omega do ano, enquanto vocês continuarão usando havaianas amarrados com arame e chorando desgraça nas suas miseráveis vidas..Seus pobretões,vão caçar baratas pra matar com chineladas, desocupados”! Chegando no escritório da Agencia, num velho prédio, que tinha aparência de desamparado, uma decrépita pintura rosa descascava mostrando as outras cores que haviam por baixo parecendo mais um mosaico descaído feito por um artesão bêbado. Nas portas de outras salas era visível o aviso de despejo, multas,intimações policiais, interdições da defesa civil, avisos pichados nas divisórias dizendo:- Ou paga ou morre... Na porta principal que aparentava ser o saguão haviam pichado uma missiva perspicaz,daquelas só entendidas depois de grande analise meditativa: “covil dos mentirosos!” No vexado e fétido W.C. a água era amarelejada e o brilhantismo borracho elucubrava desacorçoamento... Telefone? Tinha sim, mas por obra de algum bárbaro, estava quebrado... Jodeclison depois de ir ao banheiro tirar água do joelho, foi atendido pela bela secretaria que lhe encaminhou para a entrevista. Sentado na cadeira com várias outras pessoas em momento algum deixou passar pela sua cabeça que não teria chance:- Nasci para ser 39


bem-sucedido, ninguém pode me segurar, sou um trem desgovernado de motivação! Repetia para si mesmo como se fosse uma murmurante e cíclica oração. Ninguém pensava que ele era louco por fazer aquilo...Todos eram loucos de estarem ali. Numa salinha queimante e abafada, um pífio, antiquado e langoroso ventilador tentava refrescar as moscas que davam rasantes sobre os intrusos que insistiam em tomar o seu lugar. Todos esperavam pela preleção apreensivos, naquele típico burburinho de feira. Se o pensamento de cada um deles pudesse ser vistos,encontraríamos pessoas cheias de aspirações,mas alguém lhes esqueceu de dizer:Aquele não era nem o lugar nem a ocasião,muito menos a momento ou o instante ou diminutamente o segundo de estarem ali. Um homem, bem apessoado de gravata e camisa branca,com as mangas dobradas,relógio “Bulóva”,cheio de anéis de ouro,calça preta e sapato preto de cromo alemão, adentrou a sala e deu uma boa tarde, sonora e motivada com uma injeção de ânimo cavalar, digna de um pastor evangélico, e começou a preleção: -Meus amigos! Meu nome é Armando Embrujon sou diretor geral de street sell,s desta grande e conceituadissima empresa multinacional que lida com Planos de Assistência integral, isto é:Acompanham a pessoa do ato de nascer ao passamento com planos de saúde,educacional e lutuoso,nosso leque de atuações é extenso,diferenciado e abrangente no que diz respeito à bem estar dos nossos associados!. Estou aqui para lhes falar sobre algo que vai mudar suas vidas de forma radical e célere, dependendo apenas de seu comprometimento! O mundo carece de pessoas motivadas, pessoas 40


que busquem seu quinhão, pessoas que sejam audaciosas. Mais até do que inteligentes, pois a inteligência sem anseio é como um carro potente sem gasolina, sem motivação o homem não vive! Você quer uma casa em Búzios?Quer um carro do ano?Quer um iate de noventa pés? Trabalhar seis horas por dia e ganhar bem? Isto tudo esta ao seu limite, é só você desejar e impor seu desejo a você mesmo e repetir mil vezes se preciso:- Isto é meu! Estou tomando posse do que é meu! As bênçãos do cósmico estão a seu dispor amigos,basta pedir! O grande problema das pessoas é se satisfazerem com pouco,num mundo onde a prosperidade é a engrenagem fundamental de tudo que se move na coletividade! Nossa empresa quer bancar seus sonhos, gostamos de investir nas pessoas! Preferirmos investir em pessoas,que em marketing. Para que investir milhões de dólares em propagandas, se podemos investir nas pessoas? A Coca-cola, por exemplo, investe milhões de dólares em estratégia de mercado, nossa empresa fatura o mesmo e poderia investir em merchandising tanto quanto ela...Mas, nossa filosofia de trabalho é toda voltada para o social, optamos por gerar empregos e pagar bem nossos empregados que felizes fazem mais e melhor! Estamos retribuindo a coletividade o que ela nos dá: benesses, prosperidade, abundância,satisfação,realização pessoal! Essas eram as palavras que Mr.Embrujon mais repetia,a cada vez que falava,o ego inflava e os olhos se enchiam de brilho e esperança e assim ele continuava... -Queremos exclusivamente sua força de trabalho ao nosso dispor.Vocês terão seus ternos personalizados, usarão nossos carros em seu serviço, celulares e irão ter uma equipe de 41


assessoramento, prontos para atendê-los em qualquer duvida em qualquer lado do mundo, o treinamento é natural será remunerado. É uma chance excepcional em sua vida de fazerem mais do que muitos que estudam durante anos em uma faculdade,se enchem de sonhos e projetos que não realizam e acabam trabalhando por salários baixos de R$2 000, aqui não! Valorizamos extremamente seus esforços com salários e comissões dignas. Tem pessoas, como a secretaria que no mês passado tirou US$8 000 livres, foi instruir-se nos Estados Unidos com reembolso total, remuneração e diárias, na volta comprou um Golf zero! Ela é apenas um exemplo pequeno,afinal é só uma secretaria... Se fosse mais audaciosa conseguiria muito mais! Eu por exemplo comecei como boy na empresa aos dezessete,mas eu ansiava ascender posições e aloquei minha vida neste período,porque o mundo é dos vitoriosos,não existe segundo lugar,existe o perdedor e o ganhador. Tomado de volumoso arrojo fui instruir-me em Harvard,dormi em republicas com quartos de até dez pessoas e até 15 pelo chão num colchão barato,comida requentada,mas eu não desistia do meu ideal de me tornar bemsucedido. Todo dia meus amigos choravam as magoas e eu seguia em frente tomado de um impulso que jogava a frente fazendo almejar além disso e do mesmo modo... aperfeiçoei-me em administração empresarial...Antes eu ia pra faculdade numa bicicleta toda futricada com colossal manchão no pneu que saltava mais que um canguru quando andava,com uma fria marmita com “arroz e zóiudo”...Hoje ando num automóvel de U$350 000. Dólares,só meu relógio custa três mil dólares.Minha esposa acabou de inventar 42


uma intervenção plástica completa coberta pela própria companhia,não troco ela de 40 por duas de 20 hoje; Moro numa excelente habitação onde não tenho de fazer absolutamente nada de esforço e tudo que consegui foi com meu empenho pessoal e tudo nesta empresa. Os próprios empregados a chamam de “Fabrica de Sonhos”.Eu a chamo de “Fabrica de realizações”! Todos se regozijavam nas palavras de Mr.Embrujon,era como uma massagem no ego daqueles pobres indivíduos que queriam realizar os seus mais cálidos ideários,mas creio(cá entre nós) que a “lâmpada de Aladim”indubitavelmente ofereceria melhores resultados,ainda que se trate de uma fábula... Foi quando no meio da palestra seu chiquíssimo celular tocou executando a nona sinfonia: -Alo...Sim é o senhor Embrujon, do que se trata? -Ah! Meu Jaguar ficou pronto, mas o motor já veio da Gran Bretanha? Tudo bem então! Ah já ia me esquecendo, e os assentos de couro de búfalo com regulagem térmica foram instalados? (pausa para resposta) -Só isso! Tudo bem pode mandar instalar os assentos, mando o cheque pela minha secretaria, obrigado! -Pessoal me perdoem pela interpelação, prosseguindo, poderia expor uma citação que vibraria quão um escárnio, no entanto como sou pragmático, não tenho temor de alegar: -Não existe colapso! Nem desemprego! O dinheiro esta aí,circulando,pronto para ser ganho! Se não fosse assim,os supermercados ,as lojas e os shoppings já teriam fechado,e esses carros novos na rua? Da onde as pessoas tiram dinheiro pra comprá-los? Em um feriado prolongado você vê 43


milhares de automóveis todos novos pelas ruas.O problema é trazer a visão correta para se sacar este dinheiro das pessoas,fazê-lo mostrar-se da mão dos outros e virem para no seu bolso;as pessoas são ávidas por coisas para comprar,pra isso elas trabalham,pra movimentar o capital,manter a maquina funcionando e a estratégia empregada é alimentar os egos delas para que gastem este dinheiro ainda que com baboseiras! Todos ficaram obstupefatos, mas não perguntavam nada porque não sabiam o que perguntar, e para “matar a cobra, mostrar o bastão e ainda assinar a certidão de óbito dela”,Sr Embrujon,emendou numa outra injeção de ânimo cavalar,como se fosse ressuscitar um moribundo descascando dois fios de alta tensão com os dentes: Dinheiro é assim como uma mulher soberba,ninguém a aborda por ter medo de levar um fora,mas o que ela deseja é ser conquistada pelo mais impetuoso,os que ousam mais chegam na dita dama e a conquistam ,enquanto os pessimistas se lamentam pela oportunidade perdida pelo resto de suas arrastadas existências exercitando o auto-sexo da infelicidade para poder contentar os seus decaídos egos! ...E assim novamente ele concluía a palestra com as suas frases de efeito: -Em suma amigos:”Atitude e ousadia são os comburentes que fazem a maquina capitalista girar” e do mesmo modo são vocábulos de ordem nesta corporação,”Não se esqueçam! “Aquele que ir alem do imaginável transcende o impossível e colhe os lauréis da conquista”... Então mãos á obra vamos correr atrás dos sonhos pra eles não correrem da gente!E é isso ai pessoal!

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Jodeclilson quase foi as lagrimas,uma comoção tomou conta dele que experimentou um arrepio da cabeça aos pés(ou ao contrário) era como se o rapaz estivesse falando dele,era ele com certeza...Obviouluante...Estava tão claro,alvo e límpido como uma noite nublada e chuvosa...Era ele,o próprio,o individuo que habitava este vasto planeta,o cidadão “in corporis”...Finalmente alguém o entendia,excetuando-se Sigmund Freud de modo óbvio por não estar mais entre nós. Acabando a palestra Jodeclilson aplaudiu tanto que suas mãos doeram,correu e deu um abraço forte em Mr. Embrujon como se fosse um discípulo que depois de galgar mil e oitocentas montanhas,alcança a luz do mestre e se joga aos seus pés, apesar de todos acharem estranho este comportamento exagerado. Mas todos eram estranhos ali,se todos fossem alienígenas anfíbios,insetos plasmódios ou fantasmas burlescos ou plasmas guturais isto não faria a menor diferença! Mas as coisas não eram tão simples assim quanto pareciam,os pesadelos,ops...Sonhos para se realizar necessitam de algum sacrifício.Haveria testes para admissão e para sorte de Jodeclilson(e até de outros) não haviam testes de sanidade,pois certamente todos seriam reprovados e conduzidos ao manicômio com urgência. Os testes de Q.I. de jodeclilson deram um pouco abaixo do esperado para o que a carreira exigia. O psicólogo um gozador nato, disse que ele era motivado apesar de sofrer de “Oligofrenia* e “Síndrome aguçada de Inépcia” para as quais não existiam tratamentos aprovados, somente embates de insulina e elétrochoques de 300 volts intermitentes ou ainda operação de

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lobotomia nos piores casos como a esquizofrenia ou outra doença mental crônica. Foi aconselhado pelo mesmo que teria de estudar ao esgotamento para o teste escrito: - Tudo bem! Jodeclilson disse (com “modéstia”):- Isto tiro de letra, já nasci gênio! Foi quando o psicólogo concatenou: -Se fosse gênio estaria dentro de uma garrafa, e o próprio não era tão esperto já que ficou preso dois mil anos dentro! Jodeclilson não entendeu muito a colocação do psicólogo, mas concluiu num extenso rebate filosófico procedente da inópia intelectualidade que lhe era peculiar : -Que se fodam mil vezes as mil e uma noites e Ali baba e os quarenta bufões! -Não eram Bufões seu energúmeno,eram ladrões! -Que se fodam do mesmo jeito sejam bufões ou ladrões ou as p....que os pariu três vezes só este ano! A despeito de tudo o psicólogo deu um apoio favorável,afinal ele ganhava bem pra isso e um psicopata a mais ou a menos no mundo,já não faz tanta diferença... Na saída reparou que a secretaria (que era bem bonitinha) e veio jogando um “k.o.”,daqui e dali. Thassilene educada ofereceu uma carona apenas por educação achando que não ia querer, ele logicamente aceitou: “ Já pensou eu chegando de Golf zerinho no bairro, todo mundo vai ficar com inveja e ainda vou jogando um aplique nela! “ Quando ela se dirigiu a um acabrunhado Gol a ar, bege, que era sem comparação o carro mais amarrotado, estourado, arrebentado que havia ali, ele estranhou: 46


-Caracoles!...Thassilene e o seu Golf “zero”? E ela respondeu sem graça: -Eu decidi colocar bancos de couro vermelhos que eram opcionais,por isso o concessionário deu esse para que eu não ficasse sem carro. -Mas não tinha um carro melhor? Esse aqui o ferro velho iria rejeitar de tão podre, que concessionária emprestaria uma lacraia como esta? -E você pode comprar um melhor seu saco de bosta? -Seguramente poderei comprar um Gol “zero”brincando com o que ganharei aqui, mas não dou a minha bicicleta em troca desse lixo! -Você não fez nem o teste ainda,não sabe nem se vai passar e já esta arrotando riqueza, vá de ônibus seu babaca e desça do meu carro agora seu merda! -Quem disse que não vou passar? Uma das vagas já é minha! Estou determinado mas,espera aí... Você disse que o carro não é seu,disse que é do concessionário, não é? Thassilene ficou quieta e deu partida...A fuligem, misturou-se ao cheiro de gasolina que invadia o carro por dentro,como se estivesse pegando fogo,afora ele sacudir todo como se estivesse com frio. Os bancos forrados com velho cobertor dava um aspecto de “art decô” ao envelhecido interior do veiculo. Jodeclilson puxou a porta do carro pra cima e fechou com uma bordoada:-Blam!!! Levou uma dissonante bronca de Thassilene que parecia ter acordado com uma TPM brutal naquele dia: -Tenha mais respeito pelas coisas dos outros,não tem geladeira em casa? Quase arrancou 47


a porta do carro seu bosta! E coloque a porra do cinto, que não quero levar multa! -Tenho geladeira,mas nunca tentei fechar ela pelo lado de dentro... -Ah vá te catar seu imbecil,vê se põe a merda do cinto e para de me azucrinar seu imundícia! Uma tira imunda parecia ser o cinto,assim Jodeclilson se “prendeu” literalmente ao banco do carro que era preso ao que restava do deteriorado assoalho do mesmo. Thassilene nervosa sai cantando pneu e engatando uma marcha após a outra e chegou a ameaçadores 100 km por hora. Thassilene parecia estar”naqueles dias”,vinha costurando de um lado para outro pelo tumultuado transito,metendo a mão na buzina de minuto em minuto,resmungava em voz baixa e xingava todo mundo aos berros, dava murros no volante do carro o tempo todo: -Sai da frente lesma,usa o pedal da direita seu mané! Tem um cachorro mijando na sua roda tio! He... Dona Creusa,ainda não aprendeu a dirigir, cacete,vai pilotar fogão!”O Dna Maria põe esta maquina de lavar pra centrifugar pra andar mais rápido ,merda! Resmungando: (...Merda de vida,ter que trabalhar na casa do cara...!Ganhar uma bosta de salário de fome!Morar na casa do cace..!Andar neste ferro-velho da p...que pariu! E aquele boióla ainda me diz,”Thassilene tenha paciência querida,nós vamos ficar juntos!”...Bem que minha mãe falava sempre : -Thassilene minha filha você é uma princesa linda,escute o conselho da sua mãe e vá ao analista urgente... porque não é possível que todo homem que você arruma não valha um prato de bosta! ) 48


Por causa do escapamento arrebentado que soltava pipocos a todo momento, Jodeclilson não prestava atenção no que ela dizia,o gol ao sair de cada semáforo parecia um concorde arremetendo. De todo este medo inicial, Jodeclilson se encafifou ao ver que ao seu lado,parado num semáforo havia uma aterrorizante T.L azul clara que chamava a atenção(pela disparidade) parada ao lado de um Audi preto e ele achou que um clone do Senhor Embrujon estava justamente na T.L.,e pensou:” Acho que estou precisando de um oculista, pois poderia jurar que vi o Sr Embrujon estava naquela carroça...Imagina...Isto é loucura!... alguma pessoa que pudesse ter um Jaguar, iria andar de T.L.? Mas quando Thassilene cumprimentou o senhor em questão com uma buzinada e um sorriso cínico, Jodeclilson ficou abobalhado por um bom tempo e perguntou quase branco: -Não é possível...Caracoles,p....que o pariu ? Thassilene era o Mr. Embrujon que estava naquela “trosóba”? -Claro que era,você não viu cumprimentá-lo seu tonto! -Mas...E o Jaguar dele? -Esta trocando o motor que virá do Reino Unido, por isso pediu o carro do jardineiro emprestado por alguns dias! -Mas com o dinheiro que ele ganha, não poderia alugar um automóvel mais de acordo com sua posição social? -Para que gastar dinheiro desnecessariamente? É só neste meio tempo, e o jardineiro não liga de emprestar o carro, porque não o usa muito, já que mora de graça na mansão no Morumbi do Sr Embrujon.

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Jodeclilson entendeu a explicação, mas novamente perguntou quando viu o Mr Embrujon parar num Singapura (prédios populares). - P...que me pariu três vezes só este ano... Thassilene,mas espere aí;ele não mora no Morumbi? -Lógico que sim,não ouviu ele dizer seu babaquara... Provavelmente ele vai dar uma palestra de “Estratégia e marketing” para as pessoas carentes do bairro e pare de fazer perguntas idiotas seu irritante, parece uma vitrola cacete! ...Deixe me dirigir, e escute a merda do radio seu purgante! -Não tem radio nesta bomba-relógio Thassilene! Ela passou a mão sobre os loiros cabelos e pensou: “P...que pariu,onde estava com a cabeça de oferecer carona...” Jodeclilson tentou jogar um xaveco, mas as únicas respostas dela, basicamente eram: "É”, “só”, “isso aí” ou “falou”...Para uma pessoa com pouca eloqüência ,dicção limitada a palavras de baixo calão e que sofria de uma TPM constante,Thassilene nem parecia ser formada em administração de empresas em Ohio,Massachussets . Thassilene a certa altura da conversa de saco cheio de levar cantadas baratas, perguntou a Jodeclilson se ele era casado e este respondeu:- Não, sou”amigado” com uma garota,mas se aparecer outra melhor troco na hora...Como você, por exemplo. -É Jodeclilson sua mulher deve ter muita raiva da periquita dela, para ficar com um bosta como você! -Não, é que sou irresistível mesmo! -Um dia ela te enfia o pé na bunda e eu vou rir muito.

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-Pode ter certeza absoluta que sempre consigo outra para ficar comigo e ate mais bonita! Thassilene sentiu um arrepio no fundo da alma,e pensou consigo: Nem se você fosse o último homem do mundo,ou só se eu tivesse com um ódio brutal da minha valiosa e amada periquita! Ao chegarem,Jodeclilson pediu a Thassilene para parar o mais longe possível de sua casa,alegando que os “marronzinhos”ficavam por perto... Thassilene logo que saiu distraidamente xingando Jodeclilson de muitos nomes,não viu o caminhão de lixo e deu-lhe um esbarrão que quase arrancou o pára-lama do seu carro, e errada ainda xingou o pobre motorista de tudo que é nome feio alem de “enaltecer”grandemente a sua digníssima progenitora pela petulância de tê-lo trazido ao mundo,e ainda acrescentou: - Ficam deixando estas tranqueiras andarem na rua,e estes “meias-rodas”só fazem merdas! Parou em seguida e habilmente, com fita adesiva e durepoxi, colocou o para lamas no lugar. Os coletores tiravam um sarro:- Aí tiazinha, ta nervosinha bem? Ela falou tantos palavrões que quase ficou rouca e emendou:Na minha família não tem nenhum animal para gerar um asno como você!!!Filha da p...! Mas voltando a Jodeclilson, este chegou em casa ás duas e foi cair no sono que era o que mais gostava de fazer. O exame seria dai uma semana, Jodeclilson procurou seu amigo Tomé para ajudá-lo.Na sua opinião Tomé era um 51


“comédia”, mas como era excelente em matemática poderia ajudar muito e também era parente de sua esposa, não se recusaria em auxiliar (É o famoso, “venha a nós, vosso reino... nada”). Com ajuda de Tomé que tinha uma resignação muito maior que Jó (Personagem bíblico), a despeito de seu fronteiriço Q.I., Jodeclilson que tinha concepção docente de doutor "em coisa nenhuma”e cursos de pós-doutorado em “qualquer coisa ” alem da indolência sedal agregada a colapsos de narcolepsia (que lhe produziam letargo no meio das imprescindíveis explicações... mas que se foda Zzzzzronc, ronc, ronc) até que entendeu alguma coisa, veio para casa feliz, jogou o papel em um canto da casa (onde ficou esquecido) e pensou: - Mais tarde pego de novo e faço mais alguns exercícios, isto ai é baba! Tomé falou pra que eu estudasse muito se quiser passar no teste porque acha que sou um perdedor como ele...Que se foda mil vezes! Depois pego essa porcaria!(... zzzzzronc) e numa crise de narcolepsia dormiu o resto da tarde, acordou apenas para assistir o filme do “Cinema em casa” que repetia pela “enésima vez” o “clássico trash”: “À Ressurreição dos zumbis”,que tratava de uma batalha de zumbis que lutavam pelo domínio governamental de uma ilha varrida por uma bomba atômica e dizimada pela lepra, como o longa-metragem era bicheira voltou a dormir. Seu sono lhe custaria caro, mas foda-se um montão de vezes! (Como diria ele em sua impopular circunspeção sanitária). Os dias passaram normais com ele indo jogar bola na quadra com os amigos, enquanto sua esposa ralava o dia inteiro.

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À noite fazia algo diferente,assistia a televisão e conversava com Maria Madalena e dormia em seguida, após dois minutos. Quando sua esposa ia perguntar se tinha arrumado emprego ele já estava dormindo: ZZZZZZZZ, RONC, RONC e nem se uma granada explodisse ao lado da cama e lhe arranca-se um membro do corpo, ele acordaria: ZZZZZ, RONC, RONC, era outra crise de narcolepsia Zzzzronc. Maria Madalena o balançava e perguntava: -E aí querido arrumou um emprego ou ainda acredita num milagre dos céus? -Zzzzzzzzzronc...MMM...E eu quero saber de emprego agora e de milagre?Vá a uma igreja evangélica procurar o milagre sozinha e me deixe dormir!Zzzzronc P...que pariu tres vezes este ano, deixe-me dormir... Zzzzronc! Sua esposa era um anjo em forma de mulher e ficava louca de raiva,porem como era adepta da caridade,não reclamava da sua falta de sorte,talvez Jodeclilson fosse a cruz que ela tinha de carregar nesta vida... Jodeclilson mesmo dormindo repetia a frase:-Zzzzronc, ”Vou passar no teste e ficar rico,milionario,irei rasgar dinheiro”Zzzzronc e foda-se mil vezes Zzzzronc!! - Caramba “Jô”,vê se dorme quieto pelo menos...Puxa,trabalhei o dia inteiro! - Zzzzronc Foda-se mil vezes os cansados e Zzzzronc deixe-me dormir! Sua esposa não se conformava que Jodeclilson nem ligasse para ela, mas como discutir com um urso no seu sono hibernal depois de ter fumado um quilo de erva estragada? 53


No dia do exame, havia mais de cem pessoas na sala, Jodeclilson não se intimidou, sabia que uma das vagas era sua, estava determinado a passar no teste nem que fosse a força, pois como disse o Senhor Embrujon repetiu mil vezes em voz alta pelo quintal e dormindo que passaria, apesar dos vizinhos o xingarem o tempo todo: - Cale a boca Jodeclilson, senão rogo uma praga para você não passar! -Tá louco,até dormindo o cara é um mala! Naquele dia teve de acordar cedo para fazer o teste,e continuava a repetir as “frases de efeito” que Mr.Embrujon lhe ensinara, se dirigiu ao ônibus ainda repetindo, a certa altura o motorista lhe disse:- Meu amigo este coletivo não passa perto do manicômio, acho que você pegou o ônibus errado! Nem fez conta do que o motorista lhe disse:- Eu vou passar! (Repetia ininterruptamente)...E foda-se mil vezes seu mala! (Logicamente não era a segunda frase...) Continuou repetindo a miúde as frases até chegar ao escritório da empresa. A secretaria passou recolhendo os R$30,00 relativos aos exames escrito e psicológico era um pequeno custo diante da realização de uma vida, apesar de sua mulher pedir parte do dinheiro para comprar fraldas e leite em pó para as gêmeas que estavam a caminho, mas como dizia ele: - Nem nasceu ainda e você que fazer estoque de fraldas e leite em pó? E Madalena, foda-se mil vezes a sua coleção de fraldas, nem coloridas são,todas brancas,mas que coisa mulher!

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Voltando a “vaca-fria”,Jodeclilson já estava de posse da chave que poderia abrir a porta do seu sonho,embora no caso dele uma marreta fosse mais apropriado. Quando viu a prova,quatro folhas com cálculos financeiros,deu risada! -Isto aqui é baba meu camarada, vou tirar de letra.! O rapaz que estava na outra carteira coçou a cabeça e comentou com Jodeclilson: - Cara! Desde pós-doutorado de economia que não vejo tanto cálculo assim, acho que não vou conseguir! Jodeclilson do alto “éverestico” de seu 2ºgrau por eliminação de matérias sorriu cinicamente e pensou: -”Otário!” Menos um!. O relógio corria e Jodeclilson respondeu as questões sem pensar muito, pegava uma carreira e colocava a mesma alternativa em todas, "Vi isso no exame de vestibular!”, quatro horas depois entregou a secretaria, seu exame, constatou que a sala estava vazia: -Foda-se mil vezes... Melhor pra mim se estes otários desistiram!Pensou ele. Houve a correção da prova, e incrível: Jodeclilson havia tirado quase a nota mínima para se passar (que era 50), tirou 49 e meio, tentou descobrir algum erro do computador que corrigiu o exame para arredondar para 50, mas o ancestral I.B.M.”486” não quis papo, deu a mesma nota, mesmo com a obstinação de Jodeclilson em passar de novo no computador pela décima vez : -Jodeclilson seu merda,não esta vendo que a bosta do computador dá a mesma merda de nota todas as vezes seu bosta! -Ele só pode ter errado,não é possível, nunca tirei uma nota dessas nas provas com consulta na escola! 55


Thassilene sacudiu a cabeça,suspirou,e pensou alto:”P...que pariu,cada coisa que tenho de agüentar por uma bosta de salário...” Mesmo assim Jodeclilson foi aceito na “grande empresa”,e se dirigiu à sala de aula onde Mr Embrujon faria uma conferência sobre”Estratégia e Marketing”,entrou na sala cumprimentou os outros e sentou-se. Mr Embrujon igualmente fez seu preleção motivadora, com aquela colossal “injeção de ânimo” que com uma simples transfusão de sangue poderia ressuscitar uma múmia Egípcia de seu letargo milenário: -Amigos, agora que foram feitos componentes desta grande organização devo alertá-los sobre o prenúncio do esmorecimento e da acomodação por isso faremos reuniões semanais para avaliar seus desempenhos! Muitas pessoas tem direito ao “seu milhão”,podem ser um milhão de dólares,podem ser um milhão de minutos com a pessoa amada ou ainda um milhão de outras coisas que tornem os seres humanos um milhão mais felizes.Ninguém deve se bastar com pouco ,pensem em vitória e felicidade como se fosse uma moléstia cerebral que afetasse todos os neurônios e para os quais a cura fosse a obsessão de subjugar a todo preço! A todo o tempo comercializamos uma efígie as outras pessoas, somos comercializadores de conceitos,vendemos nossas idéias,por isso digo que tem de se imbuir desta obsessão de comercializar o nome da nossa corporação,pois só assim serão vitoriosos! 56


Não existe esta coisa de não vender uma imagem, se você não conseguiu vender sua idéia, a pessoa interessada, vendeu a idéia dele: Que não estava interessada! Por isso amigos, ajam de forma bem-sucedida, não deixem a pessoa argumentar,sejam suasórios,agressivos e façam sua aspiração prevalecer sobre a dele,quem tem a anseio mais forte subjuga o mais fraco,deixem o bloqueio de lado e reflitam:”Será que os grandes executivos desobrigaram-se de suas idéias mesmo quando eram duramente censurados?” Pensem nisto,amigos:”Em qualquer parte ininterruptamente tem alguma pessoa disposta a adquirir alguma coisa e compete a você saber comercializar esta coisa,se propagandear e revender sua opinião a todo valor como se sua história pendesse disto e no mundo em que vivemos só há um combustível que mobiliza as pessoas,o dinheiro”;”Você é ,o que você tem!”! E assim Mr Embrujon terminava sua aula com seu contagiante e metástasico pensamento de prosperidade...’ Sr Jodeclilson,gostaria de conversar em particular com você: -Meu rapaz, você parece estar muito determinado a conseguir a vaga vejo pelo brilho que tem nos olhos,o mesmo que tinha quando comecei aqui,você me parece ter inventividade e aspiração de sobras... È fato que não tirou a nota necessária para ser admitido sem ressalvas...Mas como sou um cara que “pago para ver”e gosto de defender quem tem aspiração já que muitos me apoiaram quando precisei, vou lhe propor o seguinte: Vou te dar estes prospectos de planos de assistência total e você terá que vende-los! Será a 57


forma de arredondar a nota e também um teste de resolução, para ver se faz direito a certeza que estou lhe depositando! Dentro do material há um livro que lhe ajudara muito a ter idéias e foi meu grande inspirador nos momentos de desânimo e assim deve ser lido com a ênfase de uma Sagrada Escritura, não se esqueça das frases de efeito que te ensinei, elas serão o alivio necessário nos períodos de irresolução, não se deixe arremessar pela compaixão da ruína,bloqueie um pensamento negativo com um positivo! Mr Embrujon era um Paramédico da neurolinguistica, especializado em “injeções de ânimo” e continuou... -Vá para sua casa agora,mas não se esqueça das reuniões aos sábados aqui na empresa para avaliação. Medite sobre tudo que aprendeu e quando se sentir preparado monte uma equipe de campo com seus amigos,porque o certo é colocar os outros pra trabalhar e você só supervisionar,assim trabalham os arguciosos,na retaguarda... As matriculas dos planos serão suas e da equipe que você montar, apenas me entregue os carnês,s, com autenticação bancaria e eu te darei em dinheiro as matriculas, é bem fácil!Se você executar esta tarefa rapidamente,lhe conseguirei um posto inferior ao estabelecido... Será assessor de gerente de street, sell,s e o salário não é muito inicialmente,só US$1000.Iniciais, mas é só enquanto for assessor, isto fora as comissões que podem chegar a US$100.00 por semana! Jodeclilson foi para casa montar sua equipe com a intenção de colocá-los para vender os planos e pensou:-Posso dar o apoio motivacional e logístico enquanto eles vendem! 58


Para tal empreita chamou seus “amigos”: Soneca, Tomé, Sapoboi, Nego-boiça e Jaboti que pouco estavam interessados,mas devido a falta do que fazer,foram escutar Jodeclilson apenas como forma de matar o tempo... E enquanto compartilhavam de um virginal cigarrinho chamado na gíria de”mentolado””,Jodeclilson colocou o quadronegro de sua prima e com um giz vermelho passou a esboçar seu plano assim como o Sr Embrujon tinha feito. Tentou dar uma injeção de ânimo neles,dizendo que ganhariam uns trocos,uma pequena porcentagem na empresa que Jodeclilson estava montando...Eles não estavam nem aí e diziam: -Você vai montar uma empresa na cadeia pião kkk! -Só você para acreditar nessa de “lucro fácil” Jodeclilson!Vou distribuir uma erva que é mais seguro...Se foda você e a empresa! -Fazer um “12”seguro,ta ligado?(disse outro,rindo mais...) Jodeclilson continuava na tentativa inútil de “injetar ânimo” e enquanto eles curtiam a “maresia”(embora não estivessem na praia) empolgou-se tanto com a palestra que estava dando que foi as lagrimas,já se achava o “Mr Embrujon cover”e nem reparou quando foram embora na surdina! -Vagabundos...É por isso que vivem na merda, não querem trabalhar, que se fodam duas mil vezes seus indolentes! Eu mesmo vou vender estes planos,é a baba do boi! Pegou o livro de 458 paginas intitulado: ”Desperte seu gigante interior”,com palavra-chaves e conselhos de caráter prático para uma vida melhor através da neurolinguistica e programação intelectual,o leu em duas semanas entre uma crise de narcolepsia e

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outra(ler dá sono) e gostou muito,apesar de não entender muito bem as idéias do autor. No sábado tinha reunião semanal,e a companhia pedia a contribuição simbólica de Dez reais para o lanche,Jodeclilson ainda tinha suas economias feitas ilicitamente e pagava sem hesitar,apesar de Madalena outra vez e mais uma vez lhe pedir parte do dinheiro para comprar fraldas e leite em pó: -E eu vou passar fome durante as reuniões Madalena? -Se você sabe do que se trata,porque precisa ir? Economize o dinheiro para chegada dos nenéns! -PQP,Madalena se você entende tanto porque não esta no lugar dele dando aulas? Estas reuniões são importantes para que eu assimile as idéias dos mais velhos da empresa e pegue macetes... Vou levar umas fraldas recheadas com presunto e queijo para comer durante a palestra e suco de leite em pó,afinal ta sobrando no armário! Maria Madalena ficou pensando no que Jodeclilson disse e saiu balançando a cabeça,mas depois resignou-se, pegou seu guarda-pó e foi para o ponto pegar o ônibus ... Mas era hora de trabalhar, (argh, argh, argh, argh, argh, argh, argh, argh, argh) e o gigante interior de Jodeclilson estava acordado apesar de também ser narcoléptico(ZZZZZZZRONC) e sofrer de lassidão crônica. E ele saiu à caça de clientela, começou pelos mais pobres da rua: -É mais fácil convencer os mais bobos! A conversa era mais ou menos assim: -Dna. Maria, Bom dia! Estou vendendo um plano de suma importância para sua vida que engloba todas coisas possíveis na 60


vida de uma pessoa e para os seus familiares pagando apenas uma mensalidade ínfima,algo que não pode faltar,que pode dar o devido alívio em todos os âmbitos que juntam o bem estar de todas as pessoas da família e que a nossa companhia se incumbe de se absorver por elas para terem uma existência tranqüila! -E o que é esta coisa inacreditável meu filho que nem os governantes que ganham regiamente,sabem fazer? -È um plano pioneiro no mercado que cobre tudo o que a Senhora pensar no âmbito médico,educacional e lutuoso, por um preço irrisório,dá para pagar com o pé nas costas e acostumar-se com o boi na sombra para o resto da vida! -Um plano de saúde que cobre tudo sem franquia alguma?Porque estou precisando de um urgente,os preços por ai estão pela hora da morte e se a pessoa for idosa não cobrem nem crise aguçada de diarréia sem receber um por fora e para pegar a fila do postinho preciso me levantar antes do galo cantar! -Então Dna Maria acabaram-se os seus problemas é um plano de assistência total,educacional,de saúde, inclusive funerário, com direito a jazigo, translado e caixão de mogno da Amazônia polido a mão, e a taxa de adesão é de tão somente, irrisórios e inacreditáveis R$700,00 e depois mais R$ 300,00 mensais! Dna.Maria colocou a mão sob o coração e branqueou o rosto e exclamou efusivamente: -P... que me pariu três vezes este ano! Você é quem precisa se tratar da cabeça meu filho,aproveite já que cobre tudo e se interne num manicômio pra tomar cartelas de Rivotril e Gardenal por semana! Você é louco meu filho?Isto aí é pra grã-fino que não tem

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nem de se preocupar em usar a mesma cueca todo dia...Não ganho metade disso de aposentadoria e já ta difícil de viver! ... Vou continuar no postinho que pelo menos é gratuito e quando eu falecer a prefeitura me enterra de graça! Falando em “de graça”,vou lhe dar um conselho: -Tenha um bom dia e faça um benefício a si mesmo,vá arrumar um terreno pra capinar ou catar papelão pela rua e não encha o saco dos outros com este pega-trouxas que você ta tentando empurrar seu pilantra,isto é tapeação! Blaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaaaaaam! A primeira portada na cara,o precipício pra um aspirante a vendedor,mas ele não esmoreceu, Jodeclilson pensou consigo: ” Já esta com o pé na cova e ainda quer um plano de saúde velha coroca? “ -Que vá para p....que o pariu três vezes só este ano ela... Vou ao bar tomar uma tubaína e lá ofereço para várias pessoas ao mesmo tempo! Chegando no bar ,pediu a tubaína no balcão ,tomou um gole e começou a preleção ,como fez com Dna Maria,usando a lousa do bilhar,expôs todas as vantagens e explicou os pormenores ...Um trêbado que não tinha o que fazer e nem falar o interrompeu com seu hálito de jibóia e a chateação habitual: -Mais eu ainda vou durar muito tempo,(emendou com uma marchinha de carnaval manjada)&eu bebo sim e estou vivendo,tem gente que não bebe e está morrendo! Um que estava no bar respondeu:-Aí “Jámorreu”,você não precisa de caixão ,a cachaça vai te derreter antes! 62


E o dono para pendurar mais ainda emendou:-Para que caixão? Junta o que sobrar num saco de lixo e joga no caminhão, depois pomos uma lapide em forma de litro lá no lixão municipal com um belo epíteto em tributo a um ignorado cachaceiro! Foi uma gargalhada total, que ecoou no bar, e o bêbado que era um “inculto iletrado” ficou uma arara com a gozação e começou a recitar estros de porta de banheiro, mas ninguém prestou atenção nele e continuaram conversando. Havia quatro caras que estavam jogando bilhar e começaram a se desentender a se empurrar, dar safanões: - Aí comédia, ta dando vacilo? Vou puxar sua cordinha mano... Perdeu e vai pagar loco! -Vou deixar você “falando”,ta ligado ”ladrão”não vou fazer presença! O rapaz que falou isto,virou para Jodeclilson e perguntou: -Aí Locke! Este seu bagulho cobre tudo mesmo? -Tudo! Exclamou Jodeclilson e emendou:-Se for preciso enterra o sujeito até no globo lunar. -Então mano,vou te “representar”nesta fita ,porque o comédia aqui vai precisar de um adianto...Não sabe sumariar as idéias e vai virar saudade ,ta ligado! -Pelo que entendi você vai me dar uma força camarada, vai ficar com quantos ? -Não eu não vou ficar com a parada,mas dois aqui vão precisar mano, ta ligado? Arrancou um trêsoitão da cintura e começou a atirar nos desafetos do bilhar: -Pou.pou,pou,pou,pou! 63


Até o pobre bêbado(que continuava recitando) levou um pipoco de uma “bala achada”para ficar quieto,os meliantes correram para um abatido Fiat 147 e saíram arrebentando dali,(não sem antes empurrarem o carro para pegar ,é lógico). Por sorte uma viatura vinha passando por perto e populares pediram sua intervenção no bar,os presuntos foram recolhidos pelo carro do I.M.L.,o resgate socorreu o trêbado que quase morreu quando fizeram a transfusão,mas o médico descobriu a tempo que a dosagem sanguínea no seu sistema alcoólico estava alta,lhe deram uma injeção de álcool etílico,e ele passa bem. Os demais foram levados para a delegacia prestar depoimentos da chacina,Jodeclilson foi um deles. Na “delega” Jodeclilson respondeu algumas perguntas e depois tentou comercializar um plano ao comissário,como este não estava interessado mandou que gentilmente um investigador o acompanha-se até a porta, e ele delicadamente lhe deu uma bicuda na bunda ,para promover a sua descida pela escadaria com maior presteza. Jodeclilson não esmoreceu mesmo diante do negríssimo quadro que se pintava,bateu a poeira da roupa e levantando-se foi a caminhar,já era tarde,havia escurecido e ele não tinha um real para um lanche...-Mas foda-se mil vezes! Como diria ele na sua impopular contestação filosófica lúbrica. Contornou a fome com a vontade de vencer ,afinal Mr Embrujon havia lhe ensinado a bloquear um pensamento negativo com um positivo. Passando na porta da necrópole,um homem vestido de preto lhe deu um “cavernoso” boa noite; Jodeclilson resolveu voltar,e 64


aplicar as frases de efeito que Senhor Embrujon lhe disse:”Nunca vá para casa sem antes fechar um negocio,quem deixa para amanhã o que pode fazer hoje,aumenta o seu caminho para vitória!” Puxando conversa com o homem,começou a lhe explicar o plano de assistência funerária,e o homem dizia: -Meu filho,eu não preciso mais disso! -Ah! Já sei o sr tem outro plano? Mas lhe garanto que não cobre o translado do cadáver para outro estado! -Já lhe falei ,nem de condução eu preciso mais! -Mas senhor,você não pode contar com ajuda de amigos e parentes numa hora dessa,é para isso que serve o plano,para deixar a família tranqüila em um triste momento como este,inclusive há acessória psicológica para os familiares,coberta pelo plano. -Meu filho,onde estou não preciso destas coisas! -Se o sr é tão abastado que tem jazigo privado, é mais um motivo para fazer o plano para seus parentes menos favorecidos, e o Senhor os estará amparando num momento delicado! -Nem eles estão precisando! -Bom tentei convencer o Sr,de que um dia irá precisar,vou lhe deixar meu telefone... -Não é necessário,aonde vou não preciso de telefone. -Onde o Senhor mora,na floresta amazônica? -Não,é só ir a uma sessão espírita! -O sr é pai de santo? -Não camarada, estou morto e com licença ,preciso voltar para minha sepultura seu mala!UHUHAHAHA! Jodeclilson sentiu um arrepio que percorreu todo seu corpo quando o homem atravessou a parede do cemitério na sua frente, 65


Jodeclilson fez o sinal da cruz umas trinta vezes e nem olhou para traz, apos percorrer dez quadras em cinco segundos começou a rir e pensou:- Acho que foi a fome... Estou tendo alucinações, mas foda-se mil vezes todos os zumbis e fantasmas! E riu bastante, já dava o dia como perdido. Quando passando em frente a uma casa de repouso, um homem com uma insignificante camisola (que lhe deixava a mostra região glútea) o chamou:- Hei você, pshhhh!O que esta vendendo? -Planos de assistência total,inclusive funerária! E realizando todo procedimento,explicou ao homem de camisola os benefícios. - Rapaz...A gente não sabe o que o futuro nos reserva!.(disse ele) -Então,o Sr vai querer o plano? -Lógico vou querer, quatro,para mim e meus parentes! Jodeclilson pegou a caneta e começou a preencher os formulários e perguntou: -Qual é o seu nome? -Napoleão Bonaparte! -Bonito nome! E de seus parentes? -Carlota Joaquina, César Calígula e Genghis Khan! -Por um acaso não tem a Maria “a louca” também aí? -Não, por enquanto ainda não internaram a sua mãe ou ela fugiu daqui quando deu a luz a sua digníssima pessoa amigo... -Minha mãe não se chama Maria! Jodeclilson não entendeu muito bem o trocadilho do homem, mas insistiu na oferta: -Isto não vem ao caso sobre quem é filho de quem,mas você quer os planos? 66


-Vou sim, por favor! - Vai ser em dinheiro ou cheque? -Vou fazer um cheque, me fale o valor de todos os planos! -É de R$700,00 por pessoa a taxa de adesão, dá o total de R$2. 800,00. O homem preencheu o cheque e deu a jodeclilson que lhe deu os carnê,s para serem pagos mensalmente no banco,eram taxas de manutenção. Foi para casa feliz e realizado o dia havia sido próspero apesar dos contratempos. Chegando em casa,mostrou a sua esposa Madalena o cheque e contou sobre o que havia acontecido e começou a traçar planos,para quando estivesse empregado: -Vou comprar um Tempra zero,uma CB500 zero,um aparelho de Home Theather,muitas roupas de marca e...(Interrompido por Madalena): -Porque primeiro você não compra uma casa para nós já que vai ganhar tanto dinheiro assim? -Você esta louca Madalena? Moramos de graça, meu pai nos dá até a compra do mês, vou perder esta mordomia tem de capitalizar pra poder investir em outras coisas mais importantes! -È temos de comprar mais fraldas e leite em pó para a chegada dos nenéns! -Este papo de novo Madalena pela milésima vez P... que me pariu três vezes este ano,não é possível você precisa de tratamento urgente para esta sua compulsão,tem de tomar Rivotril e Gardenal igual bala para ficar boa logo!

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Ele ainda continuava a traçar seus planos a sua esposa,mas ela estava tão cansada que dormiu antes dele terminar de contar o seu dia: -Que mulher mole,só porque esta grávida, trabalhou o dia inteiro,foi tomar conta de criança,estudou á noite,lavou roupa,limpou a casa e fez a janta está nessa moleza,é por isso que nunca vai ter nada,esta sempre cansada! . Acordou fulgurante no outro dia... Já eram 14:30, mas ele resolveu dormir mais um pouco.-Ainda esta cedo, trabalhei até as nove da noite ontem! Dirigiu-se ao prédio da companhia para fazer o acerto e receber sua parte,finalmente a vitória estava próxima,sentia até o gosto dela na boca. Jodeclilson já pensava no primeiro dia de serviço,nos mil dólares mensais,na mesa de escritório que o aguardava com uma secretaria igual Thassilene (que ele já pensava em aliciar no mundo dos sonhos) . Eram tantos sonhos que ele vinha cantando e mexendo com todas meninas na rua: -E aí gostosa! Quero ver se vai fazer doce quando eu estiver no meu Omega! -E eu vou dar bola para um vagabundo como você Jodeclilson,se liga Mané! -Sai pra lá pistoleira,quando tiver meu apartamento não te convido pra ir nele,você é muito metida! Vá lavar as suas calçolas sua “vagaranga”! Quando adentrou ao prédio,já podia sentir o gosto da vitória,a faixa de campeão,a medalha de ouro da realização pessoal o 68


aguardava,seu ego estava tão inflado quanto hidrogênio de um dirigível ...Tinha sido difícil,quase impossível,até lembrou que eram cinco e ele só vendera quatro ,mas e daí? O Mr Embrujon já havia lhe quebrado o galho antes e quebraria novamente já que foi com sua cara,ele havia feito o impossível,vendido quatros planos num dia só e para a mesma pessoa,provou que era persistente,justamente o perfil que a empresa mais gostava! ...Sabe quando você esta com aquela mulher de seus sonhos,perfeita,assimétrica com generosas ancas e volumoso busto escarpado,rosto de princesa e um beijo do néctar dos deuses e esta quase para atingir o clímax? Era assim que Jodeclilson se sentia,quando se dirigiu ao Senhor Embrujon e apertou-lhe a mão com firmeza,lhe entregou a pasta e o cheque... Mas o acaso jogaria água no seu chope,nas decididas palavras de Mr Embrujon que a esta altura fazia a função do macho chifrado que pegava o “Ricardão”justamente em cima da dita mulher(já que nota boa,nunca fica sem dono),armado com uma escopeta carregada com cartuchos pra deitar abaixo elefante e disparando o tirombaço letal que põe fim a carreira do prematuro”Dom Juan”com um tiro mortal de sal na bunda: -Meu jovem infelizmente você não cumpriu o intento estabelecido que era de cinco planos,eu já havia lhe dado a chance mesmo sem você tirar a nota necessária, não posso abrir uma exceção novamente pois todos cumpriram as metas e seria injusto com quem se esforçou, mas você não sairá de mãos vazias... Vou lhe dar a comissão de praxe da empresa, 10%!

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Mr Embrujon fez as contas e deu um cheque de R$280,00 a Jodeclilson, e num envelope devolveu a carteira de trabalho que havia sido pedida para registro. Pobre homem chorou todo caminho de volta molhando a rua ladrilhada dos seus sonhos com amargas lagrimas... O sonho tinha terminado melancolicamente,o pão fora tirado da boca na hora da mordida,”esvaiu-se em fumaça a grande chance de ser um vencedor“: -Que tirania por causa de um plano não fui aceito na Grande empresa! Eu não merecia acabar assim, nasci para ser um vitorioso...E agora o que farei da minha pobre vida? Uma profunda crise de narcolepsia se abateu sobre Jodeclilson, que não saia da cama nem para fazer xixi (arrumou uma garrafa de dois litros, de coca cola e deixou ao lado da cama) e assim se passou o resto do dia... Pobre Madalena... Tentava lhe animar, tentando dar aquela injeção de animo,palavras de consolo,mas como ela era mais realista que Mr Embrujon elas não saiam tão inspiradoras... Dizendo que haveria outras oportunidades talvez não tão boas,nem para ganhar muito dinheiro e que talvez não exigem inteligência aguçada ou habilidades indispensáveis e que fossem aceitas qualquer tipo de pessoas mesmo que os mentalmente desafiados: -Bom”Jô”...Se você tivesse curso de...Você é especializado em... E pode trabalhar na...Também tem aquela firma que esta contratando um...,Bom tenho certeza que conseguirá alguma coisa no... Também tem aquela agencia de empregos que esta precisando de...Ah bom,não sei o que dizer,deixa pra lá! 70


Jodeclilson com os olhos cheio de lágrimas e a cobiça ferida vendo que uma grande oportunidade de se dar bem tinha ido embora,mandou ela calar a boca: - Vá trabalhar Madalena,senão não poderemos tomar fraldas...Quer dizer,comer leite em pó...P que pariu mil vezes to ficando louco também com esta sua mania de coleção! Com o cheque comprou um jogo de uniformes,um tênis e uma bola para jogar com seus amigos no seu time, apesar de Madalena quase implorar pela “trecentésima” vez uma parte para comprar fraldas e leite em pó para os nenéns que estavam a caminho,mas ele foi retumbante: - Eu ganhei, e eu vou gastar! Se eu fosse na sua onda íamos usar fraldas como uniformes e tomar leite em pó como energético durante os jogos...E quer saber de uma coisa Madalena: -Porque você não arruma um emprego numa fábrica de fraldas? E pare de encher o saco, foda-se mil vezes a sua coleção de fraldas e latas de leite em pó,vá procurar um psiquiatra maluca! E concluindo ainda disse:- Mas que mulher mais mala... Só pensa em fraldas e leite em pó o tempo todo. Onde estava com a cabeça quando ficou grávida? Devia ter casado com o filho do dono da fabrica de fraldas e pedir a ele que comprasse uma fabrica de laticínios ! Madalena depois de ouvir tanta merda falada aos borbotões, ainda teve de fazer uma penosa opção: Comprar um vestido preto(de luto)ou pagar o cheque devolvido do Sr Embrujon, porque o dono da loja, mandou o cobrador “Betão Pedrada” receber de qualquer jeito, ainda que tivesse de arrancar um rim ou

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um braço para pagar. Como viu que ia feder para o seu lado, Jodeclilson sem ter onde correr, machisticamente disse a ela: -Pague logo esta merda de cheque Madalena, você não faz nada com o dinheiro que ganha mesmo, só compra fraldas e leite em pó e já esta abarrotando os armários! Maria Madalena era uma alma tão boa,divina e altiva ,que pagou o cheque chorando e pediu a Betão que não fizesse nada com Jodeclilson,argumentando que não se pode culpar um débil mental por seu comportamento idiotizado. Maria Madalena se trancou no quarto, meditou muito sobre tudo durante horas e chegou a um sumo instante de iluminação: Havia pagado sua pena por várias e várias encarnações...Se existisse o tal”Karma”,ela estaria com crédito ilimitado por mais dez reencarnações;Se houvesse juízo não poderia ser julgada,por já ser muito martirizada... Sendo assim resolveu deixar a vida seguir seu curso e deixar Jodeclilson progredir só na sua marcha de desenvolvimento intelectivo e espiritual. Devia ainda pleitear junto a Deus de subir direto ao firmamento com corpo e tudo, pois a mulher que ficasse com Jodeclilson devia ser canonizada em vida. De saco cheio Madalena saiu da casa chorando compulsivamente não pelo fim do casamento mas por ter cometido um erro tão grotesco. Chegando a infalível conclusão que demorou demais pra tomar esta sabia decisão,finalmente tomou consciência da enorme merda que havia feito ao se juntar com ele,mesmo com as amigas que lhe falavam o tempo todo: - Deixe desse vagabundo Madalena...isto é pior que encosto!

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Mas ela pobre,achava que com sua paciência(e obstinação),poderia transformá-lo num ser iluminado ou qualquer coisa parecida,porque(pensava que) conseguia enxergar qualidades que os outros não viam(provavelmente com a ajuda de uma lupa)...Logicamente,isto sem mencionar a reentropia mental que ele necessitava. Esta escrito... “Aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra”, Madalena entendeu que não precisava de um milagre extraordinário que conseguisse transformar Jodeclilson em ser humano...Poderia usar a mesma fé para repartir as águas do oceano como fez Moisés e fazer algo mais produtivo com esta confiança colossal. Certamente havia opções melhores como a vida de clausura total e a abstenção ou o monastério,não era preciso esperar Jesus voltar para fazer um milagre de multiplicação dos neurônios...Era mais fácil largar de Jodeclilson e procurar alguém que lhe desse valor e foi o que ela fez,saindo numa boa. Entendeu que o exemplo de Santa Catarina que orou durante quarenta anos pela conversão do marido, não deveria ser seguido, mas apenas admirado...Como alguém podia ter uma paciência colossal,tamanha resignação, para agüentar um mala por tantos anos!. Jodeclilson não fez nem conta quando viu Madalena deixar a casa determinada a nunca mais voltar, pois ao seu ver, se livrara de um peso que não queria mais carregar, embora fosse praticamente sua esposa que o sustentasse e fizesse tudo na casa: -Já vai tarde acionista majoritária da fabrica de fraldas!

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Jodeclilson ficou um bom tempo em casa, curtindo a narcolepsia indolente e a inércia ensolarada dos sábados á tarde, só arrumou outro emprego porque um amigo lhe ajeitou e ainda passava em casa nos primeiros meses para pegá-lo, já que tinha comprado um fusca zero quilometro: -Isto não é carro que se apresente Wladson,fusca? Não dá nem para pagar de boy! -Já que reclama tanto Jô, vá com sua limusine “popular” de seis rodas e com chofer que para onde você quer! -Que serviço “extraordinário” é este que não conheço? -Chama-se coletivo urbano e em qualquer ponto você pega um,para qualquer lugar. -Será que não tem um para a p... que te pariu! -Se existir tal lugar,com certeza sua mãe foi para maternidade de lá quando você nasceu e jogou a criança fora e criou a placenta! Os dois deram muitas risadas e se encaminharam para o primeiro dia de trabalho, Jodeclilson sonhava que provavelmente algum cargo de chefia o aguardava e que finalmente seus préstimos intelectuais seriam reconhecidos,fez um currículo imaginário admirável e preencheu a ficha e colocou inúmeras habilidades: -Sr.Jodeclilson,se você tem todos estes cursos,especializações e aptidões que estão escritos aqui,porquê pleiteia um simples cargo de gerente ? -Tenho tudo isto sim,é que sou muito modesto pra ambicionar tanto e não ligo pra ganhar muito dinheiro! -Me diga então qual a escola que lhe formou em ciências da administração,onde esta o certificado de conclusão?

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-Ah foi na Faculdade de Ciências Contábeis de Piramonbonga e o certificado o cachorro de casa comeu ele... -Humm nunca ouvi falar dela,mas porque o cachorro comeu um certificado...De certo achou que se transformaria em Técnico de Administração por osmose? -Não,não foi por isso,foi porque tinha se molhado... -Ele saiu na chuva? -O cachorro? -Não,o certificado de conclusão! -Ele estava na minha bolsa... - A bolsa se molhou então? -Sim, caiu num rio... -E o senhor pulou pra pegar? -Não,chamei um bombeiro... -O Sr chamou um bombeiro para salvar um certificado? -Não,para salvar o cachorro que tinha pulado atrás da bolsa. -E salvou o cachorro e a bolsa onde estava o certificado que você pois para enxugar no varal... e o cachorro comeu ele? -Sim foi mais ou menos deste jeito mesmo... -Nossa daqui a pouco você vai me dizer que um alienígena pousou em seu quintal e abduziu o cachorro...Ah deixa pra lá então! Foi aplicado um teste psicotécnico,para que fosse avaliado pelo departamento pessoal e dois dias depois foi aceito sem delongas,mas ao chegar no supermercado e ser apontado para a função que desempenharia ficou pasmo... -P...Que pariu,pensei que era o cargo de gerente! -Como você quer o cargo de gerente se nunca trabalhou nisto? 75


-Os mais arguciosos têm de trabalhar nos cargos de chefia, meu amigo! -Acho que pode até ser verdade, mas no seu caso esta regra não tem exceção Jodeclilson, já que nem para o departamento de limpeza você seria apto pelo teste e olhe que ainda assim resolvemos lhe dar uma chance porque o Dono queria fazer uma boa ação hoje e precisamos urgente de funcionários para diversas vagas sem qualificação! -Como não passei... Impossível! O teste parecia tão fácil! -Poderia ser fácil realmente, mas por incrível que pareça o senhor não acertou nenhuma questão... Sinceridade deveria pedir de volta o dinheiro que gastou no Curso de Administração! Jodeclilson pensou bem e resolveu aceitar o emprego, até aparecer algo melhor, quem sabe na próxima encarnação apareceriam melhores cargos ou ele já nascesse multimilionário. Ele conseguiu um emprego de empacotador, no supermercado “Pag-Mais &Leve-Menos”, uma rede de abatimentos e prazos extensos, e se deu até bem no serviço, pois não exigia uma aptidão intelectual muito grande apenas embalar a mercadoria no caixa. Jodeclilson tinha um pouco de dificuldade pra levantar as 12h00min, mas foi o caso de se colocar dois despertadores com uma hora de diferença entre um e outro e tudo bem. Passado um bom tempo, adivinhem quem apareceu com seu gol (f a argh)?. Thassilene apareceu um dia no mesmo gol bege baleado, para comprar óleo de motor. Ao vê-la Jodeclilson pálido quase sem voz exclamou:

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- P...que me pariu dez vezes Thassilene,não é possível que você ainda esta com esta jabiraca asquerosa...Aff você deve estar pagando promessa! Thassilene respondeu sem graça:- Não gostei do banco de couro vermelho do Golf alemão, ficou espalhafatoso demais e resolvi vender o carro para o Senhor Embrujon, já dei a entrada no modelo novo, o VR6 especial, que a concessionária vai me entregar daqui a alguns dias e terei de continuar usando este por enquanto... Eles ficaram ali trocando idéias por um bom tempo, Thassilene era muito bonitinha e Jodeclilson jogou “um psicológico” nela, já que estava sozinho e como dissera Mr. Embrujon...”O que uma mulher bonita precisa é de uma boa cantada e os que ousam,acabam conquistando a bela mulher”,não era bem isso o que ele quis dizer,mas como diz aquele outro dito:”Quem não tem cão caça com gato”,então Jodeclilson aproveitou da carente ! Com muita raiva de si e precisando de carinho, infelizmente ela caiu...Thassilene parecia macambúzia, desolada, desesperançada e deprimida havia chorado muito aquele dia... A esta altura,muitos devem se estar perguntando:”Como calhou esta desgraça?” A mais que tosca elucidação, jamais poderia justificar o que se passa na cabeça de uma belíssima mulher que sempre escolhe o pior... No entanto,ainda assim vou tentar elucidar o inexplicável,ou procurar a ajuda de um místico, um psiquiatra,um filosofo,ou um esculápio para entender uma mulher,ou pelo menos tentar esclarecer porque seres tão maravilhosos são capazes de ações tão equivocadas(foi mais ou menos assim): 77


A esposa do Senhor Embrujon descobriu”meio que por acaso” que ele tinha um lance com Thassilene e a mandou embora por justa causa,já que era dona de tudo o que o Mr Embrujon possuía. A pobre saiu “nu, pelada, e com a mão no bolso”sem nem ter onde morar ,e o Sr Embrujon como é costume de um execrável,que só quer se aproveitar de uma bela mulher,não moveu uma palha para ajudá-la . E pior,havia uma investigação em curso da Policia que estava na cola de Mr Embrujon há tempos e Thassilene já sabia que ia ser envolvida através de um amigo que a casa estava para cair. Todos os bens do Sr Embrujon estavam no nome de sua esposa,e ele dizia a deslumbrada: -Calma Thassilene meu docinho,assim que a minha mulher se recuperar da operação que fez ,vou separar dela e me casar com você. Thassilene naquele dia tinha pensado em se trucidar, ela que era muito esperta tinha levado uma volta. Mr. Embrujon”o rei do aplique”,tinha lhe sobreposto um violento. Foi um baque tão bestial,uma punhalada nas costas digna do histórico”Brutus”. Thassilene estava com tanta raiva dela mesma por levar um golpe tão duro e olhem que todas suas amigas a alertavam há tempos: -Thassilene ele está te enganando sua zaina,vai te passar a perna! -Vocês estão enganadas suas invejosas, ele é louco por mim! Contestava. Outra amiga lhe advertiu:- Thassilene,o Armando...Quer dizer,o Ademar tem um rala e rola,do qual resultou um filho com uma

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amiga minha e há dez anos ele fala que vai largar da mulher para ela! -Mas ele falou disso e não a ama,não tem nada com ela, ele ama a mim! -Ama nada, quer aproveitar de você que é bonitinha! -Você tem inveja de ele ser bem sucedido! -Um homem que nem o nome verdadeiro fala aos outros, você já viu a identidade dele? -Não nunca vi, mas o que isto tem de mais? -O nome do Sr Embrujon é Ademar Alves dos Santos! -Como que você garante isso? De posse de muitas informações, a amiga de Thassilene,trabalhava para um advogado e numa pasta,toda a sórdida e podre vida de Mr. Embrujon estava exposta como uma ulceração aberta na epiderme social... Mostrando um(dos milhares) cheque devolvido do Sr Embrujon,fotos de tudo,ela mostrou o verdadeiro nome dele,mostrou também a copia de um kilométrica capivara,onde havia o nome que citou e a alcunha que usava para dar estes golpes repetidas vezes,”Armando Embrujon”,e para confirmar,ainda deu o endereço,mas Thassilene contestou: -Imagina que ele mora no Singapura! -Imagine que ele tem um Jaguar e mora no Morumbi sua zaina! -Mas eu vi o Jaguar na oficina. -Você viu aquela jabiraca que diz ser do jardineiro, mas é dele! -Imagine que alguém que pudesse ter um Jaguar,iria andar de T.L. sua ridícula!

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-Thassilene,escute amiga não quero ver você sofrer,tudo isto é armação,tudo que ele tem esta no nome da esposa dele para que a justiça não tome,ele tem mil processos nas costas! E para piorar ainda mais, mostrou que nem a T.L. estava em seu nome,mas no da sua esposa que morava no Singapura,mostrou o D.N.A do filho da sua amiga comprovando o que dizia,mas por mais provas que apresentasse vendo que Thassilene estava irredutível,ainda acrescentou: -É Thassilene por mais provas que eu te mostre,você esta fascinada pela paixão por este abominável,vou deixar você tomar no rabo mesmo! Vai ser tonta assim na p...que o pariu tomara que você fique grávida dele e ele te dê um pé no traseiro! Hoje ela via a quantas estava enganada, suas palavras desciam amargas pela garganta,puxou tanto o saco e agora estava abandonada a própria sorte... As amigas a avisavam constantemente sobre esta possível rasteira que Mr Embrujon era mestre em dar e já havia dado em varias mulheres. Thassilene estava com tanta raiva dela mesma, que havia pensado em colocar uma calibre doze "naquele lugar”, e estourar tudo puxando os dois gatilhos de uma vez ! Pensou em se embebedar até a morte tomando um coquetel de ácidos; Em se jogar numa rodovia movimentada e virar pizza debaixo de um caminhão !Pensou em pisar até o fundo no gol e jogá-lo num poste de frente,mas depois ponderou: -Preciso devolver o carro para concessionária para pegar o novo e no mais a vida continua!(A cegueira era tanta que até mesmo a ela enganava-se coitadinha!) 80


Tanta era a raiva dela por ser mulher,sua recriminação era intensa,ela queria achar uma forma de se punir...Mas ela imaginou algo pior do que se amarrar a uma bomba atômica ou se expor ao vírus ebola ou, pior que isso, se inscrever num torneio de vale tudo e chamar o campeão de “frutinha”até ele cansar ou ainda se fosse possível e plausível ,se oferecer para ser sacrificada num cerimonial demoníaco para se acoimar e essa idéia infelizmente calhou na hora certa para Jodeclilson: “Vou ficar com este merda por enquanto,pelo menos terei onde morar uns tempos ! E suspirando acrescentou:” Quem sabe depois que a raiva passar,eu até largo dele”. Suas amigas ficaram pasmas com a sua atitude suicida:Thassilene sua sacrílega, porque não entrou para a legião estrangeira? -Infelizmente eles não aceitam mulheres! Disse outra amiga... Só que sua autopunição, foi maior que pensava por um descuido fatal por ter um ciclo menstrual totalmente desregulado onde vivia de TPM 30 dias por mês ,Jodeclilson a engravidou na primeira semana em que ficaram juntos... A praga que sua amiga rogou foi ainda pior do que o pior do pior de péssimo,aterrorizante ou desesperador que ela havia pensado. Mas como quem já cagou na entrada...Ela acabou se conformando com a sua sina de sempre acabar com canalhas como dizia a sua mãe. E feliz por estar trabalhando e com uma mulher bonita , pois Thassilene apesar da baixa estatura era realmente bem bonitinha,brava como onça-pintada e pegava bastante no seu pé. 81


Jodeclilson acordou cedo (argh) pra trabalhar(argh,argh) no supermercado(argh, argh, argh ) onde começava a ganhar um salário muito bom pois tinha sido promovido. Um providencial colapso de Narcolepsia o derrubou em pleno serviço e ele foi tirar um cochilo depois do horário de almoço no depósito. O dono o pegou dormindo sobre as caixas de papelão,deu-lhe uma bica na bunda, comeu o toco dele sem piedade e o mandou ir trabalhar... –Vai trabalhar seu vagabundo,acordou com a cama nas costas hoje é? Revoltado ele mandou o dono tomar em todos lugares presumíveis,imagináveis e inimagináveis e até ainda não inventados ou descobertos,só com a passagem de ida: -Nem meu pai deixo pegar no meu pé quando faço cagada,porque vou consentir que um bronco como você pegar? Só porque é dono de uma rede de supermercados acha que é melhor que eu? Um dia também serei rico e não terei de me submeter um emprego grotesco como este onde poderia ser um gerente e sou um misero conferente de tanto implorar por uma promoção...Que se fodam mil vezes todos aqui! -Não te mando embora sem direito por eu ser muito cristão e quero evitar um processo trabalhista seu saco de bosta,saiba que só te dei a promoção de tanto você encher meu saco toda vez que me via aqui,esta despedido imundice. E assim Jodeclison perdeu seu ofício de conferente sem nem se lastimar e pensava em processar o dono por “coerção após a

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letargia”,mas (por sorte do dono e dos psiquiatras também) este artigo não constava no código trabalhista. Foi para casa cair no sono que estava fatigado demais,gastou neurônios demais para explicar filosoficamente ao Dono do supermercado o que ele perdia abusivamente um manancial infindavél de criatividade e motivação que poderia revolucionar todo o marketing de vendas no varejo mantendo-o escravo de tal infame cargo com um pífio soldo pela eternidade. Eram duas da tarde e ele foi pra casa descansar,mas ele se esquecera de uma coisa crucial:”Maria Madalena a benevolente não o esperava mais...” Thassilene tinha acentuada personalidade,apesar de atemorizante gosto para escolher companheiros e não tinha inclinação ou vontade alguma para santa e o único carisma que possuía era uma língua afiada para xingar e disposição para dar muitas porradas. Quando chegou do serviço arrebentada de cansaço,com uma enorme dor no lombo decorrente da enorme barriga que carregava, viu Jodeclilson distendido qual um semimoribundo pronto para extinguir-se de moleza no sofá da sala e ficou indignada com a folga do fidalgo... Enfiou uma bica de fazê-lo virar no ar e fazê-lo estatelar no chão,não sem antes parafrasear Jodeclilson xingando-o de todos os nomes presumíveis e imaginários e o mandou tomar em todos orifícios possíveis também, alem de esparzir vassouradas, lapadas, cacetadas,porradas e bateladas sem clemência...Depois de açoitar em alto grau,acalmou-se um pouco e lembrou de perguntar:

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-Jodeclilson seu saco de imundice, o que esta fazendo uma hora destas em casa...Não vai me dizer que perdeu o serviço...Eu te mato a cacetadas seu bosta! -Uma merda de emprego com um salario de bosta, nem gerente eu era! -Ah é, e como você vai se virar para pagar as contas de casa quando acabar o dinheiro? (Seu merda!) -Você esta trabalhando e ganha muito bem, você paga ate eu arrumar um emprego a altura de minhas aspirações, oras! -Vai se fo...Seu vagabundo,quer dar uma de machão comigo é? Comigo homem não canta de galo,tem de me tratar muito bem,ou apanha! Olha que vou te largar falando sozinho... -Largue então, ta cheio de menina a fim de mim por ai! -Vou te dar mais uma chance de não me perder seu lixo, quer dizer, seu bosta! -Não é, “seu merda”, agora... Querida? -Tanto faz, é tudo da mesma latrina... E querida é a p...que te pariu!...Pensando bem sua progenitora não tem responsabilidade, seu “doze meses”! Thassilene se lembrou de um “amigo”, que era gerente de uma fábrica de moveis e telefonou a ele para que desse uma oportunidade a Jodeclilson, Thassilene se humilhou para que ele o empregasse: -Por favor, Antenor em nome dos “bons tempos “que passamos juntos me quebre este galho!...Tudo bem que a vaga seja de vigia, você fez muito, obrigado! -Olha Jô “seu merda”, falei com meu amigo e ele disse para você ir amanhã cedo para trabalhar, não vai ter nem teste! 84


-Mas logo cedo, não posso ir à tarde? -Não e vá, por que senão vou te despedaçar na cacetada... Seu saco de bosta! -Já que era seu amigo, provavelmente me conseguiu uma vaga de gerente, não é docinho? -E quem disse que você pode ser isso? Você nem pensa seu sub-humanóide. É de vigia... E não me chame de docinho de novo ou te dou um tapaço no bebedor de lavagem! -Mas você vai me levar e trazer não é benzinho? -Porque tenho que fazer isto, você esta no “prézinho” neném? -Porque você é minha mulher, tem carro e estou mandando! -Você vai de ônibus e se não tiver “borós” vai a pé, de bicicleta, de trem, amarrado na asa de um avião porque você vai trabalhar ou te amarro num saco cheio de gatos e jogo dentro de um rio poluído! -De jeito nenhum, vou chegar cansado demais para trabalhar! Estou te mandando, me leve amorzinho! -E o dinheiro da rescisão do supermercado?...E não me chame de amorzinho de novo ou te dou um tapaço no escutador de novela! -Nem recebi e você esta me cobrando? -E claro, eu mereço uma indenização enorme por viver com um saco de bosta como você! -Para que te agradar? Sua grossa... Você quem esta grávida, não é eu! Thassilene ficou possessa de ira, pegou o pau de macarrão, correu atrás de Jodeclilson e lhe deu uma lapada que se fosse em outra pessoa causaria traumatismo craniano e coma intenso, mas 85


como ele não possuía um...Por fim depois de dar inúmeras cacetadas durante horas a fio em Jodeclilson desabafou por completo, foi para o quarto,pranteou durante horas na cama,fez suas malas e num longo suspiro decretou: - Fiz a maior merda de minha vida,quando me envolvi com o”Mr. Otarion” que não valia o peido que soltava,mas ao me juntar com você eu sentei em cima dela e agora você vai engolir todinha a seco só pra abrandar o meu mau humor ! Com o pau de macarrão partido ao meio na mão ainda advertiu:- Pode ter certeza Jô, você vai me pagar pensão, nem que eu tenha que vender um órgão do corpo para contratar um advogado, não descansarei um dia até conseguir! -Então venda seu cérebro sua maluca, você não o usa mesmo! -Vamos ver então se não vou receber pensão e uma boa indenização! Thassilene pegou as suas coisas e colocou no velho Gol a ar(gh)e saiu cantando pneus dali,chorando compulsivamente,mas determinada a nunca mais fazer cagadas em sua vida... Ela trabalhava como secretaria de um advogado há alguns meses era um Sr já idoso muito competente. Thassilene vivia chorando por qualquer coisa,até o Causidico resolveu ouvir sua triste história, decidiu pegar sua causa de graça, pois sua filha também havia caído nas garras de um” Jodeclilson da vida”, e disse :”É uma questão de honra fazê-lo pagar no mínimo pensão e indenização ou vou trabalhar de coletor se não conseguir!” E graças ao destino que resolveu sair da narcolepsia e trabalhar, Jodeclilson se estrepou feio mesmo, foi condenado pela justiça, teria de dar 30% da rescisão do supermercado a ela e pagar pensão 86


ate que a criança fizesse 18 anos e isto tudo de imediato ou iria para a cadeia, Thassilene com o bebê recém nascido no colo se deliciou ao ver que Jodeclilson seria punido: -Ta vendo seu merda, não falei que pagaria?...Vai pagar pensão seu bosta ou vai preso! Thassilene ainda advertiu que não teria o mínimo de dó de ninguém se ele viesse a ficar desempregado e não pudesse pagar... ”Deixou de pagar, vai para a cadeia passar férias Jô,ou vão seus pais,seus avós,seus tataravós,qualquer um que seja seu parente”! Tempos depois Jodeclilson havia chegado do serviço moído de cansaço, tinha depositado a contragosto a pensão pra Thassilene, chegou em casa quebrado de fazer horas extras... Tomou um banho breve de 40 minutos e junto com seus Pais assistiam o “São Paulo Já” na televisão, passou uma reportagem que lhe chamaria atenção: O Mr. Embrujon era preso em flagrante por Extelionato, fraude financeira e falsidade ideológica. A tal companhia era uma picaretagem total que já tinha tido diversos nomes fantasia. Nunca existiu de verdade em lugar algum do globo, era fachada, os planos eram furados e os testes ajeitados no computador para os mais idiotas passarem. Na verdade os supervisores de street-sells não existiam, o negocio era botar a turma para vender carnês e bater perna pela rua, arrecadar grana, vazar da cena com as matriculas. Os tais planos de assistência total? Não cobriam nem uma crise de diarréia, pois os carnes eram feitos com pouco papel. Tudo não passava de armação pra tomar o dinheiro dos bobos, tanto dos que

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vendiam quanto de quem pagava os carnes que não estariam segurados nem em um comprimido para gripe. Sentado na sala de sua casa ele assistia atônito a queda de seu “super-herói do pensamento positivo”, algemado era arremessado no “chiqueirinho” da viatura, que de modo alegre o transportaria a extenso descanso... Teria longo tempo para elaborar novas técnicas de “neurolinguistica” na cadeia! Tão inspirado como uma hiena com depressão agregada a uma crise aguda de“stress pós-inércia” ,Jodeclilson mais uma vez evacuou lingüisticamente da forma mais sem ignomínia, insípida, iníqua,inculta,inconsciente e desprovida de qualquer resíduo de inteligência sub-humanóide que poderia ser expelida pela sua cloaca imunda desprezível tambem chamada de boca: -Eu sabia que era armação desde o começo esta merda de Empresa, o papo dele é manjado por isso cai fora quando vi a arapuca, só alguem muito bobo que cai nesta conversa de já ser” supervisor” sem esforço algum e de lucro fácil sem esforço deste “Mr. Otarion”tagarela defensor da prosperidade! Exclamou convincente Jodeclilson e evacuou fecalmente do que chamava usualmente de”boca”,alias como só ele poderia : -Quero que se foda mil vezes o “Mr Otarion” ou como ele quer que se chame duas mil vezes e ainda que vão para p...que o pariu só com a passagem de ida três vezes todos os bobos que caíram na conversa - mole dele e investiram dinheiro nesta arapuca! Depois de algum tempo ficou desempregado pra variar afinal precisa descansar o cerebro para novos empreendimentos e acabou indo morar em um bairro badameco,já que foi tocado de casa pelos Pais que com muita raiva tiveram de pagar as pensões atrasadas de 88


Thassilene para não serem presos e Jodeclilson teve de se virar sozinho vendendo remédios clonados,assim começou a ganhar uma boa grana. Ele ainda se casaria uma terceira vez... Uma louca tinha perdido no ultimo minuto por um golpe certeiro da adversária um torneio de vale tudo que lhe valeria um excelente dinheiro para ajudar muitos parentes que era seu grande sonho e andava desgostosa da vida. Ao encontrar Jodeclilson chapando o Globo de cerveja num bar,resolveu afogar as magoas com ele que reclamava estar muito sozinho... -Você já foi casado Jô? -Sim por duas vezes e foram duas cruzes que tive de carregar por algum tempo... -Nossa, elas eram tão ruins assim? -A primeira tinha compulsão por coleção e ficava me pedindo dinheiro o tempo todo para a mesma coisa...Não podia me ver com dinheiro que já dizia:-Jô me de um pouco deste dinheiro para que eu compre fraldas e leite em pó! Adorava comprar fraldas e leite em pó todo pagamento que recebia,imagina...Só porque estava grávida de gêmeos encheu um armário todinho de fraldas e leite em pó. Ela acabou indo embora por causa de um cheque que recebi sem fundos de um trabalho em que dei muito duro,pedi a ela que cobrisse porque o dono do estabelecimento onde passei queria receber sob coerção ,pedi emprestado a ela e me deu. Resolveu ir embora sem nem falar nada e ainda tive de pagar um caminhão baú para levar pra casa da mãe dela o monte de fraldas e leite em pó que ficou na minha casa lotando os vários armários... A segunda 89


vivia de TPM 30 dias por mês,agüentar ela era terrível porque xingava muito o tempo todo e quando me via descansando depois de chegar do trabalho ,adorava bater em mim com vassouras,pau de macarrão,bambu de varal. Principalmente depois que ficou grávida,dai virou o coisa ruim em pessoa,fazia da minha vida um inferno e me chamava de”seu merda,seu bosta,seu coco,seu imundícia”, o tempo todo. Tinha um super emprego onde ganhava em dólares,tinha ido estudar nos EUA tudo pago pela Empresa onde trabalhava e queria que eu a bancasse dando metade do dinheiro de uma rescisão que recebi,até depois de decidir ir embora me acionou na justiça pedindo indenização e conseguiu me arrancar quase todo o dinheiro que eu havia dado duro durante 3 anos ...Imagine que ela comprou um Golf Alemão zero e queria meu dinheiro todos os meses para pagar as prestações do carro. P... que o pariu ela é quem tinha de me pagar pensão,porque enquanto ela andava de Golf zerinho,ganhando em dólares e pagando de gatinha eu andava de busão,a pé e de bike. -Caramba,você é um santo Jô para agüentar estas duas doentes mentais,se fosse comigo enfiava a porrada sem dó nas duas! -Vai me dizer que você que parece tão calma também tem problemas assim? -Não,imagina até que agora sou muito calma! Eu tenho um probleminha sim,mas me cuido,faço consulta no psicólogo,pratico Yoga e tomo remédio controlado certinho para a “T.E.I.” Jodeclison ficou pensativo um tempo o que seria aquele”probleminha”,mas como Erilaine era gatissima que isto não seria tão mau depois de dois casamentos ruins quem sabe acertasse a mão agora,novamente ela puxou conversa: 90


-Você mora sozinho Jô? -Sim tenho uma edícula,moro lá no Desemboque do Rio Pequeno. -Putz,não foi lá que o Judas perdeu as botas? -Só as botas? Pelo que soube,bateram nele ate a morte levando todos os pertences! Erilaine era muito linda e musculosa,cheia de tatuagens nos braços e pernas e altamente depressiva as vezes falava sozinha muita coisa sem nexo devido ao efeito colateral de um remédio muito forte que tomava e sua auto-estima estava tão pra baixo que aceitou o convite de Jodeclilson para conhecer a sua “kitinéte”e depois resolveu ficar por lá mesmo,morando com ele porque economizaria um dinheiro de aluguel: -Já que eu estava no inferno e não tinha como sair de lá porque trancaram a porta pelo lado de fora,namorar com o capeta não pode ser tão mau assim...(dizia ela) E ainda,(diziam as pessoas),ela lidava com magia negra,vodu,feitiçaria,tinha pacto,era bruxa ou qualquer coisa do tipo,pois conseguia pagar faculdade,ajudava a pagar aluguel,sustentava os Pais(que eram inválidos) e ajudar os irmãos casados que estavam desempregados ,vendendo frutas na rua em um carrinho de mão. Diziam a boca pequena que ela ganhava quase $5000,embora ela nunca admitisse... Depois que foi morar no bairro botou todos os ladrões para correr de lá,a maioria conhecia a fama dela e acabava por preferir ir embora a apanhar:-Vão trabalhar seus vagabundos ou vou enfiar a porrada em um por um e nada de me pedir fiado hein?

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De tanto escutar Jodeclilson reclamar da vida e andar de bicicleta vendendo seus medicamentos clonados Erilaine que era muito estourada( diga-se) mas tinha um grande coração, com pena lhe deu um carro novinho de presente de aniversario: -P...Que me pariu Laine,Uno Mille? Não podia ser um carro mais de acordo com o meu gosto? -Ah ta anjo,podemos fazer um acordo, a gente pode trocar por uma luta informal no “Octógono”,se você agüentar 5 minutos comigo te dou o carro que você quiser e nem precisa me nocautear! -Não precisa amor...O Uno esta de bom tamanho amor...Esta excelente para mim amor...Estou muito alegre com o carro e agradeço de coração pois ninguém fez isto por mim amor,te levo para onde você quiser daqui para frente amor! -Hummm,esta certo. Achei que ficaria contente mesmo e vou precisar...amor!(Rs) Diante de tantos milagres que ela fazia um dia perguntaram a ela: -Escuta moça,você não foi casada com o Mister”M”pra fazer tanta mágica? -Se fui,ele nunca me contou este segredo... Mas diziam que ela tinha um duende preso em uma gaiola mágica,mas é claro ela negava o tempo todo e dizia: -Tu quer levar uma porrada na cara amigo...Porque esta esgotando a minha paciência e to bem calma hoje,vamos levar umas duas dúzias de goiabas? -Duas dúzias moça,não é muito?

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-Vai ficar bem mais barato do que ir para o hospital arrebentado não? Jodeclilson continuou sua anódina vida motorizada,agora com sua nova esposa Erilaine que nos seus devaneios sonhava em viajar pra um mosteiro Tibetano e desvanecer-se no mundo,falava isto todos os dias murmurando: -Quando eu juntar um bom dinheiro vou lá para o Tibete e ninguém mais vai ouvir falar de mim ou que eu existi...Quero sumir! Desaparecer,evaporar,escafeder, sem deixar pistas para este bando de folgados e vira-bostas que vivem as minhas custas! Jodeclison achava engraçado porque pensava que era efeito colateral do remédio controlado,mas como era muito gata isto ficava para segundo plano e assim ele ia esperando um outro golpe do esmoleiro acaso que acabasse o deixando rico e ele tempos depois se mostrou generoso,embora o sorriso fosse(novamente) dissimulado... Uma produtora oferecia a inclusão num “Reality Show”, isto é; eles fariam o programa e depois ofereceriam a alguma rede de televisão conveniada que lhes pagariam os custos e o premio era de R$500 000 00, teria de ser mandada uma fita de apresentação e uma taxa de R$ 50,00... Mais uma vez Jodeclilson foi motivo de avacalhação no bairro e todos gozavam demais por causa da fita que mandou: -Porque você não mandou para as”pegadinhas”do Sergio Malandro ou pra Porta da esperança pra ver se te conseguia um emprego?

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Mas riu muito deles quando veio a resposta num telegrama no qual dizia que ele tinha sido aceito para participar:- Eu vou rir muito de vocês quando estiver no meu apartamento duplex com a minha gata seus pobretões! *Oligofrenia= Deficiência do desenvolvimento mental; Idiotismo. *Euripidio= Era um aspirante de filosofo que viveu na antiga Grécia e dizem as lendas(não oficiais) que foi aprendiz de um grande filósofo(não se precisa qual deles),mas por versar a filosofia do”foda-se”a todo momento,por motivos óbvios foi excluído do grupo. *T.E.I.=Transtorno Explosivo Intermitente,comumente conhecido como”pavio curto”,no caso de Erilaine por qualquer coisinha ela já explodia e enfiava a porrada em alguém.

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Jodeclilson esta acionando a empresa “Multifecal”, digo multinacional,por perdas irreversíveis e lucros cessantes... O Mr Embrujon ofereceu a T.L. como indenização (aquela do jardineiro,já que ele não usava mesmo.) Mas Jodeclilson quer Us$10 000 00,por danos morais e doença profissional que adquiriu durante o período que trabalhou como aspirante a auxiliar de “strettsell,s”(argh,argh,argh). As crises de Narcolepsia,Stress pósinércia,oligofrenia e Síndrome de Inépcia encefálica” certamente lhe darão aposentadoria por invalidez cerebral


antes dos 40 anos de idade. Jodeclilson continua trabalhando com intermediação de medicamentos clonados sem conselho clinico, que rende bom dinheiro junto aos hipocondríacos desassistidos monetariamente. (Continua esperando para entrar no BBT... (Big Brother Terceirizado) • Maria Madalena a sua primeira esposa nunca mais se casou apesar de ter tentado muitas vezes, continua ralando sozinha para cuidar de suas filhas,esperou pacientemente Jodeclilson por dez anos lhe procurar e pedir perdão,o que nunca aconteceu mesmo porque ele já havia ate se casado com outras duas neste meio tempo .Comprou uma maquina de fazer fraldas e vendendo começou a fazer bom dinheiro e se vira muito bem sozinha com as suas gêmeas,nunca pediu pensão. (esta pessoa existe e é santa mesmo)  Sua segunda esposa Thassilene recebeu pensão durante um bom tempo por entrar contra ele na justiça,conseguiu abocanhar 30% da indenização que Jodeclilson recebeu...Mas no fim quem pagava as pensões atrasadas eram os pais de Jodeclilson. Entrou na justiça contra a concessionária na justiça que nunca entregava o Golf,mas não deu em nada porque ela deixou de pagar as prestações do carro e por sua vez também não devolveu o carro emprestado há tempos porque o revendedor também não devolveu a entrada. Depois infelizmente ficou desempregada e era procurada pela justiça por ser conluiada de Mr. Embrujon no golpe da Empresa de 95


fachada. Mudou-se para outro estado pra tentar uma vida nova...(ela existe acredite!)  Erilaine: Continua com ele e “casada” pois usou bons argumentos para convencê-lo a isto que disse sim antes de ela terminar de falar. Ela não quer ter filhos porque fala que seria mais um para viver as suas custas. Ainda moram no mesmo bairro onde nem gato rouba sabão mais. Quando Jodeclilson começa a falar muita merda ela tem crises agudas de T.E.I. e lhe da umas boas porradas o que resolve o problema sem remédios inclusive para Jodeclilson que aprendeu a ficar calado. Vive murmurando pelos cantos que vai para o Tibete...Mas depois volta as boas...Agora tem uma quitanda muito boa onde a boca pequena dizem que ela tira dez mil reais por mês,ela como sempre nega tudo quando perguntam e responde: -Você esta quase esgotando a minha paciência,quer tomar uma porrada ou levar duas dúzias de bananas? –Duas dúzias é muita banana moça! -Que tal três dúzias ou umas três porradas bem dadas na fuça? -Duas dúzias estão excelentes moça! -Humm...achei que estariam mesmo! Ainda sustenta os Pais,os irmãos(que continuam) desempregados,paga faculdade de economia e agora ainda faz karate aos domingos: -Moça,o ministério da Economia precisa de pessoas como você,que fazem mágicas para multiplicar dinheiro,porque eles conseguem apenas subtrair ou dividir! 96


Ela responde com um sorriso de confiança nos lábios: -Por isso estou estudando tanto amigo,um dia chego lá... (murmurando: -Ou vou para o Tibete antes e estes sanguessugas que vivem as minhas custas vão passar fome!)

O Gol a ar(gh)de Thassilene Existiu verdadeiramente e estava no estado que descrevi,porem pertenceu a um conhecido (que o trouxe na funilaria em que eu trabalhava para fazer um remendo...O remendo ficou ótimo,mas era preciso trocar o resto da carroceria,rodas,motor e o interior do carro que estava assombroso). Ele na sua suave fantasia me dizia: -Vou levá-lo a uma agencia e trocá-lo por outro mais novo! (Eu ficava quieto,pois não se contraria um doente mental como sabemos.) O que realmente acabou acontecendo,mas não do modo que queria. Ao chegar na agencia o vendedor lhe disse:Espera um pouco amigo você quer deixar”isso aí”num dos meus automóveis? -É lógico ,quero passar para um bem mais novo e só entrego ele por no Maximo 10% abaixo da tabela! O vendedor entrou na loja e lhe deu um cartão quando voltou: -É o telefone de meu primo. -Ele também tem uma agencia de automóveis? -Não ele é dono de um ferro velho... •

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Saiu cantando pneus de fúria,passando em uma cratera na rua o carro rachou no meio soltando o eixo traseiro(o que eu vi) e o afamado Gol acabou seus dias num ferro velho mesmo... ( e olha que ele falou ainda em reformar o carro,mais alem de pedirem muito caro pelo conserto a grande maioria dos funileiros não quis a empreita!)

Os velhinhos do asilo estão bem,como o cheque que usaram não tinha fundos,não perderam nada. O Sr Embrujon tentou receber o cheque sem fundos de “Napoleão Bonaparte”passou a Jodeclilson,mas quando os pacientes o reconheceram da reportagem,um que se dizia chamar “Bruce Lee” lhe deu uma surra tão grande que o mandou para o hospital !  Sr Embrujon ficou algum tempo na cadeia por causa dos vários processos movidos e não se separou da sua esposa. Como não matou ninguém,nem devia pensão alimentícia e tinha um ótimo advogado se livrou logo da prisão por bom comportamento. Dentro da prisão se converteu a uma seita evangélica e hoje é presbítero, já pensa seriamente em formar sua própria igreja. Á propósito também esta esperando Thassilene lhe entregar o Golf. E seu Jaguar ainda continua na oficina esperando o motor que provavelmente deve estar vindo de barco a remo da Inglaterra. Enquanto isso,ele continua usando a T.L. do jardineiro e dando palestras gratuitas no Singapura onde agora sua esposa mora,passa dias e dias lá. 

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O Homem de preto do cemitério,sumiu misteriosamente e muitos dizem que ele existe... Apesar de ser uma alma penada. N.A.:Mister Embrujon foi inspirado num personagem real,como o próprio era um”embrulhão”com uma elegante empresa fajuta que se chamava “Realbras”,que dizia se localizar na Avenida Paulista e dizia ter um Tempra zero(na época em 1994),mas na verdade tinha um acabrunhado fusca verde folha e a Realbras? ...Infelizmente,só existia nos sonhos dos trouxas que acreditavam nele... •

Moral da historia: “Quando uma mentira é dita a exaustão por todo mundo, até o individuo que a propagou começa a acreditar que pode ter um fundo verdade”.(* Parafraseando George Orwell autor de “1984”)

Muitas pessoas homens ou mulheres querem se dar bem na vida a custa de “apliques”,algumas delas acham que um bom casamento é 99


sempre o caminho mais fácil para se vencer na vida, fazendo planos a custas dos outros. Hoje em dia isto se tornou lugar comum em nossas vidas,já que as pessoas se tornaram tão materialistas que se juntam por conveniência social,por atos impensados ou simplesmente para não ficarem sozinhos...Amor? O único amor que existe entre os seres humanos comuns é físico ou químico,ninguém quer ou sabe transcender a paixão. É fato que o dinheiro é a engrenagem principal que move o mundo, mas respeitar o sentimento de outras pessoas e até o da gente mesmo é algo muito mais importante,do que tudo que o dinheiro poderia comprar até para não criarmos um monstro contra nós mesmos depois. A felicidade pessoal é intrínseca, não é algo que esta a venda,é algo a ser conquistado as duras penas e por nós mesmos dia a dia através de um árduo trabalho de auto-conhecimento,não é para ser depositado em outra pessoa. Não adianta estar cercado de todo ouro e toda prata se não se tiver bom senso para usá-lo e se servir apenas ao egoísmo de rematar uma existência vazia... Maricleuda tinha o sonho de ser milionária,mas quanto mais ela corria atrás do dinheiro,mais o dinheiro corria dela.

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Baseado (infelizmente e exageradamente) em incríveis fatos reais! Maricleuda era uma garota como as outras de sua idade pós pubescencia, era admirável, dava para o gasto e sobrava! Era do tipo “agradável” se não abrisse a boca á toa, já que não era adepta de erudismos lingüísticos. Gostava mais de se valer de expressões coloquiais e quando raivosa e se valia de alguns torpilóquios. No tempo em que não havia esta epidemia de todas as garotas serem modelos, sua mãe investia em book,desfiles e outros babados,ela até que se saia bem nas passarelas,era muito aplaudida e cobiçada ainda que de não fosse anorexa-buliminica como as outras moças,era do tipo mulherão daquelas gostosas de pegar. Era a forma que a sua mãe tinha de promover sua beleza para outro fim, o plano de sua mãe era maquiavélico: Arrumar um casamento para sua filha e encostar nela para ficar com o boi na sombra para o resto da vida tocando um sininho para ser atendida. Elas não haviam determinado quem seria a vitima, muitos estudos, cálculos,procedimentos estavam sendo feitos e muitos sujeitos foram descartados por sua ela e a sua mãe e eram 101


sarcasticamente apelidados de “boy nenhum real”cuja as principais características era as roupas de marca impecáveis pagas em inúmeras prestações,cabelo cortado na moda,um verdadeiro”metrossexual”(como se diz atualmente) e nenhum real no bolso para pagar uma coxinha,ou ainda de”T.S.D.”(Trabalhador sem dinheiro);aqueles que ralavam de sol a sol batendo lata o dia todo e só tinham uma bicicleta velha e uma marmita com um “zóiudo”frio dentro, ou mesmo de:”Os de sempre”aqueles que não tinha nada em nem futuro,mas estavam sempre por perto esperando uma rebarba e jogando o mesmo aplique “N”vezes como se joga uma linha de pesca em um rio sem peixes na esperança de acontecer um milagre. Falando sobre a personalidade de Maricleuda,podia se falar que ela era até boa pessoa,não era falsa de forma alguma, quando tinha algo a dizer falava na lata! Um pouco esnobe se não conhece-se bem a pessoa,tinha opinião conveniente e saia na bofetada se preciso,por sempre defender seu ponto de vista até a exaustão ainda que estivesse absolutamente errada. Era extremamente popular no colégio,seu nome estava sempre escrito em paredes,carteiras,nas portas dos banheiros masculinos cheio de corações e as vezes acompanhados de adjetivos pejorativos,Maricleuda via com bons olhos:-Eles falam mal de mim,dizem que sou “isso e aquilo”,mas se os quisesse era só estalar os dedos! Era a mais pura verdade,se quisesse escolher um...Faziam fila! Maricleuda recebia cartas apaixonadas anônimas, longas, quilométrica, tinha uma onde o sujeito,um admirador que preferia permanecer anônimo, escreveu “eu te amo” mil vezes. 102


Ela não as jogava fora, guardava em várias pastas plastificadas todas as cartinhas que recebia com o maior capricho e carinho,o que provocava admiração e inveja de amigas e inimigas : -Você tem muita sorte Maricleuda de ser tão paquerada! -Que nada,a maioria dos caras que chegam em mim,não valem a pena porque só querem sexo,mas quero que vão para p... que o pariu porque comigo não cola! Todo dia achava uma rosa vermelha ou uma cartinha perfumada na sua escrivaninha, ganhava bichos de pelúcia de montão de admiradores secretos ou declarados que lhe diziam constantemente: -Largo tudo para fugir com você pelo mundo, Maricleuda! -Fico lisonjeada e tentada com teu convite, mas tenho outros planos! Infelizmente Maricleuda era dependente química...Era viciada em combustível fóssil, onde tivesse um automóvel importado, ela fazia de tudo para andar nele,usando”todos argumentos possíveis”e ate impossíveis,o que lhe valia o titulo nada honroso de um certo animal emplumado bastante notório “segundo” outras meninas...Ela não estava nem ai para o que os mexeriqueiros diziam: -Pelo menos quando ficar velha e acabada, vou ter o gosto de ter curtido a vida,vou ter o que lembrar e contar aos meus filhos que andei nos carros mais desejados,nas motos mais potentes,andei de avião particular, de iate de 19 pés e fiquei com os caras mais bonitos e cobiçados! E detonava com as invejosas:- Suas carolas falsas! Ficam no”rala e rola” com todo 103


mundo e pedem depois para não contarem a ninguém! E fazendo”voz fininha”tirava um sarro:”Não sou galinha como você sua biscate,minha mamãe quer que eu me case virgem”,nem na orelha você é virgem mais pistoleira!. Na escola todos os rapazes afirmavam que ela tinha,“dado a volta” com todos os homens disponíveis e indisponíveis ! Isto era uma calúnia porque na verdade, não era qualquer um que se tornava possuidor dos seu beijos,ela sabia da sua beleza. No tempo em que “ficar”,era só uma conjugação verbal ela até que ficava com um ou outro,mas era uma forma de matar o tempo e todos os homens eram loucos para ficar com ela ,embora dissessem para todos, o contrario: “Tá louco meu,aquela é igual maçaneta de banheiro...todo mundo põe a mão”! -Me insultam,fofocam com todo mundo e depois vem dizer no ouvido:”E aí Maricleuda você é muito linda,muita gata mesmo... vamos dar uns beijos princesa? Vai beijar teu pai na bunda seu mexeriqueiro filho de uma p...não fico com você nem pagando,vai lá na praça procurar as primas e não vai me pagar com passe de busão seu rapa bosta! Sua mãe, o Maquiavel de nossa história,(que queria”sombra e água fresca desde que não tivesse que fazer empenho qualquer por ela”), fazia sua cabeça para um apropriado e conveniente matrimônio. -Filha escute o que estou te falando! Toda mulher nasce com um “talão de cheques” no meio das pernas, o seu então é especial, porque você é muito,mas muito bonita mesmo, não seja tola! Arrume um homem que te de uma vida de princesa, 104


não faça como a sua mãe que esquenta a barriga no fogão e esfria no tanque! Imagina mãe a Senhora trabalha meio período,só usa maquina de lavar,paga para passar e compra comida pronta que esquenta no micro-ondas,do que reclama tanto? Sua mãe era uma mulher frustrada que adorava contar as “bolinhas imaginárias do seu rosário de lamúrias”: -Seu pai era um rapa-bosta que conheci num baile, ganhava uma merreca e hoje vivo de uma pensão do INPS,faço um bico na agencia matrimonial que paga uma miséria que mal dá para manicura,cabeleireiro,comprar roupa de marca,manter o celular, cartão de crédito,cheque especial,fazer massagem,andar de táxi e ainda o filho da p(...)era órfão,nem herança tinha para receber e morreu na explosão daquela fabriqueta fubanga de fogos! -Snif! Snif! Ai meu Deus... -Credo mãe o pai era tão bom,nunca deixou a senhora passar fome,morria de tanto fazer horas extras para lhe dar uma vida decente e a sra ainda fala mal dele? -Mas era um duro minha filha,não tinha onde cair vivo! -Sempre que podia ele lhe trazia flores e bombons,dizia que a sra foi a melhor coisa que aconteceu na vida dele,sempre foi apaixonado por você e você não o queria,assumiu uma mulher esperando filho de outro porque “a vitima”não caiu no aplique e mesmo assim ele nunca reclamou, a sra ainda tem coragem de sujar sua memória? -Mas romantismo não enche barriga minha filha!O que vale é uma gorda conta bancaria, um carro zero importado com motorista e muitos vestidos Christian Dior! 105


-È mãe dá para se ver porque você nunca amou ninguém ,tadinho do Pai,era um homem santo mesmo...Por isso que esta sozinha até hoje! Maricleuda era atingida constantemente pelo vírus do “Interessantismus excessivus” inoculado pela sua mãe com sua eterna ladainha sobre riqueza e poder,mas também dava suas fugidinhas e ficava com alguns pé rapados que a tratavam como uma princesa e lustravam seu já resplandecente ego a exaustão,sua mãe se soubesse disso ficava doida,por isso ela dava aos “pobres”só migalhas do seu amor,por mais que gostasse de dinheiro e badalação,sentia falta de um carinho sincero,o mesmo que seu pai lhe dava e nunca cobrava nada por eles. Agora,vamos ao outro lado da historia, a vitima em potencial,que o astuto destino planejava cruzar com Maricleuda: Mauricio Buena Suerte, um rapaz sonhador, batalhador, idealista porem extremamente hesitante com garotas, pois achava que todas eram interesseiras e golpistas. Ao ficar a sós com uma tinha estremecimento, suas mãos suavam, sentia calafrios. Montanhas de sessões de psicanálise só o deixavam mais inseguro ainda.Para seu desespero e de seu pai se apaixonou pela psicóloga,uma senhora bem mais velha que ele,que pediu o seu afastamento das sessões. Mauricio sentia grande falta de sua, mãe, falecida há algum tempo, uma amiga, bússola da sua vida que incutiu em Mauricio o valor da simplicidade e de servir as outras pessoas,assim dizia ela:-Posso ter todo ouro e toda prata,as perolas mais perfeitas,os diamantes mais brilhantes,deitar em pilhas de 106


dinheiro,e não poderei levar nada quando me for...E ali chegando serei igual a todos, de nada me valeu tanta riqueza se os outros irmãos viviam na amargura... Se eu der um pouco,não ira fazer falta,fico mais feliz ao ver uma criança pobre ganhando um presentinho do que olhar na minha conta bancaria e ver muitos zeros...! Eram pensamentos profundos, difíceis de se aplicar em um mundo tão egoísta. Mauricio sempre dizia:”É mais fácil fechar os olhos do que enxergar a verdade;É mais fácil falar do que escutar;É mais fácil tapar os ouvidos do que ouvir o pranto;Tudo é mais fácil quando você não se importa,não se preocupa,não se interessa... Porem, Mauricio tinha acessório invejável: Era muito rico, seu pai era líder no mercado de rodos e vassouras e acessórios de limpeza, pioneiro na industrialização destes itens. O Sr Clarismundo Buena Suerte era um mago em vendas,conseguia tirar leite de pedra,era perspicaz nas negociações,jamais perdia um cliente porque alguém cobrisse sua oferta. Mauricio era o oposto, não ligava para dinheiro embora fosse formado em economia e administração de empresas, era filósofo por natureza, ligado a questões sociais, discutia sempre com seu pai que era um capitalista convicto,que enquanto ele se fartava com o vil metal, na Nova Guiné um tipo de mariposa estava extinta,seu pai ficava louco e dizia: -Mauricio enquanto você se preocupa com cachorro do vizinho que esta na rua,o mundo esta girando,eu tenho muitos empregados que ganham seu sustento diário fazendo vassouras,enquanto que muita empresa grande despeja milhares de trabalhadores na rua ,eu continuo com os mesmos 107


empregados,pergunte se algum deles quer sair,pergunte o grau de estudo deles,pergunte se estão passando fome,se moram debaixo da ponte,se estão devendo...pode perguntar se estiver alguém insatisfeito prometo solucionar no ato! Mauricio resolveu peitar seu pai e provar que haviam pessoas oprimidas em todo lugar,fez um pequeno questionário bem simples,de cinco perguntas a todos funcionários da empresa: 1º Você é satisfeito em trabalhar aqui? 2ºO salário que você ganha,é suficiente para sustentar a família? 3ºDe algum modo já se sentiu maltratado ou humilhado neste serviço? 4ºO dono esta sempre pronto para ajudá-lo quando precisa? 5ºQuais conquistas você conseguiu trabalhando nesta empresa? Para sua surpresa apenas um dos 600 empregados da empresa,respondeu não a quase todas perguntas,era a chance que Mauricio queria para mostrar ao seu Pai,o sr”Perfeito”,como dizia a ele,que nem tudo era um mar de rosas.Ao mostrar ao seu pai que havia um empregado que não era satisfeito ,imediatamente o sr Clarismundo disse a secretaria: -Dna Filomena,chame o funcionário Ambrósio Plumbeia imediatamente a minha sala,quero ele aqui ontem! Não foi encontrado em lugar algum,a secretaria então perguntou ao encarregado,ao boy,ao carregador,ao porteiro que disse:

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-Ambrosio? Pêra ai! Sei que é, foi correndo ao bar em frente e trouxe o cidadão arrastado,pois já havia bebido meio litro de pinga.No escritório ,Mauricio começou a baixar o sarrafo no seu pai: -Esta vendo sr “perfeito”,não há problemas? Olhe o estado deste homem, um farrapo humano,o sr não tem vergonha?onde esta seu espírito cristão?É esse seu modelo de administração? Sr Clarismundo se sentiu humilhado,e perguntou a Ambrósio,Meu amigo o que aconteceu com você? De alguma forma posso ajudá-lo? -Sim me dando um emprego,pois há cinco anos não trabalho,meu dinheiro acabou,minha mulher e meus filhos me abandonaram,só não me matei porque sou cristão,eu agradeceria se o sr. me ajuda-se!(pediu de joelhos) Sr Clarismundo chamou a secretaria:-Dna.Filomena,chame o guarda! -Viu meu amigo o sr.”perfeito”,vai botá-lo na rua! -Esta vendo seu trouxa,(disse a Ambrosio)o que adiantou implorar! Mas sr.Clarismundo nem deu bola para seu filho,quando o guarda entrou disse a ele: -Sr Nepobunuceno,leve este homem ao banheiro,para que tome um banho,leve-o barbeiro e apresente ao departamento pessoal,diga para eles arrumarem alguma ocupação para este homem,mande fichar a carteira,se não tiver documentos ,mandem fazer e consigam um alojamento para seu descanso! -Esta satisfeito Mauricio! E você quando vai trabalhar? Vive defendendo o direito dos outros ao trabalho ,mas você mesmo leva uma vida de nababo! 109


Mauricio saiu da sala pisando duro,e bateu a porta violentamente ao sair,blammm! Todos ficaram em silencio,até que sr.Clarismundo interrompeu: -O que pode dar jeito neste menino? Já tentei de tudo: Carro importado,e ele me disse ;”Não quero destruir a camada de ozônio”; Casa na praia e ele disse;”O Sr vai ser mais um para destruir a floresta atlântica?” Paguei-lhe uma viagem em torno do mundo,e ele foi para Bangladesh trabalhar como voluntário da cruz vermelha;Dei-lhe um guarda roupa com tudo de grife e ele distribuiu aos pobres,se ele quer fazer caridade que faça com o dinheiro dele ,não com o meu! Dna. Filomena sua secretaria,meia titubeante lhe deu a seguinte sugestão: -Sr. Clarismundo sei que não é da minha conta,mas porque o sr. não arranja um casamento para ele,quem sabe uma mulher não o endireite! -Dna.Filomena quem seriam a louca que casaria com um homem que só pensa em ecologia, artes e música? -Se o sr me permite uma sugestão,conheço uma agencia de matrimonio de uma amiga minha,o sr. marca uma entrevista do Mauricio,ela traçara um perfil psicológico dele e qual a parceira que se enquadra,quem sabe assim não consegue uma esposa e crie responsabilidades! -Dna Filomena a idéia é tão ridícula que vou tentar porque não tenho nada a perder,se não der certo...Paciência! E assim foi... Para tapear Mauricio que era muito esperto, a entrevistadora da agencia se passou por diretora do “Greenpeace”dizendo que 110


queria escrever uma matéria sobre ecologia e pediu seus dados pessoais para incluir no livro,lógico que ele nem discutiu apesar das perguntas estranhas,mas era por uma causa nobre. O que eles não sabiam,é que justamente na agencia matrimonial a mãe de Maricleuda trabalhava,o golpe estava armado! Quando a dona da agencia passou a ficha para sua empregada Ephiffania (mãe de Maricleuda),esta correu os olhos na ficha: “Rico, bonito, filho único, pensou: Ta aqui o pato, quac,quac,quac!” No entanto, a principio obedeceu a sua patroa apenas para dissimular: -Coloque estes dados no computador e depois me conte o resultado da pesquisa! –UFFFHHH! (soltando um desabafo): -Coitada da maluca que casar com este sujeito,vai penar muito na sua mão,este cara é esperto demais,impossível de se passar a perna! Em pensamento Ephiffania emendou: - Vai nadar no “dinheiro”...E vai ser minha filha “. Ephiffania levou a ficha para casa, e com sua filha estudou todos os gostos e hábitos de Mauricio a exaustão. -Formado em economia, administração de empresas e Filosofia, tem como hobby “Artes, música erudita, botânica, zoologia, história antiga, sete línguas” e ainda, serviços prestados a cruz vermelha. Personalidade firme e bom caráter,Inteligência superior,Q.I. de 180...o que será este tal Q.I? Credo!,Este rapaz tem um gosto tão estranho! Não gosta de 111


barzinhos, shopping, pagode, churrasco, nem automóvel... bom isto não importa! Foi difícil fazer a cabeça de Maricleuda a ter os mesmos gostos de Mauricio... entender os livros de Shakespeare, quase faziam seus “neurônios fundir”: - P... que pariu! Que livro mais amolador, só fala de amor, sentimentos,moral e ainda tenho que consultar o “pai dos burros” para saber o que esse “pulha” quer dizer! Fazer aulas de interpretação dramática era de fazer sofrer: -Cacete! Para deslumbrar um sujeito para gostar de mim não preciso mascarar,é só dormir comigo que o deixo de quatro! Aprender a gostar de música erudita foi um suplicio auricular, muitas vezes ela gritava para sua mãe: -Caracoles quádruplos,se tiver que escutar esse tal"Bethoven" de novo ,prefiro tomar estrequinina com cerveja quente! Aprender a falar português impecavelmente foi um”parto feito a fórceps”para Maricleuda: -Vai tomar no ..,para que preciso aprender falar corretamente o português não vou entrar para a academia de letras! Teve de fazer aulas de etiqueta: -Pra que preciso saber sobre qual talher que é melhor para sopa de aspargos ou para comer caviar,quando vou ao trailer comer cachorro quente,uso as mãos mesmo...vai se f! Mudar o guarda-roupa e largar as mini -blusas e calças de cintura baixa,para utilizar(na sua opinião)horríveis vestidos de seda: 112


-Fico gorda e com a bunda grande com estes vestidos ridículos...Merda! Aulas de educação e bons costumes eram de “torrar o saco até virar pó”: -Para mandar tomar no ..e se f.... não preciso ser educada! Cursar as exposições de botânica para ela era deprimente: -Que caracoles! Podia estar num barzinho,curtindo pagode e tomando cerveja e tenho que escutar esse chato falar sobre o estrago da camada de ozônio,e o derretimento das calotas polares...Que bosta! A mãe lhe chamou a atenção: -Menina,vê se modera nesta linguagem,você falou uns dez palavrões enquanto reclama,que coisa feia pra uma moça tão linda! -PQP,cacete,merda,bosta,cara...,po...,vai toma no ..,não vou falar mais nenhum torpiloquios... Filha da p...! -Assim é que se faz minha filha,você é uma bela moça,não fica bem... No entanto era o único jeito de se achegar de Mauricio sem levantar suspeitas, afinal Mauricio não deixaria se ludibriar por qualquer “Maria da vida”que lhe quisesse aplicar o golpe do baú,como muitas que já haviam tentado e Mauricio descoberto o “aplique”,então tratava-se de”gato muito escaldado”. Maricleuda teria de ser uma verdadeira atriz,onde não se visse a pessoa por traz do personagem de forma alguma,teria de ser uma quase incorporação... Apesar de sentar ao lado dele,e tentar puxar conversa,era interrompida com um: 113


-Pshhhh! Aqui não é lugar de conversar moça,se não gosta ,porque não sai! Todas as tentativas se mostravam infrutíferas e para piorar muitas vezes Mauricio era convidado a ser co-palestrante,o que frustrava as tentativas de Maricleuda a se aproximar dele,apesar das constantes”olhadinhas”que Mauricio lançava em sua direção,ela percebeu que ou entrava para sua turma ou desistia(o que não fazia parte dos planos de sua mãe),então ela começou a freqüentar a biblioteca e pesquisar determinados assuntos abordados nas palestras,assim poderia opinar e passaria por inteligente para os amigos de Mauricio, e ele mesmo. Assim foi apesar de alguns escorregões, de suas boas maneiras oportunas e das providenciais “colinhas” no bolso, até que conseguia enganar os que sabiam menos que ela,conseguia impressionar a todos que a chamavam de “bonita, inteligente e educada”. Maricleuda ficava “cheia como um balão”, e não explodia em fatuidades porque sabia que Maurício não gostava de pessoas assim. Mauricio tinha uma opinião muito dura sobre o comportamento feminino, principalmente da maioria das que lhe queriam aplicar o “golpe”: ”Um ser humano coerente jamais dissiparia seu tempo, inflando o ego na aquisição de matéria e se escravizando em uma jaula platinada chamada shopping center!” Maricleuda foi levando como dava e planejando meticulosamente as situações que se apresentavam para o golpe. Até que um dia convidaram o grupo de Palestras de 114


Mauricio a ir a uma enotéca ,para um coquetel de queijos ,vinhos e saladas,Maricleuda esperta,viu a oportunidade que esperava há tempos e “se auto-convidou a si própria”,só foi notada por cometer uma quase ínfima gafe ao pedir para o garçom uma porção de calabresa e uma cerveja,para consertar emendou: -Isto aqui não é um barzinho? Cadê o grupo de pagode? E o garçom educado lhe disse: - Daqui a dez minutos, teremos a apresentação de um quarteto de cordas, quanto ao seu pedido não posso atendê-la, mas na esquina há um carrinho de cachorro quente que poderá satisfazer seus anseios! Maricleuda deu um sorriso amarelo ao garçom e o agradeceu pela informação, não sem antes mandá-lo( também educadamente) “tomar naquele lugar”,ninguém estranhou sua atitude,sabiam que ela era uma grossa! Mas como diz o velho deitado(sic) "Gente coisa é outra fina". Seu plano apesar de torpe estava dando resultados, Mauricio já achava Maricleuda “uma tremenda gata”, ela era nova ainda mais com alta milhagem na estrada da vida e conhecia a alma e os desejos de um homem. Com um golpe de mestre,jogou o “aplique”,seduziu e embebedou Mauricio de vinho e o arrastou para seu lado (com ajuda de um pozinho mágico que Pai painço de Gurupi lhe deu no centro),ficou bêbado de cair no chão. Todo encachaçado é azucrinante, imagine alguém que nunca ficou de cachaceira e assim começou a soluçar no ombro de Maricleuda: -Sou infeliz!Ninguém me ama! Sou um naufrago existencial! 115


Mauricio reclamava da eterna solidão que o acompanhava e que em vão ele tentava trocar por livros,música e muita outras coisas que não preenchia o vazio que sua alma tinha,faltava-lhe o amor de uma mulher,mas não qualquer mulher tinha de ser a alma gêmea,a cara metade,sem interesses a não ser oferecer e ganhar carinho... E Maricleuda confortava-lhe atenciosamente com muito afabilidade e era uma “expert” nisso. Maricleuda o levou para um motel para poder consolar as magoas, num ato de caridade, ela fez amor com ele apenas com a intenção de levantar seu moral, lhe dar segurança, coisa de transformar um menino assustado em um macho viril, aquela que faz um “homem se sentir Homem!”. De manhã ele acordou com dor de cabeça e um gosto de talco na boca e constatou que Maricleuda estava ao seu lado. Um pânico se abateu sobre aquele homem que sofria de "femininophobia". Porém Maricleuda era safa sabia que se falasse em riqueza ele voava fora e contornou a situação e disse que o queria para o resto da vida mesmo que ele fosse pobre, porque finalmente havia encontrado o homem que a faria feliz apenas com amor! E o encheu de carinhos. Mauricio acreditando(com um pé atrás) que finalmente achara o verdadeiro amor, ”jogou verde, para colher maduro”: -Sério que você ficaria comigo, mesmo que não tivesse um tostão?Mesmo que fosse um mané que não tivesse onde cair vivo?Ainda que tivéssemos de começar uma vida do “zero”,morando de aluguel sem carro ou sem maiores confortos,sendo assalariado como qualquer um neste pais você ficaria ao meu lado? (perguntou Mauricio) 116


-É natural, não me ligo nessas coisas materiais,eu tenho dinheiro suficiente para me virar sozinha,nunca dependi de homem ! Para mim o que importa é ser feliz, amada,respeitada e admirada!(responde Maricleuda) Mauricio finalmente encontrava uma mulher que o entendia,que não ligava para sua condição social. Que o fato de morar numa casa de 10000 metros pouco importava;o fato de que haviam seis automóveis importados na garagem que juntos somavam um caminhão de dólares não era sinônimo de felicidade;que seu Pai era abastado e como filho único herdaria tudo não fazia diferença alguma! O que importava era o “eu”, o que realmente ele era, um homem em busca do verdadeiro amor de uma verdadeira mulher generosa,honesta e ética nos seus ideais,que apenas queria ser amada! Assim pensava Mauricio...Pouca distancia do que pensava Maricleuda,só uns trezentos milhões de kilometros...Insignificante! Ela conseguiu o que queria,ele estava em suas mãos e aparentava estar completamente apaixonado! Endinheirado,belo e ilustre,nem precisou dar o golpe da barriga . Logo começaram a namorar sério,firmaram compromisso e Maricleuda já espalhava para todas as suas amigas que tinha agarrado um multimilionário,sonhava tão alto que quase batia na estratosfera como um foguete,porem seu sonho se mostrava mais rente ao chão como se fosse um aviãozinho de papel...Quando Mauricio aparecia a pé na sua casa: -Cadê seu carro? 117


-Eu não gosto de automóvel,eles destroem a camada de ozônio você sabia? -Puxa Mauricio,seu pai tem seis carros,porque não usa um deles? -Não,nem carteira de habilitação eu quis tirar! Já disse minha opinião sobre automóveis, não nasci com rodas, para isso tenho pernas, o homem bárbaro não tinha carro e nem por isso deixava de caminhar! Quando ele aparecia de bicicleta, as amigas de Maricleuda avacalhavam muito dela: -Esse que é o tal multimilionário? -E o pai dele o que tem? Uma charrete! -Não,tem cinco Mercedes e um Jaguar! -Acho que deve ter seis bicicletas ou uma bicicleta de seis lugares!E como sempre riam de Maricleuda... Mauricio era um cara de grave individualidade e conceitos firmes, não fazia as coisas para agradar ninguém, porem era muito correto com todas pessoas e não dava moleza para Maricleuda, só fazia algo que gostasse ou que achasse que teria algum retorno cultural, o que não era o caso dela de modo óbvio. Maricleuda aspirava ir ao shopping torrar dinheiro, mas Mauricio não ia...-Há lojas onde tudo é mais barato e você acha as mesmas peças mais barato e precisa ir ao mais caro só para badalar e mostrar aos outros que pode mais que eles? Você não quer passar o tempo,quer satisfazer seu ego! Queria ir ao pagode...Mas Mauricio não gostava. E quando ela falava que Mauricio tinha que fazer algo para agradá-la ele 118


dizia:- Se eu gostar,eu faço! ...Mas ele nunca gostava,sempre lhe mandava rosas e bombons e Maricleuda ia a loucura: -Mais que cara pão duro,podia me dar uma tiara de diamantes,um anel de rubis e me manda rosas vermelhas,se quisesse rosas pegava no quintal do vizinho...”Que rosas lindas meu Deussssssssssssssss eu amei!... Chocolate engorda p...que o pariu que raiva! Mas não vai comer tudo sozinha mãe estes chocolates maravilhosos ! ” Diversas vezes Maricleuda dizia a mãe:- Não agüento mais mãe! ...vou largar deste sujeito,ele não gosta de nada do que eu gosto! Cada vez que temos de sair é a pé;se vamos fazer compras,é no calçadão porque ele detesta shopping,movimento de gente. -Minha filha,tenha calma,com o tempo você vai fazê-lo comer em suas mãos...Quando se casar com ele poderá utilizar um dos carros com chofer,já pensou? Maricleuda,pensava e ria sozinha...”Andando naquele carrão, vou fazer bonito!” Mas o tempo passava e Mauricio não se dobrava aos caprichos de Maricleuda de forma alguma e quem acabava por comer na mão era ela,afinal de tanto quebrar a cabeça para dobrá-lo... ficava mais apaixonada. -Maricleuda, não vou lhe falar outra vez sobre este assunto! Se você tocar neste assunto de carro de novo: ”Porque você não veio de carro?” Vou te largar falando sozinha e ainda arrumo outra namorada que tenha carro, só para cortar o seu barato! Puxa vida,já estamos juntos há um ano,sabe como penso e sempre volta neste assunto chato... 119


Maricleuda pensava consigo: ”Vou ficar quieta por enquanto,porque com esse cabeça-dura não tem jeito!” E os lugares que ela ia com Mauricio? Mauricio a levou para ver a apresentação do coral de Viena interpretando “Carmina Burana”,antes do musical começar,ela já queria ir embora. Todos serenos,introspectivos,Maricleuda pensou:-Até um velório tem mais agitação que isto! Quando começou então,ela estava dormindo e roncando,enquanto Mauricio ia as lágrimas com a belíssima interpretação da soprano. Foram ver a Sinfônica de Berlim,interpretando Wagner e Chopin,Maricleuda desdenhou:-Que merda de conjunto é este que não tem um cavaquinho e nem um puxador? -É claro que tem, veja o regente conduzindo a orquestra! -Um néscio indumentado como um pingüim que fica abanando a bosta de um palito e nem sabe cantar... Mauricio entendia que os gostos de Maricleuda eram diferentes e não a forçava a gostar do mesmo,mas também não aceitava gostar das coisas que ela gostava. -Puxa Mauricio,faça alguma coisa que eu goste! -Onde você quer ir? Não sendo shopping,barzinho...Uma danceteria eu até que encaro! Mauricio levou-a a uma danceteria onde de fazia um”Revival dos anos 50”, e Mauricio se esbaldou...Maricleuda disse:-Quem gosta de velharia é museu,se quisesse escutar disco antigo iria a um saldão!

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Quando iam ao cinema, ela queria assistir ao filme novo de ação que se intitulava: “Desforra Desmotivada” com o galã Russo-anglo-saxonico John Michael Scraviosvysk! Mas Mauricio era taxativo:-Milhões de dólares gastos para um filme sem narrativa,uma desforra boçal ,com explosões ,tiros e mortes á granel para um troglodita abominável exibir sua musculatura a custa de anabolizantes que só solta grunhidos,isto não é homem é uma maquina de distração para acéfalos! Mauricio a levou ao cinema para assistir um documentário sobre as obras de François Truffaut,grande diretor e intérprete,no final de saco cheio ela disse: -Quero que o François se froda! O saco de Maricleuda quase explodia ao chegar em casa e conversar com sua mãe: -Bosta ,dejeções,merda,coco,fezes,excremento,esterco,coliformes excrementícios,sedimentação do liquido do intestino grosso!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Mãe, vou largar deste cara assim que casar com ele,vou pedir uma pensão gorda e mudar para o topo do Himalaia,para nunca mais vê-lo! -E vai passar fome e frio lá, sua zaina! -Ele não te dá carinho filha? -Até demais mãe, ”me carrega no colo e mima tanto que me faz sentir uma princesa,nem olha para as outras...” Eu amo esse cara! -Mas você acabou de dizer que não o suporta mais! 121


-Quando nos casarmos ele vai mudar o gosto nem que for a força, quero ver se não muda! Porem um dia Mauricio disse a Maricleuda:- Estamos juntos há um bom tempo e você vira e mexe, volta naquela sua ladainha de sempre: “Onde esta seu carro?”;”Porque você não compra um carro?”... ”Cadê seu carro? ... Porque você não veio de carro?”. Gosto muito de ficar com você,me faz sentir um príncipe, mas não vou mudar nada para te agradar, se você não esta contente terminamos agora, quem sabe eu não sou o cara certo pra você! -Mauricio, eu gosto de você, mas cada vez que temos de sair é aquele sufoco de andar de ônibus, sendo que seu Pai tem carros de sobra... -Maricleuda...Mas que cabeça dura!... pela última vez,vou dizer em alto e bom tom:” EU NÃO TENHO CARRO! NÃO TENHO VONTADE DE TER UM E NEM VOU COMPRAR UM ”! ...Você nasceu com rodas? Acho que não,pois caso contrario teriam tido que abrir sua mãe ao meio com um serrote para que você pudesse vir ao mundo,se nos casarmos;isto é...Viermos a casar pelo jeito que as coisas andam e você trabalhar e quiser ter o seu não vou te impedir de forma alguma,pode ter certeza! -Tudo bem então Mauricio,não vou mais incitar neste assunto já que te amofina tanto,mas que você esta errado,esta errado! -Maricleuda você não acha que é hora de revermos nossa relação...Afinal você sempre esta contra o que eu gosto,gosta de coisas diferentes do que eu gosto...Há muito não concordamos 122


em coisa nenhuma só temos discutido o tempo todo,cada vez que saímos você só reclama o tempo todo poxa...Porque você não arruma um piloto de corrida de namorado ai você fala o tempo todo de carro com ele...Acho que será um tremendo erro se ficarmos juntos sabendo que vamos separar no primeiro arranca-rabo e eu não quero isto de forma alguma,queria ficar velhinho do teu lado...Mas acho que não vai ter jeito mesmo porque eu já não suporto mais tanta briga! -Mauricio...você é o homem da minha vida e não vou deixar fugir a oportunidade de ser feliz com você ainda que eu tenha de mudar ...um pouco,mas você tem que dar o braço a torcer também para me agradar! -Esta vendo Maricleuda isto que você sente por mim não é amor porque quer manipular minha vontade ao seu bel-prazer você recua quando vê que vai perder e depois pede algo em seguida para ficar na vantagem,esta sempre tentando tirar vantagem em todas as coisas e isto não vou aceitar de forma alguma porque não sou um objeto para ser manipulado,sou um ser humano e tenho vontade própria,não me submeto as vontades de nenhuma pessoa que quer me domesticar,pra satisfazer seus gostos,que só seu o ego é que pode sobressair e não o amor que sente por mim! -Puxa Mauricio...Caramba tudo tem de ser do jeito que você quer? -E alguma vez pedi para você ser diferente para me agradar? Se você esta comigo é porque quer,alguma vez pedi para você mudar algo em você ou critiquei sua personalidade? Poxa

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linda,pensa bem o que te disse,será que não é melhor você arrumar um cara que seja mais de acordo com seus gostos? Maricleuda vivia um conflito interno enorme. Uma batalha campal desenrolava-se no seu ser . De um lado a vontade de se entregar loucamente era grande vinda do coração porque descobrira um homem de verdade,sensível,que entendia uma mulher,mas seu ego acenava do lado da cobiça. Como ninguém pode com o poder do amor,ele(o amor) já estava quase ganhando por nocaute técnico,ela não sabia mais o que argumentar e se apaixonava cada vez mais e não admitia de jeito nenhum que isto podia acontecer pois levaria seu plano por “água a baixo”...Justo ela que se achava tão esperta,que dissimulava o tempo todo tão bem que acreditava em si mesma,mas Mauricio era inteligente demais. Dois desejos carcomendo-se e jogando Maricleuda como um peão no tabuleiro da vida,o fogo cruzado de todos os lados e ela só levando flechadas. Era difícil demais admitir que ele não cairia no conto,quando parecia que estava”na mão”ele escapava como um pássaro voando ,pois Mauricio não se submetia a sua ambição de forma alguma. Era como um jogo de xadrez,Maricleuda movia bem as peças usando a sedução,ganhava terreno com a paixão e perdia em seguida para inteligência de Mauricio,ganhava pontos e novamente perdia pontos...Empate técnico! Diversas vezes pensou em jogar tudo para cima ao chegar em casa depois de ter saído com Mauricio e quebrado o pau muito sobre tudo,curtir a vida como ela é na simplicidade em 124


que acreditava...Um copo de cerveja,um churrasquinho e alguns amigos falando abobrinhas... Mas isto não parecia ter muito futuro,era apenas um momento de prazer e momentos são só momentos e o prazer pode ser momentâneo ,a felicidade do verdadeiro amor...é para sempre! Este indivíduo que podia lhe dar esta felicidade súbita, existia de fato,apesar de ser tremendamente tosco. Maricleuda nutria um sentimento de curtição por ele,embora não lhe desse mole de se entregar... Um cara que cantava e tocava cavaquinho no grupo de pagode “Batucadores do bumbum”, um grupo inerme, com um nome de duplo-sentido que agitava os desenxabidos sábados com um papo manjado: -E aí princesa,vamos lá pro meu mocó tomar umas cervas e fazer um rala e rola com muito amorrrrrrrrrr! -Não sou tão fácil assim Perivaldo,vai precisar gastar mais saliva pra me conquistar e arrumar um trabalho onde você ganhe dinheiro e não sonhos! -Oh princesa... pra que adiar o inevitável seus olhos apontam o amor que sente por mim cada vez que você me vê! -Não é nada disso seu bocó,acabou de entrar um cisco no meu olho e seja mais original,não fique tirando cantadas das letras das suas musicas...seu Juca! -Pô gata...estou maior afim de ficar contigo,meu coração esta disponível! -Mas eu não estou disponível pra este papo manjado você só quer me levar pra cama...Seu rapa-bosta! 125


Maricleuda,porem tinha que concordar com sua mãe que tinha uma boa opinião: Ele não tinha onde cair vivo,já havia sido juntado três vezes. Era abestalhado,bruto, ignaro e como todo homem que quer levar uma mulher de qualquer jeito para cama, por Maricleuda comia um coxo coalhado de bosta e (dizia) estava disposto a mudar,diz que faria qualquer coisa para que fosse a “rainha do seu castelo”. Alias o famoso palácio,mais conhecido como”fubanga”na gíria local,era na verdade um desataviado caluje de dois andares na favela do “Bichano Encharcado”,mas que não deixava de ser uma casa... Sua mãe usava um argumento infalível:-Se você não casar com Mauricio que como você diz é excêntrico e pão duro mas por outro lado trabalhador,digno e responsável,vai casar com um destes “rapa-bostas” como o Perivaldo,que você conhece ai nos pagodes e que não tem onde cair vivo? E depois a esperta,vai ser a “rainha do palácio”no Bichano Molhado”... Se quer fazer merda,faça! E depois sente em cima sozinha...E esqueça que é minha filha quando ele te deixar falando sozinha e cheia de filhos com um tanque cheio de fraldas usadas e uma pia abarrotada de louça ...para tomar cervejas com os amigos porque você esta ficando muito chata! -Mas mãe ele é tão bacana e gosta de tudo que eu gosto e disse que vai mudar de vida! -Quando o CD do grupo dele for lançado? Faz dez anos que ele fala isto a todas suas ex-mulheres,que aliás não paga pensão há anos a nenhuma delas,você quer ser mais uma das ex-mulheres dele? ...Filha estes caras é daqueles que prometem 126


tudo para ter uma mulher,faz os maiores cavalheirismos para jogá-la numa cama,dizem belos versos,são mais doces que um favo de mel...mas na hora do “vamos ver”não tem um Real para te pagar um misero hot-dog! E continuou seu raciocínio: -Você ta louca filha? O Perivaldo gasta mais dinheiro com advogado do que com mulher e anda com uma coleção de “Hábeas Corpus” no bolso para não ser preso por atraso de pagamento de pensão alimentícia cada vez que leva uma geral da policia! Maricleuda era uma menina ponderada que refletia sobre as coisas e acabava por concordar com sua mãe:-É um merda mesmo! Mauricio com o tempo começou a se tornar mais responsável e trabalhava na empresa,no setor de Contabilidade,dava duro chegava na hora certa e batia cartão como todos empregados,comia no restaurante e tomava café com todos,era uma pessoa muito justa e camarada,todos o elogiavam muito pela sua naturalidade. Seu Pai perguntava porque não trabalhava na administração com ele. -É melhor que eu seja empregado do que filho do patrão,pague o meu salário justo,como se fosse seu empregado! Mauricio conseguiu dinamizar o setor de contabilidade,que fez a firma lucrar como nunca,seu pai ficou pasmado com o enxugamento de custos e equalização de gastos que ele empreendeu. Fazia conferências com os empregados e tentava buscar com eles soluções para melhor produção e tinha a seguinte 127


visão empresarial: ”Se eles trabalharem felizes, trabalharam mais e melhor!” Reciclou encarregados e chefes de divisão,para que lidassem melhor com os funcionários,alem de instituir apenas cinco dias de trabalho o que gerou mais empregos. Seu Pai não gostou muito a principio das mudanças,mas ficou quieto e pagou para ver e se surpreendeu: A média empresa de Limpeza e Equipamentos para o lar Buena Suerte se tornou um império da limpeza em pouco tempo que “dava de lavada” nos seus concorrentes e com sua linha de vassouras os “varriam para baixo do tapete”! Sr Clarismundo era chamado até para entrevistas em programas de negócios para explicar tanto faturamento e sempre frisava: ”Devo tudo ao espírito empreendedor do meu filho Mauricio”! Filho que tal um bom aumento de salário! Mauricio agradeceu mas disse: -Só se aumentar de todos empregados,pois eles dão tão duro quanto eu e também me ajudaram nesta tarefa! E assim foi feito. -Puxa! E eu que achei que ele não queria nada da vida... (pensou Sr. Clarismundo) Mauricio já tinha um bom dinheiro guardado e há um ano e meio namorava Maricleuda, apesar das divergências constantes de opinião, resolveu pedi-la em casamento. -Mauricleuda,presta atenção linda,mesmo com tudo que passamos juntos você aceita casar comigo sabendo de como

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penso e de como viveremos,lá como te falei no começo quando nos conhecemos? Ela logicamente aceitou sem nem pestanejar, Mauricio levou uma caixinha com anel,ela”esperta” como sabia da intenção antes já espalhou para o bairro inteiro que ia ficar noiva de aliança de 18 quilates. O que ela recebeu foi um modesto anel de ouro sem brilhante e mais uma vez suas amigas caçoaram: -Ele comprou um doce e o anel veio junto? -Não Tuane,foi naquelas maquinas de moeda! Suas amigas riam tanto que chegavam a chorar e ficar com dor de barriga,a mais mordaz perguntava:-Já escolheu a favela para morar Maricleuda? -Eu vou morar no Morumbi,sua tonta! -Ah! Debaixo do pontilhão do Morumbi? E novamente caiam na gargalhada,Maricleuda pensava consigo:”Quando passar de Mercedes,de Jaguar quero ver se vocês vão rir”! Quando saiam para escolher moveis,Maricleuda sempre ia no mais caro,porem Mauricio perguntava ao vendedor: -Este sofá é de couro legitimo ou é sintético? O vendedor com um sorriso respondia:-É de couro de búfalo legitimo e importado! -Não quero então,prefiro o de material sintético ou pano! Maricleuda ia a loucura:-Mauricio é só um sofá,não é um protesto ecológico! -E quantos animais morreram para fazê-lo? È por isso que esta cheio de animais em extinção,ninguém se importa em preservar nada! 129


-E o jogo de quarto? (Maricleuda perguntou ao vendedor): -É de mogno? -Sim de mogno! E Mauricio emendava:-De Mogno cortado ilegalmente da floresta Amazônica e vendido ilegalmente! Quero de pinho brasileiro ou material certificado! Maricleuda sapateava de raiva,porem Mauricio dizia:-Se você não gosta dos móveis que estou comprando docinho, é fácil resolver! -Como benzinho,você vai trocar por melhores? -Não!...Você arruma um emprego sua folgada e compra o que você quiser com seu dinheiro e de quebra arrume outro noivo! Como Maricleuda não tinha onde cair viva,muito menos possuía dinheiro e diminutamente iria abrir mão de Mauricio e “seus milhões”,achou que era melhor ficar quieta:”No final,vamos morar naquela big casa mesmo!” Maricleuda procurou não dar mais palpites e estranhou que Mauricio fez um crediário para pagar:- Porque você não paga a vista, já que seu pai tem dinheiro? -Meu pai realmente tem muito dinheiro, eu não, prefiro conseguir as coisas com meu esforço é gratificante ter algo que lutei para conquistar! Maricleuda pensou:-Tá louco meu,tem hora que esse cara parece o Tio Patinhas! Mauricio procurou uma casa para alugar e colocar os moveis,mas não contou a Maricleuda para fazer-lhe uma surpresa. Enquanto isso Maricleuda suspirava para sua mãe:-Ah 130


mãe,quando for morar naquele castelo,vou tomar ducha de espuma de uma hora,torrar dinheiro no Shopping a granel,vou andar de Jaguar aqui no bairro e fazer troça para estas invejosas! Sua Mãe suspirava duplamente e dizia:-É...E eu também! Foi uma festa quando Mauricio anunciou ao seu pai que iria se casar, pois decidiu que era hora de um compromisso mais sério com Maricleuda. Seu pai começou a traçar planos faraônicos para a festança,mas foi interrompido por Mauricio:-Não quero saber de festança pomposa ,vai ser um matrimônio no civil e um cerimonial numa igreja bem simples,para os amigos mais chegados apenas,se o senhor quer me ajudar leve ela na Igreja! Seu pai concordou a principio, mas sigilosamente planejava uma festa imponente em sua propriedade, pensando assim: -Depois que estiver pronto,não vai querer me fazer desfeita. Mauricio já havia adiantado em qual igreja iria casar ao seu Pai,mas o mesmo tinha outros planos:-Alugo uma limusine e mando buscar Maricleuda,quanto a Mauricio o próprio motorista da casa o trará e ele não vai ficar nem sabendo...Mas não foi bem deste modo: Mesmo combinando tudo com Maricleuda secretamente,não iriam mudar as idéias de Mauricio! Na cerimônia do Civil logo de manhã,Mauricio colocou um discreto terno cinza e como tinha combinado encontrar com Maricleuda lá,esperava pacientemente,o motorista de seu Pai tinha acompanhado o ônibus: -Porque veio Jarbas,para prestigiar o casamento? -Não vim a serviço... 131


-Puxa,sempre falo que não precisa,mas não tem jeito... Dez horas,uma hora de atraso,Mauricio irrequieto,resolveu ligar para o celular da Mãe de Maricleuda...Deu caixa postal! -Essas pessoas compram telefone por ostentação e depois não tem “dinheiro” nem para por crédito! Até as amigas de Maricleuda já estavam em peso e flertavam com Mauricio o tempo todo que nem ligava. Um automóvel gigantescamente vermelho parou na porta fazendo muito alarde entre as pessoas e Mauricio comentou com seu pai: -Quem será esta esnobe? Mauricio ficou pasmo quando o pedante motorista abriu a porta do passageiro...Daquele carro com sete metros de comprimento e dois só de portas desceu Maricleuda,com um diminutissimo vestido de lantejoulas azuis esfuziantes e um ridículo echarpe de peles branco,tudo descombinando perfeitamente para aquela ocasião. Mauricio sem piedade esculachou Maricleuda:-Puxa vida! Chega atrasada,atrapalha as outras pessoas...Querida o mundo não gira ao seu redor! As amigas de Maricleuda riam tanto da “comida de toco” que não conseguiam se segurar,como sempre Tuane (a amigainimiga)“a linguaruda”(como era mais conhecida entre elas)soltou outra de suas pérolas: -Maricleuda o carnaval já foi e o baile de máscaras esta bem longe,mas se você quiser chamo a ambulância do manicômio! Maricleuda mordida com a comida de toco,queria descontar em alguma pessoa a fúria, perdeu a linha e desceu o braço em Tuane:-Vou te mostrar quem é a louca sua linguaruda! Rolaram 132


pelo chão puxando cabelos,dando bofetadas e socos,xingamentos que deixaram Mauricio, seu Pai e o Juiz de Paz ruborizados,depois de quinze minutos de baixaria onde não sobrou nada inteiro,pois voaram cadeiras de plástico pra todo lado,Mauricio conseguiu retirar Maricleuda do rolo,toda rasgada suja e descabelada,fizeram a cerimônia de assinatura,com direito a filmagem e tudo,com Maricleuda reclamando o tempo todo: -Puxa me arrumei toda para a cerimônia,aluguei um belo carro,fui ao salão me embelezar,usei este vestido dispendioso e agora estou parecendo uma Judas! Mauricio não trocou uma palavra com Maricleuda,mas advertiu quanto ao casamento mais tarde:-Benzinho,gosto muito de você mas se me fizer sofrer embaraço de novo,juro que vou te deixar falando sozinha! -Como assim? -Já que as coisas estão começando tão errado,acho melhor terminarmos agora! Maricleuda se jogou de joelhos e implorou que Mauricio a perdoasse,que não iria dar mais nenhuma mancada:-Você me dá a sua palavra que vai parar te tentar manipular as coisas! -Minha palavra,meu amor e tudo o mais que quiser... -Assim que eu gosto Maricleuda,você errou e soube reconhecer seu erro! Se despediu dela com muitos beijos,não sem antes fazer um monte de recomendações para mais tarde e combinou que passaria mais tarde para pegá-la em sua casa .

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Mauricio foi para casa refletir sobre tudo,se valia a pena,mas estava apaixonado e pensou que Maricleuda estava nervosa e insegura. Maricleuda,já na sua casa,suava frio:-Que mico!Será que ele vai desistir? Telefonou a cobrar varias vezes para a casa de Mauricio,mas o telefone cortava e avisava que o aparelho era bloqueado para ligações a cobrar: -Essa gente rica quer economizar até com telefone e aquele murrinha detesta celular! 17:30, chega o hora do casamento na igreja,apesar da insistência do empregado para que coloca-se o fraque,não aceitou de forma alguma. -Essa roupa é pedante demais,é um cerimonial simples,não é entrega do Oscar! Na saída o motorista lhe esperava no Jaguar preto,mas ele passou direto apesar de Jarbas correr atrás dele com o carro e insistir: -Patrãozinho,entre aqui,levo o senhor... -Jarbas muito obrigado,mas você sabe que não ando de carro! -Mas hoje o senhor pode abrir uma exceção! -Já disse que não! -Mas seu pai vai me despedir se eu não levar o senhor! -Deixe de fazer drama,Jarbas nunca andei com você,se meu pai te despedir,vai ter que ouvir muito de mim depois... E foi para o ponto de ônibus ,como sempre fazia. Neste meio-tempo,Maricleuda ainda estava no Salão de beleza,havia alugado o vestido mais dispendioso que o borós 134


poderia obter (contando que Mauricio iria pagar),esperava pacientemente o carro da locadora,o pedante Cadillac 1973,rubro,gigantesco, cujo aluguel era um assalto,(mas ela escondia de Mauricio que seu pai iria pagar,apesar de Mauricio avisá-la “N” vezes para não gastar nada ,que tudo seria simples). Já eram 18:00, Mauricio apontou na esquina de sua casa (de Maricleuda) com um coche com cavalos todo enfeitado com flores brancas, Maricleuda curiosa perguntou: -O que você esta fazendo aqui? -Sei lá,me deu uma vontade de andar de coche hoje... (Mauricio falou em tom de deboche) . “Acorda mulher”! -Vim te buscar,para irmos para a igreja! -Mas não dá sorte ver a noiva vestida antes do casamento Mauricio... -Pegue o vestido coloque numa sacola e lá na igreja você se arruma,não quero deixar que vá sozinha,porque sei que ira aprontar de novo... -Porque não mandou um carro para me buscar? -Maricleuda porque sempre me faz esta pergunta?Já me conhece há dois anos e quer me fazer pagar outro mico como no civil hoje? Onde você a despeito de estar num ambiente de discrição provocou um barraco só porque ficou mordida com a observação de sua amiga? Se você não gosta dela,porque a convidou? -Não é bem assim,ela foi de bicão... Para desespero de Maricleuda que achava um”micaço”andar de carroça,Mauricio bateu o martelo: 135


- Vamos de coche,é muito romântico e ecologicamente correto! -Eu aluguei um carro da locadora,vou telefonar para vir nos pegar! -Não faça isso Maricleuda,nós vamos de coche,já havíamos conversado sobre isto e você concordou que faria tudo que eu quisesse,lembra? -Vamos chamar o carro e seu pai paga depois ,não tem problema! -Se chamar ,manda ele pegar um advogado pelo caminho! -Para que o advogado,não seria melhor um padre? -Não,o advogado vai cuidar da separação,porque não quero ficar com uma pessoa que sempre volta atrás no que diz! Maricleuda engoliu seu orgulho para não perder a guerra,viu que se insistisse mais um pouco,Mauricio a deixaria falando sozinha,pois começou demonstrar impaciência com as atitudes de Maricleuda:-Se você quer desistir de tudo,a hora é esta,mando anular o casamento o mais rápido possível! -Não,de forma alguma,meu maior sonho é ser sua esposa! -Então suba aqui e pare de ser tão marrenta ou desisto de tudo porque a minha paciência esta por um fio. Subiram no coche,e no caminho mudaram a direção para a igrejinha bem simples,apesar da protestação de Maricleuda: -Hei,seu carroceiro,esta na direção errada! -Maricleuda!!! Mas que coisa você esta atacada hoje mulher,deixa o “cocheiro” trabalhar,ele já sabe onde é a igreja! Na modesta igrejinha,lá estavam os amigos de Mauricio,das palestras. Maricleuda estava apavorada,a combinação que tinha 136


feito secretamente com o Sr Clarismundo tinha ido pro “vinagre”,nada de interstício triunfal,nada de Igreja de grãfino,nada de filarmônica tocando a marcha matrimonial,nada de fazer inveja para suas amigas...É, a famosa lei de Murphy ditava as regras para Maricleuda que se via numa situação que não queria estar. Quando Maricleuda colocou o vestido só a cauda tinha doze metros e cheio de brilhantes caros e espalhafatosos,o arranjo feito com orquídeas roxas,nem a princesa Dayana quando casou teve tanta ostentação(guardadas as devidas proporções), a amiga de Mauricio comentou: -Maricleuda!!! Para que este vestido?Você vai casar no Palácio de Buckingham por acaso? E para pendurar emendou:Onde está o príncipe Charles? -É que pensei que íamos casar naquela igreja da consolação! -Mas se você veio marcar o dia com Mauricio aqui,como achou que seria lá? -Acho que me empolguei demais ,e estou misturando as coisas... Na entrada da igreja,muito singela por sinal o velho órgão de tubos tocava a marcha nupcial melancolicamente e Maricleuda sozinha se desmanchava em lágrimas,não pela emoção de casar,mas porque tudo que planejou tinha ido a pique mais profundamente que o Titanic, o que passava em sua cabeça era a idéia de sair correndo dali feito uma alucinada,entrar num táxi e dizer ao motorista:”Me leve daqui o mais longe possível...”Enxugando as lagrimas, ponderou e

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pensou:”Afinal de contas, ele pode ser estranho,mas pelo menos é rico!” No outro lado da cidade,na portentosa igreja da Consolação,seu pai Clarismundo e convidados,amigos e amigas de Maricleuda esperavam os noivos que já estavam duas horas atrasados,como nenhum dos dois chegavam ali,o burburinho era geral e a fofoca comia solta...”Que provavelmente Maricleuda tinha levado um pé na bunda”. Quando o Cadillac vermelho parou na porta,sr Clarismundo,se dirigiu paro o carro para dar uma bronca em Maricleuda,mas para sua surpresa era a noiva do próximo casamento ,afobado perguntou ao motorista: -E a outra noiva, a Maricleuda? -Senhor,ela telefonou cancelando o serviço! Jarbas chegava a bordo do Jaguar “a milhão” e novamente Sr Clarismundo foi dar a bronca: -Jarbas,onde esta Mauricio? -Não aceitou vir de carro de forma alguma! -Porque você não trouxe a força,amarrado,coagido por artilharia,chama-se o exército,a marinha,a força aérea... Usa-se qualquer recurso possível! -Imagine que eu faria isto com uma pessoa tão educada quanto ele. -E Maricleuda ,porque você não passou na casa dela então? -Quando cheguei, eles já haviam saído! -Inábil! Esta despedido! -Tudo bem,seu filho falou que o senhor poderia fazer isto comigo e que era para avisá-lo caso isso acontecesse.... 138


Sr. Clarismundo engoliu seco e viu que seus planos tinham ido “por água abaixo” e disse a Jarbas:-Tá bem Jarbas me desculpe,mas me leve até a igrejinha rápido! Atrasados Jarbas “saiu voando”,a pedido do Sr Clarismundo: -Vamos trazer aqueles dois para cá nem que for amarrado! È pena que Jarbas varou um sinal vermelho e um carro da policia os interceptou, comeu-lhes o toco por estarem a 160 km/h numa avenida, encheu de multas e só não prendeu o carro depois de muita choradeira, mas advertiu: - Não quero saber se estão com pressa, nem que fosse a rainha Elizabeth que estivesse casando eu o perdoaria, o limite de velocidade existe para ser obedecido! Chegaram a tempo de abraçar os noivos na saída da igreja,e Mauricio repreendeu sem piedade do seu pai: -Puxa vida,contava com o senhor para levá-la ao altar e me chega agora Pai? . Sr Clarismundo ficou muito sem graça,nem abriu a boca e foi cumprimentar Maricleuda que chorou copiosamente no seu ombro : -Snif!Snif, Vou comprar uma talhadeira e um martelo para abrir esta cabeça dura do seu filho...Snif,snif,snif! -Acho que seria melhor uma britadeira, minha filha! Sr Clarismundo ainda ofereceu o Jaguar para levá-los até em casa e viu Mauricio pegar Maricleuda pelo braço e sair pisando duro, não entendia mais nada,só pensava no grande "mico" que iria pagar aos convidados e parentes,fora todo o dinheiro gasto

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na festa que estava programada em sua mansão,com bufe e orquestra. Mauricio e Maricleuda a esta altura já estavam no coche a caminho e Maricleuda falou: -Vamos para sua casa,que seu pai disse que dará uma grande festa em nossa homenagem! -Que festa? Não tinha te falado que preferia gastar o dinheiro da festa comprando tudo para nossa casa e agora você vem me falar em festa? -Mas seu pai disse que faria festa. -Não disse não,se eu que moro com ele e sabia que não ia ter,como é que você esta sabendo? -Foi um palpite,achei que você sendo filho único seu pai poderia querer se despedir... -E quem disse que vou para outro país para se despedir? Maricleuda você esta me escondendo alguma coisa e eu não estou gostando... Maricleuda deu um sorrisinho mal-intencionado e disse:Puxa Mauricio como você é turrão,nunca acredita no que eu falo! -Maricleuda sabe qual é o seu problema,você é que quer dar uma de esperta o tempo todo,e esta pagando um mico fortíssimo,nem imagina o quanto! E o coche se dirigiu para a periferia da cidade,para um bairro simples, mas bonito,Maricleuda curiosa perguntou: -Para onde vamos agora? -Para nossa casa ora! -Não vamos morar na casa do seu Pai? 140


-Para que morar lá? Pra depois ficar mandando em nossa vida e meter o “bedelho” em tudo! Chegando no local,andaram um pouco e um pequeno portão lateral anunciava uma casa bonita e modesta e assim entraram.“É aqui!” Maricleuda pode ver para seu assombro uma casa de fundo e lá os amigos esperavam,com churrasco e cerveja para comemorar o casamento. Maricleuda se dirigiu ao banheiro para tomar um banho,e colocar uma roupa mais cômoda pois não conseguia nem andar direito com”aquela cauda de brontossauro”como Mauricio sarcasticamente repetia a todo tempo. Se espantou com a simplicidade da casinha,recémpintada,muito bonitinha,tudo que Mauricio havia escolhido nas lojas estava ali. Era muito bem arrumado,de muito bom gosto e aconchegante porem “longinquamente distante” do que Maricleuda sonhava... Desolada,sentou na privada e começou a chorar compulsivamente,enquanto as lagrimas rolavam aos baldes ,pôs-se a pensar: -Que vontade de sair correndo daqui, ir lá para a Conchinchina e largar esta bosta toda,acho que levei um”aplique”ao invez de dar... Chegava a uma deprimido arremate:-Eu que quis dar o golpe do baú e acabei por tomar no (..)! Maricleuda estava decepcionada com ela mesma,”a rainha do aplique”tinha chegado ao fim do romance de fábula...Tudo meticulosamente planejado,o príncipe tinha virado sapo...O 141


“toque de Midas”havia virado”toque de merdas”...A última frase,o bordão”E foram felizes para sempre”...Não vingou...Quando capturou o “Rouxinol dourado” que cantaria a música dos seus sonhos,a melodia que seria o retinir das moedas de ouro,este abriu a boca e grasnou como um corvo aziago e ainda cagou na sua mão...Era uma metáfora digna de estar escrita na porta de um fétido banheiro de beira de rodovia e para piorar com a descarga quebrada... Depois de muito tempo ela saiu do banheiro chegando a conclusão que havia perdido esta e enxugou as lagrimas derrocadas. Mauricio e seus amigos assistiam a fita de vídeo ainda sem edição,que foi gravada no casamento e Mauricio emocionava-se cada vez que via Maricleuda prantear: -Tadinha! Ficou tão feliz que não continha as lágrimas... Maricleuda por sua vez,pensava em dar um fim aquela fita o mais rápido possível:”Já pensou uma amiga ver isso,vou ser motivo de chacota para o resto da vida”! (Tempos depois a fita sumiu sem deixar rastros...) Diante desse quadro de languidez,ela tentou enxergar o lado oportuno mesmo que por um prisma imundo e deformado. Lembrou-se do seu pai,do carinho que tinha com ela,mesmo sabendo que não era sua filha legitima para ele era como se fosse,contava estória antes de dormir,dava-lhe bons conselhos,se preocupava com seus problemas,era um bom homem e Mauricio era ainda melhor que seu pai,carinhoso atencioso,prestativo. Ela começou a sorrir num certo “ar” de júbilo subjetivo que muitas vezes o dinheiro não compra...Mas 142


o materialismo interior advertiu com sua luz de alerta escravisadora, bloqueando aqueles belos pensamentos: -P... Que pariu,estou pensando em merda! Quero ser endinheirada,não morar nessa tapera abominável e ser “escrava do lar”! Então ela tirou um último cartucho de esperança de seu coração,um pensamento otimista tomou conta do eu,pensando que depois da chuva de merda,viria o cheiro das rosas e que o “aplique”ainda valeria,afinal ela estava casada com um milionário... Na mansão,Sr.Clarismundo aguardava impaciente pelos noivos há muito,a orquestra tocava para ninguém,apenas a pedido dele,foi quando sozinho Mauricio se aproximou do portão,e seu pai foi ao seu encontro: -Mauricio,meu filho o que aconteceu? - Pai,como assim o que aconteceu? -Mas porque você não veio a igreja que eu queria, as pessoas ficaram esperando lá por vocês, e a festa então,tive de dispensar todo mundo! -Ninguém esperou na igreja, todos que convidei estavam lá, menos o senhor que só chegou na hora dos cumprimentos... É eu que estou casando, ou o Senhor? Mauricio olhou as mesas dispostas cheias de comidas e os garçons batendo papo e entendeu tudo: -Puxa pai,te avisei que não queria festa...então foi isso que a Maricleuda falou. -Não meu filho,ela não sabia de nada,não vá brigar com ela por favor. 143


-Tudo bem Pai,vou atender seu pedido,mas o senhor vai atender o meu agora! -E qual é meu filho? Mauricio encolerizado resolveu fazer”justiça poética”a sua moda e resolveu mostrar do que era capaz : Mauricio no caminho havia convidado todos mendigos e indigentes e pessoas da “baixa sociedade” que achou, deu um assobio e todos apareceram como caídos do céu. Foi um festão sem duvida,os pobres quase morreram de tanto comer,enquanto a orquestra executava clássicos a pedido de Mauricio,as pessoas o vinham agradecer a todo momento por sua generosidade: -Muito obrigado seu Mauricio,há muito não comia assim! -A festa é de vocês,aproveitem! Sr Clarismundo ficou com cara de bunda e prometeu a Mauricio: -Filho,não vou mais interferir em sua vida,palavra. Mauricio levantou-se, despediu de seu pai dizendo:- Agora sou um homem casado e tenho responsabilidades, devo voltar para minha esposa, tchau Pai! -Tchau meu filho e volte amanhã que tenho um presente para você! No outro dia, todo champanhe, comida foi devorado sem dó ou piedade,haviam pessoas dormindo por todo o quintal e garrafas e pratos para todo lado! Senhor Clarismundo passeava pelos jardins da casa e ria sozinho da hilariante situação que Mauricio havia lhe aprontado

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e pensava consigo:- Taí um sujeito que tem opinião e não deixa barato! De manhã Mauricio juntamente com Maricleuda apareceram para conversar com seu pai,porque tinha algo a lhes dar como presente de casamento: -E as passagens para Acapulco,o que faço com elas? Os olhos de Maricleuda,brilharam de alegria,”Nem tudo esta perdido!” -Vou trocar por duas do Timor Leste. -Você vai passar sua lua de mel,num país destruído pela guerra? -Não, vou trabalhar numa Ong,na reconstrução do País! -Porque você não vem trabalhar comigo? -Não já fiz o que tinha de fazer na sua empresa e vou aplicar minhas experiências em prol dos carentes como mamãe queria,vou fazer minha independência sozinho,como todas pessoas que são pobres,para isso fiz uma faculdade Pública,quero ser igual a todo mundo! -Bom, mas quando retornar da viagem, você vai vir morar aqui depois meu filho? -Não ,já tenho minha casa e não gosto deste elefante branco,enquanto muita gente mora numa casa de no máximo quatro cômodos,essa casa tem dez quartos e seis banheiros,para que tudo isso? O senhor conhece alguém que tem dois corpos para se ter tantos quartos ou duas bundas para se ter tantos banheiros

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Por mais que Clarismundo argumentasse que “tudo que era seu era dele também”, não convencia Mauricio de forma alguma. Maricleuda tentava dar pitacos e chamá-lo á (sua própria) razão (materialista) das vantagens que(ela) teria,mas Mauricio era irreduzível e sempre “batia o martelo” no final: -Meu amor,você me conhece,sabe como penso,casou comigo aceitando minhas qualidades e meus defeitos e sempre tenta fazer eu voltar atrás das minhas decisões...Se continuar assim tentando manipular, não sei não! -Você vai me largar benzinho? -Lógico, peço anulação do casamento e cada um vai para o seu lado! -Prefiro a morte a ficar longe de você, amor! -Então querida “você vai ter que dançar conforme a música e quem vai reger a orquestra sou eu!” Embarcaram no dia seguinte para o Timor-leste,Maurício trabalhou durante dois anos e voltou para o Brasil,porque Maricleuda estava grávida... Quando voltaram Maricleuda estava com uma promissória protestada devido ao não pagamento do aluguel do vestido. Maricleuda sem ter onde correr apresentou a Mauricio a nota ele quase teve uma sincope cardíaca: -Que insanidade mulher, onde você estava com a cabeça! Quem mandou alugar um vestido tão caro,fiado,no lugar mais caro da cidade? -Ah! Bom...Puxa Mauricio,a gente só casa uma vez na vida, então quis parecer bem bonita para te impressionar! 146


-Mas você é linda mesmo vestida de forma simples, eu não casei com um vestido casei com você! Mauricio mais uma vez, mostrou que era duro em suas convicções e que quando tinha uma opinião formada, jamais mudava de idéia, olhou nos olhos de Maricleuda e disse: -Maricleuda,a vida toda você foi pobre e não aprendeu a gastar dinheiro até hoje? E continuou comendo o toco: -Você acha que as pessoas que tem muito dinheiro ficam se mostrando aos outros? Eles economizam e pechincham, você pensa que a fábrica de meu pai começou pronta? Era uma pequena oficina e juntávamos moedinhas todo dia para comprar o pão do café da manhã...Minha mãe? Deus a tenha,era uma “lady” como vocês dizem,mas sua mão era cheia de calos de tanto bater pregos em vassouras e eu ajudava os dois amarrando as mercadorias e fazendo pregão pela rua,chegava sem voz em casa,tomava banho correndo e ia pra escola atrasado todo dia,mesmo assim eu conclui o estudo fundamental sem repetir nem um ano sequer e fui para a Faculdade de Ciências Contábeis e ia dormir tarde da noite porque fazia as lições e ainda preparava mercadorias para o outro dia. Não tínhamos entretenimento de fim de semana porque a televisão estava quebrada e não tínhamos dinheiro pra arrumála, nossa diversão era bate-papos e muita leitura que eu pegava na biblioteca da escola,jogava xadrez com meu Pai todo dia! Comemos muito pão com mortadela na janta e ki-suco, no almoço muitos ovos fritos e centenas de quilos de boi ralado,já ralamos muito,nunca passamos fome se quer saber,mas meu pai 147


que sempre foi um visionário jurou a minha mãe que quando ele tivesse a sua empresa seus empregados sempre teriam uma boa refeição,no almoço ou quando chegassem em casa, por isso lhes da cestas básicas... Pergunte ao meu pai o que ele deve a minha mãe ? No começo andávamos numa acabada Kombi que batia latas o tempo todo pelas ruas da periferia, vendíamos produtos de limpeza,vassouras e rodos,amarrávamos as portas da kombosa com arames para não caírem...Mas a nossa luta não foi em vão,logo as pessoas que vendiam para nós e a empresa começou a funcionar,contratar cada vez mais gente e dar cada vez muito mais lucro...Se hoje ele tem um Jaguar,pode ter certeza que guardou muito dinheiro! Você pensa que meu pai não pechincha para comprar os materiais da fábrica? E continuou empolgado seu discurso: -Cada vez que faz negócios com os fornecedores eles dizem: ”Ih! Lá vem aquele velho manhoso pedir descontos em materiais!” Mauricio dava uma aula de humildade, simplicidade e determinação a Maricleuda... “Que muitas vezes para se chegar ao topo de uma montanha é preciso coragem e determinação interior para escalá-la e que as coisas fáceis poderiam ser admiradas pelos comodistas do chão, mas que conquistá-la exigia grande sacrifício daqueles dispostos a ver do alto desta montanha...” Maricleuda escutou o discurso com atenção,pensando que ele falasse um “monte”,mas depois pagaria já que não havia

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outro meio e era um marido que fazia de tudo para agradar...Mas se enganou : -Tudo bem,vou pagar porque sei que você não tem dinheiro no momento, mas tem uma ressalva! -Qual benzinho? -Vou descontar de você depois,vai me pagar centavo por centavo,só assim vai aprender a dar valor no seu dinheiro e pagar contas em dia! Maricleuda refletiu: ”Onde fui amarrar meu burro!” Pobre Maricleuda,assim que conseguiu um serviço de promotora de eventos onde ganhava muito bem,teve de pagar a duplicata com juros:-Puxa benzinho,não podíamos esquecer disto,afinal águas passadas não movem moinhos! -Não senhora,”E se a conta não estiver paga não movem os moinhos pela falta de água para move-los”,pode pagar sem chorar,você me prometeu...Lembra? O tempo passou e Ephifania(sua sogra)tentava sempre fazer a cabeça de Mauricio,para que fosse morar na mansão de seu pai e obviamente a levasse junto: -Mauricio meu filho,deixe de ser turrão e vá morar na casa de seu pai....Puxa!!! uma Big casa daquela e você morando nesse bairro badameco e andando de bicicleta ou de ônibus,será que não vê que esta privando a minha filha de ter uma boa vida? -Ah...Dna Ephifania,seu marido deve estar no céu mesmo! -Porque? -Para agüentar um disco quebrado como a senhora,tem de ter muito saco e se não esta contente,porque não vai embora? Vai se arranchar aqui é? 149


-Imagine,tenho a minha casa,é que seria tão bom ter companhia... -Porque a sra não arruma um marido,pra você é fácil! -Não é tanto assim,precisa ser um bom candidato... -É Mauricio,coitada da mamãe esta tão sozinha...(interveio Maricleuda) -Como disse antes isto é tremendamente fácil de resolver “Mari”...Arrume um marido para ela naquela mesma agencia matrimonial fajuta que arrumou um pra você,mas tenha certeza de certificar que ele seja palerma antes de tentar dar o golpe... Maricleuda teve dois filhos com Mauricio, apesar dos pesares,ela é completamente apaixonada por ele e vice-versa e tem uma boa justificativa para das as suas amigas sempre, do “aplique”em Mauricio não ter dado certo:”Quem não vence o inimigo,se junta a ele”! O tempo foi passando e Mauricio dava aulas como professor de línguas o que Maricleuda não se conformava porque o salário de professor é muito baixo e sempre dava pitacos porque ele não largava e ia trabalhar na firma do Pai já que também era dele... Mas Mauricio nem prestava atenção mais no que ela falava e queria apenas fazer algo que proporcionasse bem estar e ajudar as pessoas. A empresa já não lucrava como antes não por incompetência de Sr Clarismundo mas com a concorrência vinda de fora e de pequenos fabricantes vendendo muito mais barato foi diminuindo seu padrão de vida de acordo com as

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vendas de forma a não prejudicar seus funcionários com demissões. Clarismundo com o tempo resolveu se aposentar e deixar a empresa para seus sobrinhos tocarem e ela acabou por falir por má administração,Mauricleuda levou as mãos a cabeça quando Mauricio lhe contou... -P...que me pariu dez vezes um Império daquele falido? Vou ter de trabalhar até a velhice. Os seis carros que juntavam poeira na garagem foram vendidos ao longo dos anos para amortizar dividas e por não haver mais necessidade de se ter tantos carros,mais uma vez Mauricleuda ficou doida de raiva. -Que bosta...Aquele murrinha”morto de fome” tinha ,Audi,Rolls,Bentley, Mercedes , Jaguar e Maseratti e eu vou ter de continuar andando nesta merda de carro popular! Com a sua aposentadoria Clarismundo foi morar em uma chácara que tinha e vendeu a bela Mansão para lhe proporcionar uma velhice mais tranqüila. -Caracoles duplos,triplos e quádruplos! Vou continuar morando nesta tapera abominável com estes moveis horrorosos! Na mudança muita coisa foi doada porque a casa que o Sr Clarismundo moraria era muito menor e ele deu de presente a Mauricleuda 1500 livros da sua Biblioteca particular fazendo a ela uma recomendação: -Minha filha,estes livros valem um bom dinheiro se você souber a quem vai vender,pois são livros originais,você pode inclusive entrar em contato com um leiloeiro e ele lhe passara o valor de cada coleção,acho que te ajudara muito. 151


Mauricleuda aceitou por educação e ficou “P” da vida:-P... que o pariu,tanta coisa de mais valor para me dar e o murrinha me da uma coleção de livros? Mauricleuda sem pensar muito tentou vender os livros a um sebo para se ver livre daquele“entulho”,mas o dono queria pagar R$0,50 centavos em cada um,ela se assustou: -Mil e quinhentos livros e só valem isto? -75,00 reais? Vou vender por peso no ferro velho que dará mais dinheiro! O homem vendo que perderia o negocio aumentou para oitenta reais e insistiu:-Você esta louca minha senhora? Há livros aí que são seculares! -Então não prestam nem como papel higiênico porque vão desmanchar quando limpar o rabo,me dá esta merreca seu chorão antes que eu desista e vá para o ferro velho! Ao sair dali Mauricleuda passou em uma banca de revistas e comprou todas as revistas de fofoca que pode:-Agora sim estarei bem informada,para que vou querer um coleção completa original de sonetos Shakespereanos? Ao chegar em casa mais tarde,chegando do serviço, deparou com os mesmos livros e com Mauricio montando uma estante:O homem do sebo me fez bom preço e arrematei os mil e quinhentos livros dele por R$500,00! -Tem livros aqui que tem mais de trezentos anos,alguns valem mais de US$1000,00 cada um! Sorte que o cara era um lerdo e não sabia disto! ...E o dono acabou me confidenciando que comprou quase de graça de uma deslumbrada! Tive de negociar muito para descer o valor,chegou a me pedir R$1000,00...Imagine só, e a tonta recebeu oitenta reais por 152


eles...Meu Deus,que louca... Se eu botar algumas destas coleções para vender em leilão nem precisaria trabalhar mais...Acharia 50 mil dólares em todos brincando! Mauricleuda sentou-se no sofá e teve uma sincope de risos violenta, as crianças não entenderam e riram junto, enquanto Mauricio balançava a cabeça, como se quisesse dizer: -Estou casado a dez anos com esta mulher e até agora não consigo entendê-la! • Mauricio continuou sempre fazendo o bem as pessoas,dando aulas e ajudando ONGs em trabalho voluntario e criou muito bem os seus dois filhos que também eram pessoas extraordinárias. • Maricleuda com o tempo se rendeu a vida que Mauricio queria e parou de fazer crítica ,com seu trabalho foi alcançando muitas coisas... Afinal depois de dar uma coleção de livros valiosíssima de graça chegou a conclusão que se fosse rica como queria teria uma vida chata e acabaria com tudo muito rápido ou estaria separada em pouco tempo. • Ephifania,mãe de Maricleuda por vezes tentou se encostar na casa de Maricleuda mas era tocada por Mauricio todas as vezes,tentou casar de novo mas como não tinha muito a oferecer teve de se contentar com um assalariado. • Sr Clarismundo ficou muito bem depois que se aposentou e gosta muito dos filhos de Mauricio e são só elogios. A moral da história (se é que tem): 153


“Quem não se submete a servidão de um desejo, torna-se senhor dele....”

Um dia um imbecil em momento de grande infelicidade apregoou:”Dinheiro não traz felicidade”! Este infeliz,provavelmente não vivia no mundo e devia ser algum monge enclausurado em um monastério perdido nos confins do mundo que nunca teve de trabalhar para ganhar o pão e se fosse esperto deveria ter ficado quieto...Ou alguém muito rico falou esta besteira porque queria que as pessoas mais pobres se conformassem com a sua indigência e com as riqueza dos outros ricos que ficariam cada vez mais ricos explorando os pobres. Se não trouxe felicidade a alguém,provavelmente esta pessoa não soube empregá-lo de forma correta a que trouxesse a si e aos outros devido ao orgulho natural dos humanos! 154


Quando vem de fonte ilícita,ele queima na mão do individuo e ele o gasta como se fosse água na esperança de perpetrar poder sobre os outros ainda que por míseros momentos e poder se sentir alguém uma vez na vida,mas a ilusão do ego é efêmera porque quando o dinheiro acaba os”amigos”somem. A razão é que a maioria das pessoas são infelizes porque o mundo é um lugar de infortúnio,todo mundo quer ser esperto a todo tempo,tudo aqui é transitório,tudo que é moda hoje,torna-se brega amanhã...Vivemos na ditadura do”Ser”;”Ter”e”fazer”na qual o sujeito só vale o que tem na sua conta bancaria e que um mendicante é um vagabundo que não quer trabalhar porque esta cheio de emprego! As vezes o dinheiro parece o melhor dos aditivos para entupir o vazio que se sente,mas revela-se um outro tipo de fuga...A fuga da própria insignificância perante as outras pessoas. Enquanto um sujeito estiver unido ao seu Ego,este sempre lhe pedira tudo que puder pra preencher os espaços vazios da sua alma,mas como nenhum anseio por mais que seja colossal em valor poderá satisfazê-lo interiormente... João realmente chegou no topo da montanha duas vezes,mas por seu descuido tropicou na sua própria cobiça e desceu morro abaixo rolando para a pobreza absoluta e como o filho prodigo voltou ao Pai para salvar a sua alma. É sensato,correto e sucinto! O dinheiro pode não trazer felicidade como dizem muitos,mas que ajuda,ajuda demais.Alias vi uma frase em um banheiro químico que sintetiza tudo isto:”Dinheiro: Difícil de ganhar;fácil de gastar e nunca se tem o suficiente”!

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Quem prestar a atenção a historia vai perceber uma época sombria do nosso País da qual fomos infelizes vitimas.

Era mais uma passagem de ano... Réveillon! Festejo com belo título, onde muitas pessoas renovam seus votos de expectativa e confiança num futuro melhor, num ano que seja mais producente pelo menos... Enquanto os fogos de artifício estrondeavam no firmamento fazendo cascatas luminosas multicoloridas saudando o ano que se aproximava a poucos segundos e quem sabe (de maneira supersticiosa é claro) espantando as energias nocivas que o ano velho deixava... Os festivos rojões relampejavam em todos os cantos da metrópole fazendo grande alarido, as pessoas se saudavam esperançosas e brindavam com taças a entrada do ano novo acompanhando a contagem do animado locutor...

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A festividade contagiante embalava os corações risonhos em todos os lugares espalhando alegria pela cidade, mas nem pra todas pessoas é de tal modo... Num canto sombrio da fria urbe, na portaria de um edifício melancólico que possuía mau cheiro de urina, os alegres buscapés que queimavam no céu esbraseavam as ultimas probabilidades para um homem, naquele fatídico desfecho de ano para ele era só angústia e lamentar... A nebulosa depressão estourava sua acre champanha de fel a um agora “invisível social”... Um homem que outrora comemorava com mesa abundante e jubilosamente a cada abertura do ano com multíplices risadas,sarcasmos bilionários e churrasco de picanha no vinho italiano envelhecido em tonel de carvalho,regado a baldes de chopes alemão ultra gelado. Mas hoje em dia não era mais assim...João, o mais velho de meus irmãos não podia acreditar em tudo! Se recusava definitivamente a acreditar na posição que estava atravessando,não era possível aceitar os fatos,a máscara dura da realidade: ”Um aperto econômico brutal o açoitava impiedosamente”. Ou como se diz no “popular”:”Estava vendendo o almoço para comer a janta”! Por mais que seu treinado “ultrapensamento positivo” negasse,denegasse ,renegasse ,trenegasse compulsivamente João se ludibriava o tempo todo. Empreendia uma fuga mental na qual fugia de si mesmo, procurava acreditar que algo milagroso aconteceria de repente...A confiança dele era depositada no minuto 157


seguinte. Tal qual o ratinho de estimação hipnotizado pela sua pouca perspectiva da realidade devido ao seu tênue encéfalo corre no carrossel dentro de sua gaiola, tentando assim chegar a um fantasioso lugar de felicidade correndo para um eldorado utópico. Como um circulo que se fecha sobre si mesmo e representa a culminância ou o infalível encerramento de um tempo,João apenas conseguia observar que correndo de si mesmo, não seria compelido a se enfrentar. Adiar de forma inevitável a fricção contra si mesmo,desviando-se do choque inevitavél da realidade. Um forçoso despertar da consciência do que ele era hoje:”Um pobre miserável como muitos que não tinha onde cair morto!” Dizia a todos e a si mesmo compulsivamente de forma repetitiva e redundante que estava tudo bem,e que a queda precede á ascensão! Que crise era sinônimo de criatividade, que haveria a hora certa de tirar o ás da manga para ganhar o jogo e colher os frutos saborosos da riqueza. Citando muitas frases de ouro da neurolinguistica dizia: Que era um tempo contrário que passaria logo; “Que para qualquer grande dificuldade existe um recurso viável e inventivo”; “Que esse ofício que desempenhava hoje não era assim tão horripilante quantos todos lhe diziam...( em vista do que já teve). ”Que esta só esperando a tempestade econômica passar para ver no que aplicaria o seu “refluxo de caixa”(ou as suas 158


ações ao portador,da qual estava recorrendo na justiça há milênios contra uma massa falida). João retumbava as citações entusiásticas a granel com um cínico sorriso no rosto,na expectativa de se persuadir ou de fazer a cabeça dos outros e por osmose a sua...Porque lá no fundo ele mesmo já não acreditava muito no efeito delas. Funcionavam na verdade como um lubrificante mental,na qual ele engraxava seus neurônios pra pensar em qualquer coisa,manter a esperança de melhores dias,idealizar alguma coisa assim e contemporizava a angústia,a desilusão. Entretanto mesmo com tanta baboseira neuro-lingüística ditas a granél que abarrotam as bancas de jornais e prateleiras dos sebos na tentativa de ensinar uma ilusória felicidade,sabia que não podia enganar sua consciência,o coração intelectual,a essência vital de todas as coisas “a consciência sempiterna”,a única que ele não podia enganar com o invariável negação verbal repetitiva...No fundo conhecia a verdade irrefragável: Que todos os “amigos,desamigos,inimigos e desinimigos”queriam que ele fosse lá para a “P...onte que ParTiu lá em Corumbá numa canoa de carValho a remo”,e como um canoa ao léu sem remo,sem motor e sem vela estava entregue as ondas do acaso: - Nada dá certo,tudo que eu penso não tem valor, ninguém me ajuda... Corro atrás dos amigos e eles nem me recebem mais. Era a lodo do fundo do poço onde não havia a quem mais apelar,de onde tudo que se pensa já não tem mais a 159


complacência dos outros porque já não há mais nada há se dar em troca do que se pede. João assistiu a tudo ruir tal qual um castelo de cartas pelo vento existencial de um melancólico “pum” soltado pelo súbito e desabafava de forma melancólica: - Oh “deus mamon”, porque me desamparaste quando mais precisei de ti? Naquela amargosa entrada de ano,ele via os carros buzinando na rua festivamente,pessoas abraçadas e compartilhando a geladíssima champanhe que descia refrescante pela garganta,escutava-se ao longe uma fanfarra tocando animadamente... O que descia pela goela de João era um nó, feito de desilusão e decepção, a mesa antes farta era agora uma mesinha parca e roída de cupim e tudo que havia para se beber era o acrimonioso e frígido café deixado pelo porteiro anterior,a música não era tão animada pois vinha de sua mente uma sinfonia de lamúrias... O que importava para João se era passagem de ano? “Coisa nenhuma! Um assombroso alhures e nenhures! Definitivamente nada! Um vácuo desmesurado tomando conta de tudo,escuridão total!” Em síntese:Um longínquo,estratosférico,quilométrico e abissal lhufas existencial! Era só mais um dia...Apenas um de muitos e mais nada que isso,um dia de serviço naquele calabouço metropolitano 160


inserido no âmago da fria urbe,da qual um dia João foi ilustre filho e hoje não era mais que um “anônimo órfão”,e assim passava o seu dia trabalhando em plena passagem de ano, indo mais tarde para sua casa dormir para tentar descansar a alma dos tormentos. Mais um dia de torturas psicológicas tinha se passado incólume,um de vários dias que se seguiriam durante dias e dias,quem sabe anos... Para sair desta situação de limbo como diziam muitos de forma anedótica,teria de haver uma virada de mesa miraculosa,inexecutável, daquelas de se amarrar dês bananas de dinamite e mandar tudo pelos ares;ou encontrar a chave que trancou o arcano da prosperidade com algum duende na ponta do arco-íris e tomá-la de volta... Se não fosse deste jeito metafórico,teria sempre de manter uma esperança num lance que poderia vir no minuto seguinte,ou nunca... João ficaria imerso naquele mar de monotonia durante anos vendo seu ágape sendo consumido aos poucos pela frustração dos sonhos que já não poderiam realizar, era dura demais pra ser aceita a realidade dos fatos. Indo para o seu serviço, na sua acabada B.M.V., ou seja;”Brasília muito velha”,ele se perdia em mil pensamentos: -Onde errei? E continuava... - Será que confiei nas pessoas erradas? A questão que não queria calar era: “Puxa...eu estava numa boa no começo do ano passado...Andando de carro importado de ponta,viajando para o Exterior,pegava muitas mulheres soberbas e tinha um 161


filézão em casa,tinha muitos empregados ao meu comando e montão de dinheiro pra contar que dava até fadiga...E uma virada na vida me jogou aqui,olha agora que merda e estou me afogando nela!” Dirigindo mecanicamente,perdia-se em mil perguntas...Sua cabeça era um turbilhão de roupas sujas mentais que eram batidas a exaustão na perspectiva de expurgar a imundícia e tentar uma placidez inatingível entre justificações e outras distrações...Tanto que nem percebia os barulhos desarmônicos que seu carro emitia,era tanta lata batendo,que mais parecia um ensaio de uma banda de “Heavy Metal”,iniciante e desafinada. Para agravar,ela sempre dava”pau”nos piores lugares,quebrava justo na hora em que se cruzava com uma viatura ,já que os documentos estavam todos enrolados e tinha de andar na encolha para não perdê-la. Um trajeto alternativo,monótono, vindo do remoto “Jardim Retiro dos Córregos”onde popularmente o “Judas tinha perdido as meias porque as botas haviam gastado a sola pelo caminho”, até o seu serviço tendo como companhia no banco do passageiro, sua mente cheia de oportunidades perdidas e que o acusava ferozmente! Um indivíduo que teve dinheiro para jogar pelo”ladrão”por duas vezes,empresário bem sucedido que dava entrevistas a imprensa ,casado com uma filha de Conde,andava de carro importado,bolso abarrotado de dinheiro,dormia com um maço de dólares debaixo do travesseiro preso a um clipes de ouro,final de semana pescando em alto mar com orgias 162


sexuais regadas a champanhe... Hoje numa situação de quase miséria,num sub emprego ralando que nem escravo,andando numa jabiraca enrolada,morando num bairro janistroques,sem paz de espírito e com uma mente que parecia uma multidão numa banca de peixes numa cacofonia generalizada. A vida de João, um cara que outrora era milionário abastado e movido a desejos de prosperidade meteóricos se transformou num infindável,langoroso e invariável arrastamento depressivo tal qual a um vagaroso gastrópode! João estava tão ferrado,tão processado,tão duro,tão arrebentado,tão sem credito na praça daquele modo de ate se mudar de calçada quando passava por um banco, que teve de pegar o emprego que mais odiava na vida para não acabar numa cadeia: ” Porteiro de prédio”... Na sua torpe visão de ex rico, o sujeito que aceitava um emprego de porteiro era “o pior dos insetos”: - O sujeito fica o dia inteiro sentado em uma portaria como um zumbi anestesiado, olhando a vida passar na sua frente,amassando a bunda em uma cadeira por horas a fio e ainda aceita ganhar um salário merreca destes, não tem amor em si mesmo,não tem sonhos e merece ser esmagado como uma barata! E agora ele trabalhava disto,engolia suas próprias palavras, logo ele que “arrotava” opulência, que nos tempos de fartura dizia de boca cheia em brindes com amigos: “Para que viver uma longa vida se não se pode realizar todos os sonhos!” 163


Ele estava sendo obrigado a trabalhar para os outros,coisa que nunca gostou muito,diga-se...Mas para quem não tinha completado nem o Ginasial por achar perda de tempo ficar sentado em uma cadeira de escola enquanto o dinheiro corria por aí solto,era o melhor que se tinha... Era isso ou ficar preso por falta de pagamento de pensão alimentícia,a única coisa que era certeza de cadeia neste País. João nunca gostou de pegar no pesado,era um cara que devorava livros de vendas e pensamento positivo e conversava com pessoas bem sucedidas para entender o mecanismo desta”coisa”de ganhar dinheiro. Ele era um homem de idéias para ganhar dinheiro,seu negócio era colocar os outros para trabalhar para fazer mais dinheiro enquanto ele tentava outras formas de ganhar mais ainda,o que não é errado quando a pessoa possui inteligência para ganhar dinheiro e prudência para saber administrar o suficiente para tal empreita. Sua ex-mulher a “caliente... pero mucho nerviosa” Degliane,não era de oferecer moleza na falta ou atraso de pagamento das pensões. Sua resposta aos apelos teatrais com as mãos para cima de João para que “tivesse um pouco mais de paciência” : -Na hora de casarmos, disse que tinha tudo de sobra e não dependia de ninguém nem para um tomar um copo de água...Fomos morar no pior bairro da cidade,numa casa fubica porque você,o “Mr Easy Money” tava atolado em dividas até o nariz,sendo ameaçados por agiotas de morte e teve de vender tudo que tinha pra pagar os outros e nem me 164


contou isto para não perder a pose frente as pessoas e a mim... Numa segunda vez me consegue ficar mais rico que antes,para perder tudo depois pior que na primeira vez...Tudo isto porque você nunca soube administrar o que ganhava,queria sempre mais e mais,nunca se importou em escutar ninguém,por mais que te avisassem que era roubada,ia lá e enfiava um caminhão de dinheiro e tomava o maior prejuízo pensando que “na proxima vai dar certo” ,nunca percebia que a coisa estava degringolando porque queria curtir enquanto eu me fodia direto trabalhando para manter a sua pose...No seu mundo narcisista só existia você e você em primeiro,em segundo e terceiro lugar,os outros eram para servir ao seu desígnio e sendo assim,descartáveis,alias um reflexo do que você mesmo apregoava:”Quando eu era pobre todo mundo punha no meu rabo,agora que sou rico posso por no rabo dos outros”! E concluía sem piedade,remorso ou comedimento: - Quero que você se f... João,você é o único culpado de estar nesta situação! Dane-se o fluxo,trefluxo,refluxo,defluxo ou influxo de caixa...isto não é problema meu e vai pagar a porra da pensão é o mínimo que você deve a quem tanto te ajudou,te sustentou nos tempos de penúria e você nunca reconheceu,seu traíra! E não tem essa de”Calma querida” ou meu advogado arranca seus testículos e te bota na cadeia porque eu posso pagar um bom advogado,já você... Naquela noite de reveillon,sentado na fétida portaria do “combalido e mijado edifício New Swamp Suíte Service”,as 165


lagrimas corriam pelo rosto abatido e seu coração desintegrava-se em desgosto de paixão de outrora... Assistiria pela enésima vez a reprise do espetáculo de sua vida,em sua própria mente,gentilmente patrocinado pela “Companhia Má Sorte” de inseguros destinos. O apresentador vestido com um terno rasgado e imundo,com seu “aperitivo de sonrisal”dava o tom jocoso e brindava João com Flash-backs de forma aleatória em relação ao tempo real dos lances,tinha de ser assim,pois a cada”porquê?”... Vinha uma justificação diferente... As suntuosas festas que dava,as colunas sociais,o “glamour” de outros tempos tinham ido...Como uma ampulheta escorre as areias do tempo...Lenta,inexorável e inevitável,João sentia sua vida escorrendo pela boca-de-lobo da desesperança. O decadente edifício”New Swamp Suíte Service”alem da aterrorizante e lúgubre portaria que fedia a mijo,parecia mais com as masmorras da idade média onde a tortura era a “voga”da época. A pessoa que se sujeitasse a trabalhar como porteiro ali,certamente seria torturado... Chicoteamentos psicológicos constantes,torração de saco como fosse um ferro em brasa a marcar a memória,comer correndo a quente e salobra comida do almoço era como cera quente na garganta...Tudo a cargo do Zelador e o Síndico,mestres diplomados em torturas psicológicas. Para tornar mais excruciante a tortura, moradores que pareciam chupar “limão com sal e vinagre” no café da 166


manhã e achavam que o Porteiro era seu lacaio e não um empregado como outro qualquer e merecia respeito. Para se ter uma vaga idéia do martírio a que eram submetidos: Ficar doze horas sentado em um banco sem nada para se fazer.Não se podia ler,assistir televisão ou coçar o saco,nem conversar. Atender moradores xaropes,cobradores neuróticos e vendedores abelhudos que apesar de uma colossal placa na portaria dizendo:

”Não é permitida a entrada de vendedores,cobradores,credores,alienígenas, assassinos de aluguel ou qualquer coisa parecida ou semelhante,mesmo que real,virtual ou espiritual, ainda que possuam a autorização por escrito do Presidente do País em três vias ! Por favor! Leia a placa seu analfabeto e não insista”! (E não tem vaga para carro de visitante! Imbecil)

Mas para infelicidade do porteiro,sempre tinha um “mala”para chatear,aporrinhar e ficavam perguntando,inquirindo,investigando,perturbando, azucrinando e insistindo até quando conseguissem entrar de bicão com alguém na portaria, depois falavam um monte 167


para o pobre porteiro e dirigiam ao apartamento mesmo que não fossem bem recebidos. Ainda que se tratasse de um extra terrestre que por algum motivo insignificante se encontrasse por ali perdido ,pedindo um pouco de comburente para sua nave,que estava parada na faixa de pedestres... Como todos sabem a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Ou seja;Podemos concluir que aquele sujeito que se submete a um emprego grotesco,recebe uma mixaria de pagamento e rala igual a um burro de carga ainda levava como injeção de desestimulo adicional ao pagamento, uma bela catracada: -Porque não falou para bosta do vendedor,do cobrador,do assassino de aluguel ou do extraterrestre”pedinte” ou da p...que o pariu, olhar a p...da placa seu analfabeto!O condômino me encheu o saco depois, já falei duas mil e quinhentas e uma vezes que não é para deixar entrar cacete... E antes que eu me esqueça: -Ta cheio de gente querendo o seu lugar,”se segura jacaré que a sua batata ta assando...ou melhor,já queimou e ta fedendo”! É... para ser porteiro ali naquele calabouço, o sujeito em questão deveria não ter inteligência,emoções,sensibilidade ou qualquer coisa próxima de parecer humana e estar devidamente equipado com um saco de quatro quilos... E mais: Agüentar moradores chatos que não tinham o que fazer o dia inteiro...Uns poucos casais em uma perturbada disputa de poder que nunca chegava a lugar algum! 168


Brigavam entre si todos dias da semana,quebravam pratos e utensílios,jogavam pela janela roupas intimas e depois arremetiam-se contra o porteiro o dia todo,pobre homem, que era obrigado a agüentar suas neuroses ,mudo! Como aqueles três macaquinhos:-Não vejo nada!-Não falo nada!;-Não ouço nada! Era assim que o sujeito devia se portar ainda que estivesse absolutamente certo pois: -É o meu dinheiro quem paga o seu salário,fique calado lacaio! A quase maioria dos moradores eram de velhos decrépitos que não sabiam fazer absolutamente nada! A não ser andar de ônibus e perturbar os outros reclamando da falta de educação dos mais novos que alias, eles do mesmo modo não a possuíam. Por isso dedicavam o resto de sua vida para encher o saco do pobre porteiro que não podia abrir a boca...Ficavam de minuto em minuto interfonando a portaria para reclamar até”do vento que estava muito gelado”. Pareciam que já tinham nascido velhos porque odiavam alarido de crianças...: -Seu Porteiro peça para estas crianças pararem com a algazarra! O que era mais inexplicável é que os que mais reclamavam,eram precisamente os que encontravam-se com o condomínio em atraso...Vai entender os seres humanos. Ser porteiro naquele prédio era algo tão heróico quanto ir para uma ação suicida com uma “bicicleta-bomba” invadindo um quartel general inimigo de peito aberto.

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Alias como diria um grande amigo que se aventurou bom tempo por esta tortura e filosoficamente me disse uma vez: ”-Amigo...Se Porteiro fosse profissão,não tinha um no inferno”! O salário...Bom...Como poderia dizer algo de bom depois de escachar tanto? ..A principio,nos primeiros dias em que se pegava o oficio o salário parecia plausível pelo que se fazia,tal qual como falam:”Vou pegar isto aqui por enquanto para quebrar um galho,depois procuro emprego melhor...”Mas pelo abuso de horas a fio e o excesso de afazeres que lhe impendiam aos poucos para não sentir o jugo e cair fora logo no começo e muito menos dando chance de arrumar outro. Depois que a sessão de torturas começava, se via que era mais necessária uma indenização por “danos irreversíveis ao cérebro”.O sujeito que trabalhasse ali por mais de dez anos se transformava em um zumbi,por que se fosse um robô o processador já teria dado curto circuito e seu saco sendo de lata,já teria derretido! Sentado no vulgar banquinho de plástico João achava inexplicável como todos esqueceram dele. É ...Popularmente dizem por aí: “Quando as coisas apertam é que descobrimos os verdadeiros amigos e alias sem dinheiro...Pior!” Quando bancava o mecenas todos eram “amigos” dele,eram afagos ,tapinhas nas costas,colunas sociais,apoio político,grana e outros bichos e hoje...Nada vezes nada dividido por nada e subtraído de nada... 170


Vácuo, vazio, volatilização,decepção,depressão era assim que João se sentia. Nunca lhe passou a idéia de resignação pela cabeça de que a vida era assim mesmo para algumas pessoas, que existem períodos bons e ruins,que a sociedade tem a memória tão curta quanto a de uma inútil muriçoca que sobrevive por dois miseráveis dias... Seu ultra-pensamento-positivo sempre o convencia de que havia algum modo,em algum lugar,tempo,espaço ou ainda universo paralelo, de ficar milionário mais uma vez,afinal se havia acontecido duas vezes,poderia acontecer de novo. No seu intimo achava que quisera o “destino e outras leis filosóficas,físicas, metafísicas,intrafisicas,intrapisiquicas,psicofísicas e quaisquer outras passiveis de elucidar o inexplicável”, que ele pagasse brutalmente e inacreditavelmente caro a oportunidade dada de ficar milionário por duas incríveis vezes de forma quase milagrosa e perdida displicentemente dimanando-se entre os dedos das mãos sem que percebesse que “a vaca estava deitando”... Entretanto o distorcido ego sempre oferecia a defesa adequada: -A culpa não foi minha, não sabia de nada... Primeiro foi aquele governo maluco que tomou tudo de todo mundo com a desculpa de”arrumar a casa”... Depois veio o outro presidente que fez aquele arrocho brutal na economia dizendo que iria “arrumar a casa novamente”...Em seguida me foi tomada a Concessão da revista porque queriam favorecer outro peixe deles,o carro a seguradora não quis 171


pagar porque era caro demais para eles e aqueles empregados mal agradecidos entraram em greve juntamente com aquela “semi-golpista semi-biscate sem-vergonha” que me derrubaram levando todos meus bens e o meu suado dinheiro naqueles processos forjados por invejosos,a minha mulher tratada como rainha não queria mais ser pobre e me passou a perna também me jogando em outro processo por danos morais me deixando liso,leso e louco. E assim jogando a culpa em todo mundo profetizava bem longe de ser crente:”Maldito o homem que confia no homem”! Mas não “amaldiçoado”,talvez “asno” seja a palavra mais sensata e era seu nome que estava na lama não o dos outros. É bem verdade que João não devia a quase ninguém porque lhe fizeram a”limpa”em muitos processos,ameaças veladas e tudo mais o deixando com o mínimo possível,mas hoje ninguém lhe dava um tostão de crédito para montar uma “carroça de cachorro-quente”! E assim, naquele infeliz e recorrente dia,sentado na portaria vendo as horas se arrastando como uma lesma letárgica, ele se lamentava...Enquanto os flash-backs continuavam seu espetáculo de esmorecimento e novamente lembrava de tempos atrás quando “a vaca começou a deitar”e ele nem percebeu... Com os pagamentos atrasados,o fluxo de caixa estava a níveis alarmantes devido a gastos exorbitantes em negócios mal sucedidos na tentativa de enriquecer mais ainda,o

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gerente viajando quando o patrão viajava,todos abandonaram os negócios na mão dos empregados. Eles aproveitaram para fazer greve pois há muito pleiteavam registro em carteira e aumentos, já que eram escravizados a um salário infame e uma enxurrada de horas trabalhando como alucinados para poderem cumprir as entregas cada vez maiores. A editora não podia ficar no prejuízo,quando soube que tudo estava uma desordem e parado, reclamações para todos os lados dos vendedores e que João que era o “cabeça”não queria”necas de pitibiribas”com a distribuidora indo viajar sem avisar ninguém,eles resolveram dar a concessão a outro... Sendo assim cortaram a permissão de João para a distribuição das revistas mais vendidas do pais. Quando João voltou da longa viagem,alegre e bronzeado,com a cuca mais fresca que um picolé...Entrou em horror,pânico,mas era tarde demais,só havia tempo de separar os mortos e zumbis... Tudo estava confuso e a concessão havia sido dada a outra pessoa... João não teve nem como apelar,pois tinha sido avisado diversas vezes sobre mancadas que de modo algum podiam acontecer: -Mas como não fiquei sabendo de nada gente? -Você queria que mandássemos um sujeito de avião para te procurar ,não se sabe aonde,não se sabendo o que, e nem com quem? -Podem me dar outra chance estou com um monte de dividas para pagar... 173


-Nos já avisávamos freqüentemente sobre atrasos de pagamentos e remessas,e você só piorava cada vez mais e nos pedia paciência...João,acorda,não existe calma no mundo dos negócios,quem dorme perde a vez e não reclame! Muitas chances foram dadas e merecia ter perdido a concessão muito antes,mas quando vimos que você preferia brincadeira a responsabilidade...Ah e prepare um bom advogado. João teve de vender quase tudo para indenizar a editora da revista pelos atrasos na distribuição e os empregados que lhe enfiaram goela baixo um pesadíssimo processo,pois ele assinou um contrato em que havendo falha de algumas das partes a parte atingida teria de ser indenizada,e foi a editora... Os empregados em greve foram no vácuo e detonaram com o agora “defluxo de caixa”,pois a cada espirro era um disparrame de dinheiro para pagar alguém com uma promissória protestada e todos os bens foram no rastro ,como da primeira vez o filme se repetia: -Puxa meu bem,agora que a casa estava tão bonita,vamos ter que vender para pagar dividas? -Ela ta muito grande pra nós e vamos capitalizar dinheiro comprando aquele apartamento mais funcional! -Aquele”pombal”você quer dizer...Mas vai ser no meu nome desta vez, to cansada desta historia de subir e descer na vida e de “vender para fazer dinheiro”! Há não muito tempo atrás João era realmente rico,com secreta viagem marcada para o México,onde conheceria os 174


“Templos Astecas”,junto com sua mulher Degliane ele recomendava a Souza,seu gerente executivo: -Souza! Siga estas instruções: Pague a prestação do carro, mande fazer uma revisão geral nele e bote a turma para trabalhar sem moleza dia e noite porque estão pegando muito no meu pé, se preciso até nos feriados e domingos, se alguém não vier, bote na rua por justa causa! -Mas e os pagamentos dos empregados que já esta vencendo? -Enrole-os mais uma semana, quando o banco liberar os juros, você paga todos e dá um por fora pra alegrar! -Não acho boa idéia Sr João, estão reclamando demais,estão até falando em fazer greve... -Imagine que estes bocós sem miolos vão fazer greve e tem mais, também reclamavam da falta de dinheiro quando estavam desempregados e nem tinham da onde tirar... mais alguns dias não vai matar ninguém Souza,não esquente a cabeça! -Se é o sr esta dizendo,quem sou eu para contestar... O “azedo”Souza,era um sujeito ruim...Mas tão ruim, que provavelmente em sua outra encarnação poderia ter sido o soldado romano que chicoteou Cristo, era o câncer e a aids juntos em perversidade, o vírus Ébola era uma gripe perto dele. De personalidade inteiramente mutável, não ria nem quando a piada fosse muito engraçada. Gostava de arrumar encrenca á toa,de bater em mulher,homem,animais e muitas vezes até no que não se movia,para piorar era alto e 175


forte,anabolizado até o talo e apaixonado por uma boa confusão, por isso ninguém era besta de peitá-lo. Era o tipo de pessoa que João gostava pra não ter de esquentar a cabeça com problemas que não fosse ganhar dinheiro,sua função principal era tomar conta do departamento de reclamações da revista “Babados e baratos”,uma revista de gosto duvidoso,para gente desembaraçada com conteúdo supérfluo e que vendia igual água,graças a uma boa estratégia de mercadologia televisiva baseada nos aterrorizantes”Reality Shows”aliada a brindes obtusos que faziam fulgurar os olhos dos consumistas loucos por badalação! Souza era o típico cara esperto que se fazia de mané, obedecia fielmente João e era considerado”modelo de empregado” por ele porque puxava o saco na hora certa e mostrava resultados quando precisava, mas nos bastidores deitava e rolava, caia na esbórnia e de vez em quando trabalhava para dizer que merecia o rechonchudo pagamento que recebia. Dava uns xingos em todos, umas comidas de toco em quem trabalhava duro, enchia o saco dos lentos e ia embora curtir a vida dando uma de bacana com as coisas dos outros. Num afã de demonstrar riqueza a uma garota, Souza pegou o carro, foi para praia de Búzios, andar de iate e torrar dinheiro com seu cacho, a “semibiscate” Vanessa. Uma pós adolescente muito bonitinha porem ordinária,totalmente calculista que só ficava com Souza

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porque este lhe dizia que era o “gerenciador Superintendente anexo” da distribuidora. Zoaram muito no iate no final de semana,ficaram desnudos,bêbados,tri-loucos,tiraram dúzias de fotos e filmes que Souza sempre mostrava as escondidas para todos... Na volta, vinha “raspando o carpete com a sola da bota” com o que dizia ser “meu Mercedes”: -Vamos ver se esta bosta que custa um “caminhão de dinheiro”, anda alguma coisa mesmo! E assim troçava:Brummmmm...Sou o Shumacher! Uma curva após a outra e os pneus gritavam de angústia ininterruptamente,a agulha do velocímetro marcava 120 milhas;O ponteiro do conta-giros ia lá pelos 8000 rpms;O motor zumbia igual á um moedor de garapa; Um holocausto sobre-mecanico pesava sobre aquela obra capital da engenharia germânica,o espírito de emulação fervia pelas suas artérias,como num vídeo game ele loucamente tentava alcançar a pontuação máxima num arroubo de coragem e o pezão atolado no acelerador...Perdeu controle numa curva muito fechada e saiu rodando...virava o volante para um lado e o carro ia para o outro,virava pro outro e ele ia para o lado,engatava ré e o carro ia pra frente,colocava no “drive”e o carro ia para traz;O fumação subia... Vanessa estava em pânico...Segurava no banco,no teto,no painel ,em Souza,no ar,desesperada e gritava feito uma louca:-P... que pariuuuuuuu,Souza seu maluco olha a merda que você esta fazendo cacete!

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-Esta tudo sobe controle mulher,na hora que bater no barranco ele para! “Blaaaaaaammm!!! Foi uma bordoada fenomenal,trepou pela ribanceira voou quase vinte metros no ar se despedaçando, teve seu “game-over”num monte de entulho, ficando completamente desmantelado no meio do brejo,era pedaços para tudo que é lado... Dentro do que restou da cabine toda amassada,Vanessa chorava e gritava: -Souza seu filho de uma p...,vem me tirar daqui seu egoísta,estou toda arregaçada! Souza saiu xingando e esbravejando de dentro do carro:Pare de gritar mulher,só por causa de uma fratura exposta esta assim? No dia que tiver de arrancar o dente do siso então, morre antes de levar a anestesia! Vanessa se machucou muito,foi parar num hospital particular toda quebrada e teve de fazer múltiplas operações plásticas para voltar a ser bonitinha... Seu pai advogado astuto, meteu um processo de “assédio sexual” sobre João,já que Vanessa tinha diversos filmes e fotos guardados estrategicamente das orgias no barco com ele! ...Souza? Você já ouviu falar de se processar pobre? É lógico que o”azedo” Souza nem tocava no assunto e quando vinha intimação do advogado,jogava-as fora... Quanto ao carro que ficou destruído, Souza inventou que foi roubado e destruído pelos ladrões! João era o representante oficial da revista, encarregado da distribuição geral e assinaturas,entrava tanto dinheiro que 178


tinha sua própria equipe de segurança e carro forte alugado,quando ele entrava no banco para fazer os depósitos,o gerente puxava tanto seu saco que se fosse de borracha esticaria quase um quilometro,as moças sorridentes já vinham oferecendo cafezinho e água mineral:Bom dia Dr.João veio fazer outro depósito! No travesseiro de João,havia um maço de notas de cem dólares,que ele não desfazia por nada,preso a um clipes de ouro,todo dia ele contava as notas sempre fechado pro seu lado e repetia:-Vem meu dinheirinho,lindo vem!vem!vem! E sua mulher Degliane fazia o contrario:- Vai dinheirinho,porque da onde saiu este tem mais! Vai!vai!vai! Apesar das pessoas aconselharem inúmeras vezes João a controlar os gastos de Degliane que fazia constantes modificações emcima do que já havia sido modificado anteriormente na suntuosa casa no elegante bairro “ Mansion Dior”,ele nem ligava: -Deixe-a gastar,dinheiro é feito para isso,alem do mais ela valoriza a casa com seu bom gosto! Mas o grande mal de João que seria sua ruína mais tarde, era um apetite exorbitante por dinheiro,era tanta ambição que chegava ao desmedimento,quando ele via algo que”aparentemente “poderia dar muito dinheiro,não se contentava com o que já tinha,tirava seu capital do banco e investia naquilo,por mais que alguém lhe falasse:-Sei não João!?!? O gerente de João achava absurdas suas idéias e dizia:

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-Só o que dá de juros por mês, nem precisaria mais trabalhar Dr. João,segure um pouco de dinheiro para o fluxo de caixa,esta para entrar governo novo! -E quem é você para me dar conselhos econômicos? Algum ministro? João sempre bolava esquemas mirabolantes para ficar bilionário,mas geralmente não dava certo,ele era um sujeito de total ação,mas como entrava dinheiro a rodo. ...Hoje em João até a roupa do corpo era comprada barata na feira e não havia dólares embaixo do travesseiro,apenas moedinhas que ele usava para comprar o pão e ele também as contava todo dia e se lamentava: -Bem que ela falou inúmeras vezes:”Cuidado João com esta idéias loucas de prosperidade imediata sem fazer força, nada vem sem trabalho duro”!...E eu sempre maltratava a coitada e ela estava certa! Na parede da sua infame casinha na beira do rio,esquecida pelo tempo, ha anos luz do galante bairro que morou e que desabava aos poucos como o animo dele ele teve de voltar a morar porque não havia para onde ir,já que na separação Degliane ficou com o fusca e o”apertamento”que alias ela pagava religiosamente e não havia deixado no nome de João... - Se não tivesse feito isto João,você já o teria vendido pra pagar dividas,oras você tem onde ficar sim,vá para a casinha na beira do rio que você comprou... -Puxa querida,mas eu jurei que nunca mais iria pra lá! -Não se jura o que não pode cumprir João! 180


Para quem tinha apartamento de luxo,uma casa de fazer fulgurar os olhos de qualquer arquiteto agora o limo do fundo do poço era dura realidade! Num importante dia,quando saiu de lá fez uma promessa a Degliane que lhe perguntou: -Meu bem quero entender,porque jogar dinheiro fora comprando esta casinha que tanta angústia nos trouxe? -Comprei esta merda para que ninguém nunca mais a usasse querida e lembrar que nunca mais voltaremos a viver assim nesta quase miséria... -Nunca diga,”dessa água não beberei” João,lembra-se porque fomos para lá? -Ainda que tivesse no meio do deserto do Saara e que tivesse de beber o meu xixi quente querida,jamais voltaria a morar aqui! Aquela casinha envelhecida na margem do rio poluído,aquelas paredes caiadas com cal viva,de janelas melancólicas de madeira velha pintadas de azul claro com tramela sibilantes,cabides de arame farpado e forro pretejado pelo uso de fogão de lenha... A volta inevitável,afinal pelo menos não pagaria aluguel. Onde muitas pessoas tinham passado apertos,e acolhido em situações difíceis como uma mãe tinha muitas historias pra contar...Numa delas, foi fiel testemunha daquele homem,João Ladino...Um dia saiu da lama como sapo para ser vitorioso como um príncipe por uma segunda vez,para colher os lauréis da gloria,deitar no leito da prosperidade e abundância... 181


Num baixo arame farpado , as poucas roupas que tinha evidenciava a pendura que voltou a ter na sua vida. Havia um tempo,aquele tempo de prosperidade,onde ele chegava em uma loja e comprava o cabide todo de roupas,se ele não gostasse virava trapo de cachorro. No momento,João ainda come uma gororoba, porque o serviço lhe dá uma cesta básica...Para quem nunca fez caridade e era até contra, e abordoava sistematicamente: -Esta cheio de emprego por aí,o cara não trabalha porque é vagabundo,e não vai ser eu quem vai sustentar a sua moleza! Hoje em parte dependia dos outros para se manter e se lamentava profundamente em ver a quantidade de gente que perguntava para ele na portaria: - Moço tão contratando gente aí?. O banco que João freqüentava hoje era o da praça e não havia ninguém para puxar seu saco,apenas alguns pombos lhe faziam companhia na perspectiva de recompensa...Mas o que tinha para lhes dar era um alongado rosário de lamúrias. Ele não chorava, apenas se lamentava da falta que o vil metal lhe fazia e o vazio que ficou em vista da vida de outrora e se perguntava onde estava escondida aquela estrela primal que perpetrou duas viradas homéricas... Falando em viradas de mesa,há bem tempo atrás,antes de viajar para o México ,ele traçava os planos com Degliane sobre a viagem. Ela tentou lhe abrir os olhos:

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-Meu bem, não acho boa idéia deixar a revista mais vendida no país na mão de um empregado,a Editora tem pegado muito no seu pé. -Não esquente a cabeça mulher,Souza é meu braço direito, você viu como ele cuidou do departamento de reclamações? -Vi, intimidou todo mundo, xingou, ameaçou de cortar remessas... -Mas funcionou,não? -É lógico que sim, seu falasse que ia te esquartejar aos poucos com um serrote,matar sua família a cacetadas de caibros e tirar o sangue do seu corpo com uma mangueira de jardim, você também ficaria quieto! -Mas porque esta se preocupando com eles? São “simples” donos de lojas! -Reles donos que te sustentam e muito bem,seu arrogante! -Você se preocupa demais Degliane! -Se lembra de meu pai, o Conde de Montemór, ele era rico, dono de terras,Rolls Royce e o que é hoje,um pobretão que vive de aparências. -A diferença é que eu sou esperto Degliane!. -Antes de casar comigo você era igual ele,posava de bem sucedido:”Um carro de bacana...Alugado”; “Usava sapato de cromo alemão”... furado na sola e a meia era rasgada,Rolex de ouro...paraguaio ,”calça de linho importado”comprada em brechó e tingida em casa ; cueca remendada;usava o mesmo terno diversas vezes variando a camisa e a gravata...

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-Isto tudo é mentira arquitetada por pessoas que me invejam por eu ser bem sucedido em tudo que me proponho! -A “calúnia”foi me dita por sua mãe no dia do casamento,mas eu não podia acreditar! Não é admissível que uma pessoa podia ser tão mentirosa,ninguém que tenha o mínimo de consciência cristã pode mentir tanto para quem ama,a não ser que não ame...Só não desisti na hora porque estava apaixonada demais e o matrimônio já havia se consumado e depois que vi toda merda que você estava e mais a merda que veio depois,já era tarde para simplesmente ir embora e te deixar na saudade. -Você tem que sempre lembrar desta fábula Degliane,isto é passado,agora estou muito bem... -Fábula!!! Por conhecer o teu passado,é que me assombro com o presente e te alerto sobre teu futuro... João hoje em dia, de esperto não tinha nada...Calça jeans envelhecida,tênis do mais barato e camiseta de vereador não eleito, nem uma amante ele arrumava... Há bem mais tempo atrás, ele papava todas “pós-adolescentes” que conseguia e se vangloriava disto para todos seus amigos: -Depois da quinta ofensiva fiz a cabrita pedir arrego meu amigo! Nas boates da moda ele mandava fechar as portas e todas as garotas ficavam com ele, orgias intermináveis regadas a scotch doze anos,vodka,Bourbon e birra aos baldes. E ainda pagando tudo a todos “amigos,inimigos e bicões”... assim eram os finais de semana de João. 184


Enquanto Degliane tentava resolver os”pepinos”que apareciam na distribuidora achando que João tinha ido pescar em alto mar: -Coitado,precisa descansar um pouco,tem trabalhado muito! Hoje em dia,ele enchia a cara de birra na sexta á noite. Trabalhava embriagado e com ressaca no sábado...Dormia o dia todo no raro domingo de folga. Mulheres? Só na Playboy,e a revista de segunda mão, pela “enésima vez”concluía: -Bem que a Degliane me avisou várias vezes sobre os “amigos”: -João estes Manés, só são seus amigos porque paga tudo a eles,se um dia a “torneira secar” vão ser os primeiros a te virar a cara! -Cale a boca mulher,você não sabe de merda nenhuma! “Quando” e “Se”, eu estiver caído,pode ter certeza que estenderam a mão sem mesmo que eu peça! -Vamos ver então seu “vidente míope”! A profecia de Degliane se confirmaria inteiramente tempos depois,quando a torneira secou”os tais amigos”,mudavam de calçada quando lhe encontravam na rua. -P...que pariu,bem que ela falou mesmo que isto aconteceria,boca maldita. Há mais tempo atrás ainda, lembrou-se do ralo que deu nos primeiros meses, quando só haviam reclamações. Com um velho caminhãozinho baú, que mais quebrava que 185


andava comprado as pressas quando lhe foi oferecida a distribuição da revista,até ele pegava no pesado,separava ,contava,fazia contabilidade,tudo a caneta,várias e varias vezes para não errar. Com o dinheiro entrando comprou a principio três caminhões baú zeros, depois mais cinco e vários carros de apoio. O velho fusca que foi útil no começo da firma,estava com ele há anos,pois antes era o melhor que ele podia ter,foi parar na garagem coberto com um imundo plástico preto: -Esmola do cara...O cara andava de Rolls Royce e me deu esta droga! Nunca mais ando numa merda dessas,já mandei esconder,para nunca mais cruzar com ele na rua e lembrar que um dia fui pobre,já vai tarde lixo! Este valente fusca que o levava a muitos lugares pra ganhar dinheiro João desprezou como “esmola de seu sogro multimilionário”,hoje ele estaria na linha de produção em comparação com o carro que ele andava agora e acabou por parar na mão de Degliane na separação”para fazer dinheiro”! A Mercedes 500, preta,blindada,era o seu maior orgulho,ícone de sua meteórica riqueza foi o começo de sua queda. Ele teve de entrar na justiça contra a seguradora que não queria pagar o carro,porque o boletim de ocorrência era estranho demais... -Como o cara me deixa roubar um carro destes cheio de alarmes complicados e chave de cartão com identificador impossível de se “mixar”...um carro caríssimo,bate numa 186


estrada longe e sozinho,faz o carro em mil pedaços...sai inteiro e nem o toca CDs que custa uma fortuna leva embora?Tem coisa errada aí...(Questionava o investigador da seguradora...) E como sem receber não podia comprar outro e com o caixa baixo a saída foi comprar um carro popular do mais barato para fazer as correrias. -P...que pariu,sair de uma Mercedes do ano para andar nesta bosta...Ah,mais é só por enquanto,daqui a pouco compro um outro Mercedes! No seu letargo hipnotizante da cobiça,em nenhum momento achou que Souza estava envolvido no rolo,confiava cegamente nele. Enquanto Souza maltratava com a sua boca de chibata os empregados, João ia passar o final de semana em Búzios no seu iate de cinqüenta pés curtindo a vida com muitas gatinhas novíssimas e fazendo filmes e fotos pra mostrar para os amigos. Depois teve de se desfazer do mesmo iate, se viu obrigado a vender, para pagar o processo colossal de “assédio sexual” movido pelo pai da “semi-biscate” Vanessa. É que para seu azar, ele também havia trocado fluidos corporais com ela justamente no iate,Vanessa tinha provas do que afirmava: -Não quero saber se foi o Souza ou você João,pague ou conto a sua esposa...tenho as fotos, filme e preservativos usados !

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-“Semi-biscate, semi-pistoleira”!Prostivaquigaliranha... Não verá um níquel do meu suado dinheirinho! -Vamos apostar como vou conseguir João? Mesmo negando todas as acusações veementemente de que brigaria até o fim na justiça contra ela com mil causídicos se preciso. Acabou por fazer um acordo instruído pelo próprio Advogado, para que Vanessa ficasse quieta. Pois devido a boatos espalhados pela mesma, seu casamento com Degliane estava se decompondo e ele não queria perdê-la, porque sabia que ia ser pior sem ela...Degliane tinha muito mais competência para administrar do que ele. -João abre teu olho,estão me contando muitos mexericos ao seu respeito,tomara que sejam calunia como sempre você fala,minha paciência ta por um fio. No entanto a permanente desatenção de João o acabaria privando do convívio de Degliane... Curiosa com os mexericos que estavam demais, tinha vindo ao escritório xeretar pra ver o que descobria, viu uma gaveta trancada a chave...Estranhou o fato de estar trancada,já que ela sempre estava por ali trabalhando,abriu a gaveta usando o molho de chaves da portas e achou um envelope lacrado lá dentro, achou que se tratava de alguma cobrança ou fatura, que João escondia dela: -P...que pariu,outra promissória pra pagar?Eita João...não aprende! Abriu e não podia crer nos seus olhos,a verdade agora aparecia,as lagrimas declinavam acesas,tomada de ódio,ela 188


olhava uma por uma das fotos dos dois pelados no barco na maior farra e não podia acreditar que lhe mostravam o que há muito lhe falavam as escuras,mas ela de contínuo dizia que queria provas: -Filha da P...Eu me mato de fazer ginástica para ficar bonita,deixo de comer pra não ficar gorda ,sustentei ele e a casa quando o cara estava na bosta fui contra os meus pais pelo amor que sentia... E o pior fico resolvendo pepinos, descascando”abacaxis”nos finais de semana para ele ir pescar naquela merda de “canoa furada” que estava sempre “em manutenção”quando queria usá-la!...Ele me corre atrás de prostitutas para por lá peladas e eu a trouxa me mato de trabalhar aqui,em casa, para deixar endinheirado um sujeito que me golpeia pelas costas sem misericórdia!!! Indignada exclamou:-Você me paga João,vou arrancar as suas bolas! Degliane tinha o “sangre caliente como pimento”e avisava João há tempos repetidas vezes:-João,to sabendo de um monte de podres seus,por favor não deixe eu descobrir nada e aviso para o teu bem tome muito cuidado...Mais uma “pisada na bola”,se eu tiver provas concretas será o fim e vou te arrancar metade do que você tiver e quebro tudo que achar pela frente! Explicava sempre a João que aturou muita coisa no começo porque foi infantil...Que o ajudou a subir na vida trabalhando duro com ele...Que já sabia muitos podres a seu respeito que muitas amigas contavam dando muitos detalhes sórdidos, só não tinham provas para a sorte dele,eram só

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comentários esparsos...Mas João nunca acreditou que isso viesse a acontecer: -Imagine...È só papo furado! Ela não vai querer perder esta vida de rainha e alem do mais,sei dar meus pulos sem que ela descubra! Degliane tinha personalidade extremamente forte e não perdoou João pela traição,diante de provas cabais da traição,adultério...Ela pediu a separação...levando metade do que ele tinha e ficou muito bem. Neste dia...um negro dia,João se lembra até hoje dos berros enlouquecidos... Foi o maior barraco no escritório...João chegava e escutava os xingos da rua e as coisas se espatifando pra todos os lados...Coisas voavam para todos os lados,quando João adentrou,quase um retrato acertou ele...Degliane falou tantos palavrões que parecia um técnico de futebol: -Seu filha da p...,Traíra,golpista,picareta,sem-vergonha,sem caráter,mentiroso! Como pode fazer isto com alguém que te apoiou tanto,que te sustentava quando você ficou na merda,que foi até contra os próprios pais para ficar do teu lado?...Você deve me achar um bagulho muito grande pra me trocar por uma menina”semi-biscate” que dava pra ser sua filha. João era especialista em botar panos quentes para correr de uma briga,ele nunca enfrentava uma situação...Tentou argumentar de todos os modos, enquanto Degliane quebrava um a um os retratos dela e João no México, no maior”love”! 190


Enquanto ela chorava desesperadamente de indignação,os quadros se espatifavam pelas paredes,ela rasgava as fotos com os dentes,seus olhos encarnados chispando com as artérias dilatadas... João ao invéz de adotar uma atitude de homem e ser franco uma vez, tentou argumentar que aquelas fotos não eram dele,que eram montagem de alguém que queria derrubá-lo,que aquela fita VHS não era dele e Vanessa,era uma montagem; Não sabia como tinham ido parar ali...nem sabia porque estava trancada e nem porque a chave da gaveta estava com as suas chaves: -Acho que são do Souza...ele pediu para usar o iate algumas vezes e ficava com ela,não conheço a “semibiscate” Vanessa de nenhuma casa noturna da moda,nem jamais fui beber scotch de doze anos lá também! -Mas é você quem esta nas fotos João,é você que esta no filme,não tem para onde você correr ,não tem desculpas,são fatos! Ofereceu jóias, viagens,disse que faria qualquer coisa para não perdê-la,porque a amava muito,que sua vida sem ela não teria sentido,que nos piores momentos ela sempre esteve ao seu lado e era assim que queria,que foi um deslize devido a monotonia e o estresse do trabalho e pedia outra chance. Como um bom político que era dissimulou lagrimas nos olhos, trouxe à baila o imemore casamento,a velha casinha na beira do rio,os melancólicos jantares de ovo frito e carne moída a luz de velas,”que no frigir da carne moída...(Ops!)

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Isto é; Dos ovos” verdadeiramente a amava profundamente. Degliane até ficou comovida com a pseudo sinceridade dele,uma boa dissimulação sempre convence os tolos...Ela era muito romântica,as vezes cabeça dura e turrona,mas de bom coração e amava João de verdade. João estava tentando convencê-la de todos os modos...é pena que justo nesta hora a “semi-biscate” Vanessa irrompeu violentamente no escritório de João aos berros e xingos atrás de Souza: -P...me que pariu três vezes este ano! Onde esta aquele filho da p...do S...! Na sua loucura e atabalhoamento Vanessa tropicou numa dobra do tapete e foi cair nos braços de João,que ficou sem ação e sem que dizer enquanto Degliane assistia ao desenrolar daquela tragicômica ópera bufa e desabafou: -João seu filho da p...!Negue que você não esta tendo nada com ela,mal entrou e já se jogou nos seus braços, você perdeu completamente a consideração por mim...Fique com esta “semi sem-vergonha” e espere a visita do meu advogado! Chorando desesperadamente,bateu a porta violentamente,enquanto João estupefato com a situação, não sabia se corria atrás de Degliane, se enchia a “semi biscate” Vanessa de porradas ou não fazia nenhum dos dois... -E aquele viado do Souza,onde esta?(perguntou Vanessa) João silencioso deixou cair a “semi-biscate”Vanessa no chão...abriu sua gaveta da escrivaninha e tirou uma garrafa. 192


Encheu um copo de Whisky e tomou num longo e amargo gole que ardeu-lhe até a alma: -Quem foi o filho de uma égua mal parida que enxugou meu litro de”Jonnie Walker”e o encheu de cachaça para tapear? Com o litro na mão,possesso de raiva, arremessou a garrafa na parede,sua vida começava a volatilizar a passo assim como o mau cheiro de pinga ordinária que inundava o ar criando um clima de necrotério após necropsia. Alguns dias depois a tomada da concessão da editora foi o desfecho trágico que jogou a pá de cal emcima dos restos mortais. Hoje... João percebia o quanto Degliane fazia falta,embora ele não admitisse isto a si mesmo,achava que mulher existiam aos montes e que Degliane voltaria atrás a qualquer momento ...Afinal tinha enfrentado tudo por ele,engolido muitos sapos. Mas não era bem assim, no dia de assinar o divórcio ela não quis nem vê-lo: -Mande ele assinar sem enrolar Dr Adamastor ou vou lá na distribuidora com uma marreta e arrebento tudo que deparar pela frente! Degliane não conseguiu perdoar João porque ela foi contra sua família que não aceitava o casamento porque lá no fundo sabia o que João era realmente... Degliane”Una mujer de sangre caliente e testaruda como un burrito” ,quando colocava algo na cabeça,nem com uma marretada

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de doze quilos na moleira, era possível fazê-la mudar de idéia. Degliane aceitou se casar com ele,apesar dos protestos de seu pai e mãe que fazia qualquer coisa para não vê-los juntos:”Vendo minha alma ao diabo”! Dizia eles...Porem quando ela ficou grávida de João não houve outro jeito,tiveram de casar. O casamento deles foi um acontecimento para ficar nas crônicas da historia,pois tudo que ele havia sido pensado de véspera deu tudo ao contrario: “Sem emprego,sem dinheiro,sem casa para morar;sem móveis,sem crédito,sem juízo,sem-vergonha,sem caráter...” Como sempre, João achou que poderia tirar proveito da situação,afinal Degliane pertencia a alta-sociedade. João mandou fazer um convite muito chique,com letras douradas e convidou parentes e amigos dela com excesso do”High-Society”para serem seus padrinhos e já imaginava com o que ia ganhar de presentes e o dote iria fazer um bem bolado. Mas como sempre as coisas davam tudo ao contrario... No civil o escrivão dizia que não realizaria a cerimônia,pois o cheque tinha voltado...Como nenhum dos padrinhos(que na verdade não queriam ser padrinhos de João),não compareceram...Não ajudaram monetariamente que era a idéia principal. A festa suntuosa também ficou de lado,pois o Buffet reclamou do cheque devolvido que João não tinha como cobrir por ser um valor astronômico. 194


João fez uma “correria” com um agiota que lhe emprestou o dinheiro para o civil,casamento,uma festinha e a lua de mel...sendo que ele nem sabia como faria para pagar,mas João não queria perder a pose...Sabem como é aquela historia”O sujeito come feijão azedo e arrota lasanha”! No casamento na igreja o dono do carro que trouxe Degliane era um amigo da família que a trouxe de Fusca e ela se trocou na Igreja: -Porque veio nesta joça,cadê a limusine Degliane.? -Acabou não vindo,liguei e disseram que o seu cheque voltou e pedi a um amigo me quebrou o galho. Quando o órgão anunciou a entrada da noiva na igreja meu Pai a trouxe ate o altar, os padrinhos convidados por João não estavam no altar,só os meus irmãos e a minha mãe,os pais de Degliane eram radicalmente contra o matrimônio e não compareceram como haviam prometido que fariam. Foi uma cerimônia melancólica com a igreja vazia,poucos padrinhos e parcos presentes...Como meus pais eram pobres,ajudaram no que podiam e fizeram uma modesta recepção no salão da igreja e deram os comes e bebes. -Puxa Pai,não dava para alugar um lugar melhor,mais decente? -E quem diz que aluguei? O padre se sentiu penalizado e cedeu quando contei sua real situação seu”boca-rica”malagradecido!

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João coçou a cabeça e começou a lembrar que já havia vendido muita coisa para”fazer dinheiro”e que não dava para reclamar que os seus pais ajudaram. “Nem sei o que vou dizer quando os parentes dela chegarem”! Na festa muitos compareceram,menos os parentes de Degliane é claro... Havia muito para se comer ,mas em instantes o povo devorou tudo,na verdade,ninguém gostava de João,queriam apenas comer e beber as suas custas e saíram reclamando: -P... que me pariu!!! O cara posava de milionário...passava todo semana com um carrão diferente na porta de casa,relógio de ouro no braço e olhe a festa que o cara faz...Refrigerante baixa caloria quente,chopes do mais barato ,churrasco de carne moída no palito,bolo de padaria barato e ainda tudo foi regulado,ta louco meu! O que ouviu a reclamação se lamentou mais ainda:-O pior que o tal relógio de ouro era meu...e até hoje não recebi as outras parcelas. A lua de mel foi boa...Mas com pouco dinheiro,foram dois dias num hotel em búzios e voltaram “lisos lesos e loucos comprando fiado e pedindo troco”: -João estou morta de fome,vamos almoçar no restaurante pra irmos embora? -Não dá querida,hoje vamos almoçar na padaria mesmo... -Não sabia que tinha padaria aqui no hotel.

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-Não tem...Eu é que não tenho dinheiro suficiente para um almoço aqui,vamos comer um lanche só pra tapear a fome e pegar o avião que as passagens tem hora marcada. Chegando a padaria Degliane não quis nem saber se João tinha dinheiro e fez um banquete, pediu um frango assado,costela assada,vários croissant e vinho,João tinha ido ao banheiro passar um fax...Quando regressou e assistiu Degliane saboreando vorazmente o “penoso”e sorvendo os dedos com lascívia, entrou em pânico: -Putz,o dinheiro que eu tenho não dá....Como vou fazer para pagar isto? Saiu “vazado da cena” e achou que Degliane se viraria com o gerente que não teria cara de cobrar uma mulher bonita e grávida... Foi para o hotel,comeu um “X miséria”(pão com mortadela),um suco e esse foi seu almoço...Dormiu a tarde toda na grande cama redonda,sonhou com uma piscina cheia de mulheres em volta e ria...Até que em certo ponto uma delas lhe jogou água na cara e ele acordou...Degliane possessa havia jogado um balde de água em João e falou um monte: -Cacete João,porque não falou que não tinha dinheiro para pagar,tive de ficar a tarde inteira lavando pratos naquela merda de padaria... João ficou bravo e queria voltar na Padaria e falar um monte pro gerente por fazer uma mulher grávida trabalhar: -Vou lá agora despedaçar a caveira daquele salafrário!

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Degliane advertiu:-Cale a boca João,ele não tem culpa, você é que perdeu ponto comigo,abre o olho homem já estou sabendo de muita coisa! Ao entrarem no avião, Degliane estava ansiosa para conhecer a casa onde iam morar. Comentava o tempo todo com João que agora não teria de ouvir seu pai encher o saco,teria sua própria casa...Que não fosse uma mansão,mas era sua casa,não tinha problema que João vendera o belo apartamento duplex de cobertura”para fazer dinheiro”como dizia! Ao descerem no aeroporto,Degliane viu uma Mercedes conversível no estacionamento, branca,reluzente e pensou: -Danado de homem,meu pai e a minha sogra falaram que é um “pé-sujo”,que deve até a alma e que vive de pose e olha o carrão do cara! Meu pai não teria o dinheiro nem para comprar as calotas dele...Puxa! Quando João foi ao estacionamento,passou ao lado da reluzente Mercedes...entrou num abatido fusquinha “meiaqualquer coisa” conversível e deu partida,o fumação de lubrificante subiu e cobriu todo o estacionamento. Degliane abismada ao ver o fusca conversível amarelo canário apontando na portaria fazendo grande alarido, comentou com uma pessoa que estava ao seu lado: -Caramba,como deixam uma sucata dessas trafegar pela rua,isto já deveria estar no desmanche há milênios! Quando João parou do lado,o fumação diminuiu e baixou o vidro...Pasmada com a cena ficou tão assombrada que não conseguia fazer uma frase completa: 198


-P...me que pariu João! Não é possível cara...!!!Minha nossa!...Oh meu Deus piedade...Miles caracoles duplos... e a Mercedes conversível? -Tive que vender para”fazer dinheiro”e comprei este para não ficar a pé...Espere que vou abrir a porta,meu bem! Degliane coçou a cabeça em desalento e lembrou de uma certa conversa que a sogra teve com ela,em certo momento da festa quando a chamou de “canto” no salão para lhe jogar a “real”,agora ela começava a se desesperar... Como um cavalheiro João ajeitou a mala dentro do carro e correu para lhe abrir a porta...O pé de coluna podre soltou as fitas que seguravam a porta e quase jogou-a ao chão... João não sabia se segurava porta;se segurava Degliane que xingava muito por ter se esborrachado de bunda no chão... E as pessoas riam e gargalhavam,outros correram pra ajudar,e alguns cochichavam fazendo gozação: -Este não era aquele carro que o palhaço do circo usava e queria vender a tempos? -Acho que é este mesmo...É um milagre que ainda ande! João olhou feio para todos como se reprovasse o comportamento burlesco daquelas pessoas da “baixa sociedade” como ele dizia. Saiu fedendo e engasgando do estacionamento do aeroporto , a cada acelerada soltava pipocos assustadores: -Bam!Bum!Clang! E animadamente vinham conversando,enquanto o “bagaceira” deixava o rastro de fumaça e fazia sua legião de admiradores pelo caminho: 199


-Lá vai o”Cabriolé de Migué”! Gritava a molecada... Apesar dos pesares Degliane vinha feliz...Falando sobre a linda casa na praia que iriam morar:-Dormir escutando o barulhos do mar nos ouvidos,não quero outra vida João! Ah que maravilha... Degliane fazia planos,planos e mais planos,sonhava acordada,falava da liberdade de fazer o que quisesse na sua casa. João escutava a tudo calado,e a cada vez que Degliane dizia a palavra”casa”tremia de medo,até que não agüentou e deixou escapar dissimuladamente: -Casa? Que casa?Aquela casa? Qual casa? Ahh Casa? Esta em reformas lembra? -Que casa,A casa,Onde casa... o cacete! A casa onde vamos morar João? -Casa,bom...Casa,oras...Casa que casa? Ah...Minha casa...Esta em reformas! -Como é que fica João vamos morar na garagem da Mercedes que você vendeu? -Vamos morar casa de seu Pai...por enquanto! Uma mansão daquele tamanho para duas pessoas,e é só até as coisas se ajeitarem... -Caramba João,ele deixou bem claro que não ajudaria em nada se eu me insistisse em casar com você,nem no casamento ele veio,poxa! -Falou só da boca para fora Degliane,imagine que vai largar a filha na “rua da amargura”!

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Chegando lá não se concretizou o plano meticuloso,maquiavélico e embusteiro de João que pensava em viver como uma majestade as custa dos outros! Com o fusca ligado, expulsando fumarada e estouros sem o menor acanhamento,João o sem-vergonha tentava fazer a cabeça de Degliane com intento de residir na Mansão...Por uns tempos. -Filha não te falei um monte de vezes que não casasse com este mané? -Falou pai...Mas é só até as coisas se acertarem! -Que coisas minha filha? Degliane havia sido alertada sobre a real situação de João pela minha mãe no dia do casamento(a tal conversa de canto),mas se recusava acreditar categoricamente que tudo estivesse tão ruim quanto a sua sogra falou,era impossível alguém mentir tanto,ela não podia acreditar que era verdade que a situação era tão ruim quanto ela lhe falou e tentou um “remendo”junto ao seu Pai: -Bom Pai é só até entrar algum dinheiro, para reparar a casa que o João comprou,aquela da praia...Sabe?...trocar os móveis e outras coisas de segundo plano...Então não podemos ir para lá...Por enquanto! A mãe de Degliane coçava a cabeça pensando,mas não ia contra a resolução do esposo de não acolhê-los lá. -Minha filha que loucura,quantas vezes te avisei e não adiantou nada...Mas que cabeça dura você tem minha filha...Mas espere aí,o João me falou que estava tudo arrumado,casa,móveis eu havia perguntado sobre isto antes 201


do casamento...Que não dependeria de mim nem para tomar um copo de água e que não viria morar aqui nesta tapéra repugnante de forma alguma pois não necessitava da caridade alheia. Degliane”La mujer de sangre caliente,pero no latino”, começou a comer o toco de João até o cabo:-Seu falso,como faz isto com sua própria esposa? Como o Conde de Montemór era um homem bemeducado e não gostava de “barracos”, interveio e disse: -Filha,se quiser a anulação do casamento,conheço um excelente advogado! -Não Pai,obrigado! Agora o João vai cumprir o que me jurou no altar,me honrar e vou dar mais uma chance,afinal a merda já esta feita e estou grávida! -Puxa filha,você nunca muda de idéia,incrível! Com pena de Degliane”La mujer testaruda como un burrito”,o mesquinho Conde de Monte Mor que “não abria a mão nem para dar adeus”fez um descarnado cheque,deu algumas jóias para venderem e deu um fusca melhorzinho para usarem ,os olhos de João brilharam: “Nossa...Que miséria,falou,falou e acabou ajudando mas podia ter dado o Roll,s já que não o usa!” -Bom João,já que não tem jeito mesmo vamos para a casa do jeito que ela esta,o pedreiro pode esperar,colocamos tapumes nos vidros,fazemos o que tiver de fazer,mas na rua não ficaremos!

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-Degliane...é...Bom...Quer dizer...Como posso explicar...Sinto lhe dizer,mas vendi a casa da praia também, para fazer dinheiro. -Caramba,você tem de comprar uma maquina de fazer dinheiro,pois vende tudo para fazer dinheiro e não tem nada,mas o que sobrou então,a casinha do cachorro? -Nem isto...Eu dei para a casa de ração em divida,junto com o cachorro! -Espera,lembrei...E aquele Iate que você me mostrou,não dá pra vender ele,ou ficarmos nele lá no ancoradouro,é enorme não é? -Foi para pagar o agiota,eu devia muito a ele do empréstimo da concessionária de carros... -Mas e a concessionária é bem grande né? -Abriu falência infelizmente,o prédio era alugado e entreguei os carros para amortizar dividas trabalhistas! Degliane entrou em desespero total,dava murros no fusca de amassar,pisou no capo, ficou possessa de raiva e gritava: -Bem que sua a mãe me disse que você tava na merda,mas eu burra não acreditei porque achava impossível que ela falasse a verdade! -Calma,nem tudo esta perdido eu tenho um lugar na fazenda dos meus Pais! Degliane deu o troco em João sem piedade durante dias e dias...Não lhe deu um centavo do dinheiro que recebeu do seu Pai apesar de João implorar:

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-Pelo amor de Deus mulher,se eu não pagar o agiota ele vai me arrancar o couro com uma faca de pão cega e você vai ficar viúva e com filho para cuidar! -Seu filho de uma p...,como me empresta tanto dinheiro sem ter como pagar?...Putz,João você é doente homem,onde eu estava com a cabeça de casar com voce,bem que a sua mãe me avisou,porque não acreditei... No começo até se estruturarem,moraram no acanhado escritório que João tinha nos fundos de casa muito longe da cidade. Mas Degliane auto-suficiente não gostava de depender dos outros e alugou uma modesta casinha na cidade,porque pretendia por algo por conta e foram para lá... Como o que foi apurado,não foi tanto assim e ainda tiveram de pagar com juros o agiota ou como ameaçou usando gíria: -Vou”puxar a sua cordinha loco”,ou você paga ou morre! Foram morar na beira de um rio poluído na periferia,o aluguel era uma baba e Degliane comprou vários móveis usados para mobiliar. Ali passariam um longo tempo até que a sorte mostrasse o seu cobiçoso sorriso a João outra vez... Tomando banho frio pra economizar e luz “no gato”,a vida era tão difícil tão quanto a dos homens da caverna... Quando chovia era um “Deus nos acuda”,era lama,sapos e ratos passando para cá e lá ...Degliane tinha acabado de ganhar neném,e dava bicas nos sapos pra fora da casa com o bebe nos braços já que o bercinho estava todo molhado 204


pelas goteiras... Degliane olhava para João e se lamentava profundamente: -P...Que pariu João, no catecismo me ensinaram que o coisa-ruim era o pai do embuste,mas depois de te conhecer começo a ter duvidas sobre isso. -Aquele velho morrinha podia nos deixar ter morado lá isto tudo é culpa dele que não sabe estender a mão! Degliane detonou João sem piedade: -Quem foi a besta que disse”não dependo da sua caridade nem para um copo de água”seu velho ridico,vou dar uma vida de princesa para sua filha,já tenho tudo que preciso! Olha só o palácio da princesa,parece o do Conde Dràcula...Putz,sou uma tonta mesmo me falaram duas vezes da sua situação e eu duvidei! João o “super-Ladino”engoliu em seco,eram suas palavras...Olhava a lama passar,o rio cheio até o talo,o telhado pingar e a cama ranger,pensava sobre o casamento e escutando os sapos coaxarem,meditava que devia haver algum jeito de dar um pulo(ops!) ou a volta por cima outra vez... Enquanto enchia os buracos do esburacado Brasilit com saquinhos de supermercado,lembrou-se que quando conheceu Degliane numa festa (onde entrou de bicão com um convite afanado), achou que estava com “o boi na sombra”: Filha de Conde Espanhol famoso;Dupla cidadania;Uma mansão espetacular no Morumbi,uma adega com vinhos de duzentos anos que provavelmente valiam ouro entre 205


colecionadores; terrenos arrendados na Espanha e Itália;vinhedos espetaculares em Portugal e aplicações em bancos Suíço e um fulgente Roll,s Royce na garagem... -Tenho de conquistar esta mulher de qualquer jeito,ela é dinheiro em caixa! Mandava dúzias de rosas todo dia,levava-a jantares caros,presenteava-a com jóias belíssimas,mostrou-lhe seu apartamento duplex de cobertura com piscina,sua Mercedes reluzente conversível branca...E lhe dizia a miude,que se casasse com ele, teria uma vida de Rainha...Foi difícil; Não porque haviam assim muitos concorrentes mais porque Degliane tinha um gênio extremamente forte e já não era muito nova. João era resolvido em seu alvo com quartas intenções...Apesar de ouvir”não” uma pilha de vezes dela, ele não esmoreceu,estava determinado a conquistá-la mesmo que levasse cem anos... O aplique foi tão potente,tão incisivo,tão voraz,tão feroz em táticas de atração que ele deixou Degliane de quatro(alem disso,ela estava louca pra casar,só fazia doce) ,alem de ser rica,ela era elegante e cortejada... Mas seu castelo de areia desmoronou aos poucos,quando soube depois de casado em um arranca-rabo terrível,onde se lavou muita roupa imunda,limpa e até não fabricada, os fatos da boca de Degliane: -Você é um trouxa João,quis dar o golpe do baú e não percebeu que eu também queria dar em você e nós dois se

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fu....Tão metido a esperto e nem pesquisou a respeito das coisas! E acrescentou outras contas ao rosário de desgraças: “Que o influente Conde de Montemór vivia apenas de aparências...A outrora “bela mansão” hoje era derruída e decrépita e só não devia um montão de impostos por causa das jóias que ela ganhava e empenhava para ajudar;Na adega a maioria das garrafas eram preenchidas com “Ki-suco”e não valiam nada exceto ao ferro-velho...Devia tanto que nem as propriedades tinha mais; Os vinhedos há muito era administrados por credores que lhe davam discreta participação nos lucros; As aplicações no banco Suíço viraram injeções de vitamina no banco da farmácia...e Só isso!”(Que trocadalho do carilho!!!) O Rolls Royce continuava na garagem brilhando...Mas,estava há muito com inúmeros problemas e as peças internas tinham sido vendidas para conseguir-se algum lucro,João o”esperto”nunca se deu conta do fusca que ficava detrás da mansão ,estrategicamente camuflado não era do mordomo...Era do conde. João,o esperto,o ladino,o super negociante,o ultra vendedor,o mercante de conceitos, cuja coluna primal,a célula mater, se estabelecia no super-ultra-mega-plusadvanced-power pensamento positivo quase ficou louco,não herdaria nada do Conde,só seus filhos quando fizessem vinte um anos!

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E se largasse Degliane perderia a cabeça literalmente, o que o Conde de Montemór fez questão de frisar, muitas e muitas vezes: -João conheço com esperteza muitos como você e te juro solenemente,se desamparar a minha filha ao próprio acaso,não vou aliviar um segundo enquanto não te assentar na cadeia,ou pior mando te trucidar e depois esquartejar,tirar filé,salgar ao Sol e a sua cabeça vai virar troféu na minha galeria de caçadas... Pois é...João naquela malcheiroso e acrimoniosa portaria lembrava-se do princípio de tudo,a primeira grande sorte,trabalhava como vendedor de peles e carnes nobres, se fingia passar por bem sucedido. Com um carro de bacana alugado, um envelhecido e surrado terno maltês comprado em um brechó de bacanas. Ele mesmo tingiu e depois passou a navalha para tirar os pelinhos... Ficou muito bom,junto com o automóvel conferia-lhe ótima aparência. João posava de rico com gel no cabelo e prendedor de gravata de ouro... Papai arrancava o chapéu da cabeça,lambia a palha pra enrolar o cigarro e filosofando dizia a minha mãe: -Sabe “Mãe”,tenho até medo do dia que o João cair desta”arvore de prosperidade que ele esta regando com água de fantasia e se esborrachar no chão duro da vida...” -È Pai,vai ser como o gigante do pé de feijão... -Só que lá muié, era fabula... Como oportunamente diria meu amigo Marcos Rogel Gabry , João sofria de”Síndrome de Alice no País das 208


Maravilhas”,no qual a pessoa vive num “mundo de sonhos” mesmo estando desperto. O que acaba acontecendo é que o “mundo factual” é inconciliável com este e o choque de ambos cria frustração e a queda na realidade;na pratica quer dizer: Que a pessoa acredita piamente que seu desejo pode materializar,solidificar e cristalizar incontestavelmente,que coisa nenhuma pode contestar seu anseio de sucesso,porque a pessoa esta imbuída de desejo decisivo ou pensa estar,mas a vida real não é bem assim. Ganhava muito dinheiro verdade seja dita,João tinha uma visão capaz para divisar as oportunidades que apareciam, alem de lábia, capitalizava e investia para no outro dia parecer mais bem sucedido ainda. Alugava um carrão ia até as empresas,se passava por grã-fino e distribuía cartões,falava que era intermediador desta ou daquela marca ilustre,tentava mediar negócios,na tentativa de descobrir o”mapa da mina”o que realmente aconteceu tempos depois,quando “estava quase na bita”,quando a”luz no final do túnel”mais parecia uma vela... Num golpe de sorte conseguiu distribuição de carnes de búfalo e porco montês, durante 18 meses seguidos a um restaurante muito chique da cidade; O “Mansion di Bufon”,um restaurante francês cheio de “ric-foc”,gente famosa era como “mato” ali. João estabelecia contatos,mandava cartões para todos os lados como se fossem hóstias,dava seu telefone a todo mundo...Ele queria fazer parte do “show-business”mesmo que fosse por contagio. 209


Uma boutique famosa “Garçonier de lê Madans”também lhe encomendou pele de Guano da Tanzânia,era algo inusitado,mas ele “deu seus pulos” e “correu o trecho” com alguns importadores que falavam um cantonês horripilante e não faziam vaga idéia do que era uma nota fiscal ou garantia,mas com alguma pressão entregavam. E assim conseguiu a distribuição de carnes e peles em muitos outros lugares devido ao sucesso da empreita que começavam a dar bom lucro,comprava aqui e vendia ali,intermediava outros lá... As “verdinhas” começavam a derramar do bolso de João,fazia constantes depósitos e o gerente já ficava de pé quando ele vinha ao banco,com seus ternos “Armani”e relógio Rolex de ouro,era a bola da vez. Em curto espaço de tempo,saiu do acanhado escritório na roça pra um belo apartamento duplex de cobertura com piscina que encheu os olhos de sua então bela noiva Degliane,uma dama assaz afeiçoada ao fulgor do metal amarelo que devia ter escoliose de tantas jóias que ganhava dele. Também comprou uma Mercedes conversível quase nova e pouco rodada que amargava o fundo de uma oficina,porque seu antigo dono não tinha dinheiro necessário para reformá-la,(as peças teriam de vir da Alemanha)e uma casa no litoral de madeira envernizada que precisava de boa reforma,acompanhada de uma lancha meio ruim que também necessitava de reparos.

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A escalada social,eram os primeiros degraus para a subida do poder de João, ladrilhados com seu “super-ultra-megapensamento positivo” que ele aprendera com livros emprestados da biblioteca. Entre os quais um que era sua “bíblia de cabeceira”,o desenxabido e enfadonho e quilométrico livro do psicólogo James McCoy:”Desperte seu gigante interior” de 558 páginas,com capítulos específicos para tornar a vida mais próspera através da neuro-linguistica. James McCoy tinha a seguinte frase como bordão:”Se você pensar que algo vai dar certo é porque sem duvida vai dar certo”! João leu tantas vezes o livro que as paginas estão desmanchando e o seguia fielmente como um messias,foi a diversas palestras do mesmo quando esteve pelo Brasil,tinha diversos certificados assinados por James McCoy que exibia com orgulho nas paredes do seu escritório improvisado no quarto do fundo de casa,seguia fielmente seus mandamentos de prosperidade:. Fazia “enorme listas com duzentos desejos”porque segundo James MacCoy:”È melhor pecar pelo excesso de cuidado que pela falta dele,já que os dois são pecados”fique sempre no melhor do extremos; dizia ele! Havia ainda o “circulo da vitória”onde num grande papel circular dividido em quatro partes ele colava as fotos dos bens que desejava e escrevia: “Quero agora:-Um salário de dez mil dólares mensais,uma Mercedes zero,um iate de cinqüenta pés e por último uma mansão”. 211


E não é que toda baboseira neuro-lingüística deu certo? Tudo ia bem demais,o dinheiro entrava como cachoeira,João o depositava em sua conta renumerada,já que tinha 60 dias para pagar os fornecedores poderia ganhar juros que aquela altura estavam na casa dos 95% devido a uma inflação galopante que irrompia pelo país que detonava os pobres e enchia dos” tubos” os investidores,especuladores e outros sanguessugas de menor valor. Cada vez que João ia consultar seu saldo se espantava com o valor que aparecia,era tantos zeros que ele gritava:OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOHHHHH! As ações da Companhia Estatal de Petróleo Petrosorte estavam na moda e valorizavam como ingresso de final de copa do mundo entre “Brasil e Argentina” na mão de cambista e João comprou um monte delas aconselhado pelo gerente do banco,que dizia: -Você ainda vai ser um dos sócios desta empresa Doutor João!. Mas João como sempre viu outra (in)oportunidade de ganhar dinheiro fácil apesar de Degliane(sempre) avisá-lo sobre isto: -João eu li sobre este carro que você quer representar numa revista americana,dizem que é um protótipo que não deu certo ainda,sinceridade se fosse você não arriscava... Ele tinha andado num dos carros,estava eufórico e disse a Degliane:

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-Meu amor,eu andei num deles,funcionam perfeitamente,já foram aprovados,o cara colocou todos os combustíveis num posto na minha frente e demos varias voltas,ele funciona como se fosse a gasolina o tempo todo e o valor é uma barbada,daquelas que só aparecem uma vez na vida... De olho neste mercado que parecia promissor a importação de veículos,ele fechou negocio para representar a concessionária de automóveis Hindustanicos e comprou cem carros logo de cara pagando a vista emprestando parte do dinheiro com um agiota,afinal não podia perder de modo algum uma oportunidade assim. O preço pedido era uma pechincha e a estrutura de Marketing estava toda montada,com”show-room”,”Test-drive” “Leasing Sistem” ,”Free Assistence Highway Service”, “Disk Twenty-Four Hour Help-truck” alem da inédita tecnologia, “Multicombustion Direct Engine! O tal automóvel apesar do aspecto”de mode” que aludia a antiguidade pré-paleolítica, no que diziam os panfletos publicitários era “multi-combustivel”graças a um intrincado sistema de injeção direta programada . Usava gasolina,álcool,diesel,G.LP.,G.NV e outros combustíveis fosseis,vegetais,orgânicos,inorgânicos,pseudoorganicos,psico rgânicos ou qualquer bosta que se colocasse no tanque...Era uma revolução tecnológica chamada de “jóia do nascente”todo mundo comentava na rua sobre estes carros

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uns bem e outros(a maioria) mau... Parecia um negocio da China!( ou de perto dela). João começava a arrotar opulência,Dono de uma concessionária de carros importados, andando de Mercedes conversível,com sua então noiva Degliane ia aos restaurantes mais badalados,ia a festas importantes,alem de rega-bofes monumentais. Já era uma figura inserida no”Jet- Set”,dava entrevistas apoiando o então Candidato a presidência Senador Felício Barrão do P.Q.P.L.de ultra-mega-super-foda-power-extremaradical direita:-Ele é um homem ponderado,irá fazer um governo austero e voltado para as exportações que muito valorizarão o produto nacional,criando uma balança equilibrada e solucionando de forma determinante o déficit das bolsas e o influxo de caixa. Ainda sobre isso acrescentou: A ministra que ele indicou para a pasta planejamento é uma pessoa competente e incorruptível! A Sra. Diana Reyes é a mais indicada para o posto,por ser uma economista de renome internacional,com vários postulados sobre economia publicados em diversas línguas,com uma ideação de direção finalizada! Sobre o outro candidato frisava:- Um réles empregado de uma firminha meia boca, que tem o curso Ginasial? Só porque foi líder estudantil quer ser presidente de um País em desenvolvimento como o nosso? Se ele ganhar,vamos ter o maior índice de desemprego que esse país já viu,muita gente irá pedir esmolas nas ruas,firmas falirão e irão

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embora,o país entrara numa bancarrota pior que a crise de 1930 nos EUA! E continuava apesar de Degliane chamar a atenção e dizer virando as mão para baixo com que dizendo:”Menos João...Menos!” E ainda aconselhou: -João estas ações que você esta comprando,porque não se desfaz de um tanto delas enquanto a firma esta no auge? -Só porque um despeitado que quer derrubar o outro candidato fala que tem um dossiê que ninguém viu? Olha o nome do sujeito”Hercílio Campos de Menezes Oliveira”,vulgo”Camarão”. Imagine que o sujeito com um apelido como este pode ser presidente,só se for de grêmio estudantil... João era o tipo de cara que jamais deveria opinar em política, pois só falava merda o tempo todo,mesmo assim continuava: -E ele ainda diz que tem documentos secretos provando que a Petrosorte é uma companhia de fachada...Imagine só! É uma das firmas mais sólidas do mercado! Hipervalorizava:- A Petrosorte é tão sólida como um bloco de Mármore! ...Hoje sentado na rôta cadeira de plástico encardida no serviço, ele olhava a circulação astronômica de desempregados num balcão de empregos do outro lado da rua que saiam sem esperança de recolocação por serem velhos demais pra trabalhar e outros extremamente novos para serem aposentados,outras pessoas que passavam na rua pedindo mantimentos e roupas,para viverem com o mínimo 215


de dignidade porque não tinham qualificação suficiente pra poder trabalhar e nem dinheiro pra fazer os cursos para tanto e João sobre isso hoje,filosoficamente torpe diga-se, subtraía: -Ministra filha da P....Tomou aquela medida de confiscar o dinheiro de aplicações e poupanças acima de US$ 3 000, e eu me f...! Ao assumir a presidência a inflação explodia batendo nos 250%,os bancos estavam a beira da falência porque trabalhavam com juros exorbitantes,as instituições a beira do caos por causa do déficit interno,as empresas a beira do colapso porque o dólar tornava impossível as exportações...Os pobres indo pra rua na marcha do desespero do desemprego... Era preciso uma medida drástica para baixar a inflação,controlar o fluxo de caixa,enxugar a maquina administrativa...Ainda que o remédio fosse amargo apenas para os menos favorecidos(alias como é sempre...). Então a ministra tomou medidas de contenção dos índices de inflação,e a primeira foi o congelamento de todos os investimentos por tempo indeterminado e impedimento de saques de maiores valores e “pois sem cuspe no(..) de todo mundo” ! Quando do confisco João tinha mais de US$ 100 000 aplicados em diversas contas,tudo ficou bloqueado...Tendo de pagar fornecedores estrangeiros que não queriam se envolver em “dificuldades econômicas do País ou das coisas ou pessoas decorrentes dela” ele vendeu tudo que tinha 216


comprado correndo,e por metade do que valia ou poderia parar em um profundo canal com um contrapeso nas pernas! Sua Mercedes conversível tinha saído da funilaria, estava zerada, sua casa no litoral quase reformada,o iate também vendidos para fazer dinheiro...Voltava a estaca zero, pois o misero dinheiro que arrecadou na venda dos três foi quase tudo para pagar as dividas logo as portas do casamento onde ele planejava uma suntuosa festa para constar em todas colunas sociais... - Não tem problema,algo vai calhar pra que eu faça mais dinheiro,ainda tem muitos bens... Ele ainda tinha a concessionária dos carros hindustanicos e se alegrou: -Imagine,agora todo mundo vai querer andar de carro importado ainda mais sendo “Multi-combustivel” e ta vendendo igual água! Realmente vendia igual água,mas o que João como sempre não sabia,eram as coisas por traz das coisas... O negocio era um pega-trouxas bem armado: Com registro de lojas de peças, há muito o dono não recolhia impostos,era procurado pela C.I.A ,Interpol,Scotland Yard,F.B.I.e mais todas as siglas possíveis que andam atrás de um pilantra internacional que tinha um monte de passaportes e diversos nomes. Alem dele dever dinheiro aos fabricantes do carro,era um protótipo em testes no qual foram jogados milhões fora. Seu sistema de injeção dava mais problemas que 217


andava...Multi-combustivel? Nem com uma oração possante funcionava bem nem na gasolina e lotava a oficina de reparos e os mecânicos não sabiam mexer bem nos sistemas que sempre davam pau...Eles não conseguiam traduzir os manuais em árabe e mexiam de qualquer jeito agravando tudo mais ainda. O serviço de guincho 24horas? Um velho caminhão que há muito não tinha motor e estava encostado num canto da concessionária servindo de expositor... Todos proprietários queriam o dinheiro de volta e entraram com ações na justiça,a fabrica queria ser indenizada pelo calote e assim devolveram os carros que foram dados aos mecânicos como indenização trabalhista que trocavam o motor pelo de outros carros mais práticos. E agora era chamado pelos próprios donos de”Josta Indecente”... E la´se foi o apartamento duplex com tudo dentro para pagar os processos! Mas João não esmoreceu,depois de chegar em seu soberbo apartamento pela última vez,se trancar no quarto ,esmurrar as paredes da casa e xingar tudo e todos e culpar o mundo,a sorte e até Deus pelos seus fracassos,pensou onde ia morar quando fosse casar (já que tudo tava indo para o ralo),o que estava próximo,faltava uma semana e o desespero tomava conta de tudo... Como sabemos, chorar o leite derramado não adianta,resolveu levantar o moral e continuar pensando numa solução viável para conter o “defluxo de caixa”que a

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esta altura dos acontecimentos, estava mais para “apoplexia generalizada”. Num “insight” de memória, ele lembrou das muitas ações que tinha da “Companhia Estatal de Petróleo Petrosorte”da qual era praticamente “sócio”,fuçando na sua velha bolsa 007 as achou escondidas sorrateiramente. Abraçado a elas chorou copiosamente como se tivesse livrado de um peso do tamanho do mundo,a sorte estava ainda ali,pegando na mão...O sorriso acanhado e preocupante rispidamente voltava ao rosto vitoriosamente: -Ah,”Senhora Sorte”você fez doce,mas ainda não me abandonou! Montou no carro Hindustanês como se estivesse dirigindo um Rolls Royce , a lancha estava engatada atrás,pois tinha ficado pronta ,pensava em vendê-la pelo caminho para fazer mais dinheiro. Deu partida...Ele se negou a pegar,chorou muito como cachorro novo,afundou o pé algumas vezes,regulou o implexo sistema de injeção que tinha inúmeras teclas escritos em um dialeto incompreensível que mais parecia garrancho de médico, com custo pegou a passo,falhando muito e dando tiros e tossindo,João exclamou: -P... merda o carro é ruim mesmo...O motor parece constipado e os bancos fedem a camelo velho,realmente é uma” Josta indecente”! Começou a traçar novos planos para se levantar rapidamente,na sua mente pululavam idéias aos fastígios de como enriquecer meteóricamente... 219


Passando em um estacionamento de carros ofereceu ao dono o carro falando mil coisas boas dele,mas ele disse que nem de graça ou para fazer um jarro de flores queria aquela”josta”... É pena que teve de fazer o resto do percurso a pé. Um dos agiotas o achou na rua e resolveu lhe cobrar aquele dinheiro emprestado há muito... João deu o carro sob um persuasório argumento metálico que estava apontado para seus rins, e o agiota ainda reclamou: -Putz,que droga de carro,como é que você me compra uma merda destas,João? -E foram cem deles,para resumir a novela Tonhão Risada... - Ainda bem que a lancha veio junto,pois no primeiro sucateiro que achar vou deixar esta josta... Que carro nojento e os trouxas que compraram este lixo ainda falam de boca-cheia :- Tenho um “carro-importado”amigo! ...éca! João coçou a cabeça e lembrou do que Degliane havia dito do carro anteriormente: -P...Que pariu,mas que boca que nunca falha! Quando adentrou ao banco negociar as ações muitos empresários estavam chorando pelos cantos abraçados a um monte de papeis...Outros davam socos na cabeça, sapateavam e eram colocados em camisas de força,outros colocavam balas no revolver e tentavam decidir onde davam o tiro de misericórdia...

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-Só otários guardam todos os ovos no mesmo cesto! Exclamou João vendo a triste cena... Quando foi conversar com o gerente,quase teve uma síncope cardíaca ao descobrir que a “tal”empresa estatal “Petrosorte” havia falido...Seus balanços eram habilmente maquiados para parecerem que davam lucros,mas na verdade ela era “um ralo de dinheiro sem fim”,coincidentemente o então Presidente eleito para governar o país Felício Barrão era um dos diretores da companhia também. Os seus sócios fugiram largando o “saco de bosta” nas suas mãos...E o pior,o saco estava furado e vazou nas mãos dos acionistas,(ainda bem que tinha os papeis da ações pra se limpar)... Lógico que se fez uma C.P.I,mas como diria Boris Casoy:Acabou em pizza com sobremesa de marmelada! João acrescentava:-Servida com “xixi de doze anos e pudim de merda” para os trouxas que votaram nele! U$ 50 000 de ações perdidas e o Presidente agora era chamado pelo próprio João de: “Feslixo faz Barrão da P...Que Pariu Ladrão”! E a ministra de “Diarréia”, justo ele que tanto defendia o seu governo,puxava tanto o saco do candidato que chegava a dar nojo! E inferiormente: -Bem que o “Camarão” dizia que era de fachada,e eu não acreditei nele,e o sujeito tinha até provas! Hoje diminuía:-A Petrosorte era tão sólida quanto um pedaço de gelatina num tremor de terra!...Mas como todos os tontos que sabiam que tinham feito merda e preferiram votar no outro justificava: -O que ganhou era o menos ruim! 221


-Puxa João te falava tanto que o “Camarão”falava a verdade,eu conhecia o cara pessoalmente,nem quando você faz merda admite...nossa que cabeça dura! Dizia Degliane repetidas vezes. Pouco tempo depois Felício Barrão foi cassado,João em deprimente estilo comentou:-O cara só fez merda e ainda escreve um livro para justificar: ”A luta do poder nos bastidores da corrupção.” -Como se houvesse algo para abonar o montão de cagadas que fez! Ponderava João. Hoje para João pouco importava quem fosse o presidente,mesmo porque,o que entrou conseguia ser pior do que o que saiu e isto não ia mudar nada em sua vida mesmo já que o País vivia mergulhado num colapso inalterável. Ia de casa para o serviço e do serviço para casa... O livro de James McCoy”Acorde seu gigante interior” segurava o pé da podre estante para que não viesse abaixo. O circulo da vitória virou tampa da privada...As lista com duzentos pedidos viraram papel higiênico que ele limpava as traseiro com o que um dia foram seus sonhos...Jogava-os na privada e a água os levava do mesmo modo como a esperança que também dimanava-se... E a dona sorte hoje? Era uma cortesã cara, que João não tinha dinheiro para pagar e que há muito o tinha desamparado... Mas antes João acreditava que podia dar a volta por cima... Morando na casa de beira de rio,recém casado e fazendo as 222


correrias loucamente,distribuía cartões,fazia contatos,enquanto Degliane vendia perfumes e sabonetes (que ela mesmo habilmente fabricava) na grã-finagem á rodo e no “cash”, que era o que verdadeiramente sustentava a casa e de vez em quando dava um dinheiro para João colocar gasolina no bucólico fusca,já que o “bagaceira” foi vendido por quilo para se comprar móveis: -P...que me pariu Degliane,não dá para me arrumar mais um pouco para que eu alugue um carro apresentável? -Se eu te der o que pede,amanhã não temos dinheiro nem para comer um”zoiúdo” de mistura João, ta tudo no vermelho! -Mas como vou chegar neste “cabriolé de migué” para falar com os bacanas...Como você pensa acanhado Degliane,hoje comemos”boi-ralado,amanhã vamos comer caviar”! Degliane com um avental de saco alvejado e a mamadeira nas mãos,balançou a cabeça para os lados e foi cuidar de João Victor que estava chorando de fome... Há não muito tempo atrás,lembrava-se que um telegrama de uma editora o chamava para uma entrevista,ele achou: -Vai ver que é para trabalhar como vendedor! Não foi pequena a sua surpresa,lhe ofereceram a distribuição da revista que despontava como uma das mais badaladas do contesto social: -Sr João sabemos que você conhece muitas pessoas da alta sociedade e a nossa revista é pra este publico,por isso o chamamos! 223


“Babados e Baratos”, uma revista sobre o estilo de vida das pessoas ricas e famosas com muitas fotografias em lugares chiques e conversas enfadonhas pra “boi dormir” para rechear,tudo de forma suntuosa. João aceitou,a princípio desconfiava que aquilo daria para “trocar figurinhas”,mas logo se revelou uma mina de ouro porque logo no espaço vieram mais outras revistas conhecidas da editora. Com um caminhãozinho bicheira comprado as pressas começou a distribuição de forma avassalante,eram tantas reclamações sobre atrasos para entrega e quantidade,que seu saco quase explodiu. Conheceu Souza numa boate onde ele aliviava o estresse diário com umas doses de uísque e um afagos das meninas,Souza cuidava das “moças” que ofereciam serviços sociais e com mão de aço as botava na linha,qualquer reivindicação,levava uma bifa na cara:-É um cara assim que eu preciso para o departamento de reclamações! Como Souza ganhava uma merreca,e seria gerente na nova empresa não foi difícil convencê-lo a trocar de ofício. Souza verdadeiramente deu jeito em tudo não obstante de não ser perito em coisa alguma,com uma chibata oral ,intimidação física e as vezes armada, ele fazia a maquina administrativa trabalhar...(na caceteação, pontapé e coices) Hoje Souza era um sereno gerente em um supermercado,morava numa boa casa,tinha um excelente veículo,”tudo com seu empenho” ,tinha se convertido e era um dedicado Pastor evangélico, casado com uma bela mulher que se chamava...“Vanessa”. 224


João nunca desconfiou de nada...Agora João desconfia de tudo e todos, mas antes não era assim. Ele era um vendedor muito bom,tinha grande eloqüência e carisma,comprava produtos no Paraguai e colocava etiquetas originais e as vendia por ¾ do preço da loja,comprava carros batidos baratinhos,reformava e vendia por preço de tabela,inventando as historias mais escabrosas inimagináveis: -Este carro era de uma senhora que só o usava pra ir na feira! -Ficou dez anos em cavaletes levantado,esta como saiu da loja! -A pintura ainda e original,ficou gasta de tanto o dono polir o carro! João tinha o seguinte lema:”Enquanto os bobos dormem ,os ladinos vivem”,é natural que era alvos de ameaças constantes que nunca se concretizavam de fato. João mandava e desmandava há tempos atrás,se Souza chegasse falando de algum funcionário que reclamasse do salário,podia ser eficiente...ia para rua,e se ficasse calado recebia seus direitos. Registro? Só se fosse na certidão de nascimento a única que pobre tem direito e ainda que preferia dar mil reais a um advogado, do que cem a um empregado numa causa trabalhista...Assim dizia João a Souza:”Quando eu era pobre todo mundo tirava vantagem em mim,agora é a minha vez de tirar vantagens”

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Hoje, João agradecia ao Síndico Sr Apragildo o registro em carteira,pois era o único meio de escapar da cadeia,a constante intimidação de Degliane. O azedérrimo “cínico”Sr Apragildo junto com o melador, o” xucro” Éderson,tratavam todos os empregados como se fossem remadores numa galé(antigo barco tocado a remo em que os escravos eram acorrentados, e remavam com um compasso do tambor e os doentes eram arremessados ao mar com uma corrente e um peso nos pés) menos João que era o puxa-saco da turma e por isto gozava de algumas regalias. O prazer do” xucro” Éderson era doentio. De manhã tomava um copo de vinagre com sal e limão-cravo para ficar ainda mais azedo,brigava com sua mulher,depois com seus filhos,com o padeiro e com todos que achasse, sua principal função era: Perturbar,encher o saco,torrar a paciência de todos,xingar lascado, sua peculiaridade e hobby era arrumar agitação por qualquer coisa. Se houvesse doutorado em aporrinhação,ele seria P.H.D.com direito a postulados em numerosos idiomas,dialetos ou ate grunhidos. Sr Apragildo era ainda pior,na outra encarnação ele deve ter sido aquele sujeito que no antigo Egito,era responsável por embalsamar as múmias,era um velho tão chato que se o jogassem na água,não afundaria. Reclamava de tudo que fosse possível,da artrite,artrose,osteoporose,bursite,tendinite,do seu time que 226


não ganhava um certame há milênios,do dia muito quente,do dia muito frio,do governo,das pessoas. .. Mulher boa? Só a mãe, o resto servia para lavar louça ,tomar conta da casa e dos filhos. Para ele só existia uma pessoa boa: Ele mesmo!...O resto? Eram vagabundos,ladrões ou ganhavam dinheiro roubado”!. João era baba-ovo de ambos e nem ele sabia porque de contínuo perguntava ao”xucro”Éderson: -Você não teria um irmão que se chama Souza por um acaso? -Se tiver... não é da sua conta enxerido e vá trabalhar baba-ovo! Mas João não puxava sacos á toa...Estudava um jeito de derrubar do posto “o xucro”Éderson e pegar sua boca de zelador,já que morava de graça,não pagava,água ,nem luz,nem telefone e muito menos trabalhava, uma verdadeira vida de imperador, o que seria uma “boa “para João a esta altura dos acontecimentos,afinal com 54 anos... O tempo se passou arrastado e João trabalhava sempre pensando em como tomar o posto do xucro Éderson:-Tem de existir um jeito de derrubar esta besta e pensava: -Um cara igual a ele(burro) e com tanta mordomia,jamais se aposentaria! Então ele apelou para valer, consultando um catimbozeiro que lhe propôs um “trabaio cafifento”para detonar o “xucro” Éderson. Custou uma grana preta é verdade,mas o Veio Agapito fez um trabalho realmente pesadíssimo,com um cabeça-seca vampiro,farofa de óleo de motor queimado 227


de carro de funerária e vela de sebo de cobra cascavel tingidas com sangue de bode-preto, e lhe garantiu: -Eh! Eh! Mizifio unce podi si assosega que um rabo de encruza vai cuida bem(mal) dele! João ficou confiante no resultado,já que o velho segundo muitas pessoas lhe disseram “era de arrancar o pica pau do oco”! O “melador” que sempre acordava muito tarde era perturbado sempre pelos condôminos para arrumar as coisas e ao arrumar um painel elétrico tomou um chocaço de deixar os cabelos em pé,depois foi arrumar uma luminária e desabou com escada e tudo para baixo das escadas e ficou todo esfolado. Foi consertar uma bomba ela explodiu e inundou todo o porão ele quase morreu afogado,tudo que ele fazia só dava merda uma atrás da outra e ele estava no estresse tão bravo que arrumou uma briga em um bar e apanhou muito de um lutador de vale tudo que o usou de rodo. Diante de uma maré de azar grande,Éderson resolveu tirar férias e João assumiu seu lugar,a pedido do Síndico,pois faziam cinco anos que Éderson não as tirava fora do condominio,apesar dele nunca trabalhar...Então podia-se dizer que vivia de férias e o que ele fazia melhor era encher o saco dos porteiros. Nas férias de Éderson,João trabalhou incansavelmente,colocou tudo para trabalhar. Tinha muita coisa que necessitava apenas de boa vontade para funcionar,outras de uma arrumadela 228


providencial,conseguida a valor bem baixos com a lábia de João. Uma eficiência tão grande que assustou os moradores ao ver que tudo estava funcionando bem como nunca foi antes...Toda parte de iluminação e elevadores funcionando perfeitamente,a frente pintada e desodorizada,o salão de festas finalmente estava pronto,o playground pintado,consertos feitos na alvenaria,a piscina finalmente funcionando...Uma eficiência tão grande que nem se o cérebro do “xucro” Éderson fosse trocado pelo do Einstein conseguiria,pois o corpo era inerte e corromperia o resto. Ele conquistou a simpatia e a consideração de todos os moradores nas reuniões mensais do condomínio que exigiam de imediato do “Cínico”Sr. Apragildo que João fosse o zelador no lugar do irritante,ineficiente,inoperante e ancestral “melador” o”xucro”Éderson... Mas ele estava vacilante quanto a um ponto primordial: Será que o síndico vendo tanta eficiência mandaria o “xucro” Éderson embora ou o abaixaria de posto? -Pra que mandá-lo embora agora que tudo esta primoroso?Com vinte anos aqui de serviços prestados,sua indenização seria proibitiva João...Só falta cinco anos pra ele se aposentar,aí você terá a sua chance...tudo do que precisa é paciência, se até para os crentes pedem isto,tenha você do mesmo modo João! No seu intimo João sabia que a vaga seria sua,porque os moradores pediam a cabeça do”xucro”Éderson há muito

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tempo para o “Cínico” e que com um empurrãozinho do destino isto seria mais fácil. Éderson gostava de carros grandes e potentes,tinha um baleado e avelhantado Galaxie 500 amarelo que ele enchia a boca ao falar que era o “segundo dono”, e que o dono anterior foi o presidente da Petrosorte. Ele o havia comprado de um tio seu,então motorista do presidente que o recebera como parte de uma indenização quando da falência da Petrosorte. Éderson teve muitos problemas com o carro na viagem já que revisão não era uma palavra que constava no seu dicionário por achar o carro eterno. Já estava morrendo de saudades do serviço,pois ficar sem dar esporros era a morte pra ele,a sua esposa tinha se recusado a viajar no carro e não havia encontrado ninguém pra brigar entre os seus parentes que eram evangélicos. No caminho um pneu rasgou,já estava na hora de ser trocado há alguns milênios...Ele parou em uma borracheiro na deserta estrada e pediu um pneu original,este disse que não tinha,mas procurando achou um recauchutado e ofereceu a Éderson por bom preço. -Não,só coloco peças originais neste carro,coloque um manchão no pneu que esta bom,quando chegar em casa colocarei um pneu zero da medida original! O borracheiro abaixou mais ainda o preço e insistiu que Éderson não fizesse o tal manchão,pois poderia causar um acidente já que o pneu se encontrava em estado deplorável,mas ele retrucou: 230


-Ele já rodou cem mil kilometros,mas trezentos,não fará diferença! Éderson pegou a estrada com o pneu daquele jeito,e veio “limpando o assoalho”,queria chegar logo...No seu míope sexto sentido ,alguma coisa lhe dizia que algo estava errado,pois depois de muitos entraves o escapamento caiu no meio do caminho e o berreiro do motor era ensurdecedor: -P....que me pariu,estorou um pneu,acabou a gasolina duas vezes,caiu o escapamento,a embreagem explodiu,acabou o bujão de gás...Alguma coisa não pode estar certa,tem mandraca das brava,por aqui! Numa curva sinuosa o pneu com manchão estourou e se fez em mil pedaços...o ponteiro do velocímetro marcava míseros 150 km/h,ele não se desesperou com as guinadas que o carro dava cantando pneus pelo asfalto abrasador... meteu o pé no freio... o carro se arrastava pela rodovia levantando fumaça dos pneus que restaram e então...Bum! Outro pneu estourou,mas novamente ele não se desesperou,tirou o pé do freio e meteu no acelerador...Bum,outro pneu estourou,um traseiro e o que restou dele começou a soltar pedaços e faíscas,arrancou a mangueira do bujão de gás e...bum! A parte traseira ficou em chamas... Éderson mais uma vez não se desesperou e pisou na embreagem e colocou o carro no ponto morto,ele atravessou o canteiro e bateu violentamente num caminhão de limpa-fossas,bem no tanque.

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O coco e o xixi apagaram o fogo,mas Éderson morreu afogado no mar de merda que saiu do tanque. Quando João soube da noticia,comemorou tanto que recitava poemas e sonetos em memória do “xucro” Éderson:-Filha da p...,deve estar queimando no inferno...pena que o titular da Petrosorte não estava no banco traseiro... ( João se referia a Felício Barrão naturalmente.) É claro que assumiu as funções de zelador e o salário era muito maior e tudo começava a dar certo novamente. Não era o “Olimpo das opulências”mas o serviço era imensamente menor,o dinheiro sobrava,tinha um bom apartamento que antes era do “xucro” Éderson já que sua esposa e filhos resolveram mudar para o interior onde moraria com os Pais. João estava tão feliz(e com o desconfiometro totalmente desligado como sempre esteve) que até propôs para Degliane uma possível volta... No entanto ela disse um “rotundo e decisivo”NÃO” a ele: -Puxa vida você não tem vergonha na cara mesmo,depois de tudo que me fez passar,acha que eu esqueci assim?Puxa! Como pra você tudo é tão fácil...Seu manè! A maior alegria de João foi sair daquela avelhantada casa de margem de rio que amargas lembranças traziam a ele,apesar dela não estar mais numa condição tão precária por ele ter arrumado muita coisa quando voltou, mas as melancólicas lembranças que ela evocava eram um marasmo continuo,já que jurou não voltar lá. 232


De apartamento novo,tudo parecia perfeito,João adquiriu um carro muito elegante,comprou uns moveis novos e aparelhos elétricos de uso caseiro. Sendo assim,pouco tempo depois arrumou uma garota “hiponga doidivanas”mas novinha e bonitinha que lhe prestava uma amparo fisiológico e que mais tarde foi viver com ele... Tifany era meia doidinha,mas muito bonita e tava louca pra sair da casa dos Pais e João adorava meninas mais novas pra mostrar aos outros seu “poder de fogo”! O destino mas uma vez sorria para João,mesmo que fosse um pouco banguela...afinal para quem estava na bita,foi como chegar perto do céu... Ganhar um salário decente ,trabalhar menos,estar com uma mulher bonita,casa nova,carro novo é tudo que uma pessoa pode querer,um pouco de dignidade... Novamente o tempo passou e tudo parecia uma calmaria depois de tantas tempestades,agora João pegava uma latinha de cerveja e sentava no terraço e tentava se esquecer das provações,das lagrimas derramadas e que também ficaria quieto,receberia seu salário,pagaria suas contas e só... Porem resolvido um problema que parecia não ter solução começou outro que pareceu ter menos saída ainda: Nenhuma pessoa queria trabalhar no terceiro turno,fantasmas diziam os funcionários. Correntes açoitavam ao crepúsculo,portas batiam violentamente no saguão,no “parquinho”os balancinhos e gangorras brincavam sozinhos e a roda virava fazendo um 233


rangido arrepiante...o vento sibilante parecia avisar que algo não estava bem,um mau cheiro causticante de urina se apoderou do ar,principalmente de madrugada...uma penumbra estranha tomou conta daquela portaria á noite,fazendo moradas a diversos morcegos que guinchavam arrepiantemente á noite e começou a não parar ninguém no serviço e o prédio se tornou famoso na vizinhança com o “diz que me diz”. Quando abria uma vaga e João falava que era á noite,o candidato dizia: -Vou pensar e volto depois! Pelo jeito iam virar filósofos(o que era correto pelo ordenado que um porteiro ganhava ali),pois pensavam tanto que não mais voltavam... A portaria ficava sozinha á noite,de vez em quando o garagista dava uma subidinha rápida via se estava tudo bem e voltava a sua guarita. -Porque não fica lá na portaria seu Nicanor? Perguntava João. -Já tenho o meu serviço,olho tudo e volto para o meu posto! -O senhor poderia trabalhar na portaria á noite,é mais cômodo,ficaria só sentado. -De jeito nenhum,já trabalho a dez anos de garagista e me acostumei a andar. -Te dou um aumento de salário! -Para continuar trabalhando de garagista? -Não de porteiro!

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-De maneira alguma,”porteiro é profissão de corno”prefiro como esta. Sr Nicanor precisava daquele serviço,pois pagava pensão a ex mulher... Por mais que João argumentasse,ele sempre dizia que “não” e era o único funcionário que trabalhava á noite e diziam que de dia era benzedor e por isto não se assustava com nada. -Não benze nem copo de café com leite,velho cagão! E assim se criou a lenda urbana da portaria mal assombrada, onde havia um zelador fantasma que gritava palavrões á noite, e contava os podres dos moradores em voz alta -Isto é conversa para boi dormir,fantasmas não existem,vá procurar um manicômio para se internar seus malucos! Muita gente jurava que via o Xucro Éderson proferindo impropérios á altas horas da madrugada: -UAHAHAHAH! Só tem fila da p...Neste prédio! Bando de cagões, vou vir puxar os seus pés á noite na cama! João seu assassino, vou vir te assombrar á noite seu cornudo! E assim continuava...”O morador do 43 é um machão de dia,a noite cheira cueca é masoquista e contrata miches pra bater nele de chinelo...”vai Perinha nervosa”; a mulher do 12 é casada e sai com todo mundo do bairro quando o marido sai para trabalhar!”pobre corno! “A moradora do 56 se diz “direita”mas já rodou na mão do garagista,do encanador,do leiteiro e ainda deve para todos eles ”caloteira sem vergonha! 235


“O morador do 23,do 25 e do 42,são os que devem mais condomínio e são os que mais enchem o saco de todo mundo,seus malas”! O comentário pela manhã era geral,todo mundo dizia ouvir as vozes sujas durante á noite que contava os podres de todos do prédio. Fizeram uma reunião de emergência para discutir o assunto,já falavam em chamar um reverendo,um ministro e um pai de santo ou os três juntos não necessariamente nessa ordem. Muita gente estava pedindo separação e queriam mudar de lá ou já nem saiam de vergonha,outros mudavam de madrugada para não serem vistos e saírem sem pagar também é claro. O fantasma continuou disseminando a discórdia entre os moradores espalhando os podres de todo mundo,de manhã tinha tanto sal grosso no chão que parecia que tinha nevado,pensavam que assim poderiam assustar o fantasma...Mas não funcionava e ele dizia:-Em vez de jogar sal,porque não jogam uma picanha e umas cervejas seus cagões! Ninguém queria trabalhar á noite porque o fantasma expulsava os porteiros sem dó,e os amedontrava tanto que eles nem pediam indenização, então seu Apragildo o síndico,apertou João para que arrumasse alguém imediatamente,ainda que fosse um zumbi com sonolência: -Que bobagem,eu vou trabalhar seus vagabundos! Na primeira noite tudo bem,na segunda também,chegou no final de semana,ninguém quis tirar a folga para 236


João,cansado e com sono João foi para o sacrifício...Pobre não conseguia segurar nem os olhos abertos,tomou dois litros de café,coca cola quente,tomou estimulantes,mas o sono insistia em embalar João e entregá-lo nos braços de Morpheu(deus grego do sono). Do elevador rangidos estranhos começaram após meia noite: Rangidos,barulhos de correntes batendo. -Devem ser os cabos! E novamente caiu no sono e babou em cima da escrivaninha... As luzes começavam a piscar,apagavam e acendiam:-Preciso mandar arrumar esta instalação elétrica! Um vento sibilante e furioso balançava os coqueiros do parco jardim:-Acho que vai chover! E voltou a dormir... Barulhos de passos:-Tum,tum,tum,tum ecoavam baixinho:Deve ser o Seu Nicanor se aquecendo do frio! Saiu da portaria e deu uma volta pelo jardim,o vento forte lhe jogou uma pagina de jornal na cara,curioso e sem nada para ler,viu aquela página desbotada,era a pagina policial e em pormenores e fotos mostrava o carro do”xucro”Éderson todo amassado e coberto de merda,mas nos pormenores dizia:”A batida do carro foi tão violenta que o corpo estava irreconhecível...” Um arrepio tomou conta de João,mas ele pensou que fosse um vento sul,do pólo norte,que tinha resfriado suas nádegas,puxou a calça para cima,ajeitou a blusa e deu risada:-Ah.ah,ah que besteira! No amanhecer do dia,o porteiro rendeu João que estava um lixo,foi para o seu apartamento dormir.Tomou um

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longo banho,Tiffany lhe havia deixado um bilhete que dormiria na casa dos pais e voltaria depois: -Pelo menos essa menina indo para lá me dá sossego para dormir! Ao colocar a cabeça no travesseiro, dormiu como uma pedra...Mas quando o corpo dorme, a mente viaja pelos campos dos sonhos... Num jardim florido ele voava seminu, notas de dólares lotavam as arvores grandes cheias de passarinhos amarelos e verdes que cantavam notas ao ser contada e nos pequenos arbustos pequenas moedas de ouro,quando o vento batia nas arvores,desfolhava-as e arremessava ao chão títulos ao portador... João feliz flutuava pelo ar num tapete bordado a ouro, uma linda ruiva o esperava logo a frente,era uma mistura de corpos,se parecia um pouco com sua ex-mulher Degliane,um pouco com a semi biscate Vanessa e um pouco com a púbere Tiffany,o tapete parava perto dela,se transformava em um divã forrado de dinheiro e coberto com um manto de ouro, ao lado de um regato de uísque doze anos muito perfumado que emitia o barulho de champanha ao cair na taça,enquanto peixes de prata pulavam e voltavam no rio de uísque. A sua deusa grega,lhe descascava as moedas que se transformavam em chocolate,o afrodisíaco do amor e ali fazia sexo com ela,uma,duas,três vezes em seguida,era o paraíso de João...Tudo parecia perfeito,mas de algum lugar saiu um homem com uma capa que lhe cobria todo o corpo,inclusive a cabeça,o que ela estaria fazendo no sonho de João? Seria um aviso que as 238


coisas iriam melhorar? Curioso João se levantou do divã e tentou observar melhor o “monge” que se aproximava vagarosamente.Tinha um cajado em suas mãos, seria a morte? Pensou João. Mas não! era possível ver o rosto,era humano...E era...O “xucro” Éderson! João se lamentou: “Mas nem no sonho esse infeliz me dá sossego, agora que estava tão bom!” Éderson bateu o cajado no chão uma vez,e vampiros com grandes asas de gafonha apareceram,iam recolhendo dinheiro,moedas e títulos e jogavam em João promissórias assinadas por ele ,João se recostou no divã,mas ao toque do cajado dois brutamontes apareceram jogaram ele ao chão e disseram:-Estamos tomando isto por falta de pagamento! .João atônito tentou se apoiar na sua musa e ela se transformou numa caixa de banco,cheia de faturas na mão e esfregando em João:-Não vai pagar seus “papagaios seu boca-rica! Começou a correr de todos que queriam receber os atrasados,os passarinhos davam rasantes e soltavam fezes nele...Pulou para o regato,mas ele se havia transformado em xixi e os peixes de prata se transformaram em contas vencidas que voavam em João, arrebentando-se quando o tocavam. Saiu do regato e um encanecido veículo estava a beira,com a chave no contato,entrou nele e deu o arranque com expensa pegou,afundou o pé e ele saiu lentamente,tão vagarosamente que parecia um camelo e era um camelo! Havia se transformado em um aparvalhado camelo,João a esta altura era a ojeriza total,batia no animal para ele 239


marchar mais acelerado e ele ia mais sem pressa ainda...Como um asno,e era agora um jegue que rebusnava e entendia-se claramente: -Ióóóóóóó! Caloteiro! Ióóóóóóó! Caloteiro! O pesadelo parecia não ter fim,ele tentava acordar,não conseguia,se debatia na cama,falava dormindo,choramingava,xingava...Soltou um berro que se ouviu no prédio inteiro:Uááááááááááááááááááááááááá´! Acordou se sentindo estranho,como se um peso de uma tonelada houvesse pousado sobre seus ombros,se sentia esgotado,foi para o banheiro,lavou o rosto e olhou no relógio: 20:00! -Puxa ,dormi durante onze horas estava cansado mesmo...Foi bater um rango,esquentou alguma coisa,fritou um ovo e comeu como um rei. A barriga apertou,foi ao banheiro,pegou uma revista e cagou tranqüilamente. Ao terminar,deu descarga,mas ela não funcionou,insistiu,nada! Pegou um balde dágua,nada! O troço não queria descer,quebrou com o rodo no meio o submarino marrom e jogou outro balde...Um Aviso do alem? -Imagine,esta porcaria é do tempo do “zagaia” e esta quebrado e entupido! Derepente uma torrente de água empurrou tudo para fora do vaso e lavou João de urina e coco... Atarantado, correu para baixo do chuveiro e se esfregou muito com sabonete, depois com a bucha, depois passou pinho sol e por último

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tomou um banho de perfume barato que Tiffany havia deixado por ali. Satisfeito enxugavasse com a toalha,o cheiro era intenso de alfazema,mas no meio de tudo,ainda sentia o cheiro de merda,colocou mais perfume,mais,mais,mais até acabar com o vidro de um litro que advertia: “Produto a base de álcool,em excesso poderá ser notado vermelhidão na pele”. -Melhor coceira do que fedor! Pensava João já sem confiança... Estava quase na hora de ir render o porteiro e João foi por obrigação,não porque queria ir. Naquela noite todos os barulhos foram maiores,portas batendo,galhos quebrando,rangedeiras,sua atenção era total mesmo que um alfinete caísse no chão ele perceberia... Trancou a porta da portaria á chave ,mas João começava a se assustar: -Ah,meu Deus o que esta acontecendo comigo hoje? Lembrava-se do sonho,não o que queria,mas a segunda parte nitidamente,começou a ficar em pânico,o coração acelerado quase soltava pela boca,a cada segundo olhava as horas,na esperança que aquela noite passasse voando,num crescendo de pavor e terror,João se assustava com cada barulhinho,via vultos a todo momento,escutava passos,sussurros... A hora insistia em embirrar,o tempo parecia eterno. Morcegos davam rasantes em frente a portaria e soltavam seus guinchos desarmônicos provocando arrepios a todo 241


momento em João,um bateu no vidro e ele quase se cagou todo,mas se recompôs e bateu no vidro: -Fora daqui seu bicho asqueroso! Uma canseira brutal tomava conta de João,mas ele pelejava bravamente contra o sono,entretanto sua imaginação começou a lhe cravar peças, ele já não conseguia distinguir se estava acordado ou dormindo...Esfregava os olhos e ao abri-los um cortejo fúnebre passava a sua frente com os mortos carregando um caixão e iam deixando braços e pernas pelo caminho,o ar ficava fétido e atrás ia um zumbi vestido de gari que recolhia os pedaços num carrinho de mão com uma pá... Levantava,olhava atentamente para rua,não havia nada,espantado olhava pra todos os lados,saia pra fora,nada... Dormia novamente sentado na cadeira olhando para a rua,acordava esfregava os olhos ia ao lavabo lavar o rosto....Atônito olhava para o reflexo no espelho ...Corria do banheiro e as suas mãos estavam cobertas de escamas verdes,na imagem do vidro da portaria a face de uma besta ele se desesperava e grunhidos selvagens ecoavam pela madrugada e o faziam se cagar todo. Acordava...silencio absoluto, tudo normal...lavava o rosto pra acordar novamente,ou já nem tinha certeza disto e suas mãos caiam aos pedaços,a torneira espirrava sangue...o chão tomado de sangue coagulado,as paredes sangravam vertiginosamente... Numa expressão de náuseas,levava as mãos aos olhos...Não podia acreditar,tinha passado,tudo normal,era só um sonho novamente,suspirava 242


aliviado...Novamente dormindo,novamente acordado,novamente dormindo,novamente acordado... Olhava para rua e um guincho velho trazia o carro do”xucro”Éderson todo moído e arrastando latas pela rua,levantando faísca e fazendo um barulho aterrorizante o ar ficava com um mau cheiro de merda coalhada...mas esfregando os olhos,nada havia novamente... 5:00 horas! “Só mais uma hora”...Cochilou de novo! O Homem-besta-lagarto lhe apareceu grunhindo como uma besta do apocalipse e o segurou com facilidade...João viu sua vida inteira passar na sua frente,era a morte,o juízo final...Estava num tribunal,e o meritíssimo declarou:”culpado”! E proferiu a sentença:”Nunca terás calma na alma enquanto viver João Ladino,tua sina é pagar pela tua ambição e pelos que fizestes sofrer por causa dela!” João levantava a cabeça já sem forças,sentado no banco,nunca havia saído dali,uma loucura,estava de novo na portaria...Ainda não tinha amanhecido o dia...Faltava dez minutos para acabar seu turno,dez longos minutos distanciando do portal da eternidade...João estava aos pedaços,psicologicamente assustado e meditava sobre a noite que passou,se negava a acreditar em alguma coisa: -Que criancice,me deixar levar pela aquela historia do “velho catimbozeiro”que a alma do”xucro”Éderson não me deixaria em paz pelo que fiz a ele...AH!AH!AH! Quando um carro igual de Éderson sujo de barro, parou em frente ao portão e começou a buzinar e acelerar João ingressou em aversão: 243


- Ai meu Deus... ele veio me buscar para o julgamento,então não foi sonho...mas não me pegaras nunca seu “xucro”! Saiu pela rua desembestadamente,desesperadamente e no mais escancarado pânico gritava feito louco pela rua puxando os cabelos e rasgando a roupa...nunca mais foi visto... O sol começava a despontar no horizonte e passando pelas frestas das janelas trazendo flashes de luz suaves,iluminando as paredes brancas e pálidas dando um tom amarelecido dentro do quarto... Os pardais piavam dando o tom do dia e o relógio fazia um chato zumbido,lembrando que a labuta diária o chamava para a frente de sua vida...Rolando na cama,pra cá e pra lá,se espreguiçando e soltando bocejos mostrava que a noite tinha sido longa demais...João acordou rindo do sonho que tinha tido,tão real,pareceu acordar no meio dele e ter um dia normal e depois estava ali dormindo na sua cama deu graças a Deus pela primeira vez em sua vida por não ser mais uma de varias lembranças amargas,mas apenas mais um sonho...Ainda confuso sobre tudo que havia acontecido e onde se separava a realidade do sonho,olhou para o lado,estava sozinho,achou estranho: -Onde será que esta Degliane?Porque acordou tão cedo hoje? Levantou sonolento,sentou-se na cama até o cérebro dar partida, procurou sem olhar tateando com o pé o chinelo na beira da cama e com custo achou...Levantou-se e foi ao 244


banheiro,a penumbra e a visão turva do sono ainda o embalavam naquele nascer de sol...Ao entrar no banheiro,fez xixi e depois foi a pia lavar o rosto,havia um bilhete no espelho... -Hoje é dia de depositar a pensão pra Degliane,não se esqueça! Era a sua letra,era a casa de beira de rio,tudo estava como antes e novamente agradeceu aos céus por tudo não ter passado de um sonho...Dirigindo-se a cozinha passou um café para tomar enquanto ia para o quarto se trocar de roupa,ao colocar a calça enfiou a mão no bolso da calça e viu uma lista de coisas que teria de comprar. Assustado,ao ver que era para o “trabaio de feitiçaria” que o catimbozeiro lhe havia pedido,voltou a cozinha... Tomando o café vagarosamente ele olhava pra aquela casa velha e esquecida e começava a se lembrar de tudo que lhe havia acontecido até então de toda a sua vida...Foi tendo flashbacks do sonho que teve durante a noite e pela primeira vez os pensamentos tinham ordem certa,tudo muito claro em sua mente... O destino havia falado com ele,lhe mostrado o seu plano maquiavélico pra derrubar o”xucro” Éderson e tudo que resultaria disto... Pela primeira vez João começou a pensar na sua vida e levar em consideração se valia tanta coisa por uma ambição desmedida que só tinha trazido angustia a sua alma até então,se antes sem esforço algum ele havia sido milionário por duas vezes e jogado tudo fora por descuido... Começou 245


pedir perdão a Deus,porque como o”filho prodigo”ele havia recebido a sua herança por duas vezes e a desperdiçado,fazendo muitas pessoas sofrerem com isto e causando sofrimento a ele mesmo... Numa decisão radical decidiu que abriria mão da sua ambição de ficar rico a qualquer custo para ter apenas a sua alma e ser dono da sua vida pela primeira vez... Era uma bela manhã de sol,chamejante ele aquecia o seu coração e ele sentiu um contentamento em sua alma que nunca havia provado...Ele havia se perdoado e pedido perdão a todos que prejudicou,começou a arrumar as suas roupas dentro de uma mala e colocou as coisas dentro da velha Brasília... Se despediu da casa agradecendo por ela ter lhe acolhido num momento tão difícil por duas vezes e foi trancando todas as portas e janelas dizendo a ela que iria embora procurar a sua paz...Passou num posto,encheu o tanque e pegou a rodovia sem se despedir de ninguém e sem destino,foi sumindo até a linha do horizonte... Sr Apragildo o sindico ficou folgazão a principio pelo abandono de serviço: -Pelo menos não vou ter de pagar a rescisão a aquele baba-ovo! No entanto Degliane,recebeu tostão por tostão,seu advogado e noivo quase arrancou a cueca de Sr Apragildo pela cabeça e ele acabou pagando até o que não devia pelos danos mentais que devia ter causado em João por largar tudo assim. 246


Degliane”La mujer de sangre caliente e nervioso”, tinha algumas economias e acabou nem dando queixa pelos inúmeros atrasos de pensão... João nunca foi encontrado e a justiça também não se preocupou muito em ir atrás de um “pé-sujo”... Foi dado como desaparecido depois de alguns anos. Degliane não se deu por convencida e colocou uma recompensa na Internet, a quem informasse sobre o paradeiro de João,mas ninguém se preocupou em responder e quando respondiam passavam trotes dando endereços falsos,disseram até que estaria no Tibete e virado um monge budista,imaginem só!. Por fim Degliane se convenceu que João devia ter sumido mesmo e ela se perguntou o porque ele teria feito isto,já que a sua causa na justiça estava ganha... •

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∗João escreveu uma carta para o meu pai muito tempo depois,pediu para não contar a Degliane sobre seu paradeiro... Disse-nos na carta que por duas vezes teve muito dinheiro e pensava que era feliz...Queridos Pais...”Quando acordei naquela manhã depois daquele sonho,vi que o destino tinha falado comigo de uma forma especial,e que indiscutivelmente eu faria tudo que tinha me mostrado e que novamente eu prejudicaria uma pessoa pela minha ambição...Eu resolvi sair de cena e por fim a loucura da cobiça que me consumia a ponto de eu não ter mais


controle sobre mim mesmo e de lamentar dia e noite por desperdiçar as oportunidades que Deus me deu. Hoje eu tenho o suficiente para viver bem e tenho a paz de espírito que tenho nenhum dinheiro compra...Sei que recebi um bom dinheiro de indenização,mas nem mexi nele,vou deixá-lo para os meu filhos mais oportunamente. Hoje percebo que junto a um desejo,vem outro desejo,e outro desejo e a frustração de nunca realizá-los integralmente,por isso não podia ser feliz! Tenho a mim mesmo e a solidão me fez bem pra eu poder olhar pra dentro de mim e ver todo mal que fazia a mim e aos outros com a minha ambição desmedida,tenho me virado bem por aqui... Quanto a Degliane,tenho certeza que se virará muito bem,não mande lembrança aos meus filhos,pois pretendo voltar ...Um dia! • ∗Degliane casou de novo e esta muito bem com seu marido advogado e sempre diz aos seus filhos quando perguntam sobre seu pai:”Era uma pessoa incrível que conseguiu sair da pobreza para a riqueza duas vezes em um pulo majestoso e voltou para a pobreza em um tropicão pífio!”. • ∗o “xucro” Éderson foi baseado no “Melador’ deste prédio,um dos sujeitos mais”malas”chatos e aporrinhadores que já conheci na vida.O nome era bem parecido alem de ser inoperante,insosso e inábil como ele,acordava muito tarde,ganhava super bem e não fazia porra nenhuma e só reclamava o dia todo dos porteiros que seguravam as buchas dele. 248


Sr Apragildo “O Cínico” Era um sujeito extremamente chato, azucrinante e irritante como eu conto na historia,tinha uma mania muito besta de descer a portaria constantemente para perguntar ao porteiro porque o portão dos carros estava aberto...Já falecido,Deus o tenha em bom lugar! • Conheci uma pessoa...Que trabalhou 25 anos de porteiro neste lugar ate aposentar,um evangélico e tenho certeza...Escapa incólume do dia do juízo. ∗Ο “cítrico” Souza(existe realmente) Era realmente ruim mesmo e se lamentou quando soube do sumiço de João: -Era um bom homem! * O personagem João Ladino,foi baseado em quatro pessoas que conseguiram coisas extraordinárias,tiraram coelhos de cartolas,fizeram coisas caírem do céu,mas depois ficaram tão pobres quanto antes...(foram meus patrões,amigos e vizinhos) •

*O edifício”New Swamp Suíte Service”,existe verdadeiramente(não com este cômico apelido) e(eu o autor) tive o infortúnio de trabalhar nele nos pavorosos tempos de FHC...Onde fui torturado psicologicamente e me baseei para narrar a odisséia do personagem João Ladino...Dizem:”Nunca diga desta água não beberei!” Mas eu espero em Deus que nunca mais tenha de trabalhar em um lugar assim,como bem dizem:”Ta amarrado!!!” 249


A historia seguinte é baseada em fatos reais contados por um amigo que não encontrava há tempos... Muitas pessoas edificam uma redoma caiada em volta de si e crêem que estão alforriados das contrariedades nubilosas do mundo que esta no exterior...Mas quando a disfarce se despenha-se,a redoma se quebra,fica tal qual um peixinho fora do aquário e não é grande a exultação quando volta a água e vê que o mundo é um lugar de martírio onde devemos olhar para as outras pessoas sem crítica bem como praticava Cristo,o homem mais desperto que esse mundo já viu... A historia é sobre um homem que juntou tudo na vida,deu seu sangue,sua alma por uma companhia, 250


construiu uma redoma para si e seus filhos e acabou se tornando um forasteiro para ele mesmo e para própria família... O aquário se quebrou,e ele se viu com a realidade frente a frente,a morte dos sonhos... O mundo capitalístico é deste modo,faz a pessoa competir e cobiçar,a pessoa começa a viver um devaneio eterno,quando é o momento de se despertar porque se levou um chute na bunda, é tão penoso olhar para realidade,que o individuo prefere cair no letargo psicológico e achar que tudo não passou de um pesadelo e assim ele cai no sono de novo...mas o sono também não vem...

“Quando a realidade se torna ilusão.” Basta!!! Eu estava fatigado!!! Não queria isto para minha vida!!! Hoje era meu ultimo dia de serviço...enquanto todos lutavam para entrar aqui e conquistar seu lugar ao sol proporcionado pelo brilhantismo do vil metal. Eu estava jogando a toalha,pedindo arrego...Dez anos trabalhando nesta empresa... Ela me deu muito é verdade,ela me 251


proporcionou tudo que materialmente tenho,todas as especializações que tenho devo a ela... Mas ela me devia mais que isso,me devia momentos em minha vida ,que não voltariam mais,apesar da culpa não ser totalmente dela. Minha cara metade por um bom tempo era a empresa onde trabalhava,ela não se chamava Verônica. Verônica minha ex esposa foi apenas uma atriz coadjuvante em minha vida,que cumpria a parte física que um monte de aço e concreto não poderiam gerar...Não a culpo por me deixar e encontrar alguém que desse o verdadeiro valor que ela sempre mereceu. Lembro-me quando namorava com ela,era um duro,andava numa bicicleta velha e não tinha dez contos pra uma pizza,mas ela não ligava para isso,sempre foi compreensiva ,afável,amiga,tive outras namoradas até mais bonitas que ela,mas era nela que eu sempre pensava. Quando arrumei um bom emprego,depois de trabalhar em muita porcaria,a procurei uma outra vez e pedi em casamento,foi a coisa mais acertada que fiz em toda minha vida. Tive lua de mel,curti minha mulher durante três maravilhosos dias na praia... Na segunda feira,voltei a rotina,os colegas me davam parabéns,eu estava feliz. Mas a minha mulher de aço e concreto começou a ficar com ciúmes...Trabalhar,trabalhar,trabalhar tudo se resumia a isto! Eram sábados,domingos,feriados,depois da hora quase todo dia,doze horas por dia,um hábito estúpido que saia 252


do nada e parecia atingir a lado nenhum. Imprescindível,inadiável ,intemporal,eram sempre as palavras do nosso encarregado Luiz Maia,um executivo aprimorado que achava fazer parte dela como se fosse uma das artérias da essência econômico e corporal da companhia. A habitação do homem era ali,sua casa? Apenas para cair no sono e engolir,figurar na parte social do contesto capitalístico,tinha uma bela patroa e três filhos que mal conhecia a ponto de não saber direito a idade de cada um e se confundir nos nomes. No entanto se lhe inquirisse de coisa da empresa como que “tal” componente, fazia parte do foguete “tal”ele discorria sem hesitar e oferecia todos as minudências técnicas... Todos ficavam pasmos e o apelidaram de “Maia o memória de mastodonte”,ele se regozijava, ele era modesto e sempre dizia que aprendera tudo ali,na raça,prestando muita atenção. A conversa animada só mudava de figura,quando lhe perguntavam: -E os seus filhos,algum deles herdou esta memória,pois certamente devem ser excelente alunos,não? -Não é necessário que sejam bons ou ruins Thiago,para isso estão em internatos particulares,para que não esquentemos a cabeça! -O professor vai passar o conhecimento dele como catedrático,não como pai, Maia!

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Maia ficou quieto,coçou a cabeça e foi atender um dos funcionários que estava com duvidas no torno C.N.C.,era mais fácil se ligar nos problemas da fabrica nos quais ele foi treinado para resolver,quanto a ser pai,deixa para lá... A mulher de Maia,Dalila era uma coroa enxutíssima,tinha uma boutique de cosméticos conhecida no ponto médio da cidade,apesar da formosura flamejante era tão gelada quão grandemente um freezer,capaz de ver alguém soltando os bofes pela boca e mesmo assim ir tomar café na padaria de frente,se lhe perguntassem:-Dalila você viu o cara que foi atropelado em frente a sua boutique agora a pouco? Ela bamboleava os seus compridos cabelos loiros tingidos e dizia após soltar uma alongada baforada do cigarro:-Isto é natural,acontece todos os dias... Virava,olhava para o fundo da xícara e soltava outra baforada como se sua alma sofresse de um eterno desalento... Quando chegava em casa,mal cumprimentava os filhos,exceto o mais novo que por uma rinite alérgica necessitava de uma atenção especial. Ela verificava se a serviçal tinha feito tudo a contento,para tanto deixava um bilhete na porta da geladeira,preso com um imã de flores vistoso,que não passava desapercebido pela atentissima empregada. Todos pareciam mecânicos,frios ,calculistas nem o totó poodle latia,passava o tempo todo dormindo na almofada da sala...

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Dalila pegava uma revista na bela cesta de vime do imponente recinto,com um esplêndido “hometheater”,colocava os pés sobre o pufe,se espreguiçava,distendia os músculos:-Crac!Crac!Crac! Talvez na tentativa de relaxar melhor...Pegava o controle ligava a televisão;Na novelinha das seis,o casalzinho enamorado trocava juras de amor,se beijavam,diziam que iam ficar juntos para o resto da vida...Apertava o zapping do controle remoto e passava para um outro canal: Um casal brigava,rolava pelo chão e o apresentador tentava chamá-los a razão que era preciso um acordo,tudo bem que não se gostassem mais,era um direito deles,mas que saíssem da situação com dignidade e o pau quebrava mais ainda com ofensas múltiplas de tudo que é lado,inclusive da platéia que gostava de ver o”circo pegar fogo”. Nada abalava o coração mecânico ou a mente computadorizada de Dalila que via tudo como normal,corriqueiro,passageiro... Enquanto isso na fabrica ,Maia partia para a hora extra,ou como ele dizia:”Agora é que vou ganhar dinheiro amigo!” Eu via tudo aquilo com asco,aversão e medo...Será que iria virar um autômato com o tempo? Não via hora de terminar o expediente e correr para os braços de minha amada Verônica. Faltavam dez minutos para acabar o expediente,como um gigante que parecia dormir acordado,o ruído incessante das artérias 255


produtivas iam diminuindo,parando,algumas permaneciam com o chiado chato e caracterísco...E lá vinha Maia com sua lista do corredor da morte: -E aí Thiago vai ficar até mais tarde hoje? -Não seu Maia,eu me casei a quatro dias,ainda estou curtindo minha esposa! Maia saiu dando risada e disse:-Rapaz nem me lembro mais do meu matrimônio,foi a tanto tempo... Chegando em casa minha esposa me esperava com um soberbo rega-bofe,a luz de velas,com vinho e peixe,sempre fui brincalhão e perguntei: -Esquecemos de pagar a conta de luz? -Não meu bem,é uma ocasião muito especial,tenho uma coisa muito boa para lhe contar... -Já sei! Ganhamos na loteria? -Melhor que isso! -Então...Bom...Já sei! Ganhamos no sorteio das casa populares? -Tão bom quanto isso! -Uma “Ferrari Enzo” zero bala? -Melhor,porque a Ferrari esta muito longe e isto muito perto...Vou lhe dar uma pista,é algo que você me pedia muito! Pensei,pensei,pensei e soltei meio sem querer:Verônica,não me diga que você esta grav... Ela nem deixou eu completar o verbo: -Sim estou grávida!

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Fiz um alvoroço alucinado,como se o Corinthians marcasse aquele único gol que lhe daria o titulo aos 46 minutos do segundo tempo,fiquei tão feliz que comecei a chorar. Me ajoelhei e beijei a seu ventre com muita veneração,aquele fruto do amor tinha sido plantado justamente por mim,ele seria a prova viva que eu acertara a minha decisão de compartilhar a minha vida com aquela mulher que tanto desejei nos momentos de solidão,comemoramos á noite toda. 5:00,o relógio retumbou seu zumbido chato que ecoou pelo quarto,mais parecendo um sirene de bombardeio. Homem casado tem suas obrigações,levantei com maior cuidado para não acordá-la,ela quis levantar mas não deixei:-Não esquenta a cabeça querida,tomo café no serviço! Ela virou para o lado sorrindo,gemeu um pouco e se pos a dormir,dei-lhe um beijo na testa e parti para o ponto de ônibus. Estava tão feliz,queria contar a todos meus amigos,mas ao entrar no ônibus,as cortinas serradas e o silencio sepulcral me remeteu ao mais tépido e recôndito:“Ninguém esta interessado na sua felicidade,cale a boca seu chato”... Minha felicidade incomodava minha esposa de concreto e aço que exigia minha inteira dedicação a ela,era seu ciúme brutal que me corrompia pouco a pouco... Na sala do projeto,discutíamos,debatíamos,fazíamos contas,qual era a melhor solução para aquela peça... 257


Maia,olhava a tudo e sempre dizia gesticulando:-Vamos fazer,assim, e assim que vai ficar bom,o torneiro diz que fica depois da hora para fazer a peça se for preciso. Quando chegou a hora de terminar o expediente eu nem percebia estava tão absorvido pelo novo projeto,que esqueci de tudo o mais.Ao traçar do ultimo rascunho o ponteiro marcava 21:00,fiquei pasmado e disse a Maia nosso chefe: -Rapaz nem percebi a hora passar... -Assim que é bom!-Disse ele e completou:-Ganhamos dinheiro sem nem perceber! -Não é bem assim,Maia,estou esgotado! -Que isso rapaz,você é novo,só tomar um banho e descansar um pouco e estará zerado pra amanha! Sexta-feira,ultimo dia da semana e lá vinha o Maia com sua indefectível prancheta:-Como é Thiago,vai dar uma colaborada no final de semana? -Não Maia,vou ficar com minha esposa e também tem o jardim que precisa dar um trato... -Porque você não paga alguém para fazer isto? -E o prazer de fazer,não conta Maia? -Prazer eu tenho quando vejo o extrato do meu banco ou o cartão cheio de horas-extras! Mas Maia intoxicado pelo veneno aposto pela sua cara metade de argamassa e ferro,me inoculou com sua picada fatal... -Escute aqui Thiago,não gostaria de lhe dizer isto,mas,veja bem,sua esposa esta grávida,você vai precisar 258


de dinheiro para o enxoval e amigo”facão”por aqui é algo difícil,porem acontece justo na hora que mais estão precisando de dinheiro... -O que você quer dizer com isto? Corro o risco de ir para rua só porque não faço horas extras e o horário de trabalho? Serve para que então? -A quem você pede ajuda na hora do aperto,aos amigos,ou aos inimigos? -A resposta é mais que coerente,Maia! -Então amigo,uma mão lava a outra,quem ajuda nas horas difíceis,será ajudado nas horas difíceis! Mesmo assim não fiquei de hora extra,deu o sinal fui embora cansado,pensando no que Maia havia falado...A toxina começa a se arrojar pela fluxo sanguíneo da minha alma ,mas não chegava ao cérebro para destruir a resistência porque o anticorpo da liberdade lutava bravamente! No segunda feira,todos estavam lá,trabalhando a mil,correria pra todo lado. Os jovens mantinham a maquina azeitada e zunindo,produção a todo vapor. Novos projetos,novas encomenda,todos cheios de esperança que iriam ficar por ali durante muito tempo... Idéias novas aplaudidas,coquetéis pelo abertura de novos contratos,destaque nos meios de comunicação social,tudo ia tão bem que parecíamos andar por uma auto-estrada de prosperidade ladrilhada com ouro e sem semáforos demorados ou meganhas encrenqueiros...

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Mas comecei a ver que as coisas não eram bem como Maia falava”Ajuda a corporação e ela te ajudara”!. Na pratica as coisas funcionavam numa grande empresa não funcionam como uma religião onde todos que seguem são salvos,ou algum clube onde você é aceito após alguma avaliação...Devido a um atentado a bomba num país do oriente onde morreram muitas pessoas,muitos contratos de compra foram cancelados. A empresa fazendo seu papel de não-deus,fez seu juízo final e um monte de gente foi para rua...Pais de família,jovens cheios de sonhos e acomodados. Na segunda-feira quando entramos para trabalhar,haviam soldados para todo o lado guardando tudo,afinal algum “desempregado-terrorista” poderia causar uma explosão e destruir algum precioso patrimônio,mas nada disso aconteceu,como sempre foi feito grande estardalhaço pelo “demônio-social”chamado sindicato. Ninguém ligou e ao longe se escutava as lamurias do ruidoso alto falante que discursava inflamado:”Qual seria o destino das pessoas que ficaram desempregadas?” Um ar de morbidez infectava o ambiente,fazendo um silencio sepulcral,passou-se dias até se desfazer a nevoa de tristeza,mas como os mortos são esquecidos... logo todos se esqueceram do acontecido e enfiaram a cara no trabalho... Curioso perguntei para Maia:-Você não disse outro dia para mim que os que colaboram com a empresa serão lembrados na hora do aperto? E emendei:-Tinha muita gente melhor que nós que foi para rua e quando chegar a nossa vez? Para não ficar sem resposta ele disse: 260


-Thiago as coisas são assim,quanto a demissão deles,precisam mais de mim do que deles! -Quero ver quando acontecer como vai ser Maia... Maia era o exemplo de exclusivismo,”viva eu e f...-se os outros,mas por sorte não era mandado embora,este era o seu segundo emprego,antes tinha trabalhado numa “gata”como usualmente se chamam as pseudo empresas terceirizadas que se transformaram em novos platelmintos parcimoniosos. Funcionava assim; O sujeito era um “grandão”em determinada empresa,quando estava para se aposentar lhe ofereciam a oportunidade de criar uma empresa para fazer determinada peça ,cediam o ferramental e ele contratava um monte de estagiários de faculdades,que lhe desenvolvia um projeto a baixíssimo custo. A firma montadora ganhava,desativa seções e empregados;A firma fornecedora ganhava,como era menor,pagava menos impostos salários menores e tinha mão de obra qualificada a baixíssimo custo;Os empregados? F...-se eles,iriam para a firma menor,ganhar menos,fazer o mesmos serviço que na grande empresa que serviram... A nova onda agora era a “Maximização de lucros”,gasto mínimo lucro Maximo,mas é assim,vai sempre ser assim... Maia era tão baba-ovo que não demorou muito para chegar a encarregado na firma pequena,por sorte foram com a cara dele e começou a fazer parte da”panela”,pouco tempo depois foi absorvido pela grande empresa e permanecia lá há 30 anos,se casou por oportunidade com Dalila que viu nele um bom partido. Única filha mulher de uma família pobrérrima de 261


12 filhos,foi um achado quando numa das raras férias de Maia se trombaram numa festa,ela nunca ligou para romantismo e para piorar tinha o péssimo habito de se envolver com homens comprometidos ou de índole contestável,foi um acaso do destino quando aquela mulher bonita aceitou o belo chuveiro de brilhantes,casaram-se seis meses depois... O tempo passava e cada um cuidava de sua vida,Maia na grande empresa subia postos,Dalila se dedicava a cosmética,e assim faziam um pacto de boa convivência porque quase não se encontravam. Os dois levantavam cedo iam para o serviço e se encontravam a noite na cama cansados. Por obrigação moral e sobrevivência de genes,tiveram três filhos que recebiam esmerada educação desde novos,não davam trabalho algum,exceto pelo mais novo que sofria de rinite alérgica,mas bastou trocar os carpetes e as cortinas e o problema foi satisfatoriamente resolvido...Por hora! O tempo foi passando,horas,anos,décadas e Maia enterrado no serviço,de vez em quando encontrava com ele no banco,perguntava se não tinha saudades do serviço: -Nem em um milhão de anos Maia! -Quero ver o que você vai fazer quando as coisas apertarem... -Com o dinheiro que guardei dá para sobreviver modestamente e vou fazendo uns trabalhinhos aqui e ali...Vendo meu filho crescer... Maia saiu rindo,mas haveria o dia das lagrimas ,do choro e que a mascara cairia e ele acordaria para a realidade nua e crua do mundo... 262


Muitas pessoas pensam que nunca vão ficar velhos,que nunca vão morrer e vão vivendo inconscientes a tudo e acumulando riquezas dia a dia,como num campo de batalha,Maia seguia firme com seu fuzil na mão,enquanto muitos tombavam mortos ao seu lado... Um dia...um infausto dia para Maia:”Aposentadoria”...Maia dizia que preferia extinguir-se trabalhando a ficar em casa sem fazer nada,que se sentiria inútil,definharia a exaustão dizia ele... Com pena e por reconhecerem que ele havia feito muito pela empresa deram-lhe um cargo de supervisão,para que fizesse menos esforço,afinal já estava com 55 anos,não era mais um menino... Pediram a ele que fosse supervisionar uma subsidiaria em outro estado,ele não gostou da idéia,mas como lhe deram um carnudo acrescentamento de ordenado e também por achar que tinha uma divida de gratidão com a empresa que por fim,não o colocou na geladeira,como ele definia a jubilação,topou... Dalila se mostrava irredutível,não queria ir de forma alguma,argumentou que tinha uma clientela,amigos,que jamais largaria tudo que conquistou duramente. Seus filhos não foram difíceis de convencer: Amanda a “mãe-solteira idealista”achava legal conhecer outro estado,principalmente por ter praia e balada a vontade. Romeu”o porra-louca”não fazia questão de nada...”Tanto faz” dizia ele que estava desempregado há bem tempo e vivia de biscates. Amadeu o “super-crente”estava envolvido com as obras de fé do templo e pouco se importava com dinheiro. Maia 263


ofereceu carros,dinheiro,comércios e outras coisas, Não aceitaram,preferiam tudo com estava... Mesmo assim Maia se deslocou para firma nova,pegou o avião e nem olhou para traz:-Se eles querem ficar,problemas deles...Dalila? Há muito não temos um casamento é mais uma sociedade ! Ele largou tudo que construiu para traz sem arrependimento e foi trabalhar na nova firma. Cheio de gente nova,falando inglês e espanhol fluente,novas padronizações de produção. Maia começou a se sentir deslocado...”Como aquele sujeito que ninguém gosta,mas mesmo assim vai a festa”. Tentou aprender,mas era tudo difícil demais para aquela mente sem criatividade,que funcionava através de padrões...Chamavam-no de “coroa”,que ofensa! A cabeça branca não lhe parecia sinal de respeito,mas decrepitude,Maia via que sua utilidade estava chegando ao fim,a ultima seiva havia sido sugada... Dalila continuava na clinica de estética,tinha ganhado tanto dinheiro que não sabia nem o que fazer com ele. Influenciada por uma revista,fez lipoaspiração,colocou silicone,uma “funilaria de responsa”. Ela não era feia mesmo com a idade que tinha, 50 anos, e um rapaz que fazia limpeza de peles constantes,começou a dar encima dela: -Largue a mão garoto,eu posso ser a sua mãe! Ele insistiu tanto,tanto e tantas vezes que ela decidiu sair,apenas por amizade e também para ter o que fazer...Foram a um chique restaurante da cidade,o rapaz que tinha quase 264


seus trinta anos era charmoso,educado e amável e se chamava Carlos. Puxava a cadeira para ela e todos no restaurante olhavam para Dalila,ela achava-se ridícula saindo com um rapaz tão novo,mas não era por isso que olhavam. 1.75 de mulher,loira,não tinha barriga,bronzeada,olhos azuis e ela percebeu que era bonita,se sentia bonita e lisonjeada pela cortesia do rapaz. Naquela noite Dalila sentiu um amor-próprio que jamais havia sentido conscientemente: -Devo estar muito bonita para aquele rapaz me olhar e elogiar tanto... Parou defronte ao espelho e se olhou demoradamente...Três filhos,sem estrias,sem barriga:-Nossa sou um tesão de mulher! No outro dia estavam um maço de rosas rubras e um cartão rosa com um belo poema e um telefone...Ela hesitou muito,pensou que seria só aventura,que o”carinha”como ela dizia,queria só tirar um sarro. A monotonia tomou a decisão por ela,Maia só vinha nos finais de semana e mal conversava. Ela ,Dalila,nunca gostou de infidelidade,mas se sentia traída pela eterna ausência de Maia. Carlos de tanto insistir,conseguiu sair de novo com ela e na volta do baile lhe deu tantos amassos,que ela se sentiu como uma estudante namorando escondido dos Pais e gostou da brincadeira,mas se relutou em entregar-se duma vez,porque queria mostrar-lhe que não era tão fácil...

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No fim de semana,Maia veio para casa e confidenciava a Dalila que estava difícil acompanhar a opinião dos mais jovens,mas que o desafio era instigante,ela não ligou muito e balançava a cabeça concordando,na sua face um sorriso de satisfação começava a se delinear. Na segunda feira Carlos fez marcação cerrada,não deu moleza a Dalila queria que ela conhecesse seu apartamento novo,ela topou mas sabia que o abate seria inevitável. Mas ao contrario, o rapaz era fino,lhe mostrou seus”Van Gog”,”Portinari”e outras obras primas. Ofereceu-lhe um bom vinho,ela aceitou por educação,ficou um pouco alta e começou a esmorecer nas investidas do rapaz que eram cada vez mais fortes. Beijaram-se durante horas e Dalila disse:-Se você me quer também estou afim,mas acho que vou te decepcionar porque estou enferrujada... Carlos riu e disse:-Então vou dar uma lubrificada nesta maquina! Ele começou bem pausadamente,para que ela se soltasse,no começo ficou com embaraço,mas depois foi se soltando aos poucos e sentindo as sensações que vinham...Seu coração começou a se acelerar,suava feito louca,gemia,arfava e chorava,teve um orgasmo tão brutal que quase desmaiou...ficaram abraçados. No outro dia,todos falavam que até sua pele estava mais bonita,que creme ela estaria usando perguntavam todas amigas: -Imagine não é creme,são os seus olhos! -E este sorriso de satisfação? 266


-Acho que me sinto bem hoje... Ela começou a gostar da brincadeira com o rapaz e se entregou sem esperar nada em troca,se ele arrumasse outra,pelo menos ela tinha curtido. O tempo passava e Dalila se envolvia com o rapaz,fazia tudo que ele pedia...As mais loucas fantasias,se vestia de enfermeira,de camareira e Carlos detonava com ela no final: -Credo garoto,assim você acaba comigo,não sou mais menina! -Não te troco por uma menina Dalila,elas não me fazem sentir homem como você faz! -Lisonja sua, não sou tudo isso que diz... Maia se enterrava no serviço,fazia horas extras e se sentia cada vez mais inútil:-Esse negocio de falar inglês e espanhol é o fim do mundo,não estamos no estrangeiro...Estamos no Brasil! Infelizmente as pessoas envolvidas não compartilhavam sua afirmação e diziam:-É a globalização Maia,e é inevitável! Maia não se achava obsoleto,mas a firma achava que ele estava,uma maquina pode ser trocada por uma mais eficiente,mas um ser humano pode ser trocado por muitos outros e com um menor salário... Numa empresa é tal qual um navio rude numa tempestade,e se para continuar boiando e sobrevivendo tiverem de jogar alguma coisa ao mar... eles jogam sem pena...É claro que estou usando uma metáfora para explanar o que vai se ocorrer... Devido a alguns contratos desfeitos,houve uma reunião de emergência. Para contenção de despesas adotaram uma 267


medida corretiva”a reestruturação do grupo de funcionários” e novamente um montão de gente levou um bico na bunda e Maia foi no arrasto... -Pelo amor de Deus,fiz tanto por esta empresa e agora é isso que recebo! -E os outros que foram,não conta Maia? Lhe disse o diretor e emendou: -Rapaz,você trabalha desde os dezessete anos,já esta com 55 e ainda quer trabalhar?Vá curtir a vida e deixar a chance para os mais novos? -E eu como é que fico?Tenho tanto conhecimento poderia ensiná-los... -Maia,tem rapaz de 30 anos que sabe muito mais que você e não fica botando banca...Vá descansar homem,já fez demais... Maia se sentia desolado,traído e vencido... -Agora é só fechar a tampa do caixão... Encontrei com ele no banco com um extrato gordissimo na mão e chorando como uma criança: -Maia o que aconteceu,morreu alguém da família? Com a voz embargada pelas lagrimas ele parecia anunciar algo como alguém que tivesse feito um exame de HIV e dado positivo: -Thiago,você faz tudo para ser o melhor se dedica de corpo e alma e olha o que recebo... Olhei nas mãos dele uma carta toda amassada,deu o maior trabalho para abrir achando que seria um certidão de passamento...Não agüentei na hora que vi que era sua

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demissão,um monte de zeros e comecei a rir desembestadamente. Maia se indignou: -Puxa Thiago,pensei que você ia me dar apoio e você ri da minha sentença de morte? -Você já morreu faz tempo Maia e nem consciência disto tem... Virei as costas e fui embora gargalhando,Maia ficou pasmado com a resposta mas não perguntou nada... Saiu no seu belo carrão,como se dirigisse num velório...Bem devagar,atrapalhava o transito,sua alma estava embargada de amargura pelo duro golpe que sua mulher de concreto e aço lhe aplicou...A união tinha chegado ao fim,não teve Ricardão,nem traição,simplesmente o mandou embora como se não servisse mais... Chegou em casa arrastando-se,sentou-se no belo sofá de couro e ligou a televisão,mudava de um canal para o outro com tremendo dissabor,deixou num canal qualquer...Era um filme de um sujeito que ficava sozinho em uma ilha após um naufrágio,sem relógio,sem comida,sem nada para fazer. Tinha de se virar para comer,olhava as horas,mas o relógio cheio de água parou no momento do infortúnio,no bolso um maço de nota de dólares e ele as jogava para o ar compactuando com a inutilidade delas,mas por fim as usava para acender um fogo e assar alguns peixes que com custo pegou...Abria a carteira e via a foto de sua família e chorava de saudade. Num monte de efeitos especiais,”Flash-back,s”do casamento do ato de nascer de cada um dos filhos,da primeira vez que ouviu a palavra pai... 269


Maia via o filme como uma extensão de sua vida,se sentia sozinho e abandonado,como o sujeito na ilha ele sentia que nada poderia fazer...chegou a noite. Dalila passou por Maia e nem cumprimentou,subiu as escadas e desceu pouco tempo depois...Tentou falar que estava indo embora,Maia nem ligou,fez um gesto de adeus com as mãos...Dalila foi viver com Carlos! O mundo desmoronava em torno de Maia,tudo que ele acreditava virou pó,ele estava infeliz...Nada lhe importava mais,se a morte quisesse lhe buscar ele estava apostos... Maia estava imóvel há oras,tinha perdido a sensação de tempo,a programação televisiva tinha chegado ao fim,para ocupar os pensamentos pegou um filme por um acaso, caído, na cômoda da televisão e colocou no videocassete,ficou pasmo: Era um filme pornô,destes vagabundos e adivinhem quem era atriz principal? Sua filha Amanda,fazia com um ,com dois e até três ao mesmo tempo,Maia ficou estatelado...E a fina educação em colégios de freira tinha servido para que? Todo o dinheiro gasto em aulas de inglês e modelo para ser uma p...! Maia estava bobo,sua filha,sua filhinha,aquela menina peralta que corria pela casa feito um ratinho não era mais uma moça... Era o resultado de uma educação ausente...Subiu ao quarto de Romeu para ver se o encontrava para conversar,precisava conversar com alguém desesperadamente,contar tudo que lhe acontecera ou talvez remendar o passado com um filho que havia sido tão rebelde,que por vezes discutiu e bateu de frente com o pai que não se importava com o que ele pensava. 270


Maia se perguntava porque nunca pensou no que Romeu lhe dizia: -Pai este negocio de o senhor viver para a firma vai lhe custar muito caro um dia...Escute o que eu lhe digo! O quarto tinha um cheiro estranho de mofo,de mato molhado meio adocicado,parecia incenso...Não foi pequena a surpresa quando por um acaso abriu uma gaveta e fraglou uma “vela”colossal! Não,não é que faltava luz na casa...Era uma “tchora de maconha sarada”mesmo...Maia começou a entender porque sempre vinha recados dos professores...Mas ele assinava e deixava sobre a estante:-Já tenho problemas demais e pago para não tê-los. Pegou aquela thcora de erva e acendeu,deu uma longa tragada e segurou nos pulmões,já tinha ouvido falar do entorpecente nas palestras da fabrica e tinha um subordinado que havia passado pelo problema...Nada adiantou,ficou mais unjuriado ainda e com uma tremenda dor no corpo,como ela é um relaxante,revelou toda tensão que Maia vivia... Ficou com uma tremenda vontade de “praticar um sexo”...Quando ele entrou no seu dormitório,se deu que Dalila havia desamparado para sempre,num”flash-back”lembrou-se que ela estava com outro e só os retratos solitários juntavam pó em cima do criado mudo. Um isolamento feroz tomou conta daquele homem ,ele chegou a remate de que era um “ nenhum”,que coisa nenhuma o preenchia como ser humano,era uma maquina arcaica encostada pela corporação pronta para enferrujar até a extinção num adeleiro carcomida pelas lembranças de um 271


passado de glorias esquecidas...O que mais faltava para lhe dar o golpe de misericórdia? A punhalada inevitável que poria arremate aquele martírio que parecia se embolar como uma mortificação assisada... Ele queria respostas que nunca se fez:”Quem ou o que era ele?”;”O que fazia sobre a terra?””Se estava num sonho,porque não acordava?” Foi ao quarto de Amadeu e revirou todas as gavetas que pode numa fúria enlouquecida tentando achar as respostas para perguntas que estavam anos em suspenso,mas que ninguém havia ousado responder ou muito menos preocupado-se com isto...Achou algumas fotos e se estabacou de vez,justo ele,o mais quieto era...Homossexual . Aparecia em diversas fotos beijando outro homem. Maia a esta altura era a revulsão em pessoa,pegou um taco de baseball e começou a destroçar tudo que achava pela frente,quebrava e arrebentava tudo como se pudesse arrancar do seu ser a grande dor que dilacerava sua adormecida alma...Fumou o resto do cigarrinho de maconha,sentou-se numa cadeira de praia e assistiu langorosamente a montanha de lembranças no jardim do fundo...jogou gasolina e meteu fogo em tudo. Mais um dia se passou,todo as lembranças queimaram até as cinzas...Retratos,roupas,provas de um passado,por um instante ele se sentiu novo como se uma lavagem cerebral houvesse removido todo o passado e o tornado alvo e limpo como um lençol de hospital,mas o ego tratou de lhe lembrar em minudencias quem ele era,e porque estava ali... 272


Voltou para sala...Sua mente dava reviravoltas,não via sentido em mais nada...Sentou no sofá e pos se a chorar como uma criança...Se sentia um lixo! Começava a entender aquilo que Thiago falara,”Você já esta morto,só não se deu conta disso ainda”. Maia via que tudo que construiu era utopia,que achava que a felicidade podia ser comprada como qualquer outro produto em um shopping,que a bendita firma tinha roubado sua alma e só agora ele se dava conta...Se sentiu mesquinho,pequeno,egoísta... Começou a lembrar das pessoas que tinham lhe pedido ajuda,que encontrava por um acaso na rua no maior aperto e ele lhe virava a cara como não se importasse,hoje ninguém se importava com ele,não adianta babar o ovo,não havia ninguém para elogiar,ninguém para lustrar seu ego... Perdido em pensamentos nem viu que já eram altas horas da noite e nenhuma pessoa estava em casa...Se sentiu como o sujeito da ilha...Ele estava com sua essência,aquela que trouxe quando encarnou e se sentiu bem... Daquele turbilhão de pensamentos e ilusões,surgiu do nada,uma figura fantasmagórica cheia de engrenagens,paredes de tijolo e fazia diversos rangidos quando andava,se aproximou de Maia que lhe olhava incrédulo,com uma voz estridente e metálica disse : -Maia vou te devolver tudo que te roubaram! -Como,só tenho esta vida e você não é deus! -Sou deus sim,pelo menos para você fui e te vendi minha divindade,tudo que tem deve a mim...

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Transportou Maia para uma velha fabrica onde todos trabalhavam em ritmo frenético,ele gostou e entrou tentando ajudar um menino a catar alguns parafusos que caíram no chão...Um feitor veio e o chicoteou muito e Maia ficou indignado:-Para que bater no rapaz deste jeito? -Porque ele esta obsoleto e vai ser reciclado para se tornar eficiente... O feitor o jogou na esteira,ele se sentou e aceitou o castigo,entrando por uma maquina grande e barulhenta saiu do outro lado na forma de um robô... Maia ficou pasmo,tinha alcançado o inferno que tanto lhe falaram no catecismo e ele nunca acreditou. Tentou correr,mas um robô lhe alcançou e lhe meteu varias correntes,onde ficou amarrado a uma maquina e lhe foi avisado:-Tem de produzir ou vai ser reciclado! Foi ao limite do esgotamento,pediu para descansar,mas o feitor lhe deu uma chibatada nas costa de arrebentar:-Você adorava fazer os outros trabalharem direto,apesar deles reclamarem e agora esta reclamando de cansado,quer ser reciclado? No limite da exaustão Maia gritou a Deus:-Não agüento mais,me tire deste inferno! Uma luz muito branca o envolveu e o jogou de volta a sala: -Minha vida toda foi uma ilusão,agora entendo como desperdicei minha vida... O demônio –maquina apareceu,mas Maia o enfrentou com coragem de menino, desapareceu atravessando a parede e se fundindo com ela,Maia se recostou no sofá,não conseguia dormir,não conseguia sentir paz,uma 274


ansiedade acelerava seu coração a todo momento,até que chegou um momento onde batia tão rápido que Maia já esperava pela morte eminente e se regozijava,afinal teria paz porque tudo aquilo havia sido um sonho... Não lhe importava mais nada,que viesse a morte...Na culminância,quando ele achou que o fim esta próximo,que um ataque cardíaco fulminante poria fim aquela agonia,ele fechou os olhos e tentou entrar dentro de si,procurou por muitas coisas boas,lembranças que valessem a pena, até que achou a fonte primal,onde bebeu um dia quando estava para vir a este mundo...Se recostou,e esperou pela morte sorrindo,acenando para ela...Aconteceu o contrario,foi tomado de uma paz muito grande,como um gozo esvaído ele se esparramava. Uma luz branca tomou conta do lugar todo de dentro para fora...Maia havia alcançado a iluminação de Buda e era a paz em pessoa,nada mais o afligia,nada mais importava,ele estava tão consciente que resolveu sair para andar pela rua...Chovia grossamente e ele aparava a linfa com alegria,deixou a chuva abluir seu corpo de toda a amargura. Voltou para casa e o telefone tocava insistente há horas... Romeu havia sido pego com tóxicos e estava na delegacia,Maia tomou um banho .pos uma roupa e se dirigiu ao distrito,conversou com o delegado e contou sobre sua atuação ausente como Pai e reconheceu que havia errado muito... Saíram de manhã,Romeu estava quieto e encabulado,quis discutir para se sentir melhor,mas Maia interveio:-Pode falar o

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que quiser meu filho,tenho todo tempo do mundo para te ouvir... Ele escutou atentamente tudo que Romeu lhe falou,não interveio ou recriminou nenhuma vez,mas chorou muito quando Romeu lhe disse: -Puxa Pai,o senhor não me viu andar,não me viu dizer as primeiras palavras,não me perguntou nem sobre o meu primeiro dia de aula... Maia não lhe disse uma única palavra,abraçou-o e sentiu todo a sua carência e o inundou com um verdadeiro amor de Pai...Choraram juntos. Maia encontrou depois seus outros filhos;Amanda e Amadeu e não os recriminou por nada e ainda disse:-Vocês tem liberdade de fazerem o que quiserem daqui para frente,meus filhos! Quanto a Dalila,Maia a encontrou na assinatura do divorcio tempos depois,fez questão de abraçá-la e recomendou a Carlos:-Ame-a muito,não é todo dia que uma mulher destas aparece na vida de um homem! Se casaram tempos depois numa bela cerimônia,com muitas flores e uma grande festa. Maia fez questão de comparecer e deu um belo presente,com seus três filhos ele estava realizado e completo,dava para ver em seu rosto um brilho diferente... Quanto a mim,comprei um quiosque de beira de praia onde vejo muita gente rindo,conversando de bem com a vida ,a propósito encontrei com Maia desfrutando o sol numa bela cadeira de balanço,me abraçou quando viu e diz que agora entendia tudo... 276


-Muitas pessoas já morreram Thiago...Só não sabem disso,vou aproveitar o resto dos meus dias para conhecer meus filhos e também a mim mesmo! Mayya existe mesmo,mas não vou lhes contar em quem me baseei pra fazer o personagem... •

Esta historia é uma das mais escrotas que já ouvi.Trata-se de uma aposta envolvendo dois seres humanos que se dizem pensantes. É a ancestral batalha dentre o ego e o eu que tiram o homem do caminho da iluminação interior, da verdadeira busca a Deus...Quando Judas atraiçoou Jesus o vendendo,provavelmente o ego lhe disse que não era dolo oferecer alguma pessoa que queria subverter a ordem das coisas estabelecidas. Mas em seguida que Judas perpetrou o ato, o ego tal qual um político deixou cair sua mascara...O “eu” lhe expôs a falha distinguindo sem indulgência que ele tinha abdicado de um conhecimento dado por um mestre, em prol do conhecimento do mundo e este se mostrou vazio e estéril...Um desgosto começou a carcomê-lo,já que Jesus não era alguma pessoa,mas sim O Homem que valia por muitos homens. Judas arrependido,experimentava o vozear da razão agora que lhe censurava por uma ação tão abominável,porque Jesus não era meramente um homem. Para contornar a circunstância num obra 277


de demência extraiu a própria vida...Muitos especialistas dizem que presentemente queima no Érebo...Que seja,mas se Deus não perdoar,quem pode absolver? Judas cometeu um gravíssimo deslize,mas Jesus sabia que ia ser traído e sabia por quem,não seria apenas Judas um figurante no grande desenvolvimento da história? Se não fosse ele ,possivelmente seria outro? E quem seria o outro? Se nem Jesus julgava,nem nos devemos... Me contaram esta historia da aposta quando estava cursando o segundo grau,sobre dois sujeitos e uma bela garota,é tão ridícula que fica até difícil fazer algum comentário filosófico a respeito disso...É tanta inconsciência junta, que o próprio letargo cerebral acaba justificando a tosquice de tudo...Mas não justifica o erro só nos leva a pensar o quanto somos ridículos e achamos ser especiais...

Assim como qualquer final de tarde,onde a estafa da semana de trabalho descansa-se num esplêndido vaso”tulipa”de chope,aqueles dois amigos inseparáveis desde 278


o período de meninice se aliaram para descrever lorotas,falar mal dos outros,soltar abobrinhas ,groselhas e bizus furados... Aqueles dois gostavam de contar vantagens um para o outro. Breno,mais conhecido como “Negão pegador”até que fazia valer seu apelido,embora sua fama fosse maior que os seus feitos,é bem verdade que catava algumas menininhas,desde que elas não tivessem massa craniana logicamente e espalhava sua celebridade como um político corrupto tenta comprovar sua idoneidade dizendo que se converteu e agora...”só trabalho para o Senhor”(o senhor justamente é o próprio). Vagner era mais tímido e estava noivo há algum tempo com uma garota que gostava mais de comandar do que sargento no exercito,era alvo constantes de escárnio do amigo: ”Pediu licença por documento da sua segunda progenitora Vagner?”. Todavia sacando-se o lance da moça ser mandona,folgada e de individualidade possante, no resto sobrava-lhe um pouco de predicados,se bem que não sei poderia citá-las, pois ainda não finalizei o mestrado de psiquiatria... Davam uma bebericada no chopes e apreciavam a beleza da mulherada que passava pelo passeio público em frente e teciam os escólios baixos de qualquer mero espectador do “Miss Universo”. -Olha aquela ali Breno... é um peixão! -Que peixão nada...E beija mal pra caramba!

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Vagner ficou sem graça com a observação,mas para quebrar o gelo,arrematou outro comentário: -Olha as pernas daquela ali,é uma cavala de mulher,que potranca amigo! -Você ta precisando consultar um oftalmologista mano,ela ta de meia calça e na hora que tira, da vontade de lastimar de tanto”macarrão”! Vagner ficou novamente sem graça,mas como era um sujeito apaziguado,comentou de novo: -Olha aquela,parece um chaveirinho de pequena,mas mesmo assim daria para perder uns “vinte minutos” com ela,não dava? -Depois de cinco minutos de conversa dela,você vai preferir correr uma meia hora sem parar Vagner. Outra moça vinha meio longe,mas mesmo assim Vagner arriscou: -Aquela li até que dá para enfrentar após uma boa carraspana! -É sua noiva que esta vindo seu psico! Vagner deu uma escusa e correu para o banheiro,para despistar disse que a bexiga apertou... Quando ela passou pronunciando indistintamente,olhou para Breno e cumprimentou apenas por educação e balançou a cabeça...Ele gritou para Vagner: -Pode sair da furna que o sargento já passou... -Não chame ela assim Vagner,afinal é a minha noiva! -Ta bem,coronel esta bom? -Ah...Vai se fo... Breno! 280


-Apelou bobão,vai folgar? Fala que é mentira... Vagner ficou quieto,a coleira já estava no pescoço mesmo;quer dizer ,no dedo da mão direita... Ele olhou para mão vendo a aliança de ouro e começou a pensar:”Será que não estou cagando e sentando em cima?” O que o induzia a ter estes pensamentos era a integral ausência de liberdade a que estaria subordinado caso aceitase Renata como sua consorte. Era um lance a se refletir demoradamente , ele não aceitava a idéia de se separar depois de tanto trabalho para conquistá-la... Wagner estava entre a cruz e a espada com um “ego” que aspirava peripécias de um pélago encapelado e um “eu” que demandava garantias de uma suave maresia... Desde que começou a namorar com ela há seis anos,teve de concluir a faculdade que trancou por varias ocasiões por pura lassidão. Abandonou o sonho de preparar,ou fazer renascer das cinzas o decrépito Passat geladeira e colocar um turbo,fazer um “carro de boy”,como diziam os manos. Hoje andava num “popular”quase zero que jamais lhe dava problemas,embora ele achasse o carro,assim,meio sem traços típicos o que o velho”bate-lata”tinha de sobra já que era temperamental a beça...Vivia deixando na “mão”para ser exato... Saiu de um ofício de balconista de discos no Shopping,para trabalhar no Fórum como continuo ganhando o dobro graças ao claque de Renata que lhe cobrava maior empenho... 281


Mas sentia falta do “muve”que era típico do ambiente,dos olhadores de mostruário,das minas de saia resumida lambuzando-se com sorvete de casquinha assentadas nos desajeitados banquinhos da praça de alimentação;do pessoal que saia do cine comentando o longa-metragem que ele nunca tinha tempo de assistir,pois trabalhava até as 22:00 todo dia... Das vezes quando saia rasgando no sinal com o encanecido e natural Passat azul refrigerador,deixando para traz aquele estrondo diabólico de avião. ...Tudo isto era passado para Wagner que hoje tinha conta em banco,celular,cartão de credito e um carro novo liquidado na purga-de-joão-pais...Pagava há tempos um bom apartamento,que graças a Renata estava com as prestações em dia e começava a ornamentar preparando para o dia da forca... Ele contemplava solenemente o copo tulipa e a sublime transpiração da birra,imaginava o quanto suou antes para comprar aquele velho Passat combalido,jogado na “Praça Quinze de novembro”cheio de papelão dentro onde um totó fazia a sua residência...Era próximo de sua casa,teve de comer bolacha de água e sal na refeição da noite e tomar chá-da-índia para empunhar cobre e assim tirá-lo da mão do seu velho possuidor... Saiu de casa adolescente para granjear a vida decididamente,já que em “Itamomboca”sua cidade natal, não existia muito o que se arranjar,a não ser ver o matagal

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desenvolver e ir na igreja católica no primeiro dia da semana e presenciar as mesmas caras dos mesmos jeitos... Veio residir com os tios em São Paulo que de contínuo lhe deram amparo até como pais,fez múltiplos trabalhos avulsos,de vendedor de saco cândido á tabaco contrabandeados do Paraguai e até na feira trabalhou. Renata sua namorada era uma moça um pouco estranha,neurastênica e brava a beça ,porem tinha seus períodos de doçura...Usava roupagem largas que lhe deixava o corpo elusivo e cabelo extenso com reflexos loiros constantemente amarrado,grandes lentes que desarmonizava com o semblante acanhado,aparelho colorido de correção dos dentes que lhe conferiam permanente aparência de púbere,tinha boa elevação, não era baixa nem alta,nem rechonchuda e nem esburgada . Wagner não lhe apertava para aquele”algo mais” porque fenecia de receio dela lhe induzir um chispe no pousadeiro,até para lhe oferecer um beijo tinha de requerer... Breno era uma cara sossegado,”pegador” por temperamento,desde pequeno mostrou grande dedicação para vida amorosa... Uma tia descolada o principiou aos onze anos na metodologia do amor. Com fatuidade contava aos amigos a historia da coroa”boa de cama”ainda que não desempenhase a ocupação de carpinteiro, o indicou as “sendas da conquista”... E legitimamente ele detonava com as meninas. Sempre se vangloriava em proferir que não valia

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categoricamente coisa nenhuma e nem estava atormentado com isso. Como era um”Bon vivant”curtia dar uma de Don Juan dos necessitados,para ele sendo mulher, passava a régua,não tava nem ai para foras,fossem casadas ,solteiras ou não viventes. Tinha uma velha moto que funcionava “aos trancos e barrancos”onde fazia o função do “cão alucinado”; Era um moto-boy que faturava seus trocados e seu pai ainda lhe dava um qualquer, já era extremamente bem de vida. Renata o abominava qual um demo:-Wagner este sujeito não vale coisa nenhuma,já zoou muitas amigas minhas e as zoinas ainda defendem ele! Eles eram amigos de meninice,jogaram bola juntos,iam um na casa do outro e Breno apesar de inchado sempre arrumava algumas garotas para Wagner ficar e dar uns beijos,mas ele sempre entusiasmava e corria igual insano atrás delas: -Wagner não gaste arame mandando rosas para essa tonta eu jamais dei um confeito para ela e mesmo assim vive telefonando para minha casa! -Você esta inventando isto... -Quer ver então seu Juca! Mostrava as fitas das secretaria eletrônica e os recados constantes que ela deixava:”Ah Breninho vem fazer aquele negocio delicioso comigo”! Wagner ficava louco:-Vagabunda,eu me matando de trabalhar para lhe dar aquela aliança de brilhantes que pediu e ela pulando a cerca! 284


-Estou lhe falando Wagner,não de mole para estas doidas tem que zoar que elas gostam... Mas pobre,ele não sabia como fazer isto já que seu pai e mãe eram duas pessoas que se respeitavam muito,suas irmãs também era boas moças que nunca foram iludiabriadas por nenhuma pessoa,então ele não entendia que não era justo fazer com os outros, o que ele não foi educado a fazer... Com Renata pelo menos havia uma união durável,já que ela lia muito,era de boa procedência,estudiosa,só o seu aferro irascível que era ruim de lidar,as palavras tinham de ser medidas até num galanteio. -Largue desta louca Wagner você vai ser infeliz com ela,olhe até a veste que esta usando foi ela que escolheu... -Como você sabe disto? -Porque você parece um “mauricinho”com estas camisas de manga longa,calça de linho e sapatinho de executivo...Olhe o seu relógio,parece de velho...Que asco amigo,daqui a pouco vai querer que faça uma plástica no rosto,já que até no salão de beleza vai! Wagner olhou o belíssimo relógio de ouro no braço e ficou pensando,mas depois balançou a cabeça e deu outra bicada na cerveja... Breno sempre andou”largado”,com um tênis cano alto sujão,calça jeans baleada e camiseta regata,nos cabelos desgrenhados o óculos spy parecia fazer parte do couro cabeludo de tamanho uso... Gostava de freqüentar a malhação ,deleitar-se as meninas e puxar um ferro,sempre foi bom de arranca-rabo e 285


respeitado por todos os manos. Notoriedade não lhe faltava,todos o conheciam,todas as mulheres o odiavam porque era safado,mas de contínuo ficavam com ele e choramingavam igual tontas quando lhes enfiava um bico,deixava falando sozinha,só namorou sério uma ocasião e sumiu por uns bons tempos quando a garota teve de mudar para Rondônia,dizia a todos que tinha ido morar com ela,que o sogro lhe deu tudo,mas a liberdade falou mais alto... E assim os dois amigos se topavam sucessivamente as sextas-feiras , perto da noite para fazer o happy-hour e ver a mulherada,o papo era invariavelmente o mesmo:Mulheres,carros,motos,futebol e mulheres... Wagner sem esperar conseguiu desvendar o calcanhar de Aquiles de Breno,Clarissa (a tal moça que tinha ido para Rondônia)era só bulir no nome dela que ficava sem graça... -Já disse que não desejo que toque neste nome Wagner,se quiser continuar a amizade,nunca mais fale este nome! Porque este nome mexia tanto com Breno... o que tinha demais a garota,” nem era tão bonita assim”...Pensava Wagner! Os dois nutriam um judicioso acepção de competição que é quase inerente a todo ser humano,e com relação a mulheres era assombroso. Wagner incluía olho gordo da facilidade que Breno tinha para pegar as mulheres,mas se parasse para refletir”ele pode pegar muitas,mas não fica com nenhuma delas muito tempo”...Pararia de pensar assim.

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Tinha uma garota que sempre cruzava por ali e os fazia permanecer emudecidos,era de se extasiar tanto encanto,harmonia das linhas e até ergonomia numa mulher. Pernas bem feitas,cintura estreita,bumbum lindo,cabelo loiro mediano até o meio do dorso,barriga alinhada e um majestoso semblante. A moça era um encanto peregrino no formato mais perfeito,chamava-se Mariana um nome meigo e infantil que caia bem no jeitinho dela,que fazia dos passos miúdos quase um bailado súbito. Todos olhavam para ela com entusiasmo,pelo menos os que viam pela primeira vez,os carros buzinavam tanto que os motoristas chegavam a ter tendinite. Os homens chegavam em casa com hematomas de tanto beliscão que levavam de suas acompanhantes. Verdadeiramente era uma soberba mulher,”uma em cem”,não era padrão,nunca pousou para fotos,mas certamente povoava a fantasia de muitos rapagões durante a higienização habitual...Breno e Wagner olhavam estáticos para aquele colírio,monumento,musa inspiradora dos versos mais belos já pensados pelos poetas. Assim que ela passava voltavam animados a conversa e Breno vinha contando proficuidades e mais proficuidades e pior tinha como corroborar,pois o seu celular que ficava direto desligado estava lotado de mensagens na caixa postal,para que Wagner não duvida-se deixava-o ouvir: -Não é admissível Breno,você deve dar o seu ordenado integral para estas mulheres te ligarem assim!

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Breno mostrou que era “pegador”,ligou o celular e discou para Priscila,que era uma das que mais deixava recados: -Priscilinha estou aqui no “Fim de tarde”,aquele café em face a pracinha do fórum,tem condições de vir aqui? (pausa para resposta que Wagner ouviu). -Tudo bem então,quinze minutos? Quer que eu vá te pegar...Não? Vem aqui? Um beijo! Não foi quinze minutos e o gol “bolinha” vermelho apareceu,uma morena de responsa desceu,mostrando uma bela perna trigueira. Quando ficou de pé abriu um sorriso e Breno lhe deu um beijo tão arrebatado e lhe jogou sobre a mesa de plástico do lado,foi garrafa e copos para todo lado se partindo no chão. “Matou a cobra e mostrou o pau”, pensou Wagner. Priscila ficou um pouco sem graça,ajeitou o vestido de alças e o cabelo,Breno deu um grito pro seu Toninho,dono do bar: -Pendura aí na conta que pago seu Toninho! E emendou: -E agora você duvida ainda Wagner! Permaneceu silencioso...a não ser que fosse um ajuste muito apropriado entre ambos,parecia ser fato. Logicamente ao narrar a sua nubente Renata o acontecido, ela desdenhava copiosamente: -Também com estas aí qualquer um pega,lhe avalizo que se o cara abrolhar com um Fiat 147 despenhando-se aos nacos,elas ainda auxiliam a empurrar para pegar só para dizer que estão andando de automóvel para as “amigas”...manda vir dar em cima de mim!

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Wagner ficou quieto,tinha consigo que Renata na verdade tinha dor de cotovelo... Afinal quando estudavam juntos,Breno se fazia de metido e nem a cortejava,fizeram apenas um teatrinho juntos, foi tanta briga entre os dois que a professora resolveu separá-los de grupo. Renata sustentava uma animosidade bestial contra Breno,o avocava de “abutre”,por que entendia só pegar tranqueiras,para piorar eram adjacentes de parede,porem há muito não conversavam, só saia arranca-toco... Nas brincadeiras de rua á anoitecer,se um chegava outro saia,quando nas raras vezes que brincavam de queimada,Renata dava cada pancada de estourar em Breno,ele correspondia do mesmo jeito, dando uma na lomba de queimar o couro,ela xingava a beça e ele divertiase: -Vai bobona,mexe de novo! -Dá outra quero ver se tem coragem... E era outra vergastada bem na coxa de deixar hematoma: -Seu filho da p...quero ver se faz de novo! Não era plausível que duas pessoas se detestassem tanto,embora Breno não fosse caustico em seus comentários em relação a ela,até elogiava-a as vezes aos outros:-Ela tem um gênio impetuoso que é quase impossível lidar,mas é muito capacitada e digna! Ela tinha uma irmã,Paula,muito bonitinha ,que caiu diversas vezes na pose de Breno e ele zoava tanto ela que a moça vivia em prantos,não podia nem falar no nome que começava a chorar. Se estivesse assistindo a um filme e um 289


dos personagens se chamasse Breno,pronto,abria a boca e desembestava a chorar compulsivamente. Fizeram até um pacto em família,para não tocar no nome dele,e olhem foi só uns beijinhos que Breno...Buaaaa! (Xi...esqueci me que não podia falar o nome perto dela...). Renata elegeria o extermínio incontestavelmente,ainda que Breno fosse o ultimo homem do mundo feneceria celibatária, se mesmo assim fosse sujeita a beijá-lo sob a pontaria de uma pistola,lavaria a boca com carbonato de sódio a seguir... Para Wagner era simpática a conduta de Renata: -Pelo menos não corro temerariedade dela tombar na pose dele... Os amigos se encontravam todo fim de semana para beber e comer os apreciados acepipes,como de contínuo a superabundância de criancice continuava sem interpelação,mexiam com algumas e com outras,mas quando aquela,a escultura passava,ficavam quietos... Para ter assunto,Breno mostrou a foto que uma garota havia lhe mandado,ela era muito bonita,gatissima e Wagner desdenhou: -Imagine que um avião destes ta te dando bola,é muita areia pro seu caminhão,agora forçou hein? Mas quando a tal moça,chegou na mesa e o beijou,Wagner não pode ter fé nos seus olhos:-P...que pariu Breno você tem açúcar no bimbo? -Faz tempo que somos amigos e alguma vez eu te menti? -Não,sempre você mostrou que era verdade o que dizia... 290


Wagner estava mordido,com o ego ofendido em observar que alguém podia ter tamanha estrela enquanto que ele,bom, tinha Renata que parecia desejar estabelecer uma vida a dois com ele...Picado pela serpente interior que habitava a arvore da solércia do seu encéfalo,resolveu arquitetar um plano em segundos para jogar Breno de novo ao convivência dos letíferos,ao naipe de mera platéia e não gerador dos lances da vida... Quando a bela moça se dirigiu ao balcão para pedir um suco,Wagner lhe fez a proposta:-Breno já que você é um cara de sorte,quero ver você catar aquele monumento... -Sobre quem você esta falando? -Mariana! Breno ficou sem graça,começou a imaginar pretextos,como:”Ela não é tudo isso!”;”Deve ser muito metida!”;”Dizem que se acha a poderosa”!; “Tem mil caras afim dela,a ponto de não ansiar estar com ninguém...” Wagner começou a rir e disse:-Até para os craques existem limites! -Não é assim também,não estou precisando correr atrás dela,veja esta garota é tão bonita como ela e simples! Wagner sentiu o induzido ego,cobrar uma desafronta contra aquele que era um ameaço a coletividade,que achava subverter a camada correspondente das coisas...”Enquanto muita gente rala para arrumar namorada,este apanha com uma pá”!

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-Te dou metade do meu salário se catar a Mariana,mas tem de me dar provas concretas! Com esse dinheiro Breno poderia dar entrada numa moto nova,já que jamais conseguia adicionar nenhum tostão. Seu pai morria de medo de moto e não adiantava pedir o dinheiro para comprar uma: -Se desejar um automóvel te dou,mas essa maquina de sapecar carne,de forma alguma! Breno pensou,olhou com benevolência para acabada moto que chuviscava um lubrificante nigérrimo do motor e enodoava a pavimentação,cheia de goma no kit ,rodas pintadas,peças faltando e ele chamava afetuosamente de “guerreira”,e sentenciou: -Não estou interessado,aquela garota vai me fazer agüentar carão... Mas Breno retrocederia na sua determinação dias em seguida, devido a destruição da guerreira,por sorte não se machucou por estar devidamente equipado,a pobre malogrou-se no breque em um engarrafamento e na roda de um caminhão rematou sua trajetória soldadesca... Breno foi parar no pronto-socorro com algumas arranhaduras,e com grande desgosto foi forçado a andar de automóvel,seu Pai disse-lhe que agora se ratificava o que proferiria:-Quando o indivíduo adquire uma motocicleta ela devia chegar com um esquife acoplado, de presente! Ele não se deu por sobrepujado,e tentou financiar uma sem entrada,mas por débitos na praça,seu nome não foi aceito. 292


Recorreu a sua mãe que era mais complacente,mas não foi assim que ela se mostrou: -Meu filho,desta vez devo anuir com seu pai,olha só o estado que ela ficou dá até medo de ver quando vou a garagem... O mecânico produziu o brocardo de extinção com um tirombaço de pessimismo:-Negão não quero te desestimular,mas veja bem;O quadro esta torcido,o motor no fenecimento,as bengalas estrondeadas,precisa de duas rodas novas,fazer parte elétrica,trocar o kit completamente...O lugar desta moto é no desmanche aonde terá as merecidas férias! Ele refletiu,pensou,tinha o Wagner,mas já que Renata controlava até o talão de cheques dele,seria suicídio solicitar, alem dele negar,se viesse a ceder ainda que camuflado, quando ela descobrisse poderia por remate ao esponsais que Wagner conservava a todo sacrifício,Breno não era do tipo de sujeito que prejudica-se os amigos. No fim de semana ele apareceu de carro,e contou a Wagner a situação que atravessava...Como odiava andar naquele carro vagaroso e claustrofóbico:-Imagine Breno,este carro é dez vezes melhor que o meu,quem me dera ter um desses... -Tudo bem,mas é muito grande,quando chego num congestionamento sou obrigado a esperar,com a moto não vou cortando aqui e ali e logo saio na ponta... -Na ponta da roda de um caminhão?

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-O que eu posso fazer? Ele estava parado,sem dar seta entrou,joguei tudo para a esquerda,mas o frutinha precisava da rua inteira só para ele... -Ainda tem aquela aposta,são mais de mil reais na mão... Pela primeira vez,Breno se sentiu balançado e emudeceu completamente,aquele cara que não dizia valer nada aos outros,pensava se não era sacanagem fazer isto a uma mulher tão delirante quanto aquela... Perdeu noites de sopor,entrou em mil teorias,definições e sinuosidades existentes na alma humana de se era admissível receber caso tão amoral que arrastaria a vida de outra pessoa. Como trabalhava no escritório de advocacia de seu pai presentemente,tinha tempo de refletir,já que a vida de motoqueiro ordenava vigilância inflexível no espinhoso transito... Logicamente receberia um ordenado,mas ajuizado a condição de jamais dispor em uma moto para trabalhar. A vida de clausura não fazia parte do espírito emoliente dele,queria sair,andar pelas avenidas,ver a mulherada bonita pelas ruas...Sentir o sol no rosto,o vento,o cheiro de óleo queimado da velha “guerreira”companheira de jornada... Fastio,a vida era um tédio,equipou o carro,pos equipamento sonoro,rebaixou,colocou filme nos vidros,abriu o escapamento,mas mesmo assim aquele belo automóvel não tinha o mesmo apelo que a moto lhe dava,o vácuo que Breno sentia era interno,aquele que não pode ser recheado com bugigangas...Aquele que só o trabalho interno resolve! 294


No outro final de semana,Wagner viu Breno chegar naquele Omega preto que chamava aplicação pelas minúcias,mas dentro ia um sujeito tremendamente magoado. -Porque esta cara Breno? -Estou de sacola abarrotada deste carro grotesco,tudo que eu faço nele não acho a menor graça... -Que isto rapaz é um soberano automóvel,quantas meninas você já não deve ter pegado? -Algumas,mas mesmo assim gosto de moto,e pior não posso nem vendê-lo,pois esta no nome do meu pai... Eles que sempre conversavam,estavam discretos,viam uma e outra passar,mas quando a musa passava,silenciavam até a alma para aprazer os olhos...Num tremendo vacilo de Breno,este disse a Wagner: -Tudo bem,topo fazer o negocio,mas como vou receber? -Faço um cheque e te dou um prazo,trinta dias,se não conseguir susto ele,mas tem uma punição se não conseguir... -E qual seria? -Teria de vir aqui vestido de mulher e mexer com todos os homens que passassem! Breno refletiu se a aposta não era um pouco cavalar e se arruína-se,teria de saldar um mico violento que macularia para sempre sua fama,mas a petição do ego que lhe cobrava a volta da vida em duas rodas, mesmo com a “cabeça em duas canoas”,acabou por acolher: -Tudo bem,mas como vai ser,por documento? -E registrado num tabelião de um amigo para que não haja ma fé! 295


-Parece-me justo,quer dizer que a partir de um mês,tenho de correr atrás da moça...É isso? -Exatamente,mas não é só dar uns beijos,isto forçando-se um pouco você conseguiria,vai ter que levá-la para o tálamo e lhe dar uma sapecada,logicamente tem de ter fotos ou vídeo... -Wagner,mas isto não é licito,a moça pode até nos acionar por embaraço sexual depois e vai dar o maior rolo,você pode ate perder a Renata! -Imagine que vou divulgar para os outros seu Locke,sei que não é licito,mas quando inventamos um jogo,palavras não defendem coisa nenhuma,o que amparara são os acontecimentos! Breno tornou-se meditativo e começou a abalizar estratégias de como abordaria aquela dama,é acertado que ele até pegou algumas tão bonitas quanto ela,mas ela sugestionava apresentar qualquer coisa díspar em si e isto apavorava-o... Assinaram o documento numa segunda-feira as 10:00 horas,a fortuna estava lançada,os dados rolavam no tapete imaturo da vida. Três pessoas envolvidas num jogo de perde e ganha. De uma acepção Breno, que pegaria uma mulher dessas de não olvidar e mais um bom trocado,do outro lado Wagner que queria evidenciar que a estrela um dia revoga e que todos são análogos no miserável orbe da fantasia... No meio do fogo cruzado das fatuidades, uma esplêndida mocinha,Mariana,que seria mira de um combinado depravado e burlesco tentando satisfazer dois egos 296


desvirtuados que ambicionavam debicar um ao outro qual era o mais perfeito nos vaivens da atração... ou da sorte como elegerem. Breno consumiu uns cobres contratando um detetive privado,por três dias de averiguação levou-lhe cento e cinqüenta paus ,contudo veio com um relatório concluído e meticuloso,quatro dias depois... Haviam instantâneos de todo feitio,horários,endereço de onde morava,costumes,comidas prediletas,que tipo de presentes mais gostava,quais galanteios funcionavam e o mais incrível: Apesar de ser uma mulher de fazer vigário largar da batina,de descompassar violão de tanto tocar...Ela não tinha namorado há tempos e isto nem o investigador desvendou o porquê...mas o que importava? Breno começou mandando dúzias de fina flor,com bilhete sem assinatura onde notava:”Sou seu admirador princesa,mas não tenho audácia de me apresentar...” Depois partiu para as poesias,pediu para um amigo notório poeta do tempo de colégio lhe escrever algumas linhas sublimes sobre Mariana... Quando lhe delineou a moça para que pudesse ter entusiasmo criador o sujeito tornou-se fátuo...Ao mostrarlhe a imagem então o sujeito encharcou com a baba o retrato:-Rapaz isto não é uma simples mulher,ela é um poema ambulante! Breno ficou sem dispensa ao notar que o poeta era o tipo do sujeito que não desfazia-se de sua alma por uma quimera,mas do mesmo modo ponderou:-Deixa pra lá. 297


Ele esmerou nos versos,ficaram majestosos,Breno até quis pagar,mas o amigo poeta não aceitou dinheiro:-Jamais tomaria um real para permanecer ao curso de tão bela ente,me nego a arrecadar coisa nenhuma, logo que ela é o hálito divinal que instila os inspirados! Os versos chegaram de feitio inominado a ela,que se deliciou assim como se sorvesse o encanto das expressões...Como trabalhava em um banco anunciou a todas suas amigas que ficaram pasmadas: -Mariana do céu,quem é este príncipe magnífico? -Não sei,ele disse que prefere não se oferecer,pois diz que sou bela demais para ele...Que tolo! -Gostaria de ter um tolo destes em minha vida... -Mas este tolo vai alegrar meu palácio,suas babonas! É... parecia que Mariana não era assim tão difícil como seguramente se falava,ela possuía o espírito de criança que era recluso em um majestoso e recurvado corpo. Mas mesmo assim,Breno persistiu na sua ofensiva as escondidas,mandava-lhe rosas aos montes e bombons finos aos borbotões... Como ele fazia isto? Sua tia,irmã de sua mãe era dona de uma floricultura no meio da cidade e logicamente Breno,como privilegiado sobrinho tinha total liberdade de adquirir o que desejasse,sem expensas suplementares. Eram dúzias de rosas,cartões e além disso caixas de bombom capazes de explodir de colesterol qualquer ser humano.

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Mariana por sua vez, levava o seu empenho em achar o “admirador oculto” ao grau superior... E depressa caminhava pelo passeio, olhando para todos os lados campeando este nobre satisfeitíssimo que se preferia jazer abstruso... Ela queria conhecê-lo,porem ele usaria a estratégia da probabilidade para explorar a transbordante curiosidade que adviria disto tudo. Trocavam recados pela Internet,todo dia tinha um E-mail na caixa de Mariana que assinalava:”Doce princesa dos delicados passos de bailarina”. Breno fez do jogo da atração um ardil tão bem intrincado,que mesmo sem poder ter uma vaga imagem de como seria pessoalmente,Mariana nutria um sentimento intenso de admiração: -Quem será este dependente que tamanho me galanteia e não se apresenta...Será o fantasma da opera que de um aspecto disforme emana ternura de seus versos e acha que será violentado de escracho se aparecer? Pobre Mariana...Achava que se tratava de um príncipe,daqueles que as mulheres concebem em seu pensamento durante a puberdade e em seguida por crerem que se ludibriariam ficam com o primeiro biltre que abrolham em suas tediosas existências... Breno divertia-se da situação e entendia agora que a jovem não era lá tudo aquilo que ajuizava: Era simples,romântica,sonhadora o tipo de pessoa que não necessitaria viver no “jardim sórdido do mundo”,onde uma 299


flor é analisada cientificamente para que seja desvendada a “tal”beleza que os trovadores discorrem,contudo a graça não esta contida nas formulas químicas de um laboratório,mas na formosura de um pomar selvagem onde afloram os sentimentos de criança! Sendo de tal modo,achou que era hora de se prestar a moça e finalizar o plano maquiavélico a que tinha se disposto,marcou um encontro com ela num restaurante italiano afastado,próximo de um monte onde se podia discernir a claridade da cidade ao longe... Quinze dias haviam estendido-se e ele estava com a faca e o queijo na mão,tomou um extenso banho com sabonete especial,a nevoa da água quente evaporava pela veneziana do mesmo jeito que as nuvens de adágio corriam em direção aquela luxuosa moto vermelha que o aguardava pressurosa na agencia. Ao terminar,limpou o espelho para pentear-se e um percepção de vazio o apanhou de assalto quando refletiu na sua figura: -O que estou fazendo meu Deus? Vou iludir uma pobre alma por dinheiro que eu próprio poderia angariar naturalmente? Mas se Breno estava apostando num jogo de atração e malicia,sua imaginação ao mesmo tempo estava arremessando como antagonista e como uma serpente pôsse a alegação de tão hedionda ação:

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“É uma garota como qualquer outra,passe o rodo nela e dispense, você já fez isto tantas vezes porque a ansiedade agora?” O ego então acabou por arrancar o ás da manga e cerrar a banca:”Escute aqui companheiro,vai amarelejar? Pô a mina é da hora e a moto mais ainda e no fim nem vai se lembrar mesmo ,lerdo!” Breno com o “pé em duas canoas”,duvida e fé,pensou em desistir,em meramente não escolher nem um e nem outro,se desobrigar...Olhou no relógio da sala de estar:”Sete horas”,faltava uma hora para o encontro que poria fim aquele martírio de andar de automóvel,podia ser torpe e abominável e a dama até dar par traz na hora do: “chega mais minha flor!”,mas era até o fim,ele não ia amarelar não! Montou no carrão e partiu para a incumbência assim como um guerreiro invade um bunker para sobrepujar o oponente sorrateiramente. Vinha esboçando mil planos de como dar início uma conversa,se portar como um cavalheiro,ser afável, fino e alegre,mas no fim entendeu que deveria ser o mais natural aceitável,afinal não se tratava de uma princesa,era uma dama como milhares de outras o singular diferencial é que era belíssima... Ao adentrar no restaurante,perguntou ao maitre em qual mesa se localizava uma bela dama loira que atendia pelo nome de Mariana,o homem bem-educado lhe indicou que era a mesa treze,próxima a janela sul e que há pouco tempo tinha achegado sem indagar coisa nenhuma. Breno estava 301


vestido de blazer azul e chemisier branca aberta,algumas mulheres o apreciaram com interesse quando passou por suas mesas. O aspecto de insulamento dava uma atmosfera romântica ao recinto ornado com lampadários refletindo anêmica lucidez vermelha,discretos violinos cumprimentavam o romance tocando ao fundo... Quando notou a mesa treze quase caiu de costas: Mariana estava belíssima,com um vestido azul denso,um adorno dourado do mar no pescoço e os suntuosos cabelos tom de mel lhe caiam serenamente sobre os ombros. Ela esboçou interesse em Breno sem saber de quem se tratava...Voltou a contemplar pela janela esquadrinhando algum lance ao longe no mesmo ditame que o seu o pensamento,Breno achegou a mesa,colocou um botão de rosa nas mãos de Mariana,tremendo: -Oi Mariana,sou seu fã oculto,sou eu quem escrevia aqueles poemas e lhe mandava flores,mas creio que não consegui chegar nem a pequena distância do verdadeiro entusiasmo que é permanecer ao seu lado! Foi uma pancada bestial,”daquelas de esfacelar a vidraça”,Mariana, pobre, tombou de quatro e suplicou modestamente:-Beije-me,beije-me meu príncipe... uma vez que as palavras podem comprometer este momento mágico,não posso reprimir tudo que experimentei até agora! Breno beijava afetuosamente a dama que se ofereceu sem exceção a ele como se o conhecesse há anos e olhem que haviam se passados alguns míseros segundos...Nunca 302


pareceu tão fácil,ela sentou-se alegremente e começou a fazer muitas perguntas ao seu respeito,também perguntou porque não havia chegado diretamente nela,pois há muito ela o observava. Deslumbrado,era esta a expressão,Mariana tinha uma cativante disposição simples,uma ausência de malicia que a transformava em fácil caçada para um pegador como Breno e seu ego tratava de incinerar ainda mais atirando octanas e mais octanas na chama da ostentação que elevava-se de giros, o transformando em um motor em rotatividade máxima... Depois de muita conversa,algumas taças de vinho,um maravilhoso comezaina ao brilho de velas,ele puxou a cadeira pra perto dela,deixou o dinheiro por baixo do vaso de rosas com uma generosa gratificação e partiram para o estacionamento. Quando o manobrista trouxe aquele belo carro preto que fazia muitos babarem,ela nem ligou,o que surpreendeu Breno: “Putz,cara,interesseira a mina não é,qual é a dela então?” Foram para o mirante contemplar a cidade que parecia um pisca-pisca apressado de luzes que iam e vinham,enquanto ambos se entregavam as delicias dos beijos que há muito poupavam um para o outro... -Puxa Breno que sacanagem,porque adiou tanto para chegar em mim? -Como poderia saber que você estava afim a tanto tempo? -Era só chegar em mim e perguntar! 303


-Eu não tinha coragem de fazer isto,assim,na lata... -É por isso que muita gente perde muitas boas oportunidades na vida,porque não perguntam,acham que tudo tem de partir da outra pessoa. -Acho que sou um pouco introvertido... -E esta mão-boba percorrendo para todo lado,não faz parte do seu corpo? Breno estava avançando o sinal e ela não gostou,então resolveu ir mais devagar quando disse:-Posso estar afim mas não sou assim tão simples de seduzir garotão! -Me perdoe ,creio que me empolguei...é que você é demais! -Obrigado pelo elogio franco,mas escute aqui se me quer mesmo vai precisar de muita calma e afeição pois passei uma desilusão muito grande com meu ultimo namorado e não caio no conto de novo! -Tudo bem,gostei de você,quando nos vemos outra vez? -Quando você quiser oras,o que quer comigo? -Amizade,carinho,alguns beijos e algo mais... -Isto lhe dou com sobras,quanto ao”algo mais”...Terá de esperar! -Espero,espero... Foram trocas abundantes de beijos,abraços,palavras de carinho e tanta doçura que daria dor de barriga de tão açucarados... Fim de semana,folga,tranqüilidade,chopes geladissimo na mesa e o mesmo papo:-E aí negão”pegador”e a mina,ta na sua? 304


-Prefiro conservar a carta na manga Wagner! -As vezes o sujeito não tem a carta e blefa Breno... -Mas no meu caso,tenho a carta...só não ganhei o jogo! Quando todas aquelas mulheres bonitas passavam eles olhavam,mas aquilo seria apenas o desdobradomento do tapete rubro na calçada da popularidade para Breno... Mariana vinha andando,com seus passinhos miúdos,já que não era alta,era de talhe mediana e pernas bem roliças. Não foi pequena a surpresa quando chegou em Breno e sentou no seu banco sob ele,e encheu de beijos:-Que saudade príncipe,porque não me ligou? -Creio que ainda estou embriagado com os beijos de ontem! -Então vamos dar mais alguns,afinal nada melhor do que encher a cara para sanar uma ressaca! Wagner ficou besta,não era possível,não era admissível ter tamanha sorte,ele começava até a culpar o Criador ou o Karma budista,ou quaisquer elucidações para alcançar aquela sorte... Mariana se apresentou a Wagner e ele delirou:-Puxa Breno ela é mais bonita do que eu achava... -Ah...Wagner,não sou tudo isto,tem tantas mulheres bonitas,no banco onde trabalho tem algumas que poderiam ser modelos de revista! Ficou admirado,alem de tudo era modesta,apesar de não ser muito boa de conversa ,Mariana era boa-praça e gostava muito de brincar...

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Quando ela foi embora,Wagner comentou com Breno:Puxa Breno,acho que é a maior sacanagem fazer isto com ela... -Sacanagem coisa nenhuma,é mulher como qualquer outra e é infantil igual uma criança,não dou mais uma semana para abater ela! Breno tratou de conseguir uma câmera para filmar,estava disposto a ir até as ultimas conseqüências. Se já havia alienado a sua alma... Então que lhe dessem a carta geográfica do Inferno previamente, para que não se perdesse pelo caminho... Mariana se fazia de complicada,não se oferecia de forma alguma,eram unicamente beijos,beijos e mais beijos e o inexplicável é que a despeito de tudo ele estava exultante... Vinha para casa cerrando os olhos e experimentando o sabor de Mariana que parecia a bebida dos deuses,não é que beijasse bem,era algo interno e os beijos pareciam de criança de tão sinceros... Quando se deitava um remorso intenso tomava conta,ele se agarrava de pretensão de chorar,de cobiça de chegar em Mariana e se entregar como um garoto se entrega aos braços dos pais com confiança...Mas como se tratava de alguém que vivia o letargo que infelizmente assola a maioria dos seres humanos,ele não sabia direito o causador da angustia,achava que era por falta da moto...Levantou,foi a garagem e retirou o encerado que cobria a fenecida e pobre “guerreira”, absorvido no que já havia passado encima daquela acabada moto,sorriu com Jubilo: 306


-Com esta grana,poderei voltar a velha vida de motoqueiro! A guerreira brotou algumas lágrimas de óleo muito negro no chão, como se carpir-se pela alma do hipnotizado Breno; bem como se lhe pudesse contar: -Não vale a pena cruzar por cima dos outros para alcançar um sonho,isto ainda vai te custar muito caro,companheiro! “Nem aí”,como diria o próprio Breno na sua hipnose freqüente,ele idealizava o epílogo já que faltava uma semana para o termino do tempo determinado... Saia com Mariana,ia pegá-la no ofício todos os dias,estavam no maior “love”,as amigas morriam de olho gordo de notar um xodó tão dedicado quanto Breno...Três dias para o termino e Mariana desejava discutir a relação com Breno:-Tudo bem querida,sou todo ouvidos... -Estive pensando,você é tão paciente comigo,me respeita... Acho que vou realizar sua expectativa,mas tem um senão... -E qual seria minha deusa? -Tem de ter paciência comigo,ser carinhoso e esperar até terça-feira para que te dê uma resposta. -Ta tudo bem,vou confiar então... Na terça-feira já teria vencido o prazo e a aposta ido pro vinagre,mas não poderia pressionar Mariana,ou ela dificultaria mais ainda... Quando foi deitar as altas horas teve uma idéia,poderia adulterar os documentos e colocar seu aniversário no 307


domingo e deste modo como aniversariante poderia pedir um presente específico:-Ela! E não deu outra.quando lhe contou que seu aniversário era no domingo próximo,ela o encheu de beijos e disse: -Não posso te oferecer nada que você já não tenha,mas me dou de presente a você para que faça o que quiser comigo... Breno não podia acreditar! ...Que criatura de coração doce e nem precisou mostrar o documento,ela confiou na sua palavra sem reservas... No sábado ele a pegou cedo,saíram para jantar e dançar,curtiram muito. Ela se arrumou toda,pôs seu melhor vestido,foi no cabeleireiro e fez uma escova,era uma dama alucinante e naquele dia estava mais,Breno sonolento pelo dinheiro da aposta não conseguia enxergar mais do que a superfície de todos acontecimentos... Ele já tinha alugado uma alcova antecipadamente e armado com a câmera que a esta altura praticava a função dos soldados que prenderam Cristo,os derradeiros resquícios da alma desvaneceram-se do espírito de Breno e agora ele era tão oco como uma medíocre bexiga...mas o que importa? Ele estava no mundo,anestesiado pelo ego do mundo,no jardim sórdido do mundo,onde não há espaço para encanto e romantismo,para amor e afeição.Onde a misericórdia é descartável,onde nenhuma exultação é duradoura;Um horto de escória onde a imundícia da idolatria sórdida sentimental é usada como adorno torpe,para entupir a essência abandonada de quem não tem mais alma... 308


Pobre Mariana,se entregaria inteiramente em nome do amor sem ressalvas,estava entusiasmada por uma representação de homem e somente isso... Se pudesse notar como Breno era vazio,como tudo era uma aparência enganadora para perpetrar uma execrável aposta, teria se apresentado com humildade a um carrasco para que lhe fosse extraída a vida...Sem ínfimo pesar. Breno se sentia estranho,com uma aguda dor no peito,não aquelas dores que incomodam o físico,daquelas que doem a alma...Mas ele não sabia o porque,só queria prosseguir no seu plano a todo custo,o que era perder a alma para realizar um sonho? Ele viva no mundo e o mundo que se apresentava diante dele...Mariana poderia ter dito”Não”! Mariana se entregou loucamente,em nome do amor fez tudo com Breno,entregou sua alma terna e meiga na pose de um algoz pérfido e ele se deliciou como jamais,se alagou de afabilidade,se afogou num oceano de dedicação e fluiu pela torrente do ardor, como um barquinho plácido singrava pelas águas calmas do emudecer... Ficou abraçado a ela qual um protetor como a uma infante que desperta no médio da boca da noite porque teve um mau sonho,Breno olhava para aquele mulherão encostada em seu peito,usando-o como travesseiro,enxergava a câmera escondida na estante como se fosse um delator que corrobora-se o que havia se sucedido ali.

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Aurora,os pardais cantavam alegres,a vida principiava abrir os olhos na urbe,exceto por alguns que precisavam deixar a maquina laborando ,esse era um novo dia. Para Breno o dia da conquista! Mostraria a película para Wagner,embolsaria a grana e em seguida apagaria a amostra da infidelidade,como Mariana nunca ficaria sabendo,poderia permanecer mais um tempo com ela,até que um enjoasse do outro e pusesse fim a historia... Depois de largá-la no serviço,voltou ao flat para pegar a fita,assistiu um pouquinho no vídeo para ver se tinha ficado bom...A cada parte que via algo revolvia no seu estomago e uma náusea súbita o fez correr para a latrina: -Não devia ter comido aquele aperitivo de camarão... Quando saiu,o filme estava no fim e o vídeo tinha se desligado,no reflexo do televisor se viu disforme,estranho...mas achou que era a decorrência de recurvamento do tubo,enfiou a fita na bolsa e partiu para o trabalho,chegou na hora. Seu pai acostumado a não se preocupar,perguntou:-Saiu com aquela moça ontem filho? -Sim Pai,com a Mariana... -E como foi? -Excelente! -Ela parece ser uma boa pessoa,bem melhor do que aquelas que você tem andado recentemente meu filho... -Com certeza é a melhor que já tive! -Creio que foi como quando conheci sua mãe,ela se fez de difícil a começar,mas depois apreendi que uma dama não 310


pode se oferecer para qualquer canalha que aparece,tem de se resguardar... Breno estava pensando longe...:-Tenho certeza que sim, Pai! No domingo Breno telefonou para Wagner:-Tem como você dar uma passada aqui em casa hoje? -Lógico que sim,mas do que se trata? -Prefiro não falar por telefone,é um assunto particular... -Então acho que é melhor você vir no meu apartamento,já que é mais reservado! -Acho que sim;Melhor,você esta certo,pode ser às 14:00? -Pode sim,não tenho compromisso para á tarde... Wagner ao desligar o celular ficou com”a pulga atrás da orelha”,teria Breno conseguido...Ou esperava abalançar um pacto? Do tipo:”Te dou o dinheiro e rescindimos a aposta!” Wagner de jeito algum acolheria um ajuste:-Ele não era o bom? “o pegador”?:-Vai ter de pagar o mico,ou contarei para todo mundo! Quando a campainha tocou ele estava confiante na vitória: -Imagine que uma gata daquelas vai para o leito com um sujeito que pega todas que aparece... Abriu a porta,Breno cumprimentou pegando na mão de Wagner,estava deprimido... -O que foi Breno,parece tão amolado... -Não,estou bem,estou um pouco fatigado,só isso... -Vamos entrar,sente no sofá,quer uma cerveja?

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-Não,quero acabar agora este negocio que não necessitava nem dar início... -Veio para arriscar um ajuste? Breno enfiou a mão no bolso e apresentou o filme,a amostra da deslealdade,o gravame da ignomínia,a avaliação que autenticava o que de contínuo dizia aos outros:”Nunca vali coisa nenhuma e jamais vou valer e que se f...!” Pediu para se ausentar da sala enquanto Wagner assistisse a fita: -Tudo bem,a casa é sua,pegue uma cerveja ou o que apetecer e esteja a vontade... Breno apanhou a garrafa de água e foi para a varanda refletir,a esta altura começava a se notar qual um Judas,mas a serpente-ego prosseguia a disseminar o peçonha impiedosamente:-Para que se incomodar tolo,a moça nem vai ficar sabendo,não sei porque tanto remorso...Você não vive pronunciado aos outros que não vale coisa nenhuma! Ele não conseguia nem bosquejar uma reação,”a noite negra da alma”começava a espargir a primeiras nuvens de borrasca existencial dentro do que um dia havia sido o burgo da alma de Breno... Wagner assistia a fita chocado,queria poder fazer aquilo com Renata,tinha de concordar:-O cara tem sorte mesmo,tenho de admitir! Passado algum tempo,Wagner veio para a sacada com a fita e o cheque na mão e disse:-Esta aqui amigo,mereceu cada fração!

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-Não fiz jus não Wagner,porque acabei de vender minha alma! Quase chorando,pegou a fita e extraiu parte por parte da prova da tramóia,pegou um isqueiro e tocou fogo,como se pudesse desvanecer do inconsciente toda a mácula,remorso e desgosto... Wagner não entendeu o porquê, e nem se perguntou,Breno pediu licença para partir, Wagner lhe deu o cheque para ser subtraído na segunda-feira... Mas como a serpente do Éden,que embaçou Adão e Eva pela argúcia,Wagner tinha passado a perna em Breno,pois a fita que lhe entregou na varanda não era a mesma que assistiu,esta se encontrava bem arquivada na gaveta da estante...Se fosse abater na ruína ,levaria o oponente contíguo para o Tártaro da derrota. Segunda-feira,Breno acordou cedo com a motivação da entrada da moto,Mariana havia ligado diversas vezes no celular,mas ele não respondeu prontamente:-Que foi querida,porque esta sangria desatada? -Sei lá...queria escutar a tua voz,foi tão bom que não consegui nem dormir...Até minha mãe inquiriu do que era “esse sorriso de alegria”: “Viu o passarinho verde filha?” -Creio que vi ele sim,e não era um passaro,era um príncipe... Como sempre,com conivência brincaram de falar besteirinhas de namorados e riram bastante...Mas Breno

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fingia e mentia qual um diabo para ela e tremia de angústia cada vez que ela proferia um carinho... Quando Breno sentou-se na mesa para tomar café,a sua mãe curiosa perguntou:-Filho porque esta cara de tristeza? -Não é tristeza,acho que estou entediado... -Com o que meu filho? Você tem uma bela namorada,um belo automóvel,uma família que te ama...Não esperava te defender isto,porque não acho que seja compelido a escutar recomendações... -Pode falar mãe,sou todo ouvidos! -Meu filho,vá numa igreja,converse um pouco com Deus,acho que você esta carecendo refletir sobre a vida...É fato que gozamos de posição econômica excepcional,mas nem sempre as coisas do mundo são satisfatórias para contentar uma pessoa... -Nunca parei para pensar nestas coisas mãe,mas pode ter certeza que não farei ouvidos mocos ao conselho... Breno sentiu que disse isto somente para aprazer,era engraçado como acordou tão desperto,cada vocábulo retumbava qual um eco numa caverna vazia, porque era isto que ele era agora... Foi ao revendedor cedo,mal abriu e ele esperava apreensivo sentado na entrada,permaneceu no que pareceu um além-mundo célere, observando aquela moto que o vidro da portaria apartava da sua pretensão. Vermelha sangue,cheia de pormenores cromados e cinzas,ostentava um esplêndido talhe rude originário da vozearia do escape enérgico. Deu-lhe umas aceleradas 314


ríspidas,se enlevou de tal feitio que se deslembrou de tudo que havia sucedido,uma pilha de aço e plástico era o céu de Breno. Fechou negocio sem procrastinar,fez um carnê alongado de liquidação,pegou o belo capacete que veio de presente e saiu para dar umas esticadas. A percepção que provinha do ar era surpreendente,o estrondo do motor era pouco menos que uma sinfonia eterna,sentia um deleite elevado que anestesiou a amargura que sentia pela inovação. O pai e a mãe desdenharam,mas como assegurou que a moto era só para passeios e voltas por perto ,acabaram por engolir,afinal Breno tinha vinte e cinco anos e sempre foi responsável no alcance do imaginável. Á tarde foi pegar Mariana no serviço,ao ver a moto ela beijou Breno e lhe disse que estava muito feliz porque ele tinha concretizado o sonho,mas ela dizia:-Sou muito mais feliz porque tenho você! Ela montou na moto e saíram vagarosamente,Breno era um cara cauteloso quando andava com outras pessoas na garupa. As palavras de Mariana ecoavam na sua mente longe:”Sou muito mais feliz porque tenho você! Um remorso começou a carcomer Breno por dentro qual um verme,cada beijo que Mariana dava parecia um beijo na mão de um carrasco... Quando a deixou em casa,ela queria que ele ficasse mais um pouco,mas ele insistiu:-Tenho algumas coisas para fazer, como entregar o documento para o despachante... mais tarde te ligo!

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Breno saiu para andar a toa,curtir a nova moto,andou durante horas...parou numa praça,sentou num banco e as lembranças começaram a vir uma após a outra, pegou-se a chorar abundantemente... Aquele cara,que nunca fez conta de coisa nenhuma,que nunca ligou para os sentimentos dos outros,estava despedaçado,um bagaço. Se sentia um Judas ,um traidor...Tinha vendido a sua alma por um sonho que agora se perguntava:”Valeu a pena?” Havia próximo da praça uma igrejinha evangélica e ele escutou o Pastor contar a historia da crucificação de Cristo e desabou ali mesmo de tanto pesar...Como era católico de batismo,resolveu ir a uma igreja católica,coisa que ele nunca tinha feito. Era um dia nublado e as cortinas estavam cerradas e um aspecto de retraimento inundava o recinto,ele entrou e sentou num dos primeiros bancos. Olhou para imagem do Cristo pregado na cruz,lembrouse de cada palavra da primeira comunhão e amargurado por ter traído um amor tão puro,tão sincero... começou a experimentar na sua consciência, cada prego traidor que lhe havia ultrajado o corpo de Jesus... Aquela reprodução de Cristo era muito fiel,e o olhar de misericórdia era volumoso vindo do semblante ensangüentado,haviam execrado, achincalhado,ridicularizado um Homem que queria instruir o mundo a arte de amar o próximo,e mesmo em grande aflição ele foi hábil de indultar:”Perdoe-os Pai,pois não sabem o que fazem...”

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Breno a esta altura coligava o desempenho de Judas Iscariotes que vendera o amor de Cristo por algumas miseras moedas de prata,isto porque lembrava das palavras de Mariana, que ainda que não fossem dignas de comparação com as de Cristo tinha a mesma acepção,pelo menos para ele. Se jogou no chão e pediu perdão para Deus chorando e com enorme consternação em seu espírito... De repentino uma lufada de vento entrou pelo caminho e apagou todas as velas da capela do Santíssimo,Breno estremeceu dentro de si e as cortinas se rasgaram de cima a baixo... Saiu feito alucinado da Igreja,não conseguia alcançar o que acontecia,montou na moto e saiu rasgando dali sem olhar para trás,um aguaceiro precipitou-se nesta hora e ia chicoteando-lhe as costas. O tempo fechou de tal contorno que nada se distinguia,o transito estacado e Breno feito maníaco ia cortando para cá e para lá numa seqüência absurda saiu arrancando retrovisores,polainas e fazendo riscos nas latarias dos carros,quando se deu por si estava numa estrada para o beira-mar,era perto da noite e ele prosseguiu sem norte certo. O celular tocava consecutivamente,Breno o retirou do bolso e no visor indicava que era Mariana quem ligava...Como Judas sentiu que Deus o acuava,no caso a consciência pesada dele,melhor dizendo. Jogou-o na pavimentação e ele se despedaçou,agora só tinha a consciência para lhe lembrar da traição... 317


Ele acelerava mais e mais,de feitio impensado tentava um suicídio que não lhe fosse imputado. Como de contínuo a sorte estava do seu lado,ao adentrar a cidade praiana rumou em direção as docas. Parou num armazém sombrio onde embocou a moto debaixo de um encerado que cobria alguns caixotes. Sentouse,tentou se abrandar,um clamor tomou conta do recinto:Judas! Judas! Judas! pérfido... Pânico,Breno correu para o pontilhão e bispou um barquinho a motor,estava agrilhoado,mas com um cano estourou a enferrujada corrente. Deu partida com custo...estes motores a cordinha são difíceis de pegar...Saiu para o mar que estava um pouco agitado,rasgou as ondas uma após a outra,não escutava mais as vozes... Navegou por horas a fio,o barulho azucrinante do movedor cobria os seus pensamentos e ele desfrutava de um alivio momentâneo... Principiava a amanhecer preguiçosamente,o sol se recusava a expor seu brilhantismo,seria outro dia carrancudo. Breno estava no meão do oceano,não avistava o continente,a fuga começou a dar lugar a solidão. Uma tempestade se formaria naquele dia segundo a meteolorogia,o ciclone “Catarina”deixaria seus rastros pela costa do Brasil...Breno não tinha a menor noção disto,pois só queria fugir de si mesmo... Neste meio tempo,apenas Mariana estava preocupada com o sumiço de Breno: -Puxa! Ligo,ligo e ligo e não atende... 318


Decidiu ligar para casa dos Pais que quem sabe,poderiam dar melhor notícia do paradeiro,eles por sua vez não estavam muito inquietos,afinal Breno não tinha o costume de dar satisfações da sua vida a qualquer um e isto incluía seus Pais... Mas depois de uma semana,eles mesmos começaram a se incomodar em alto grau: -Não é admissível Jorge,o que incidiu com este garoto,ele não é de desaparecer deste modo? -Calma mulher,daqui a pouco ele surge com a cara mais lavada dizendo que atravessou a semana no litoral... -Você não esquenta a cachola mesmo Jorge... Mariana estava desesperada,perguntava para os amigos ,conhecidos e ninguém sabia de nada,foi para uma igreja rezar,para que Deus o guardasse :”Senhor Jesus não deixe acontecer coisa nenhuma de mal a ele...por favor”! Procuravam para todos os lados imaginários,Instituto Médico Legal,Hospitais,albergues ,cidades vizinhas e ninguém o tinha visto em lugar algum,parecia ter sumido no ar... Wagner por sua vez se perguntava do amigo de chopes que há duas semanas não aparecia no bar. Mariana apareceu e soluçando abundantemente contou que Breno estava desaparecido e desabou a chorar como uma criança que se perde dos pais. Wagner ficou indignado com a cena,não pelo sumiço do “amigo”,mas por Mariana que desabava em lagrimas por Breno...

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Wagner resolveu por seu maquiavélico plano em ação,que daria o alivio indispensável ao seu lesado ego,iniciaria varrer a reputação de Breno do mapa existencial,custasse o que custasse... Lacerado pela serpente imo da inveja,o ego cobrava-lhe represália e destarte ele perpetrou sem o mínimo momento de pesar. Pegou o filme e chamou alguns amigos,contou-lhes sobre a aposta e mostrou-lhes a fita,em pouco tempo haviam copias para todos os lados. Mariana era alvo de facécias repugnantes sem conhecimento do motivo... Quando uma de suas amigas de ofício soube do episódio, narrou as seguintes,começaram a tirar sarro de maneira particular,daqueles que só se percebe quando se lê no sentido implícito... As pessoas se apartavam de Mariana,os carros já não buzinavam mais e o hilaridade maliciosa era camuflada pelas mãos na sua passagem: -Porque será que tudo mundo ficou estranho comigo de repente? Uma das fitas veio deter-se na mão do irmão de Mariana que ficou melindrado,mas como conhecia a bom temperamento da irmã,a preparou para contar tudo que tinha ficado sabendo...Não foi complicado cingir um e outro,que contavam fragmentos de historia: -É...Bem...Como poderia dizer...Sei que é sua irmã Luiz Mario e sei que é uma boa moça,mas o que ouvi falar que era um teste para um curta-metragem sensual! 320


Quando chegou em Wagner que conhecia de vista,começou a apertá-lo,sabia quem estava envolvido,ele queria saber o porque de tudo... A começar dissimulou,pulou fora,mas devido aos subsídios que o aludiam de jeito direto a transação,subverteu as coisas e disse que a idéia foi de Breno,a idéia da aposta foi dele,repetia consecutivamente com os punhos de Luiz Mario a compactar e o ar de seu pescoço. Luiz não era um indivíduo que abocanhava fácil uma caraminhola bem armada e rápido percebeu que se Breno era bem de vida,ou melhor seus Pais,pra que necessitaria de mil reais? Rodeou do mesmo modo e igualmente Wagner,deu-lhe umas bordoadas,uns safanões e tornou a perguntar: -Se liga mano,vai sumariar as idéias ou vou ter de puxar a cordinha? Não teve mais jeito,Wagner cantou feito araponga,ficou cabisbaixo e contou tudo,cada pormenor execrável e abjeto,mas mesmo assim não entendia uma coisa:”Para que ter tanto trabalho para apoderar-se uma mulher que já estava afim?” Sentados na mesa da cozinha,Wagner e Luiz Mario permaneceram se olhando,Luiz não sabia qual dos dois que era o pior,mas tinha um senão quanto a Breno...Nunca tinha visto um tipo fazer tamanho por uma mulher e nem deixá-la tão entusiasmada e pior ele sempre a poupou, pelo pouco que Mariana falava a seu respeito. -Aí mano a casa vai cair pra tu,ta ligado! 321


Wagner não esquentou muito a cabeça,o que Luiz poderia fazer e daí que tinha a fita,era a palavra de um ex-correcional contra um trabalhador sério com residência fixa e bons antecedentes... Depois de contar a Mariana o que estava acontecendo,ela quase ficou doente,se deprimiu durante alguns dias. Se recuperou graças aos empenho de seu Pai e Mãe que lhe deram muitos conselhos e apesar de tudo,não condenou totalmente Breno,mas planejava-lhe dar o troco... Wagner tomou uma chumbada desapiedada,Luiz Mario queria estourá-lo na pancada,mas Mariana disse que tinha um plano mais perfeito,um corretivo que jamais mais ia deslembrar,que ia colocá-lo no devido lado... Teve de ir ao barzinho indumentado de mulher e aporrinhar com todos os homens,meninos e animais machos que cruzassem por ali,a caução de que executaria tal empreita foi avalizada por três brutamontes alem do irmão de Mariana. E não foi apenas isso,Mariana teve um encontro particular com Renata e lhe contou tudo que havia acontecido,mostrou o ajuste que foi extraído a energia de Wagner... Renata ficou encolerizada com a maneira do prometido e o achincalhou em pleno banquete no restaurante mais elegante da cidade,arrancou a aliança do dedo e jogou longe: -Se você ainda conter um pingo de vergonha nesta cara depravada,nunca mais sequer olhe para mim!

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Wagner pediu transferência posteriormente, para Itamomboca sua cidade natal,saiu na boca da noite sem se despedir de nenhuma pessoa... Haviam se passados quarenta dias e nem sinal de Breno,os pais rezavam para que ainda estivesse vivo,Mariana regularmente solicitava informações,mas depois desanimada não ligou mais... O telefone tocou mais uma vez,sua mãe cheia de expectativa atendeu,era de uma casa de saúde uruguaia. Como entendia o espanhol,não foi difícil perceber que Breno se achava internado há alguns dias com insolação e desnutrição,foi descoberto em alto mar pela guarda costeira e resgatado há poucos dias,disse também que não poderia colocá-lo no telefone por estar muito anêmico,que tinha passado por mal-bocados ,mas que agora estava bem... Alguns dias depois e Breno desembarcava no aeroporto,seus pais foram buscá-lo,ficou feliz em vê-los mas não esboçou qualquer palavra,permaneceu durante dias e dias quieto,olhando para as paredes e cada vez que via a foto de Mariana começava a chorar... Estava estranho,pegou cadernos onde tinha anotado o nome de varias garotas,cartas,presentes e pos fogo em tudo...Guardou uma foto de Mariana escondida a setechaves numa gaveta do seu escritório,demorou quase dez dias para pronunciar a primeira palavra e foi Mariana quem ouviu por telefone,ele já havia ligado inúmeras vezes,mas faltava-lhe coragem para falar o que sentia,quando conseguiu reuni-la,antes pediu: 323


-Mariana sou eu,Breno,por favor não desligue,espere eu te falar tudo antes que você se enfureça... -Tudo bem,vou te escutar,mas seja sucinto! -Cometi um erro gravíssimo,sei que fui o pior dos traidores e que jamais farei jus ao seu perdão,mas saiba que mesmo sendo um combinado que valeria a concretização do meu sonho,em momento algum fingi meus sentimentos em inclusão a você,mereceu cada botão de rosa e bombom e ainda cada poema que te mandei,não me arrependi em ocasião alguma de te conhecer,mas me arrependo muito de quando me vim a reconhecer e experimentar que agi feito um Judas fez com Cristo...Me perdoe se você puder,ficarei muito feliz em obtê-lo e apenas isto... Mariana parou para pensar,não foi só culpa dele,ela também aceitou e se foi tudo um teatro podia se dizer que Breno era um excelente ator e merecia o Oscar sem ressalvas,entretanto Mariana foi dura: -Olha aqui Breno,no dia em que notar vontade,faço isto pessoalmente,por enquanto ainda estou muito magoada e a responsabilidade não foi inteiramente sua...Wagner já levou o que merecia,quanto a você penso que a melhor penalidade vai ser meu silenciar e a duvida de se vou te perdoar um dia,a individual credibilidade que tem comigo é que você me fez feliz,mesmo que foi pela eternidade de algumas horas,não me telefone outra vez... Breno voltou a rotina do escritório,trabalhava duro e se tornou muito responsável,quando lhe inquiriam o que tinha

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advindo nos quarenta dias que passou no mar:-Não sei responder,acho que estava desacordado! Ele sabia sim,só não queria contar,mas de uma coisa falava sem medo: -Foi um bom tempo,para descobrir a mim próprio... Ia ao bar regularmente,mas agora tomava seu chope numa boa,ficava sereno num canto sem bulir ninguém,tornou-se introspectivo mas não deprimido,tinha estampado no semblante um dilatado sorriso de contentamento,andava serenamente pelas calçadas,trombou com Mariana umas duas vês e abaixou a cabeça em sinal de embaraço,ela olhou com discrição e prosseguiu seu caminho. Muitas garotas procuravam Breno para “ficar”,mas ele dizia estar apaixonado e procurando uma pessoa específica:Eu próprio! Concluía. Não se abateu com o fim da popularidade de “pegador”,até gostou,agora poderia descobrir aquela pessoa para o resto da vida,para casar,para ter uma vida a dois,este era o maior sonho que buscava... Tornou-se contemplativo,mas não por visitar a igreja católica invariavelmente,era porque havia descoberto a fé dentro de si,ele acreditava piamente em Deus como um místico,porque era voltado para dentro de si... No final de ano foi convidado para um baile de gala,aceitou com capricho ir,mas achou depois que era uma ótima conveniência de conhecer alguém... Bem elegante de terno preto,se pos de maneira circunspeta,não tirou ninguém para bailar,tinha em 325


pensamento que a pessoa peculiar estaria reservada para ele naquele baile pois tinha tido um sonho com uma bela dama de vestido rosa que parecia um anjo e que depois subia ao altar com ele... Quando os fogos estrugiram a zero horas,as pessoas se confraternizaram alegres e por um incidente Breno abraçou a tal moça de cor-de-rosa e quase por coincidência se beijaram na boca longamente... Breno se assustou com a espontaneidade da moça... E viu que a despeito de seu sonho,ela legitimamente existia e era alguma pessoa notória de sua infância,alguém que muitas vezes o apreciava sorrateiramente,mas por ensejo de pretextos frívolos colidia de frente com ele... Renata com sobressalto viu que se tratava de Breno e parou observando e se perguntando porque o beijou. Breno por sua vez estava estático com a formosura oculta de Renata,que tinha posto lentes de contato,soltado os cabelos,tirado o aparelho dos dentes e se encontrava com um vestido rosa que lhe caia muito bem,desenhava de forma ilustre os belos contornos do seu corpo... -Renata...Meu Deus; Como você esta linda! -Mas não sou para o seu bico seu traíra! -Puxa,você vai começar a guerrear justo agora que parecia nos entendermos tão bem... -Não! Puxa é passagem de ano e não foi culpa sua o bei..; Você tem razão! Vamos dançar um pouco? -Claro ficaria feliz em dançar com você,mas tem uma condição! -E qual seria? 326


-Que de hoje para diante fossemos amigos,que você pare de investir contra mim,porque na verdade jamais tive zanga de você... Renata se surpreendeu com a franqueza de Breno que parecia ter mudado muito e estava atraente... Dançaram a noite toda,riram,se divertiram,Renata estava com um sorriso de uma ponta a outra da orelha...Todos se admiravam com o belo par e perguntavam:-É seu namorado Renata? Logo de manhã,Renata chamou Breno para conversar e assim foi daí para frente,todos ficavam bobos de vê-los dialogar durante horas,trocavam livros,iam ao cinema juntos tudo como amigos. -Jorge meu bem,veja isto! Um não podia nem ver o outro que brigavam e agora não saem um do lado do outro...Isto só pode acabar em matrimônio! Assim dizia a mãe de Breno ao seu marido. Breno respeitava tanto Renata que a despeito de todo o seu passado,ela começou a se interessar por ele... Era um domingo de sol esplêndido,e eles foram ao parque da cidade para assistir a apresentação da Orquestra Filarmônica que faria um concerto especial de princípio de ano... Em certo ponto o maestro disse que tocaria algumas Arias de Meldelson,entre elas a Marcha Nupcial que fazia Renata ir as lagrimas:

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-Meu maior sonho Breno é ouvir esta musica no dia em que for subir ao altar e ver o homem da minha vida estendendo as mãos... Breno achou que se tratava de uma cantada indireta e lascou uma cantada direta sem cerimônia: -Eu ficaria muito feliz de ser este homem Renata,seria uma honra sem igual para mim! Enquanto a orquestra tocava a marcha,Renata tomou a iniciativa e beijou Breno...A orquestra já tinha ido embora e os dois continuavam se beijando, até que o zelador disse: -Amigos o Parque vai fechar,será que vocês podiam fazer o benefício de irem embora? -Calma amigo,estamos esperando o bis da orquestra! -O “bis”foi a oito horas,acho que se perderam no tempo... -Nos desculpe então senhor,já estamos saindo! Os dois riram a beça e vieram abraçados até o carro,quando sentaram e Breno deu partida...Renata desligou a chave,olhou nos olhos de Breno e perguntou:-Você disse a verdade,casaria comigo mesmo? -Sim quando você quiser! Você é a mulher da minha vida! Renata desmanchou em lagrimas e começou a contar-lhe que sempre foi apaixonada por ele,mas que por rabugice e receio nunca falou. Que sentia tanta raiva e ciúme de outras garotas que esse era o motivo de toda sua zanga,mas que percebia que algo mudou,que era agora amadurecido! Foram mais três meses de noivado e o casamento foi inolvidável a igreja lotada de rosas brancas,Renata realizou 328


seu sonho e casou com o homem de sua vida,tiveram lua de mel e uma casa pronta... Wagner se surpreendeu anos depois quando soube do casamento de Breno e Renata:-Mas os dois não passavam nem na mesma rua! Tinham uma vida tão tranqüila que todos estranhavam:Esta não era aquela moça que andava pisando duro,brava a beça e casou com aquele cara que pegava todas as meninas? -E eles se dão muito bem se quer saber... Breno e Renata tiveram um filho a quem deram o nome de Paulo Roberto,muito paparicado pelos avós que lhe contavam a miúde as peripécias que o Pai aprontava em cima de uma moto: -Paulinho,seu pai era louco de tudo, se fosse imaginável passava até por cima dos carros no engarrafamento,o danado pilotava bem a beça e só uma vez bateu,mas pode-se dizer que a culpa não foi dele... -Que isso Vovô,o pai anda tão devagar de carro e é tão cuidadoso,o sr deve estar contando histórias... -Vou te mostrar então cabeça-dura! -O avô trouxe-lhe uma pasta de papéis,onde tinha as fotos das antigas namoradas de Breno,a foto da moto que bateu e a da que comprou e foi recuperado do pátio no litoral... -Mas Vovô,porque esta moto foi presa no litoral,parece nova? O Avô lhe mostrou um velho jornal,que trazia a nota sobre o resgate e contou ao neto a aventura de Breno,que 329


tinha ficado quarenta dias no mar perdido,permaneceu dias internado e por um milagre se salvou e acrescentou: -No dia em que fomos pegar no aeroporto,eu senti que a pessoa que desceu do avião,não era mais aquele rapaz que morou comigo durante vinte e cinco anos... -Mas o que aconteceu lá Vovô? -Ele nunca disse a ninguém... O avó continuou contando folgazão sobre a vida de Breno que era um sujeito interessante,que viveu a vida fortemente quando era mais jovem,fazia mil loucuras e jamais experimentou nenhum tipo de droga. Paulinho desdenhou quando contou sobre o relacionamento de seu pai e mãe quando eram solteiros: -Imagine que isto aconteceu Vovô,eles são tão grudados que parecem ter nascido juntos... -Pois eu te digo que não se suportavam e é incrível como hoje parecem que foram feitos um para o outro... Breno chegava para pegar Paulinho,ele e Renata tinham ido ao cinema,estavam tão felizes que riam a toa: -Paulinho diz “Tchau” para a Vovó e o vovô que vamos para casa agora. Chegando em casa,Breno o colocou para dormir,não antes sem contar uma estória,o sono não vinha e Paulinho perguntou: -Pai,me conte o que aconteceu quando você esteve perdido no mar? -Filho;isto é muito complicado para eu te contar,mas no dia em que eu crer que esta preparado,pode ter certeza que terei prazer em dizer... 330


Renata olhou da porta com cumplicidade,Breno não escondia nada dela,mas esta historia em peculiar,não lhe contava... No dia do aniversario de onze anos de Paulinho,Breno acordou cedo e estava no quartinho de despensa,fuçando na velha “guerreira”. O obsoleto motor estava sobre uma mesa e Renata ia conversando animadamente com Breno,sobre a viagem que fariam quando ela estivesse pronta. Paulinho entrou de pijama e descalço e levou uma bronca de Renata:-Filhinho não ande descalço,vou mandar soldar uma sandália de ferro para que não tire do pé! -Então não é uma sandália mamãe,seria uma ferradura! Os três deram muitas risadas e Breno o pegou no colo, pôs em cima da mesa e ia pedindo as ferramentas para ele...Até que perguntou: -E agora Pai,você vai me contar aquela historia de quando ficou quarenta dias no mar? Breno ficou um pouco sem graça,mas articulou que era hora de repartir este mistério com as duas pessoas mais importantes da sua vida... -Filho se você não se importar,prefiro omitir o motivo principal ,do porque fui parar lá...você não se importa não? -Pai já sei a historia da fita e da aposta,aquela moto vermelha que esta coberta há anos na casa do Vovó é lembrança “dela”;não é?

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Breno olhou para Renata como se quisesse dizer:”Já se passaram tantos anos do ocorrido e este pessoal ainda fala...” E assim de modo que os dois visualizassem a narrativa,ele começou a contar do ponto em que chegou loucamente no cais... -Quando peguei aquele barquinho amarrado ali no caís,que trazia um título tão estranho,”Caronte”,aliás o que vim saber anos depois o que queria dizer...Naveguei sem rumo até que a gasolina acabasse,eu só queria fugir de mim mesmo,me sentia um Judas,um traidor... Já eram altas horas da noite quando o motor apagou de súbito e depois de horas a fio sem pensar em nada,eu me vi no meio do oceano... Um Breu,um negrume tão intenso que a não ser pelas estrelas que estavam no céu,não poderia distinguir onde estava...Comecei a entrar em pânico,sentia vontade de pedir para Deus me proteger,mas ao mesmo tempo senti que não era licito... Desamparado naquele mundaréu de água,me senti apoucado e me perguntava constantemente:”como algo tão custoso como a vida pode ser tão sutil?” Adormeci pelo que pareciam horas,o barco chacoalhava a todo momento,o sol causticante me acoimou o couro o dia todo,uma sede candente me acossava e tanta água em torno de mim...E eu não podia bebê-la senão pereceria certamente...

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O sol me fazia ter miragens a todo momento,via uma ilhota ao longe e depois sumia...Vi uma barbatana que pensava ser de uma baleia,de cor dourado do mar,pensei ser uma sereia,mas depois pensei na bobagem de dar importância a algo mitológico.Bolas de fogo cruzavam o céu a noite,seria algum barco afundando e pedindo socorro?mas era tão perto de mim e eu nunca via o tal barco...Não sabia até quando ia aturar tamanha aflição mental...até que na noite subseqüente o mar estava raivoso e aquele barquinho se arremessava pelas ondas...Achei que não esquivaria da morte de forma alguma.Era o remate!Primeiro a sede,depois a fome,em seguida alucinações e por ultimo aquela tormenta selvagem que parecia perpetrar cada minuto e durar uma eternidade,me segurava como se agarrasse o espírito dentro do corpo,nunca me senti tão alerta,a morte me saudava a cada marouço que despedaçava na beirada do barco...Então aconteceu o que eu mais temia,ele virou devido a uma onda colossal,mas me agarrei com energia na borda e outra onda seguinte tornou-o a virar,aliviado comecei a extrair a água de dentro com uma caneca,eu tirava uma e vinha outra ruma de água pra dentro... O esfalfamento começava a me subjugar,tinha feito um esforço tremendo para tomar minha vida,entretanto vi que era infalível o fim e comecei a implorar para Deus que não me importava de expirar,mas que poupasse minha alma,que me perdoasse e me redimisse por ser tão materialista,por colocar o ser,o fazer e o ter acima de todas as coisas e acima das outras pessoas...

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Naquele dia em que experimentei a morte,parei de premeditar todos os meus atos; no que falaria a cada minuto conseqüente;no que faria a cada vez que a vida se apresentasse a mim...Como as marés trazem a vida a praia,eu comecei a acreditar resignado o que o oceano da existência traria para mim,sem arrazoar,sem proferir uma singular expressão,apenas a munificência do silenciar...E todas aquelas vozes que me acusavam se calaram no meu ser...Um entorpecimento tomou conta de mim,comecei a sentir uma placidez que nunca havia sentido,pensei que se tratava da infalível morte que por mais que permanecermos sobre a terra é a única certeza... A tempestade parou sem que percebesse o momento exato em que isto tinha ocorrido,e então não podia acreditar em meus olhos...Lá vinha aquele homem,todo de branco,iluminado caminhando sobre as águas,trazia uma luminária nas mãos...Tinha forma de um ermitão ou de um mestre ou dos dois juntos não podia distinguir direito pois meus sentidos estavam paralisados pela sede e a fadiga... Me deitei no barco e ele veio a borda,do lado externo e disse: -Caminhe sobre as águas...É tão fácil! -O que?!...Isto é impossível...Quem esta falando? -Isto depende...Se desejar posso ser a sua consciência,poderia ser um deus,mas isto tudo são nomes submersos em alegorias... -Estou morto e agora vão me julgar...Meu Deus perdão!

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-Não! ...Ninguém julga...E ninguém realmente morre... Lembra porque veio se perder aqui em alto mar? -Remorso! -Não Breno; Busca,uma busca a ti mesmo... -Você não entende,o que fiz não parece errado para você consciência...ela merecia ser motivo de aposta? -E o que as pessoas do lugar onde vive,vivendo esta vida sem finalidade e sem ideal,não apostam num lindo futuro que não acreditam realmente e muito menos merecem... -Você parece me conduzir para o mal,não serias as trevas que me cegaram a vida? -O que é o mal? -Aquilo que fere ou mata ou aquilo que é contrario a finalidade para que é criado e aceito! Apos pensar na minha observação,materializou das suas mãos um cantil ,e o que parecia sair de dentro era um leite muito doce e refrescante...Deu-me alguns goles e senti a vida fluir plena pelo meu adormecido corpo,assim ele ponderou as minhas ultimas palavras mostrando perplexidade: -Não entendo... Vamos,tome mais desta água,pois a sede que ainda tens é de sabedoria...Se cura só assim. Não há outras... Mais uma vez me inquiriu mostrando grande interesse em me conhecer:-Vamos responda,quero saber mais sobre o bem e o mal... Um silencio muito grande estremeceu dentro de meu ser,olhava para água e nem meu reflexo conseguia ver,naquele momento entendi que era ignorante,que tudo 335


que pensava que sabia ou que achava que sabia,não queria dizer nada...Eu era um fantasma que andava entre os vivos que nem sei se eram vivos como eu ou fantasma como eles... -Mate minha sede...Mas não a sede do meu corpo que já não tem tanto valor,a sede que sinto é do espírito,porque vendi minha alma e agora a quero de volta... -Tudo bem,tenha tranqüilidade,feche os olhos e abra bem os ouvidos,pois esse conhecimento só é dado aqueles que tem sede de sabedoria...Bem e Mal são ferramentas úteis adequadas ao orbe que vives; O Bem te força para aquilo que és destinado desde o inicio de tudo e disto não se escapa,é a força irresistível e doce como esta água que acabei de lhe dar...O mal talvez seja sublime porem inútil... Sua maldade vem do desejo de ir contra aquilo que és...Vem tomar desta água salgada do mar;não matas a sede e ainda se fartar para morrer depressa...Não pareces louco para matar a sede!?!? Era difícil compreender as palavras que dizia...Dizem que quando se esta na presença de um iluminado ,de um mestre,deve-se ter a mente fresca e arejada como a de uma criança que ainda não sabe julgar por não estar influenciada pelo veneno chamado sociedade...Me silenciei totalmente e deixei as palavras ressoarem dentro de mim sorvendo cada acepção entrelinhas...As palavras pareciam favos de mel e meu íntimo deleitava de encanto como se tivesse feito espantoso empenho e obtido um desígnio e agora descansava...Novamente indaguei,tentando fartar minha sede de conhecimento: 336


-Até pareces meio vivo,meio alucinado,acho que ainda estou e te escuto “Consciência”,mas sei tão pouco sobre você...Me sinto tão fora de mim,mas sem aquela angustia por me salvar do naufrágio ou dor...Só quero viver...Viver de novo,porque na verdade não vivi,apenas pensava que sim... -O sol esquentou sua mente. Achas que deliras? -Acho! -Não! Continuas inconsciente...Agora longe de tudo e até de você,não chegou ao ponto de perceber que nunca esteve tão lúcido e certo?!...Te falei que tenho o nome e finalidade que queiras...Poderia se quisesse salvar-te deste mar nãodefinido,mas como consciência estou cativo a ti no oceano da essência,até quando puderes e precisares...Não te pediria para afogares no oceano da existência. Só peço que reconsideres a chance que tens de se banhar na verdade de que tudo que achas mal foi tua consciência que criou e que te libertaras sem preço? Você! Não;não sou pronome;sou conjunção;para mim;Eu e você = Verbo! -Isto é uma ilusão,parece tão conveniente... -Isto não é certo ou errado,suas fugas e frivolidades já foram convenientes,no seu tempo certo,mas agora não o são mais;Jamais existiu de verdade...Se algo foi e não é mais;jamais existiu de verdade...”E o que existe então deve estar se perguntando? Aquela mulher,e este mar.Tudo o mais é sonho. Agora acabou...Acorde! Acordei no hospital Uruguaio tão lúcido como jamais tive,as lagrimas brotaram fáceis dos meus olhos e me senti qual um recém nascido,a vida sorria de novo para 337


mim,dando uma chance de me tornar alguém, de ser alguém e hoje sou alguém importante,pois tenho o amor de sua mãe e o fruto desta união sentado a minha frente e isto meu filho, é vida e eu sinto a vida fluir por todos os poros do meu corpo e alma... Os três se abraçaram,Renata não conseguia conter as lagrimas escorriam grossas pelo rosto meigo,e ela perguntou: -Então Breno você encontrou com o próprio Jesus Cristo? -Não poderia precisar...Mas refletindo friamente creio que sim,que pode ser...no fundo penso que deparei com a minha essência,aquela que trouxe quando nasci... *A aposta aconteceu verdadeiramente,e tive o prazer de conhecer a garota que era realmente muito bonita. *A odisséia do personagem Breno no mar,foi vivida por um amigo quase do mesmo modo..

Porque não somos felizes?Porque as escolhas afetam tanto nossas vidas?Porque tudo não pode ser simples? como deveria ser simples... Uma escolha certa pode ser causa de grande sorte,mas porque muitas vezes escolhemos o pior?

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Não estamos acostumados com a felicidade,o mundo é um lugar tão repleto de desgraceiras que é difícil se ser bem-aventurado aqui. E as pessoas por sua vez adoram complicar as coisas mais simples do pior jeito imaginável para se sentirem ocupadas com as suas misérias,desfiam rosários de lamentações,que nunca chegam a lugar nenhum,se prendem as crenças que são meros anestésicos...Se prendem a migalhas que fazem a sua trilha do passado cheia de lagrimas... Mas para os despertos existe uma saída! Quando se é real a dor é maior e sabemos que a ilusão não pode ser mais induzida sem que se saiba realmente que esta se enganando... Não adianta buscar uma religião,pois estará se enganando;Não adianta procurar filosofias,pois você só estará “enfeitando o pavão”e se ludibriando em mil conjecturas do que pode ser ,ter ou fazer ou não ser,nem ter e nem fazer. Te dão uma alternativa e você não escolhe e se escolhe é sempre evitando o conflito contra o seu maior oponente:-Você mesmo! O Bom Pastor ainda dizia:”ninguém pode servir a dois senhores”,senão agradara um e desagradará o outro,”ninguém pode montar em dois cavalos ou esticar dois arcos ao mesmo tempo”;é tão simples de decidir:Não escolha! Acordar paro o real é uma tarefa dura e árdua,pode levar a iluminação ou a loucura e chegar neste limiar é trabalho pra poucos corajosos ou loucos(?). A mulher desta história existe realmente e a demorou demais para acordar,tanto que foi quase uma vida... Mas ela se negava a acreditar,porque ela tinha sempre de escolher,e escolhia a segurança,o passado,que era desprezível,vil e

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tímido e apesar de forte religiosidade que tentava revelar-se,na verdade era cética. Não acreditava que ainda fosse possível ser feliz,que a vida era aquilo e pronto,que a garantia da agonia era melhor do que a dúvida virtual da alegria.... “Servindo a dois senhores!”. Baseado em bisonhos fatos reais!

Ela tinha casado muito cedo por pura conveniência... E agora pensava se isto tinha sido uma boa escolha,(já que conhecendo mais,você pode se tornar mais experiente...se é que na maioria das vezes escolhemos as coisas ou somos meras vítimas da casualidade). Aos 16 anos já era mãe, um menino...Um ano depois veio o outro, menino também, e ela teve de extrair o útero, já que uma inflamação poderia custar sua vida no caso de uma nova gravidez. Órfão muito cedo também, perdeu seus pais num aterrorizante acidente na Via Dutra, eles eram feirantes, num engavetamento terrível pegaram fogo vários carros. A irmã mais velha, solteirona convicta tomou as rédeas da casa e da educação da caçula: -Puxa, logo agora que eu tava tomando minhas liberdades pra namorar... 340


Lamentava-se Clarisse nos altos dos seus 13 anos... Os mais belos sonhos, de beijar, abraçar, namorar sem compromisso sério, apenas pelo prazer de se estar juntos, debaixo do ipê floreado de amarelejado tom solar da praça da frondosa Igreja de Piramonbonga, tinha chegado ao fim... “Dadivoso ipê” que de dia fornecia sombra aos jogadores de dominó e no ocaso escondia os namorados ocultos e seus beijos roubados, agora a irmã mais velha (a azeda Sofia) colocaria um cabresto de vez em Clarisse e seus namoricos. -Agora sua cabrita acabou as suas “escapadinhas”, você só vai estudar! Clarisse apesar de tenra idade, já tinha corpo de mulher e forte presença, era um bocadinho “sacana”devido a uma agudeza nata do seu espírito e apesar da irmã vigiar firmemente os seus passos, mesmo assim ela marcava seus encontros amorosos no grêmio da cidade, onde tinha uma piscina bacana. Marcava com dois ou com três, ao mesmo tempo, ela não era galinácea não tinha malicia ainda pra isso, no entanto sabia fazer o jogo da atração muito bem. Na verdade eles é que davam encima dela igual loucos, queriam namorar a qualquer custo com ela por ser muito bonita e parecer mulher feita, ela se divertia vendo a disputa entre eles que saiam de coração partido, o seu ego adorava pregar estas peças nos caras para se sentir importante... Os namoricos de domingo à noite na igreja eram memoráveis... Os amassos no pátio corriam solto e assim Clarisse conheceu seu marido desta forma, Valdomiro, seis anos mais velho. 341


Ele parecia tão seguro de si a principio, não era indeciso como os outros jovens, tudo que falava era “na lata”, era como um guerreiro voluntarioso. As meninas corriam igual louco atrás dele(mas não era por causa do carro,é claro), tinha individualidade, sabia sobrepujar uma mulher, dizer “não”! A despeito de ser um pouco mandão e egoísta. Estava louco pra casar,para assim assumir os negócios da família e poder sair da casa dos Pais que lhe cobravam mais responsabilidade: -Na sua idade Valdomiro, eu já era um homem casado e não andava com fubanas,com estas bebedeiras loucas e confusões malucas que você me apronta e depois corre “para os braços do trouxa do Pai resolver”. -É meu filho, já esta na hora de você arrumar uma moça direita e se casar... O Pai, com a grossura que lhe era pertinente chamou de modo aguerrido a atenção da mulher para que não se metesse na conversa de homens: -Ah velha, você não sabe de nada, fique quieta! -To com uma mulher em vista,acho que vai dar certo!(disse Valdomiro se referindo a Clarisse) Hoje em dia ,Clarisse via a realidade das coisas que às vezes esquematizamos e não saem como queríamos... Casada, agüentava o marido mal educado,mandão,chato e bronco e os filhos que já se candidatavam a futuros canalhas: - Ah Moacir, larga a mão de correr atrás dela, dá o desprezo que ela corre atrás...

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-Vou fazer isto Mario, ela ta muito folgada,fica “me dando bolo”direto,deve achar que estou caidinho por ela... -Oh meu filho, não faz estas coisas com as pessoas, é tão feio...(disse Clarisse) O Pai se regozijava na esperteza dos meninos em azarar as garotas: -Estes puxaram ao Pai não são iguais a pamonha da mãe que quer dar uma de certinha! Clarisse abaixava a cabeça e pensava com resignação, o marido a papaguear vantagens: “E eu que quis me casar para ter liberdade que eu não tinha com a minha irmã e hoje tenho de agüentar este homem,mandão, ruim de cama, mal educado e unha-defome...mas deixa pra lá”. Mas a vida era assim, as escolhas certas ou erradas influenciam de modo inflexível nossas vidas e assim Clarisse procurava não pensar muito e ia fazendo as coisas mecanicamente, para não ter que admitir que tinha errado na sua resolução. De que como muitas amigas diziam (erradamente)constantemente: “Casar com o Valdomiro é um bom negocio, pois ele herdará o deposito de carvão do Pai!”. E deste modo,novinha de tudo,com apenas 15 anos e pensando exclusivamente no destino, que ser casada com um homem que já tinha um futuro confiável, era “pacote completo...” Pobre,na noite de núpcias penou na mão de Valdomiro que não tinha o mínimo de dó dela e nem carinho...Ela chorou 343


muito na primeira noite,sua vontade era de ir embora,mas voltar pra casa e afrontar Sofia,era de se refletir muito... Ela tinha escolhido o dinheiro ao oposto do amor, e como nenhuma pessoa pode servir a dois senhores, hoje ela não era uma esposa e sim uma ajudante doméstica, uma mera e réles empregada que não recebia por isto, fazia por comprometimento. Valdomiro por sua vez, vivia para trabalhar depois que casou, de segunda a segunda, de sol a sol, sempre pensando em juntar mais, em conseguir mais, em trocar de carro todo ano, em trocar de casa, já que a que moravam era modestíssima, e ele reclamava que seu Pai poderia ter lhe comprado uma casa, mas ao mesmo tempo pensava: “Quando ele passar desta pra melhor, aí poderei ter a casa dos meus sonhos, agora tenho de economizar para o amanhã...”. Pedia sempre pra Clarisse que fizesse economia:- São tempos difíceis, mulher! E depois reclamava de tudo:- P....que pariu,boi ralado de novo?O que você faz com o dinheiro que eu te dou todo mês? Será que nem um filé Mignone tem? Com um carro quase novo na garagem, (usualmente na gíria chamado de samambaia) não saia pra nenhum lugar atraente. A não ser ir a mãe ou a sogra quase todo fim de semana. As mesmas pessoas, as mesmas caras, os mesmos papos, as mesmas coisas pra se comer:- Não faz nada hoje mulher, nos vamos passar o dia na casa da minha mãe! E com isso se economizava o almoço e a janta do fim de semana, Clarisse já estava tão habituada a esta monotonia que 344


parecia um usuário de maconha, vivia anestesiada por uma depressão que se arrastava pela sua vivência e que ela nem se dava conta... Semana após semana, mês após mês, Clarisse fazia as suas obrigações, Mario grandinho, com 16 anos, já passava o dia todo fora estudando no colégio de manhã e no Senai á tarde, Moacir de 15 passava no Colégio interno o dia todo. o Pai os pegava a noite e os trazia para casa, de vez em quando uma briga pra cá, uma chamada por usar palavras de baixo calão pra lá, mas o Pai fazia ouvidos mocos aos apelos do diretor: -O Senhor tem de ser mais duro com estes meninos, são muito encrenqueiros e bocudos, dão encima das meninas como se fossem adultos, arrumam tumulto de graça com outros alunos, não respeitam nem os professores quando lhes chama a atenção pela falha de criação! -Ah seu Diretor,vou ver isto,de noite converso com eles... (seu besta!) “Não estou criando nenhum maricas, mulher é pra pegar e folgou tem que dar porrada mesmo!”. Como forma de se anestesiar mais ainda e esquivar da realidade do seu lar, Clarisse era participante em vários eventos da igreja, uma hábil evangelista, atuava de forma central em tudo. E um dia apareceu uma mulher, oferecendo cursos de maquilagem e de cabeleireiro nos salões da Igreja, este curso abriria muitos os olhos daquela cega mulher... No primeiro dia a professora pediu uma voluntária para demonstrar o que a maquilagem poderia fazer por uma 345


mulher.Ninguém se ofereceu por vergonha e olhava pra Clarisse que sempre tomava a frente de tudo, ela sentou na cadeira e experimentou múltiplos produtos. Passava um creme, fazia uma massagem facial, usava uma mascara de beleza e no fim todos se espantaram com o resultado... Não eram os produtos que eram bons, debaixo de toda aquela couraça de subordinação mental, existia uma bela senhora, mesmo com 34 ela dava show em mocinha, todos ficaram boquiabertos e cochichavam:- Puxa! Nunca tinha reparado que ela era tão bonita! Ela ficou lisonjeada, mas como tinha muita modéstia, apenas ruborizou a fácies e cruzou as pernas, olhando para o chão... Chegando em casa ela se olhou no espelho e lembrou que muitos rapazes a cobiçavam quando nova,que eles babavam quando ela punha seu biquíni e ia nadar... Mas o seu marido:Que isso mulher, ta parecendo um bufão toda pintada, vai lavar esta caveira, parece uma fubana! Ela foi ao banheiro e chorou copiosamente sem nem saber porque chorava, tão confusos eram os seus sentimentos, camadas e camadas de sujeição a transformaram num ser tão ausente que ela não conseguia entender suas próprias emoções... Colocou a sua camisola e foi para o quarto afogar as magoas do jeito que sabia, sacou sua Sagrada Escritura e começou a ler algumas passagens, onde via que a mulher tinha de servir ao homem, que não tinha de cuidar de ser bela, era apenas cuidar da casa e dos filhos enquanto o varão granjeava o 346


sustento...Começou a chorar de tanta tristeza que sentia,um vácuo enorme na alma,ela se sentia revoltada com tudo aquilo,mas mudar como? Algo queria sair de dentro, uma insurreição incontida da alma, mas ela sufocava o desejo de liberdade daqueles grilhões mentais repetindo as orações do terço com veemência... E como um anestésico, aquilo passava e ela pegava no sono e assim fugia das obrigações matrimoniais que o marido por sua vez, já nem ligava muito. Outro mês, outro dia, começava tudo de novo, exceto por um curso de corte e costura que estava sendo oferecido na Igreja, mas uma vez ela foi ao curso, se dedicou, e se tornou uma boa costureira.Já que não podia ter os vestidos dos seus sonhos porque eram caros(segundo Valdomiro), ela poderia fazê-los e assim ela começou a andar bem vestida: -Puxa Clarisse, que belo vestido, onde você comprou minha filha? O marido sem titubear entrou no meio da conversa que não lhe dizia respeito: - “Essa aí” agora deu pra moda, não sai daquela maquina de coser o dia inteiro. Todos estavam habituados com a falta de educação do marido era algo inseparável de sua personalidade, mas agora ela começava a achar que estava demais, que deveria por um fim a isto! Chegando em casa, comeu o toco de Valdomiro sem pena por tratá-la com tanto pouco-caso na frente dos outros e levou uma bofetada sem comiseração:- Eu pago tudo aqui em casa, 347


você não tem direito a dizer coisa nenhuma, no dia em que saldar suas contas, você pode falar alguma coisa! -Mas eu tomo conta da casa e crio os seus filhos! -Não fui eu quem ficou grávido, ”quem pariu Matheus que o embale!”. Até Mario deu palpites:- Mãe fica quieta, quando a senhora abre a boca, só deixa o Pai mais nervoso ainda... Ela se sentiu no fundo do poço, anulada, viu que ela naquela casa era como um serviçal que não podia reclamar.Ela fez do calar a sua catedral da alma, onde podia se recolher a sua insignificância sem ser notada e a única coisa que podia beber para satisfazer a sua sede de solidão era suas próprias lagrimas:Meu Deus a que ponto eu cheguei,nada me alegra,nada me faz bem,nada que eu faço parece me satisfazer...Porque sou tão triste assim? Ela se enterrou na Igreja como forma de fugir de si mesma,era complicado enfrentar a realidade, nos grupos de oração e catequese ela preenchia o tempo,nas oficinas de orações... Tudo que era evento da igreja que pudesse consumir o tempo de forma ostensiva, ela participava ativamente.Ia aos grupos de oração e gritava e gritava,chorava e berrava de forma bestial , assim sentia sua alma leve, porque descarregava seu desânimo e frustrações em forma de clamor santificado. Em casa, fazia o básico, dormia cedo, deixava tudo no jeito e ia pra Igreja para fazer seu lamento frustrante em forma de bramidos.

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O marido não reclamava, já nem conversavam mesmo. Ás vezes ele pousava fora,uma,duas,e até três vezes por semana porque dizia que tinha ficado até perto da noite atendendo fornecedores e dormiria na casa dos Pais. A esta altura já tinham virado irmãos, dormiam na mesma cama apenas porque havia uma só cama no quarto... De manhã ia pra Academia fazer malhação, se alimentava bem, se cuidava com capricho, ela gostava de cultivar a altivez lá encima,de se sentir bonita. Fazia diversos exercícios na esteira,na bicicleta,suava muito e todos os homens babavam quando ela passava no seu agasalho”training”:- Que é aquela mocinha das pernas grossas e do traseiro arredondado? -Mocinha?Eu?Todo mundo precisa de oftalmologista aqui! Ela dava risada dos marmanjos e dava risada de si mesma... O tempo passou, ela tinha chegado aos 40, fazendo as mesmas coisas e as amigas elogiavam: - Clarisse, pra você o tempo não passa, parece que esta mais bela ainda! Ela se entregava às infinitas orações sem nem saber o que pedir ,orava apenas por automaticismo, conveniência, costume. Às vezes,numa distração momentânea, se questionava o porque disto,porque se sentia deprimida do mesmo jeito,a consciência az vezes se mostrava clara e viva, mas como não achava uma réplica que satisfizesse, pegava no sono. Uma das coisas que gostava de fazer, era ir a feira livre, comprar frutas, ia sempre bem arrumada chamava a atenção por onde passava. Levava cantadas a torto e a direito dos 349


homens,mas nem prestava atenção a isto,andava completamente ausente. Encontrava com as amigas de Igreja e conversava sobre os preços que não paravam de subir e outras coisas de mulher. Quando a conversa era sobre relacionamentos e casamento, ela mudava de assunto ou ia embora sem dizer nada, pra ela aquilo era algo que não merecia ser discutido,já que o seu era um lixo,mas ela tinha de ser modelar,pois era dirigente na Igreja... Ela não era muito de botar atenção em conversas alheias,mas uma amiga,recém chegada,resolveu lhe contar uma historia daquelas cabeludas,aquelas que fazem a gente meditar as coisas da vida. Ela tinha acabado de se separar do terceiro marido e dizia declaradamente que não valia “um saco de bosta”, que não sabia como conviveu durante cinco anos com aquele lixo:-Onde eu estava com a cabeça,acho que fumei erva estragada!(e contou mais)...Que o tal sujeito era cavalo, beberrão, briguento e grosso: -Ele quis bater em mim diversas vezes, mas eu sempre revidava sem pena,te uma vez que catei um banco e meti sem clemência nele cada vez que ele me batia! Quando ele chegava encachaçado eu arrebentava com ele na caceteação,dava banho de mangueira na rua para os outros verem e ainda o deixava dormir na calçada; outro dia quando chegou embebedado, catei o cabo de vassoura,bati sem piedade até ficar roxo e ainda ri em seguida quando ele veio todo meigo pedir”desculpas”... Mas a ultima briga não teve jeito,nós se pegamos pra valer,foram 350


pratos,copos,pedaços de pão amanhecido ensopados e paneladas na moleira,peguei o bambu do varal e arrebentei nele até virar vareta de pipa e ele puxou uma faca pra mim...Foi o fim,agüentei o quanto pude! Fui à delegacia da mulher e dei queixa! -E o que aconteceu? -Aconteceu que ele passou a noite lá, quando veio, chegou cheio de dengo,trouxe rosas e dupla sertaneja na porta de casa cantando”dor de cotovelo”...Ele queria voltar, me pediu perdão,disse que mudaria,que seria diferente agora... Mas eu taquei a roupa dele na rua e lhe disse que fosse bater nas “negas” dele! -Ele tinha outra mulher? -Tinha uns casos por fora, mas eu já sabia há tempos, só estava esperando a deixa, pra chutar a bunda dele... Clarisse ficou admirada com a coragem que as outras pessoas condenavam, não pensou se era certo ou errado. Cada pessoa, era de um jeito... Apesar dela não reparar muito nas coisas da feira, reparou na banca de frutas que um rapaz franzino a secava sem vergonha nenhuma, aproximou-se dela e lhe deu uma manga madura muito bonita e disse:- Moça,desculpe ser tão”entrão”,mas você é linda demais! Clarisse ajeitou os cabelos castanhos claríssimos muito longos e enrolados nas pontas e olhou para o rapaz rindo:Obrigado, mas já comprei manga! -Não! Estou te dando esta, você é realmente linda moça, estou embriagado com a sua beleza...Pena que seja casada! 351


Ela balançou a cabeça em sinal de agradecimento e saiu rindo sozinha pensando: “Moça?” Aquele rapaz precisa consultar um oftalmologista urgente! O rapaz era tão novinho, não parecia ter 25 anos, era tão educado e gentil com todo mundo, todas pessoas sempre falavam muito bem dele... Nas outras vezes ele sempre puxava conversa, perguntava um monte de coisas e no final dava uma rosa, uma maça, uma fruta:- Puxa, não precisa me agradar Pedrinho! -Imagina Dna Clarisse...Sou assim com todo mundo! -Que religião você segue Pedrinho? -Não sigo nenhuma Dna Clarisse, não gosto, prefiro aprender as coisas no dia a dia e julgar por mim mesmo o que é bom e o que é ruim...Passei fome, frio e constrição, nunca vi conseqüência pratica em orações ou coisas do tipo, pra mim só existe uma verdade! -E qual é Pedrinho? -Verdade é o que funciona, Dna Clarisse! -Como assim? -É o que se prova por si, é a vida, o esforço de cada pessoa faz, Deus só ajuda quem se ajuda! -Ah meu filho, Deus olha por nós, não estamos abandonados, as coisas podem acontecer de uma hora pra outra por vontade dele! -Desculpe Dna Clarisse, não acredito em milagres, pra mim a pessoa preparada encontra a oportunidade certa na hora certa, devido ao olho vivo! 352


Ela viu que encontrara alguém que sabia discutir com propriedade, que tinha convicção no que falava, firmeza de opinião e que tinha uma filosofia de não fazer planos para o futuro e que por sinal, era da cidade natal dela, Piramonbonga do sul: -Como não te conheço de lá? -Sou filho de José da Filomena, lembra dele? -Ah sim me lembro de você sim,era um “nenezinho de colo”; vocês moravam na roça, não era? -Sim, o banco tomou do meu Pai a roça, ele morreu de angústia tempos depois, minha mãe foi um pouco depois... -E do que ela morreu? -Bom ela tinha uma doença muito séria e um Pastor disse que apenas orando se curaria, pouco tempo depois às pedras do Rim furaram a bexiga e ela morreu na mesa de cirurgia... -Agora me lembro de você bem, eu fui a sua casa uma vez com meus Pais, para comprar legumes... -A senhora já era bonita desde aqueles tempos, sabe que até hoje as pessoas mais velhas falam de você lá? -O que falam? -Que era a garota mais bonita e mais namoradeira da cidade...E pra mim continua linda! Um choque abateu Clarisse, ela nem lembrava mais disso, era uma outra vida, era uma garotinha esperta e viva e não um robô condicionado a fazer tudo...Os olhos marejados...Ela quase chorou, sem saber porque, depois riu de contentamento, e em seguida achou esdrúxulo tudo e achou mais estranho achar estranho tudo isto... 353


Foi embora absorta, sem se despedir do rapaz, fez suas coisas na igreja e terminou a noite por obsecrar com o terço na mão se irrompendo em lagrimas de amargura e um vazio tomou conta dela,naquele dia começou a tentação que iria lhe castigar muito... Pensamentos libidinosos vinham com constância, ela devaneava...Vinham mais forte ainda, ela se concentrava mais.Sem querer,distraída,se pegava pensando naquele rapaz a beijando...-Que disparate, sou uma mulher casada! E seu marido roncando e babando do lado como um porco bêbado, soltando “puns” e coçando a garganta a todo o momento, não era nada romântico... Os sonhos à noite foram terríveis. Transpiração, gemidos, arfando, ela se virava na cama pra cá e pra lá, sonhando em ser possuída por aquele rapaz... Ele a beijava,abraçava,lambia o seu suor,sugava o seu sexo impiedosamente,no sonho ele era o seu homem e a cara dela era de felicidade ,de satisfação... Ela tinha um admirável bumbum empinado, grande, com o quadril bem marcante. No sonho ela estava de quatro e ele mandando ver por traz e gritando:- Gostoooooosa você é minha,você vai ser minha! Acordou suando em bicas, molhada de suor, a calcinha em sopa...Ela entrou em desespero: - Meu Deus o que acontece comigo? Foi tomar um banho vagaroso, abriu o chuveiro e se pegou chorando. Achava pecado, achava delicioso o anseio...não sabia o que achava de tudo, de si mesma. 354


O desejo vinha debaixo da água morna,ela se entregava de imediato sem pensar,mas quando caia em si,a distração passava e desabava num choro incontido... Já conseguia se enxergar. Sabia que estava dividida, entre o comprometimento do matrimonio e o anseio de felicidade amordaçado, se tornou ação e observadora de si mesma. Aquela coisa era uma angustia inflexível, todo o dia a mesma fantasia, ela orava e orava sem deter,e as lagrimas brotavam fáceis.Na sua mente achava que o coisa-ruim veio lhe seduzir com o gosto da devassidão porque ela já não sentia mais desejo pelo seu marido e mais grave a sensação vinha. Ondas de calor lhe subiam pelo corpo, fazia o seu sexo pulsar, ela se sentia uma mocinha apaixonada, chegou a ir à feira mais uma vez, mas agora sentia taquicardia, cada vez que via o rapaz. Ela ia ao sacrário e orava e pedia, mas aquilo só aumentava, o ardor de vontade a devorava sem dó,um conflito enorme,angustia inalterável, ela se pegava ardendo em desejos de afeição no banheiro brincando com suas partes intimas, de olhos fechados, viajando... Mas o condicionamento:- Que grotesco, olha que situação, pareço uma adolescente apaixonada! E não ir mais a feira não resolveu muito, pois o imprevisto do destino, colocou o rapaz perto dela. Ele veio morar num cortiço achegado a casa dela, para piorar ele tinha um carro extravagante, um Karmman Guia “TC” muito combalido, de temível coloração “Ocre” com um barulho de motor peculiar:Poc, poc, poc!

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Ela até sabia o barulho do carro quando ele ia passar para trabalhar na feira de madrugada,nas noites insones sentada no sofá da sala, não sabia mais o que fazer. Ia ao sacolão, fazer a compra, para não ir à feira, mas sempre cruzava com ele e a taquicardia comia solta. O ardor lhe subia pelas pernas, ele apenas olhava e cumprimentava de modo gentil... Quando ela via o “TC” estacionado, lhe dava tremor,desejos obscuros, mas ela pensava: - Puxa, ele não é nenhum estuprador, daqui a pouco isto passa, é só ficar sem vê-lo... Mas nada disso acontecia, no desespero, apelou para uma psicóloga que trabalhava na Igreja, mas esta lhe deixou pior ainda:- O que você tem Clarisse é paixonite mal resolvida, você tem que investir no seu marido, o chame para o encontro de casais, quem sabe melhorando o seu relacionamento com ele, estas coisas não acabam... È podia ser uma boa alternativa...Se Valdomiro aceita-se:Que isso mulher,vou perder tempo com Igreja?Ah ta tão bem assim, não inventa! Ela acabou se conformando com o que tinha, orações, e orações e não sair de casa a nenhum ensejo a não ser pra Igreja, é claro. E assim a vida se ajeitava do modo que dava... Um dia ela estava varrendo a calçada e o “TC” apontou na esquina sem que ela visse, o rapaz parou e lhe perguntou:- Dna Clarisse, porque a Sra não vai mais a feira? As palavras quase não saiam, pensou que ia desmaiar, sua vontade era de dizer que ele a pegasse ali mesmo e fizesse “aquilo” sem piedade alguma, o que quisesse com ela...Mas 356


numa respiração sobrecarregada se recompôs e educadamente respondeu: -Bom meu filho, sou ocupada com as coisas da Igreja e quase não me sobra tempo. -Que pena, gostava tanto de conversar com a senhora, mas já que esta tão ocupada; não vou tomar seu tempo... -Quantos anos você tem Pedrinho? -20 Dna Clarisse, mas porque a curiosidade? -Por nada, por nada... Cumprimentando, ele se afastou acelerando vagarosamente até a sua casa... “Nossa 20 anos? Puxa... dava pra ele ser meu filho, mas ele é tão bonitinho, tem o tórax bem definido,musculoso... (Olha o que eu estou falando)”. Ficou pensando com o queixo na vassoura olhando ao longe, enquanto o “TC” era colocado na garagem do cortiço... Entrou em desespero total, porque toda noite ela pensava nele, em luxúria, uma chama a consumia, pesadelos, as orações já não surtiam efeito:- Quem sabe uma novena, uma promessa! Ela fez tudo direitinho, por alguns dias esqueceu, mas numa noite o sonho voltou ainda mais intenso, e acordou com o rapaz completamente despido em frente a sua cama.Quando ela pensou em dizer: “Pedrinho, você é doido? O que faz aqui?”. Ele desapareceu na sua frente, o devaneio era tão forte que ela agora tinha visões, mas e ele pensava: “Será que ele era o responsável por isto?”.

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Tomada de coragem, ela resolveu visitá-lo com agente de Pastoral e se surpreendeu.Apesar da simplicidade dos dois cômodos que ele morava, tudo era muito acomodado, não havia televisão, muitos livros numa estante, quase todos de filosofia Oriental.Ele convidou para tomar um café, ele mesmo fez e depois perguntou se ela podia conversar enquanto ele fazia algumas coisas:- Tudo bem! Ele estava lavando a própria roupa, ela se surpreendeu: -Puxa, você não tem quem faça isto? -Dna Clarisse, não posso pagar e não é vergonha eu fazer, isto não me diminui como homem! -E a sua namorada? -Ela ficou em Piramonbonga, mas eu não tenho certeza se o que eu sinto por ela é verdadeiro; Sabe Dna Clarisse, não gosto de enganar ninguém, sou muito sincero! Aquele papo foi bom, ela viu que o problema era com ela, que ele não tinha nada haver, era um rapaz simples que vivia sua vida em paz... -Escuta Pedrinho, estes livros que você tem, não são de espiritismo não? -Não! Nada haver, são filosofias Orientais, são completamente diferentes de tudo que pensamos, são idéias conflitantes a primeira leitura, mas neles encontrei tudo o que eu pensava sobre as coisas da vida. Indo a estante, ele pegou um deles e deu de presente a ela.Era de um homem de nome estranho, de longa barba branca e na foto seus olhos eram descansados, parecia haver

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uma profundeza de tranqüilidade, de placidez neles.Relutante, ela aceitou o livro. -Vou ler assim que puder! Andando pela casa, viu a foto da jovem, cabelos pretos, alta de sorriso largo pegou o retrato e mostrando disse:- Nossa Pedrinho, como ela é bonita! -Ela é sim! E é uma excelente pessoa, pelas nossas famílias tínhamos nos casado, mas eu acho que estamos muito imaturos, que seria um erro, ela quer estudar e fazer faculdade, eu não sei direito o que sinto por ela... -Se você pensar demais pra fazer as coisas, você nunca faz! -E se você não pensa, acaba fazendo coisas que não quer e depois tem de pagar por elas, mesmo sem querer pagar... A carapuça serviu até o pé e sobrou pra dar um nó. Um rapaz de 20, dando lição de vida numa mulher de 40, ela sentiu que todo seu conhecimento era pura ignorância... Que na verdade, apesar de saber tudo, ela não sabia nada.Era uma mente cristalizada que não via o horizonte da vida, só enxerga o que há pouco à frente, se resigna e se torna vitima da lei da causa e efeito que adora f.... os desavisados. Ela ficou vexada, sem saber o que dizer. Agradeceu, saiu pela porta e se dirigiu pra casa, absorta em pensamentos... Jogou o livro em um lugar qualquer e pos se a fazer as coisas da casa, foi para Igreja á noite, ajudar na missa, e até lá os pensamentos lhe incomodavam...Ela olhava pra imagem de Jesus com as mãos piedosamente abertas e implorava de que fosse aliviado o seu jugo, que se fosse o coisa-ruim, que este

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fosse apartado e se pegou chorando copiosamente no meio da homilia, porque o desejo era muito maior que a fé que possuía... -Nossa Clarisse, queria ter a fé que você tem...Você chega a chorar de tanta ternura que experimenta por Jesus... Ela deu um sorriso à amiga em resposta, mas no fundo ela pensava no rapaz e chorava de desespero de não se livrar daquele desejo. Naquela noite os pesadelos vieram mais violentos, na sua fantasia era possuída pelo rapaz de todas as formas imagináveis em todas as posições prováveis e o seu semblante era de um gozo gigantesco no sonho... Ela chegou a molhar o lençol de tanto desejo e acordou com o seu marido por cima dela. Estranhou a principio, mas a resposta veio dele:- Você ficava falando; ”Vem meu gostosão, acaba comigo, apaga meu fogo”; e eu resolvi atender... Ela terminou e tomou banho, sentiu nojo do marido, lavou com a bucha até machucar os órgãos genitais, queria se livrar daquele cheiro de macho de qualquer jeito e depois desabou num choro feroz... -Oh Meu deus...Peguei nojo do meu marido? Tire a minha vida, mas não me deixe ceder a tentação, não posso agüentar mais isto! E assim, mais uma vez se ludibriou de que tudo não passava de um anseio ilícito, e viu que tinha feito a sua obrigação de mulher, que tudo estava bem, só foi uma tensão, coisa de meia idade talvez...

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Mas aquilo vinha todas as noites constantemente,desejo,satisfação do desejo,vontade,insônia,sofá... Uma amiga, Vanessa (aquela que gostava de bater nos exmaridos) lhe ofereceu sociedade numa confecção, seria bom ocupar o tempo com trabalho. Trabalho de dia, e Igreja á noite, quem sabe com a concentração ocupada e pouco tempo de indolência, o desejo não sumisse pra sempre... A confecção começou meio mambembe, mas depois de colocar as roupas para vender em varias lojas do bairro começou a deslanchar. Logo Clarisse tinha sua conta bancaria, cartão, talão de cheques e celular.O seu marido “voluntarioso” (e sem nenhum interesse econômico, diga-se...) se ofereceu para gerenciar as aplicações do Banco: -Não! De jeito nenhum, a minha sócia, não aceita homens como parceiro ou participantes na confecção! -Porque não? -Ela não confia, teve muitas decepções e foi uma das condições que me impôs: ”Você entra sem o marido e faz o que quiser com o dinheiro, homem não manda aqui!”. -Que se f...ela e a confecção então! Clarisse ainda nutria os desejos, ainda que involuntários á noite pelo rapaz, e lutou bravamente contra o desejo dia a dia com o que podia, nos grupo todos estranhavam os seus gritos:Vai te embora Príncipe das Trevas deixe-me, sou uma mulher casada!

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Achavam que era uma manifestação divina e assim gostavam dos seus apelos! Na confecção tudo ia de vento em popa, aquilo se revelou uma mina de dinheiro, pois logo, Clarisse que possuía carteira de Habilitação, graças a empenho próprio apareceu com um carro novinho: -De quem é este carrão mulher? -É meu! Eu o comprei hoje... -Com que dinheiro? -Com o dinheiro da confecção oras! -Se eu gerencia-se podiam ganhar mais ainda... -É pode ser... “Se” ela aceita-se. Clarisse continuou sua vida. Ia a Igreja aos domingos, já não era tão participativa porque começava a esmorecer, já que o desejo era muito mais forte, quanto mais lutava contra, mais ele se fortalecia... Os membros do grupo lhe cobravam muito, mas ela dizia que por causa do trabalho, não poderia assumir mais funções, já era empresaria e mãe, dona de casa e administradora. O marido começou a jogar todas as contas nas costas dela: -Olha mulher, pague estas contas! E ela pagava sem reclamar e ainda comprava jóias, perfumes, vestidos caros, ia viajar em excursões, logo estava bancando a casa toda e seus filhos montando nela, pediam mesada: - Porque não pedem pro seu Pai que sempre deu? -Porque ele é um unha de fome e você tem dinheiro sobrando mãe! 362


O marido vivia pedindo dinheiro emprestado pra por gasolina, pra arrumar o carro e outras coisas... -E a féria que você ganha lá na Carvoaria do seu Pai? -Lá ta dando pouco,e meu Pai só chora quando tem de pagar alguém,até comigo ele é assim e fora isto mal ta dando pras despesas... Porque esta reclamando, eu te sustentei um tempão! Pobre Clarisse virou o burro de carga da família, seu filho Mario lhe daria um grande desgosto.Pegando o carro escondido numa noite, se embriagou, capotou o carro numa esquina machucando três meninas que estavam com ele. Ficou no hospital todo machucado e quando a mãe foi vêlo, melindrado ainda disse: -Você ficava regulando aquela bosta e agora eu acabei com ele pra não ter mais briga... -Mas meu filho,você nem carteira de habilitação tem!Seu Pai não tava te ensinando? -Ele me disse que ia comprar um carro mais velho pra me ensinar,e a sra.sabe como ele é enrolado,eu tinha que “marcar uns pontos com a mina” e o seu carro tava dando sopa! -Puxa meu filho...Você não tem consideração nenhuma por mim! -E nem você tem por mim,pois já podia ter me dado um carro com o que ganha... Clarisse,abaixou a cabeça e se lamentou...Mario tinha o mesmo gênio indolente do Pai,fazia tudo que lhe vinha a cabeça sem refletir no efeito.

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Além disso assumiu todas as despesas de tratamento dos acidentados e ainda era questionada:- Como você me deixa um menor pegar um carro, deviam caçar a sua carteira! Ralou para pagar todo mundo e o conserto do carro, ficou caríssimo apesar do seguro, mas o vendeu assim que saiu da pintura:- Isto mulher! Agora você me dá o dinheiro que eu vou trocar de carro! Ela deu sem questionar o dinheiro, ficaria sem carro,depois de tudo que aconteceu com Mario,era melhor não facilitar, uma experiência basta...É claro que ela encheu o saco de Valdomiro pela falta de Mario,e Valdomiro castigou sem dó:-Agora Mario,você só vai andar de carro quando comprar o seu,já que gosta de botar ovos de avestruz com o (..)dos outros,vai aprender a botar com o seu(..) pra ver o quanto dói! Isto deflagrou uma batalha dentro de casa,pois Mario não sabia nem ir no banheiro se não fosse de carro,assim Clarisse mal falava com ele e quando falavam era na base da discussão. O mais novo ia pelo mesmo caminho e brigavam invariavelmente, o desejo vinha à noite pra preencher as carências que sentia como mulher. Parou de resistir contra o anseio, quando vinha, ela só observava, aceitava sem questionar o porque. O terço juntava poeira na gaveta, quando tinha os sonhos ia para o sofá da sala para se sentir segura, que não seria molestada pelo seu marido, quando manifestasse aquelas vontades... Acordava friccionando o seu sexo de forma impaciente, ate atingir o orgasmo que lhe deixava satisfeita e o pensamento ia

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embora, se pegava rindo sozinha lembrando dos tempos de mocinha. Pedrinho continuava passando com seu carro velho de madrugada e ela era assombrada pelo fantasma dele com o admirável membro em riste nas mãos, defronte ela... Ela agora ria de tudo e o desejo, não encontrando conflito para poder atormentar começou a ceder de forma sistemática, mas as lembranças ficaram... Ela numa noite pegou o livro que Pedrinho tinha dado, começou a ler, a principio não gostou, mas o autor, questionava a pessoa a colocá-los em pratica no dia a dia, e questionava sobre a automatização que as pessoas viviam sem se examinar, que eram como ovelhas, faziam tudo que o Pastor queria sem se interrogar o porque de tudo... Ela continuou na confecção, mas a Igreja começou a perder força na sua vida, ela se questionava sobre tudo agora, sobre Deus, sobre orações e tantas obrigações que lhe pareciam mecânicas e frias. Vivia numa duvida, se aquilo tudo funcionava, se tudo não passava de uma programação intelectual para que as pessoas não manifestassem o que são verdadeiramente, afinal alguma pessoa com alma é muito perigoso... E perguntava-se mais: Se Deus realmente escutava as orações que eram feitas, se não escutasse o porque não escutava, estariam sendo feitas de modo certo? E começou a desobrigar-se de tudo que antes acreditava piamente, aquilo tudo parecia uma bola de tênis que lhe impeliam garganta a baixo, sem saber o porque de tudo... 365


Largou de tudo! Apesar dos protestos das pessoas:- Puxa Clarisse você ta fazendo falta aqui, você organizava quase tudo, agora esta tão ausente... -Sei-lá Maria... Estou revisando tudo o que eu pensava sobre a religião! -Não há o que pensar, a verdade esta no senhor Jesus!Você precisa voltar ao grupo de oração para avivar sua fé, Satã esta te vencendo... -Não tem nada haver com isto Maria, é a vida mesmo que esta me mostrando que nem tudo é como pensamos! -Oh irmã...Volta que tenho certeza que estes pensamentos acabarão! Ela tentou, mas aquilo se mostrou tão vazio...Não suportava os berreiros, precisava de placidez, de calar, de tranqüilidade para se sentir em paz consigo mesma, aquilo agora parecia uma lamúria. Pegou o Terço e tentou rezar. Na segunda Ave Maria desistiu e foi ler, chorou por ver que a sua fé tinha minado, na sua mente o “oposto” tinha vencido, ela era uma descrente hoje...E o que herdaria um incrédulo? O Inferno?Quem sabe...Você julgaria? Algo estava morrendo dentro dela, ela não achava graça em coisa nenhuma, a sua mente pedia pra que ela voltasse à religião, mas a razão dizia que fizesse isto estaria se enganando, mentindo pra si e pra Deus, que o conhecimento lhe trouxe desventura, mas abriu os seus olhos da mente... Era o que o autor dizia no livro e agora ela entendia o porquê das coisas que ele falava com tanta autoridade, que a 366


felicidade era feita de pequenas coisas e que juntando todas as coisas se faz uma felicidade completa... Ela se enterrou no trabalho da confecção,ainda assim achava tempo para ir aos orfanatos, aos hospitais, aos abrigos de velhinhos e se alegrava em auxiliar os outros, em ver um sorriso mesmo embaixo de tanta desgraceira, desafortunamento e muita esperança em dias melhores... Ela começou a sorrir de verdade, um sorriso de alma, verdadeiro, uma calma tomou conta dela, as pessoas ficavam indignadas:- Puxa, ela era tão religiosa e agora vive para trabalhar, nem vai mais a Igreja! Seu Marido continuava a vida de sempre, a trabalhar e trabalhar, os filhos estudando, ela fazendo academia e trabalhando, quase não via mais o objeto do seu desejo e nem tinha mais conflitos, muitas vezes o sonho vinha, mas ela curtia e dava risada: -Até que seria bom! Se eu não fosse casada... Quando voltava da Academia, vinha com a roupa “training” bem coladinha no corpo, cumprimentava sempre Pedrinho com um aceno, ele vivia mexendo no seu carro, e achava estranho que ele sempre entrava pra dentro de casa quando a via... Ah destino, você sempre apronta...A sua amiga (e sócia) Vanessa estava há tempos sozinha e de uma hora pra outra apareceu com um xodó. O rapaz era muito mais novo que ela. Bem-criado, bonito, ela elogiava ele muito:- Ce tem que ver que gracinha, me sinto uma adolescente com ele, me trata muito bem! 367


E se surpreendeu tempo depois, quando eles ainda estavam juntos, quando ela disse:- Ele quer se casar comigo, vê se pode Clarisse! -E o que você disse a ele? -Que não! Que não posso ter mais filhos, que não seria justo... -Ele desistiu então? -Imagina! Disse que vai pedir até que eu ceda, disse estar apaixonado por mim... -O que você pretende fazer? -Vou “por no gelo” e ver se a paixão continua se eu não fizer as vontades dele. Clarisse ficou pasma, ou ela era louca ou muito corajosa.Vanessa era uma mulher escolada, depois de três maridos ela sabia pegar um cafajeste só do jeito que o cara falava, até nos negócios ela era assim:- Não vende pra aquele sujeito que ele é ruim de pagar! -Como você sabe? -Ele fala demais e é hesitante quando fala em dinheiro, usa muito o “se” entre as frases! Clarisse era muito paquerada pelos clientes, mas sempre frisava que era casada, mesmo sem querer sempre mostrava a aliança pra todos... Aliás, aliança que o marido deixou de usar:- Cadê a sua aliança Valdomiro? -Mandei dar um polimento, estava suja de pó de carvão! -Ah tudo bem, mas onde foi, preciso fazer na minha também! 368


-Precisa coisa nenhuma, ta novinha! Apesar de Clarisse estar mais contente sobre as coisas da vida, a amiga feliz lhe daria uma péssima noticia: -Olha preciso lhe contar uma coisa, mas como sei que você vai sofrer muito, prefiro que veja com os seus olhos: -E o que é? -Preciso lhe mostrar! E assim, marcando dia e hora meio sem coerência, depois de alguns dias ela disse:- Prepare-se, vai ser hoje e o choque vai ser grande... -Porque você não pode me dizer? -Você não acreditaria em mim, mas os seus olhos não poderão mentir! À noite, pararam com o carro em frente a casa,Vanessa e seu púbere namorado: -Vem com a gente! Foram conversando animados, até que chegaram no outro lado da cidade e num bairro meio pobre, entrando numa rua sem saída, na rotatória final havia um sobrado (o único) em fase de acabamento... -Olhe na garagem Clarisse! -To olhando, e daí? -Não conhece este carro? Ela ficou pasma, era o carro de Valdomiro, mas o que faria ali?Seria a casa de algum amigo e por medo ele guardava na garagem?Seria a casa de alguma pessoa que fazia negócios com ele?

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A espera foi longa, mas depois de longo tempo, uma moça bem novinha (e muito sem graça) com uma criança pequena nas mãos veio abrir o portão, e o carro acendeu a sua luz de ré branca, era Valdomiro, dava pra ver bem e a moça quem era? Quando a moça o beijou na boca, o rosto de Clarisse se fechou em prantos: - Porque Meu deus?Porque? Logo que o carro saiu, eles saíram e ninguém falava nada, nem o namorado de Vanessa abria a boca, logo ele que era tão brincalhão... Clarisse foi pra casa e chorou sentida, ela tinha resistido tanto à tentação de se entregar, foi fiel sempre, seu corpo nunca se maculou com outro homem, seu marido tinha sido o primeiro e único homem de fato na vida dela. Ela não pensou em se vingar dele, não era do feitio dela de pagar o mal com o mal, tentaria salvar seu casamento a todo custo,quem sabe com uma boa conversa, contudo Vanessa lhe abriria os olhos mais uma vez com um Dossiê completo:- Você é uma irmã pra mim Clarisse, fiquei quieta porque sabia que você não acreditaria em mim, mas agora que sabe, saiba tudo do começo ao fim. (e emendou) “Estou cansada de ver estes canalhas que não sabem dar importância a uma mulher de verdade!”. Ela leu estarrecida, tinha fotos, horários, copias de notas de material de construção gastos nestes sobrado e tudo em nome de quem? Do seu marido! O menino que ela viu?Tinha o sobrenome Junior, precisa falar mais? 370


Ela se sentiu atraiçoada, usada, mas o que adiantaria se vingar?Ela também tinha culpa no cartório, afinal corria do marido há muito tempo e ele não resistiu ao desejo como ela, porque apesar de toda a machidão, não passava de um boçal que nem sabia direito o que fazia... Continuou a sua vida, como se nada tivesse acontecido, ela queria observar tudo primeiro, qual deliberação poderia ser adotada, não como desagravo, mas para alterar a sua história de feitio radical, fazer alguma coisa pra ser feliz, algo que ela não havia sido... Examinando a sua vida, percebeu que ainda não havia sido amada como uma mulher deve ser, era apenas um item, uma agregada que ao invés de receber, pagava por tudo. Começou por inquirir Valdomiro, sobre uma possível separação, mas falando como se fosse uma amiga que estivesse fazendo: -Você ta louca mulher?A sua amiga depois de 25 anos quer largar dele só porque descobriu que ele tem um lance á toa com uma biscate qualquer? -Mas e o que eles prometeram no altar quando trocaram alianças? -Lá você fala tudo que o vigário mandar repetir, mas depois a própria vida mostra que as coisas seguem outro curso... o da praticidade! -Espera aí...Quer dizer, que tudo aquilo é só uma representação, que não é preciso lealdade, fraternidade, que tudo é apenas conveniência?

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-Se você me traísse, eu já teria te matado, nunca toleraria ser traído! -E se o infiel fosse você, o que faria,se matava? -Ah mulher... Ta falando demais!Tenho mais o que arranjar do que debater esta baboseira de relação,isto é coisa pra quem não tem o que fazer da vida! Conversando com a Sogra, a réplica não poderia ser diferente: -Sabe com é minha filha, as pessoas falam aqui e ali, mas você não pode dar atenção, alem do mais, sabe como são estas moças novinhas, elas dão encima de homem casado mesmo, mas é só aventura, depois eles voltam dóceis pras suas mulheres... -Quer dizer que tenho de aceitar a traição quieta? -Não é aceitar, é fazer “vista-grossa!”. Pobre dona Merenciana estava tão dependente ao seu marido que nem ligava mais para tanta coisa que acontecia na vida dela... -Mas Dna Merenciana e o que o noivo promete pra nós no altar? -Minha filha, religião é uma conveniência, assim como torcemos pra um determinado time de futebol porque gostamos, temos uma religião apenas pra dizer que fazemos parte das atividades da sociedade... -Pra que serve então ter religião? -Ela é apenas um lubrificante, pra que você engula os sapos sem doer à garganta...

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-Se a sra sabe de tudo isto, porque aceita tudo sem questionar? -Não nos cabe questionar ou pensar, já fazem isto por nós e pra que lutar pra mudar a vida que levamos?Esta boa deste jeito, o mundo é isto, as pessoas tem defeitos... Saiu de lá com o estomago embrulhando de repulsa e via que o autor do livro se provava cada vez mais no que dizia, que realmente as pessoas são condicionadas a acolher tudo e mesmo sabendo que estavam errados, se resignam por não ter entusiasmo para transformar e nem querem modificar coisa nenhuma! Seus filhos já estavam grandes e encaminhados, Mario havia saído de casa para morar com uma mulher que conhecera numa casa noturna, não deu nem satisfação, juntou suas coisas e foi embora. Moacir na faculdade e trabalhando não parava em casa, Valdomiro trabalhando e se deitando com a sua Lolita “sem graça”quase não parava em casa. O que imaginar?Continuar e receber tudo como estava? Arrumar um amásio pra matar as vontades e continuar casada somente por reserva social? Ela ainda alimentava por Pedrinho um volumoso anseio, ainda sonhava com ele todas as noites. Ele continuava sozinho, era dono da banca na feira agora, andava no mesmo velho carro, só que tinha reformado, morava numa casa melhor na mesma rua: “Estranho como uma pessoa que melhora de vida sai de uma casa na rua e mora na mesma rua!” Agora ela pensava nisto...

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Ela tinha que conversar com ele, ver o que ele achava de tudo aquilo... -Olha Dna Clarisse...(interrompido por ela...). -Só Clarisse, por favor! -Quando você usa alguém, na verdade esta usando Deus.Quando se faz alguém de objeto na verdade esta usando Deus como objeto... -Mas a pessoa não vai pagar por isto depois? -Olha, na maioria das vezes não, e sabe porquê?Porquê na maioria das vezes a pessoa não sabe o que esta fazendo... Satisfaz a um impulso cego, a um anseio de domínio, de propriedade e tudo nesta vida é emprestado, nada a é duradouro, pra sempre. Pras coisas existe um tempo! O que esta “desperto” vive este tempo de forma prazerosa apesar da dor ser mais forte porque se é “real”; o que esta dormindo por sua vez, vai aos trancos e barrancos e é preciso de um anestesiante para abrandar as pancadas que a vida dá! -E qual é este anestésico? -Se enlevar de que na verdade as coisas são assim, cria-se uma utopia para não se ver o que há na realidade, muitas vezes quando a pessoa vem a tomar conta deste preceito, ela se mata de desgosto, porque chega à conclusão de que não é um rei a mandar no jogo, mas apenas um Peão, que é o primeiro a ser sacrificado no tabuleiro. -E sobre a religião, o que você diria? -Que lá pros tempos antigos poderia funcionar, mas hoje ela já não serve, não acompanhou as mudanças necessárias que precisava, embora eles pensem que a mesma chave abre as 374


fechaduras, se esqueceram de algo; ”As fechaduras mudaram e a chave precisa ser feita de novo...”. -Já pensou falar isto pra um Padre... -Ele diria que eu poderia até ter razão, mas que se as coisas funcionam do jeito que estão, pra que mudar? Lembrou-se das palavras de sua sogra, como ela havia chegado a esta conclusão sozinha?”Acho que às vezes Deus fala com a gente mesmo, mas não sabemos escutar a mensagem...”. Ela tinha ido com seu agasalho “training” propositadamente, cruzou as pernas varias vezes, Pedrinho não tirava os olhos um minuto de suas pernas roliças, mas por educação não dava uma cantada, sabia que ela era uma mulher digna... -Pedrinho, o que você faria por um grande amor? -Qualquer coisa Clarisse, qualquer coisa... Largaria de tudo e fugiria pelo mundo com ela sem pensar... -Ainda não achou esta mulher? -Achei, mas não sei se ela faria isto por mim, não acho justo obrigar uma pessoa a nada, se eu a amo tenho de amar a individualidade dela, a liberdade e aceitar... Impressionada! Era a expressão certa...Um garoto, pouco menos que um homem formado e como ela sabia das coisas, não era só belo, agradável, cavalheiro, ele tinha uma personalidade meiga, coisa rara num homem.Ficou com vontade de se entregar pra ele, mas seria muito fácil...E se ele só quisesse tirar um “lazer” com ela?Era muito mais velha, que rapaz se apaixonaria perdidamente por uma mulher vinte anos mais velha e que não podia ter mais filhos? 375


Abandonar tudo por uma experiência arriscada?Que iria perdurar quanto?Outra desilusão? “Não! Não sou uma mulher tão fácil assim! Se fosse teria vindo muito antes aqui e dito: Vem, e faz o que quiser comigo... Não, não caio neste conto de novo”. Foi embora mais uma vez impressionada, cumprimentou apenas pegando na sua mão, ele era um pouco tímido, até mais do que ela achava. A gota d, água será com a sua amiga Vanessa:- Aceitei o pedido de casamento dele, resolvi apostar, pra que já foi casada duas vezes e amigada mais uma... Tanto faz! “Nossa que coragem!” Pensava Clarisse, ela achava a amiga louca e a achou mais louca ainda quando ela disse:- Pra que planejar o futuro?Tudo o que planejo nunca dá certo mesmo...Casei apaixonada nas três vezes e me danei! Agora não to nem aí, só to curtindo o que ele diz sentir por mim, dei a maior dor de cabeça pra ele, fui difícil ao extremo,não dei mole e nem assim ele desistiu...O cara é louco por mim, quem sabe é desta vez! Podia ser, e porque não podia?Sem fazerem planos, sem esperar nada um do outro, podia dar certo...Ficaram noivos e para descrença de todos marcaram casamento e o “pior” de tudo, o rapaz era bem de vida, tinha um bom emprego então não houve interesse... Clarisse tava pasmada, sua amiga poderia ter razão.E daí se erra-se?Não se erra sempre?E errar em nome do amor é feio?...Não poderia ser...

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Ela se regozijava na sorte da amiga, se existia alma-gemêa ela encontrou a dela, e a diferença de idade era grande, apesar de Vanessa se vangloriar:- Deixo ele maluco na cama! Vanessa era muito bonita, mas perto de Clarisse... Coitada, parecia uma roceira, ainda assim formavam um belo par. Andando de mãos dadas por aí, trocando beijos toda hora, pareciam dois adolescentes que tinham descoberto o amor e por sinal, o noivo de Vanessa conhecia Pedrinho: - Clarisse, ele é uma excelente pessoa,apesar da idade é muito maduro! -Ele não tem namorada, ninguém que ele goste? -Bom, ele me fala que tem um amor impossível... Que a mulher que ele ama já tem dono! Quem seria esta mulher?Será que era a moça do retrato? Que bateu o arrependimento de não ter casado? -Ainda bem que não me entreguei, seria outra decepção... Ela já nem ligava pra Valdomiro, pegou o cômodo que sobrou na casa e montou um quarto pra ela:- Cada um no seu canto! Valdomiro estranhou à primeira vista, a mulher mudar de quarto, mas depois como não tinha mais afinidades com ela, ficou o dito pelo não dito... O desejo voltou, voltou para preencher a carência de amor, voltou forte, ela sonhava, mas no seu quarto tudo era permitido.Era um amor virtual e esta bom assim, ela sabia se satisfazer sozinha: -Vem Pedrinho,me possua seu gostosão!

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E depois levantava rindo, ficava com vontade de no meio da noite lá, só de camisola e dizer: - Isto tudo aqui é seu...Seu bobão! Olhava para o seu admirável bundão e pensava:” Acho que ele baba em mim cada vez que vou lá visitá-lo!” -Vou sacanear esta cara pra ver até onde ele agüenta, pois sei que ele é idêntico aos outros, só falta o motivo e se ele der o vacilo aí desencano... E assim ela ia à feira após a ginástica com seu agasalho”training” coladinho no corpo e provocava... Jogava olhares dissimulados, batia papos animados, sentava na banca num caixote de frutas e cruzava as pernas toda hora enquanto Pedrinho (sem tirar os olhos dela um minuto sequer) atendia as pessoas atrapalhadamente,toda hora derrubava qualquer coisa,tropicava em alguma coisa,errava nas contas e dava risada: -Mas que foi que largou esta porcaria aqui?...Ah fui eu mesmo,”PQP”,quase me arrancou o tampão do dedo! Estava tão perdido,que pedia desculpas a todo mundo,dizia obrigado a todo minuto,ficou todo embananado...Ele ficava tão atrapalhado,que pegava as coisas de um e dava pra outro: -Oh me desculpa Dna Maria,não é mamão,é laranja né? Nossa to todo atrapalhado hoje... Deu um tropicão que quase colocou a banca abaixo,voaram frutas pra todo lado.Suava frio,colocava a mão no coração,depois via Clarisse chorando de rir e dava um sorriso...

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Ela começou a se lembrar da adolescência, quando aprontava barbaridades com os homens que ficavam sem saber o que fazer e aí atacou Pedrinho sem pena só de sacanagem. E ele nunca dava uma mancada, era sempre gentil, sempre amável, mas ela percebia que apesar da sua calma aparente, ele ardia em desejo, mas por educação não cedia... Mas ele contra-atacava do modo que podia,mandava flores pro serviço dela com bilhetes sem assinatura,oferecia musica na radio,enchia a caixa de E-mails dela com outro nome, colocava flores no portão quando ela chegava e bilhetinho sem assinatura: ”Sou louco por você mulher...Senhora dos meus desejos!”.Ela chegava em casa e tinha um maço de rosas na portão que sempre espetavam o seu pé:-Mas que admirador “FDP”que suja a minha calçada com estas rosas lindas,vou dar uma surra de beijos nele...(e ria muito em seguida) A curiosidade é o ponto fraco numa mulher e o riso também,se você faz uma mulher rir você conquista o coração dela. Com Pedrinho o riso era simples. Ele conseguia deixá-la feliz falando qualquer criancice,ela se divertia vendo como ele ficava atrapalhado perto dela e Clarisse por sua vez se sentia envolvida por ele, sentia como amizade,carinho,respeito, ela foi gostando da amizade dele,mas no fundo queria se entregar... Ela sem querer um dia abriu o jogo sobre o seu casamento, que ele tinha chegado ao fim há muito tempo, que hoje era só dignidade: - Eu sabia disto a algum tempo! -Como você sabia?

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-Eu desconfiava que algo não estava bem, porque você era muito melancólica,sei disso pelas palavras que você me dizia,o modo como você contas as coisas da sua vida,alem do mais o noivo da Vanessa me contou... Sem saber o que falar, ela levantou-se e foi embora, Pedrinho pensou em ir atrás, mas o que ela precisava era de isolamento agora,se ele argumenta-se poderia por tudo a perder... A noite foi distendida, contemplativa, ela ponderou sobre tudo, tinha quase certeza quem era o seu admirador oculto:” Ele cantou a bola!Só pode ser ele”... De madrugada vieram os sonhos, mais reais do que nunca.Ela era possuída de todas as formas, suava em bicas, gemia alto, tinha convulsões intensas nos gozos...se imaginava de todas as formas de olhos fechados,abrindo a boca e soltando um gemido lá do fundo da alma,um grito de liberdade,de intensa felicidade...Ela de quatro ,e ele mandando ver sem piedade e dando tapas com as duas mãos no seu bumbum...Ensopou o lençol: -Chega!Cansei!Vai pra p...que o pariu! Vou lá agora me oferecer para aquele bosta agora, pra que passar vontade?Danese o pecado, dane-se a fidelidade, não tenho de passar vontade! Estou de saco cheio com este sonho,nem que eu morra de raiva depois e queime no inferno pela eternidade,não é justo sofrer assim...mas hoje fico com ele! Levantou, eram três da madrugada, o ocaso tomava conta da noite, colocou um Hobby e se dirigiu apressadamente a casa

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dele, tocou a campainha varias vezes e escutou:- Calma, já vou, já vou! Quando ele viu Clarisse no portão, com roupão de banho, ficou preocupado: - Nossa Clarisse aconteceu alguma coisa?Posso ajudar? -Pode sim seu bobinho, cale a boca e me beije,me beije já ou vou embora! E foram muitos beijos,beijos e beijos. Clarisse era robusta perto dele, mas como ele era forte a juntou nos braços e carregou até a cama (de casal).Ela pensou:- Ah que danado! Tava preparado pra me abater, mas que se dane! E ele foi tão delicado,fez com tanto carinho,com tanta ternura...Foi tão bom que ela se encantou,foram muitas e muitas vezes e terminou por sorrir tranqüila,abraçado ao seu homem sem culpa pela diferença de idade, com os líquidos seminais se misturando nos corpos... Ela pedia mais e mais e dizia:- Sei que você pode mais e quero mais, exijo mais, manda brasa gostosão apaga meu fogo, acaba comigo,me enche de felicidade! Ela não acreditava em si, estava realizada, não sentia mais remorso, estava feliz abraçada ao lado do seu admirador secreto que confessou todos os seus crimes de amor e colocava gentilmente o seu coração no cadafalso da modéstia: -Sim era eu que colocava os bilhetes! Sim; era eu que colocava as flores!Sim eu lotava sua caixa de e-mails com poesias;Sim te oferecia musicas na radio que você gostava de ouvir;Sim,Sujava sua calçada de rosas; Sim; era eu! Sou culpado, me julguem, diga que pequei por amar uma mulher casada! 381


E continuou confessando enquanto ela o torturava suavemente com beijos em enorme abundância: -Sim sou eu quem corria para o banheiro cada vez que te via no seu agasalho “training” e te desejava com as minhas mãos e o meu pensamento...Eu te desejava do fundo do meu coração,te imaginava deitada nesta cama,te via todas as noites me dizendo:”Vem meu gostosão bobinho e acaba comigo!” -Cale a boca e me beije bobinho, ta falando demais! -Clarisse, você é demais...Nossa que mulher!Não é só bela, é um vulcão, quero acabar com você sua gostosura! -Eu quero de novo seu bobinho! E assim se passou à noite,abraçada com ele,juntinhos, ela nem se preocupou em vir pra casa.De manhã, café na cama com rosas pelo quarto: - Todas sua namoradas são tratadas assim?Com este carinho? -Ainda não trouxe nenhuma aqui, tava me guardando pra você, sabia que um dia você viria,eu tinha esperanças que você viesse,eu pedia toda noite a Deus, que você tocasse a minha campainha! -Ah que isso,não exagera... você é um rapaz bonito, trabalha na feira, deve ter um monte de meninas loucas por você! -Não vou mentir que não tenha, mas tem uma coisa que não me deixava ter outra mulher... -O que era? -O desejo que eu sentia por você...Toda dia eu tinha o mesmo sonho, do mesmo jeito, desde a primeira vez que a vi na 382


feira, quando te dei aquela manga...Puxa eu não agüentava mais de tanto desejo que eu sentia,parecia que ia morrer e saber que não era minha! Ele contou os sonho com minúcias, era precisamente semelhante ao que ela sonhava e ainda disse que tinha poluções noturnas cada vez que o sonho terminava: - Tinha de lavar lençóis todo dia,tinha taquicardias horríveis quando te via,de madrugada acordava suado nos sonhos e a minha vontade era de ir a sua casa e me jogar de joelhos no chão e implorar pelo seu amor... Ficou pasma, o que seria? duas pessoas, tendo sonhos iguais, homem e mulher, seria a tal da Alma-gemea que popularmente se fala, mas que não se prova? -Olha Clarisse veja bem o que eu vou dizer, não quero lhe sujeitar a nada, nem lhe exigir coisa nenhuma,não estou pedindo que você largue do seu marido por uma aventura...Respeito você e a sua vontade de resguardar seu casamento, mas largo tudo pra desaparecer com você pelo mundo,vendo a banca,vendo o carro e sumimos,vamos começar uma vida em outro lugar,porque não tenho mais duvidas, você é a mulher que foi feita pra mim, a minha costela perdida... -Seu bobão lindinho... Nasci antes de você vinte anos, então você que foi tirado de mim... -Espere então bobinha, vou te devolver o pedaço que esta faltando agora! -Vem de novo,quero ver se consegue cinco vezes seguidas!

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Naquele dia ela foi trabalhar e se pegava rindo nos cantos da confecção: -Qual é a piada Clarisse? -Toda a minha vida é uma piada Vanessa,uma piada sem graça,que comecei a achar graça agora...Estou rindo disso! A propósito tenho uma conversa muito séria pra discutir com você, sobre a sociedade! -Algo errado? -Não, ta tudo bem, só que tomei uma decisão... Chegando em casa á noite, Valdomiro estava lá, se sentado à mesa, com uma cerveja aberta e a mão na fronte, perdido em pensamentos: - Clarisse esperava você chegar para conversarmos... -E o que há para conversarmos Valdomiro? -Muita coisa...Muita coisa, você nem imagina o quanto...Preciso do seu apoio mulher,fui injustamente acusado pelo meu próprio Pai! Valdomiro começou contando sobre o serviço...”Que desde o começo, seu pai não “abria a mão nem pra dar bom dia” e se não fosse pelo empenho dela... (Clarisse)” até hoje teríamos aquela casinha simples “. (Continuando):” Hoje eu e ele discutimos porque ele passou a supervisão para um empregado e não para mim...Depois de tantos anos de energia e dedicação,do meu sangue e transpiração que dediquei,abri mão até do meu casamento por ele... Me chamou de vigarista, disse que eu desviava dinheiro, por isso tinha um carro tão novo e uma casa tão boa, que a firma tinha uma racha na cofre onde fluía dinheiro a rodo... e ia para o meu bolso e a minha 384


conta no banco...” Mesmo chamando a razão não o convencia, ele arrumou provas com notas superfaturadas, e com a minha assinatura,forjadas por este encarregado baba-ovo que só tem o alvo de me depreciar porque sabia que no dia em que eu assumisse o colocaria na rua!” Tentei esclarecer que você quem me deu o dinheiro, que eu era o seu único filho e que não merecia esta injustiça...”Mas ele não acreditou em mim...”. -Puxa Valdomiro, como você é santo, você nunca faz mal a uma mosca! -Como assim? -Acho Natural que seu Pai desconfie que você desviava dinheiro... Afinal para um homem sustentar duas famílias ele tem de ter muito dinheiro... Para sustentar uma adolescente “buchuda” e sem graça é preciso muito mais dinheiro ainda, para se provar que ainda se é homem, que a masculinidade tem de imperar sobre qualquer julgamento...Sobre até o que se prometeu perante Deus! Clarissa tava dando uma lavada em Valdomiro e para agravar, jogou o dossiê sobre a mesa: - Olha Santo do Pau oco “, as provas que o seu atestado de beatificado é comprado no Inferno, uma mera falsificação... acorda pra vida homem!”. Valdomiro fez o que sabia melhor, começou a bater em Clarisse e mandá-la calar a boca:- Sou eu o homem da casa e faço que quero e você é a minha mulher! Tentou pegá-la a força, e levá-la para o quarto para suster o seu machismo, como ela não cedia, deu lhe uma bordoada de desmaiar... 385


Ela caiu desfalecida no chão, Valdomiro desnorteado já que não sabia enxergar se o que tinha feito era sensato ou injusto e foi para o bar solver ,“afogar as magoas”. Clarisse acordou com muitas dores pelo corpo, tinha sido muito surrada,sentada ficou pensando em tudo,tomada do entusiasmo emprestado daquela amiga e determinada por finalmente ter encontrado a parte de si mesma que faltava,telefonou para a policia, que a levou para o hospital com discrição e fez um exame de corpo de delito com idéia de dar queixa... Pedrinho ficou muito assustado quando soube de tudo que havia ocorrido lhe disse: - Se você não denunciá-lo, vou embora e nunca mais me verá,porque lealdade eu entendo,mas amargura para se sustentar isto,é demais pra mim! -Não precisa disso meu amorzinho, eu ia fazer de qualquer jeito! -Quando Valdomiro chegou em casa trançando as pernas,pensava em se desculpar,em tentar um “remendo”com Clarisse. Não havia ninguém em casa,a campainha tocou e ele foi solicito atender,achando que era ela que voltava para se desculpas de tudo... Foi lhe dada à voz de prisão.A vizinhança toda saiu na rua pra ver Valdomiro ser colocado na viatura: -Puxa,olha o que a mulher fez com ele... Na cadeia apelou para Clarisse:- Que isso mulher, só foi uma briguinha à toa, pra que por a justiça no meio?

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Clarisse disse que só retiraria a acusação de espancamento,tentativa de assassinato e cópula constrangida, caso ele assinasse a separação: -Jamais farei isto! Prefiro te matar antes a separar de você, na minha família não existe isto...Casou, é pro resto da vida! A família de Valdomiro interpelou para que ela relevasse e o tirasse da cadeia e não pedisse a separação para salvar Valdomiro da desintegração que ocorreria,já que seu Pai já o tinha afastado da firma para fazer uma auditoria,e acrescentou :”Você tem que permanecer do lado dele nesta hora como esposa,para chamá-lo a razão das coisas e apóia-lo para que dê a volta por cima!”. Clarisse estava irredutível,queria a separação de qualquer forma,dizendo que:”Não havia jeito deles continuarem juntos depois de tudo...”.Já que não havia mais consideração e para evidenciar o que dizia,levantou a manga da camisa e mostrou seu corpo todo marcado, mostrou as provas aos Pais da sua infidelidade e que certamente ele desviava dinheiro... Para admiração de Clarisse, estes diziam que sabiam disso há tempos e que a culpa era dela por não fazer o seu papel de mulher na casa que se ela fosse mais ativa como esposa do que era como empresaria e dirigente na Igreja,isto não teria acontecido. Ela saiu arrasada da delegacia.Percebeu que nem sempre as coisas do mundo são justas,porque a justiça que impera é a dos cínicos. Que só existia um caminho para sua felicidade,desaparecer sem deixar rastros,já que nem quando parecia estar certa não 387


havia apoio,precisava da decisão final para colocar em pratica o seu plano sigiloso e aquilo foi o que bastou para que a tomasse... Quando chegava em casa, o “TC” a esperava com a porta aberta e uma flor na dobradiça da porta: - Para onde você que ir minha musa? -Você seria capaz de qualquer coisa por um grande amor? -Fugiria pelo mundo com ela sem paradeiro... Ela ficou parada olhando,se achou o maximo,tinha “bala na agulha”,um garotão afim de uma Tia...E daí se não desse certo?quem acusaria por tentar ser feliz uma vez? Ela ficou olhando e olhando pensado no que ia fazer da sua vida daí pra diante... Antes que ela completasse com mais alguma pergunta... -E o meu grande amor é você Clarisse! Deu com os ombros pra cima e montou no Velho Karmann Ghia Ocre e nunca mais foram vistos...Valdomiro ao sair da cadeia dias depois graças a um “hábeas corpus”impetrado pela família, procurou Vanessa para exigir o ressarcimento a que Clarisse teria direito e ficou surpreso... Ela tinha terminado dias antes a sociedade. Valdomiro...O astuto estava desamparado, a Lolita tinha chutado a bunda dele e queria pensão, seu pai o tinha chutado da carvoaria,Clarisse o deixou na lembrança e duro, ele estava sem eira e nem beira... uma carta sobre a penteadeira do quarto, tudo que restou de vinte cinco anos de casado foram ruínas: Valdomiro: 388


A minha vida toda,vivi para minha família,como esposa,como mãe e a felicidade parecia algo distante pra mim. Eu me enganava que tudo estava bem,que tudo com dinheiro podia ser remediado e que a religião era o arrefecimento pra minha atormentada alma...Hoje vejo que nunca te amei,que foi uma conveniência,para mim,para nós dois.Não importa se existirem outras vidas,não há segurança,não há o depois... Vou em busca do meu eldorado,da minha felicidade,faça o que quiser da sua vida,e deixe eu fazer o que quiser da minha,somos livres! Clarisse. •

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Clarisse,existe realmente nunca mais foi vista,e tomou esta decisão.


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