Revista Esquinas - Edição 46 - Mente

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Esboços dE uma composição que foi sendo feita manualmente, árdua e espaçada por anotações infinitas perdidas num cômodo familiar. Ele encontra a personagem toda manhã, quando se senta, respondendo com a caneta em punho a questão de Drummond: “trouxeste a chave?”. Cristóvão Tezza penetra surdamente no reino das palavras. A escrita é o seu despertar, depois e, somente depois, atende aos chamados da vida cotidiana -- pagar contas no banco, checar e-mails e dar aulas na faculdade. Tezza, 57, no início da adolescência descobriu seu projeto de vida: ser escritor. O que ele mais gosta é do ato de escrever em si, o período enquanto a narração está sendo feita. Depois, vê o livro como um objeto, como um leitor de si mesmo — o que chama de olhar social sobre o romance. “Não levo em consideração o destinatário para quem escrevo, o leitor, pois essa relevância é inimiga mortal da boa ficção”, diz. A descoberta do leitor ocorreu quando começou a escrever para jornal, o que ele considera totalmente diferente de literatura. Para o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, de 73 anos, o leitor sempre esteve presente na criação literária. Autor de mais de 30 livros — entre eles romances, contos e infantis, além de outros — afirma que o processo de criação em torno de uma personagem varia de obra para obra. Para ele, “cada personagem possui sua própria vida, sua própria forma peculiar de criação”. Assim, ao se preparar para iniciar uma

narrativa, Loyola cria uma ideia e toda uma estrutura em volta dessa situação. Só então começa a imaginar que tipo de personagem deveria estar ali, sua personalidade, características e filosofia de vida. Afinal, “ele é o condutor da história, é através dele que vou narrá-la”, diz. Portanto, cada caso é único. Um exemplo é o romance O anônimo célebre (Editora Global, 2002), cuja personagem principal é obcecada pela fama, fazendo de tudo para obtê-la. Assim, a trama se desenrola no formato de uma espécie de manual para aqueles que sonham em serem estrelas, contando os anseios, desejos e frustrações da personagem principal, além de seu caso de amor com Letícia. Loyola sempre foi fascinado por pessoas que desejam desesperadamente ficarem famosas. E foi daí que surgiu o início de O anônimo célebre. Começou a observar esses aspirantes pela fama, roubando um pouquinho de cada um — a loucura de um, o medo de outro — para a construção da personagem. “O personagem de O anônimo célebre quer ser famoso pela fama. Ele é vazio, superficial. Como são todos esses desesperados pela fama”, critica. “Escrevo esse livro por dinheiro”, assim abre Tezza no romance Uma noite em Curitiba (Rocco, 1995). O impulso superficial de quem procura na literatura um negócio é contrário às aspirações de Tezza. Para ele, o dinheiro não é o motivo para escrever. No livro, o protagonista – o professor universitário Frederico Rennon – é colocado em uma

“Não levo em consideração o destinatário para quem escrevo, o leitor, pois essa relevância é inimiga mortal da boa ficção” Cristovão Tezza

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Para Ignácio de Loyola Brandão, o jornalismo tem papel fundamental na criação literária ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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