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No limiar da consciência
Hipnose recebe chancela científica e passa a ser empregada até mesmo em consultórios odontólogicos. Especialistas e pacientes certificam resultados Lucas Alvarenga Cesare é um sonâmbulo usado como acompanhante pelo doutor Caligari, um italiano que deseja promover um espetáculo em uma feira no montanhoso vilarejo de Holstenwall, na Alemanha. Caligari afirma que Cesare, em sono profundo há 25 anos, é capaz de prever o futuro. A história de ‘O Gabinete do Dr. Caligari’ (1920), clássico do cinema expressionista alemão, traz as alucinações de Francis. O doente mental acredita que o personagem-título da obra de Robert Wiene seja um hipnotizador que dá ordens para que seu paciente acorde de um transe e cometa assassinatos em série. Tratada pejorativamente no filme, a hipnose é prática regulamentada pelos Conselhos Federais de Medicina, Psicologia, Odontologia e Fisioterapia e atua como auxiliar a uma série de tratamentos e solução, inclusive, para pessoas com resistência à anestesia ou que sofreram violência sexual. Mas a discussão científica da prática começou apenas em 1887, com o médico austríaco Franz Mesmer. Discípulo dele, Freud utilizou a hipnose anos depois para tratar pacientes com histeria. Mas foi com o psiquiatra norte-americano Milton Erickson que as técnicas clássicas da hipnose ganharam nova roupagem e ampla aplicação. “A hipnose é indicada para problemas de saúde mental, emocional e física. A técnica é capaz de ajudar no tratamento de doenças, como a Aids, o câncer, a tuberculose, os problemas cardíacos, respiratórios, digestivos, alérgicos, dermatológicos. Além disso, a hipnose auxilia vítimas de bullying e colabora para o combate a transtornos alimentares, vícios, o bruxismo e fobias de avião e do dentista”, enumera Marco Paulo Alvim Reis, mestre em Psicoterapia Ericksoniana pelo Instituto Milton Erickson do México. Apesar da associação à Hypnos, deusa grega do sono, hipnose é um estado alternativo da consciência, denominado transe. O fenômeno consiste na fixação da atenção em um ponto, deixando que o inconsciente aflore e o su22 | www.voxobjetiva.com.br
jeito hipnotizado fique mais receptivo a sugestões. Com quase 40 anos de experiência com hipnose, Reis explica que a prática se baseia em preceitos científicos oriundos de pesquisas nas áreas da medicina e da psicologia, mas que transe hipnótico é um fenômeno natural. Segundo o mestre em Psicoterapia Ericksoniana, na maioria das vezes, o tratamento se estende por 12 a 30 sessões, sendo uma por semana. “Em geral, cada sessão dura uma hora, e o hipnotizado se sente confortável, como se estivesse na fronteira entre o dormir e o acordar”, ilustra. Especialmente na hipnoterapia, usa-se a chamada “conversa hipnótica”. A técnica consiste em induzir o cliente ao transe por meio de uma dicção mais lenta, pausada e pela acentuação de certas palavras. Relógios e cristais são técnicas pouco usuais, embora remetam imediatamente à hipnose. Realizada no Brasil por médicos, psicólogos, odontólogos e fisioterapeutas especializados, com formação e treinamento específicos na área, a prática também tem contraindicações. De acordo com Reis, crianças recém-nascidas e pessoas muito idosas ou com doenças mentais e neurológicas graves, como demências, psicoses severas, Alzheimer e Parkinson não devem ser submetidas à hipnose. As técnicas também não têm valia para indivíduos céticos e enfrentadores, com pouca capacidade de criar e imaginar.
Aplicações da técnica Mas se a hipnose trabalha com as memórias do indivíduo e a construção de situações mentais, como apagar, por exemplo, as cenas de uma violência sexual? Para a psiquiatra Célia Martins Cortez, presidente da Associação Brasileira de Hipnose, um paciente pode ressignificar as experiências pessoais por meio da revivificação, também conhecida como a regressão. “A técnica é muito mais elaborada, mas seus resultados são duradouros. A