Revista Esquinas - Edição 46 - Mente

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REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO #46 - 2º SEMESTRE DE 2009

Mente aberta

O tratamento brasileiro dado aos doentes mentais, que já foram chamados de “cabeças de tulipa”. E como diversas áreas do saber interpretam o cérebro humano



EDITORIAL Revista-laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero

Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade Coordenador de Jornalismo Carlos Costa Professor responsável Heitor Ferraz Mello Monitoria Editoras Julia Alquéres Karina Sérgio Gomes Editor de Arte e Fotografia Danilo Braga Capa Karina Sérgio Gomes Revisão Fernanda Patrocínio Hugo Passarelli Participaram desta edição Alan Porto Vieira, Aline Khouri, Amanda Melaré, Ana Luísa Zainaghi, Andressa Basílio, Anita Name, Betina Neves, Bruna Carolina Carvalho, Bruno Podolski Jacintho, Camila Lara, Camila Pinto, Camilla Ginesi, Carolina Giovanelli, Carolina Salomão Rodrigues, Cauê Fabiano, Cláudia Bueno Franco, Cláudia Fusco, Daniella De Souza Dolme, Estela Suganuma, Fernanda Jacob Perina, Fernanda Lopes, Fernanda Meirelles, Fernanda Patrocínio, Fernando Gonzalez, Fernando Oliver Santos, Flávia Camargo Leal, Flávia Teles, Giuliana Mesquita, Isabella Ayub, Isabella D´Ercole, Isabella Villalba, Ivan Sarmento De Oliveira, Jaqueline Gutierres, Jéssica Cruz, Karin Hoch, Karina Salvatori Paletta, Kelly Ferreira, Laís Clemente, Laís Peterlini, Larissa Rosa, Laura Neaime, Leandro Lanzoni, Lídia Zuin, Lívia Laranjeira, Lívia Maria Lucas, Liz Terra, Louise Fidelis Solla, Lucílio Correia, Luma Pereira, Maíra Roman, Maria Alice Rangel Vita, Maria Zelada, Marília Silva Camargo Passos, Mônica Pestana, Murilo Roncolato, Nairah Akemi Matsuoka, Narlir Galvão, Nathalia Garcia, Nathália Henrique, Nathalie Franco, Paulo Pacheco, Pedro Rodrigues Pereira Samora, Pedro Zambarda, Rafael Lacerda, Raquel Beer, Renata Mendonça, Renata Miwa, Rodrigo Faber, Tarima Marques Nistal, Thais Naomi Sawada, Thamy Ramos, Thiago Tanji, Vanessa Lorenzini Khaznadar, Victor Ferreira, Victor Yago Camilo, Vinicius De Melo, Viviane Laubé, Wilson Saiki e Yuri Machado

Agradecimentos Irineu Guerrini Jr, Jorge Paulino,José Augusto Dias Júnior e Luis Mauro Sá Martino Núcleo de Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: esquinas@facasper.com.br Site: www.facasper.com.br/jo/esquinas

papo

CABEÇA HEITOR FERRAZ MELLO

Com pouCo mais de um quilo, o cérebro, no último andar do corpo, coordena todas as atividades do homem – das voluntárias às involuntárias. Dentro dessa massa, um mundo infinito se projeta – podemos imaginar qualquer coisa, até mesmo nossas doenças. Tudo parece ser processado dentro desse laptop com a máxima precisão – até mesmo o impreciso faz parte dessa exatidão. Este número de Esquinas é um bom exemplo da capacidade da mente humana – tanto no conteúdo expresso nas matérias, quanto na própria elaboração das pautas. Toda a criatividade dos alunos foi mobilizada para pensar um número com reportagens que se diferenciassem das pautas tradicionais sobre o assunto. O leitor encontrará, nas páginas que se seguem, matérias científicas, outras de comportamento, outras com enfoque na criação de jogos, de personagens literários, como também dos monstros gerados pelo sonho da razão. Fazer este número não foi tarefa fácil. Os alunos que participaram tiveram de entrar de cabeça no assunto, fazendo entrevistas, pesquisando e checando cuidadosa-

mente as informações. A capa da revista, feita pelas editoras Julia Alquéres e Karina Sérgio Gomes, é um bom exemplo. Baseadas no quadro A cura da loucura, de Hieronymos Bosch (c. 1450-1516), elas pensaram numa ilustração em que a tulipa, símbolo da loucura, aparecesse saindo de uma cabeça. As editoras vasculharam lojas da cidade e encontraram manequins de butique, que serviram de modelo. Para a confecção deste número, gostaria de agradecer a colaboração dos alunos da Faculdade que participaram das reuniões de pauta e, depois, na apuração das matérias, como também ao estudante Danilo Braga, que entrou no começo do semestre para o time de Esquinas trazendo seu bom gosto e conhecimento gráfico. Cabe um agradecimento especial à Julia e Karina, que se formam este ano e levarão para as redações, agora como profissionais formadas, a experiência de editar uma revista laboratório. Mas, vale lembrar: antes de sair, elas passaram seus conhecimentos à estudante Fernanda Patrocínio, que se junta à nossa equipe de trabalho a partir de agora.

A 46ª edição de Esquinas tentou desvendar alguns dos mistérios da mente humana. A tarefa não foi fácil, os repórteres precisaram quebrar a cabeça para apurar esse difícil tema KARINA SéRGIO GOMES

Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintendente Geral Sérgio Felipe dos Santos

ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009


SUMÁRIO

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12 06 É O AMOR

Com o passar do tempo, a concepção de amor mudou. Esse sentimento não mexe apenas com o coração

12 A MISTERIOSA VIDA INTRAUTERINA

Ainda é muito difícil saber se existe inteligência quando o bebê ainda é um feto

14 OS “ALTO HABILIDOSOS”

Ao contário do que é comum pensar, não existem crianças superdotadas, mas sim altamente habilidosas

16 A BAGUNÇA DOS SENTIDOS

30 CAUSA & EFEITO

Saiba como algumas drogas prejudicam o cérebro

32 O HD HUMANO

A tecnologia faz com que as pessoas utilizem cada vez menos a memória para armazenar informações

34 JARDINEIROS PARA TULIPAS

Como a saúde pública brasileira tem lidado com os doentes mentais, antigamente conhecidos como “cabeças de tulipas”

40 UMA FICÇÃO PARTICULAR

As pessoas sinestésicas sofrem de uma desordem nos sentidos

A vida do esquizofrênico José Alberto Orsi relatada por ele mesmo e por sua mãe

18 NÃO ME TOC

42 LOWCURA

22 SEM VOLTA

44 UM NOVO MODO DE ENCARAR A DOENÇA

27 UM ELÁSTICO CINZENTO

46 PROCURA DA PERSONAGEM

Portadores do Transtorno Obsessivo Compulsivo contam como fazem para controlar as manias que têm

O Mal de Alzheimer é uma doença que atinge principalmente idosos degenerando a memória e também o corpo

O funcionamento das diversas partes do cérebro humano

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22

ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

A esquizofrenia e a poesia do peota Rodrigo de Souza Leão, falecido em 2009

O neurologista inglês Oliver Sacks faz literatura com as histórias dos pacientes que são tratados por ele

Cristóvão Tezza e Ignácio de Loyola Brandão contam como criam as personagens dos livros que escrevem


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49 49 NO DIVÃ DA SÉTIMA ARTE

A mente humana já foi tema de diversos clássicos do cinema, mas nem sempre foi retratada da mesma maneira

52 MOVIMENTO DA ILUSÃO

Há quase 70 anos a Op Art faz a cabeça de artistas e mexe com a mente dos espectadores

56 FUTURO DO PRESENTE

Muito da literatura de ficção científica já se tornou realidade devido ao avanço da neurociência

58 O CREPÚSCULO FANTÁSTICO

Série norte-americana “Twilight Zone” retrata os medos da sociedade

61 CAVALEIROS DAS PALAVRAS

Cruzadistas contam como é o processo de criação de palavras cruzadas e outros passatempos

52 SEÇÕES 03 EDITORIAL 11 MENTALIDADE 21 ALIMENTOS 24 TERAPIA 25 RELIGIÃO 26 DEBATES 60 FICÇÃO 65 MEDITAÇÃO 66 ALI NA ESQUINA

64 CORPO CAMPEÃO

A preparção psicológica é fundamental para vencer

ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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amor

comportamento

éo

O sentimento que mexe com as cabeças das pessoas, enlouquecendo os hormônios e os neurotransmissores REPORTAGEM AnA luísA zAinAghi, cAmilA pintO, liz terrA (1o ano de Jornalismo) BrunA cArOlinA cArVAlhO, clÁuDiA BuenO FrAncO e isABellA D´ercOle (2o ano de Jornalismo)

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esQuinAs 2º semestre 2009

mesmas sensações das personagens? Todo amor começa assim: sintomas de paixão. “Isso, na verdade, são descargas de adrenalina e noradrenalina. Quando você está apaixonado, ocorrem descargas elétricas e a alteração dos neurotransmissores no sistema límbico, região em que se acredita ser o centro das emoções”, afirma o neurologista Marcelo Sogabe, da Clinica de Cefaléia e Neurologia Doutor Edgar Rafaelli. Na área da ciência, o amor foi tratado por muitos anos como simples necessidade para a perpetuação da espécie. A dificuldade dos especialistas no tema está em definir e mapear um acontecimento tão subjetivo. O médico e professor da University College, em Londres, Dr. Semir Zeki, escreveu a maior parte dos estudos a respeito do assunto. Em um deles, Zeki estabelece uma relação direta entre a beleza e o amor. A primeira atração é visual. Foi assim que a empresária de 33 anos, Roberta Modulo e o administrador Cristiano da Rosa, 35 anos, começaram o namoro. Há henri cArtier-BressOn

— Você Vai contar tudo, amor? — Vou, vida. Pode, né? Assim começa o depoimento de Marcela Mariana dos Santos, 24 anos, e Leandro Ávila, 27 anos. Entre apelidos carinhosos (príncipe, princesa, namorido, amorino), Marcela fala sobre o início do namoro, há quatro anos e sete meses atrás. Os dois se conheceram por meio de uma amiga em comum. Em uma semana já estavam namorando. O casamento vai demorar um pouco mais: eles só entrarão na igreja em novembro de 2010. Ela é formada em direito e trabalha na Bolsa de Valores em São Paulo. Leandro é dentista e viaja todo dia até Alphaville, onde é funcionário de uma empresa de planos odontológicos. O casal está esperando o apartamento – comprado com dinheiro da poupança conjunta – ser entregue. Até o final da conversa, Leandro e Marcela trocaram muitos olhares apaixonados, além dos sorrisos de cumplicidade. Contar a própria história era um entretenimento para os dois. Quem já não leu um romance e sentiu as


comportamento

ESQUINAS 2ยบ SEMESTrE 2009


reprODuçãO

“A paixão é um período de loucura” Theo Lerner, sexólogo

Szerelmespár (Par de Namorados) , de Pál Szinyei Merse (1 45 - 1920)

OS CINCO SENTIDOS DO AMOR VISÃO Ao ver a pessoa amada, o cérebro ativa a área de reconhecimento, causando uma ativação intensa do córtex cerebral. Ocorre a liberação de dopamina, que causa euforia e alegria. AUDIÇÃO No homem, principalmente, a linguagem desempenha também uma função estimulante, sexual. por isso, o corpo reage às palavras sussurradas ao pé do ouvido. TATO A pele tem milhares de células sensitivas que estimulam o cérebro. É por isso que reagimos emocionalmente às sensações táteis e, quase como um reflexo, reagimos e nos movimentamos. PALADAR Durante um beijo, os neurotransmissores do corpo humano provocam estímulos que despertam as células olfativas que, combinadas à língua, permite a combinação dos sentidos. um beijo aumenta os batimentos cardíacos de 70 para 150, aproximadamente, e beneficia a oxigenação do sangue. OLFATO Os feromônios são substâncias liberadas pelo corpo por meio do hálito e dos poros da pele. eles provocam dependência no parceiro, o que explica as sensações de ansiedade e paixão nos períodos de ausência do outro.

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mais de três anos os dois se encontraram na boate Dandy, em Piracicaba, e começaram a conversar sem grandes pretensões. Para Edna Bertini, farmacêutica e professora de Bases Fisiológicas do Comportamento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o que existe nesse primeiro momento é a paixão, que pode se transformar em amor no futuro. PAIXÃO X AMOR Com casamento marcado para setembro de 2010, os dois não acreditavam que a relação teria algum futuro. Cristiano afirma que não acredita em amor à primeira vista, mas crê no sentimento construído através do reconhecimento das qualidades do outro. “Roberta cuida de mim, é uma pessoa para casar”, diz. A noiva conta que nunca pensou em casamento e foi Cristiano quem mudou sua visão sobre o matrimônio. “Deu vontade de querer ficar sempre ao lado dele”. Edna Bertini concorda com Cristiano, e afirma que amor à primeira vista é bobagem: “O amor é um vínculo mais forte. Quando a paixão evolui para amor, outras áreas do cérebro são afetadas, como o córtex pré-frontal, que abriga o pensamento racional e lógico”. O sexólogo e psicólogo Theo Lerner complementa: “A paixão é um período de loucura. Quando os níveis de neurotransmissores estão mais equilibrados e os amantes se veem de maneira menos idealizada, a paixão se transforma em amor”. Quando a paixão acontece, o corpo se prepara para relação. Hormônios são liberados no cérebro, que passa por transformações de percepção e reação. A dopamina é o hormônio responsável pelo estado eufórico e a alegria constante da pessoa apaixonada. Agindo no

hipotálamo, ela provoca a sensação de bemestar, recompensa do relacionamento. Nas mulheres, a ocitosina é a substância que causa a aproximação, desperta a saudade do companheiro, estimula o desejo de encontrar o outro. Nos homens, o hormônio correspondente é o vasopressina, que além desses efeitos, também reduz o comportamento agressivo, facilitando o envolvimento amoroso. No cérebro, as áreas corticais trabalham para impedir o julgamento e a sensação de medo. Essas mesmas regiões são ativadas quando uma mãe vê seu filho. Tanto os pais, quanto os amantes, são incapazes de enxergar defeitos no início da relação. No caso dos amantes, o corpo impede a construção crítica, estimulando a continuidade do romance. Fisiologicamente, o organismo está funcionando a favor da reprodução. Professor de psicologia evolutiva na Universidade do Texas, Devendra Singh foi um dos pioneiros nos estudos que relacionavam genética e reprodução. Segundo Singh, o homem procura uma mulher que apresente características naturais favoráveis a procriar: cintura fina, e quadris largos. Fora isto, estão envolvidos fatores externos, ou seja, há uma tendência à formação de um biotipo. A educação dada pelos pais, a carga cultural e a convivência definem o tipo de homem ou mulher pelo qual você se sentirá atraído. Geralmente, essa pessoa é vista como alguém melhor que você. Por exemplo, se uma mulher não consegue ser pontual, mas considera essa uma característica essencial, ela se apaixonará mais facilmente por um homem que a encontre no horário certo, ou que nunca chegue atrasado para um compromisso.


reprODuçãO

Leonard Whiting e Olivia Hussey em Romeu e Julieta (1968), filme de Franco Zeffirelli, inspirado no romance de Sheakespeare, uma das histórias de amor mais conhecidas no ocidente

Além disso, quando nos apaixonamos, algumas reações fisiológicas são visíveis. Segundo Andrea Lorena, psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), “os sintomas mais comuns são perda de apetite, falta de sono e de concentração, sudorese e respiração ofegante”. Para ela, a fase da paixão é aquela na qual “as palavras faltam”. Autores de The Neurobiology of Love artigo científico publicado em 2005 na revista segmentada Neuroendocrinology Letters –, o cientista da Faculdade de Medicina de Berlim, Tobias Esch e o pesquisador da Universidade de Nova Iorque, George Stefano, vão ainda além das reações da paixão e do amor no corpo humano. Eles propõem a situação contrária. A falta desses sentimentos podem gerar quadros de estresse e até mesmo depressão. O amor seria o antídoto do estresse extremo. Isso explica porque ligamos para a pessoa amada quando algo sério acontece. A necessidade de compartilhar com o parceiro é um processo cerebral para controle do estresse, é assim que atingimos o equilíbrio. Se o estresse passa desse ponto, afeta diretamente no relacionamento, podendo até acabar com casamentos. É possível, então, que o amor chegue ao fim? Para a psicóloga Andrea Lorena tanto o

amor quanto a paixão podem terminar: “A paixão sempre termina. Para isso acontecer com o amor, demora mais tempo, entretanto, também pode acabar antes ou depois do final do relacionamento amoroso”, comenta. Quem discorda dela é Edna Bertini que acredita que o amor não desaparece, mesmo que você chegue à conclusão de que não possa mais ficar com a pessoa. a hora do fIm Muitas vezes a relação amorosa chega ao fim, seja por vontade de uma das partes, seja por um fator externo. A história de amor de onze anos da executiva Elaine Fuzaro, 46 anos, foi interrompida de maneira brutal. Seu noivo, Aparecido Carvalho, foi assassinado em uma briga de bar, em 1999. Ela admite nunca ter superado totalmente. “Até hoje fujo de relacionamentos sérios por causa disso. Na época do ocorrido era como se eu fosse uma terceira pessoa, vendo tudo de fora”, confessa. “Quando cai a ficha é horrível. Depois você tem de aprender a andar sozinha, seguir em frente”, desabafa. Elaine acredita ter perdido o seu grande amor, e diz que a relação era completa e não caía na rotina como muitas outras. “Eu não acho que vá acontecer de novo”, complementa. Em um caso como esse ou qualquer outro que envolva a desilusão amorosa, os neurotransmissores se desequilibram, a sensação de bem-estar não está mais tão

MITOS ROMÂNTICOS O AMOR É CEGO Quando se está apaixonado, o córtex frontal bloqueia a formação de julgamento crítico. O cérebro evita que defeitos sejam racionalizados. SÓ TEMOS UM GRANDE AMOR NA VIDA O ser humano cria uma visão do amor perfeito. Se vive esse amor, sente-se completo. Mas ele tem uma enorme habilidade para se adaptar e consegue encontrar outro amante. SÓ UM NOVO AMOR SUPERA O VELHO OU LEVAMOS DOIS ANOS PARA ESQUECER O AMOR PERDIDO A psiquiatra e psicoterapeuta Cristiane Barbieri afirma que não se pode definir um tempo exato para superar os traumas amorosos. esse processo é individual, cada um deve respeitar o seu tempo. e nem sempre um novo amor significa esquecer os fantasmas do passado. “Há outras saídas, como cuidar mais de si mesma, curtir amigos, adquirir um hobby”, diz. “Isso não quer dizer negar a dor da perda, mas perceber que a vida continua, e se preparar para outra história, que provavelmente será melhor quanto mais livre e inteira a pessoa estiver”, explica a psiquiatra. eSQuINAS 2º SeMeSTre 2009

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kArinA sÉrgiO gOmes

presente e pode desencadear doenças como a depressão. Há o período conhecido como luto: o nível de serotonina cai, e o sentimento preponderante é o da tristeza, e de sensação de vazio. “A tristeza é necessária, porque é nesse período que há uma reflexão que vai possibilitar uma mudança de comportamento, uma elaboração que ajuda a pessoa a seguir em frente”, analisa a professora da PUC-SP, Edna Bertini. As relações amorosas são um tema complexo para qualquer estudo. Para Hildo Conte, teólogo e presidente do Instituto Superior das Ciências do Amor, não se pode dizer que somente as afirmações biológicas são válidas. “A perpetuação da espécie é um dado fundamental, mas jamais pode ter a pretensão de explicar o maior mistério humano que é o amor”, diz. as dImensões do amor Hildo Conte, que escreveu Amor, o que é isto? (EST Edições, 2005), afirma que o sentimento é ação da liberdade, e não somente força do instinto. “O amor tem ingredientes de todas as dimensões humanas: física, psicológica, relacional, de gênero, política, sociológica, cultural, emocional e espiritual”, enumera o teólogo Hildo Conte. Assim, abordado infinitas vezes por diversas áreas do conhecimento, o amor continua a nos fascinar. Estudado pela ciência, recitado pela literatura, esse fenômeno exclusivamente humano não pode ser explorado somente de um único ângulo, o que contribui para a ideia universalmente propagada de que ele é irracional, inexplicável e incontrolável.

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esQUinAs 2º semesTre 2009

LINHA DO TEMPO Pré-História • O amor era uma espécie de contrato biológico entre o casal. Idade Antiga na China, em 1700 a.C, foram compostos • os primeiros poemas de amor. • Os temas amorosos estavam presentes em cânticos encontrados em papiros do egito Antigo, por volta de 1.500 a.C. Ainda no egito Antigo, o amor, no ano • 100 a.C., passa a ser tratado como algo patológico que deveria ser erradicado. Platão (328/27 a.C – 347 a.C) escreve • em 380 a.C O Banquete, primeiro texto filosófico que tenta definir o amor. Idade Média A influência da igreja Católica introduz • nas pessoas a moral em contraposição ao pecado. O casamento era uma instituição cristã sagrada. sua função se limitava à reprodução e manutenção de riquezas. surge, no século Xii, “o casal” como • conhecemos hoje: que cooperam entre si para administrar o espaço do lar. são Tomás de Aquino (1225 – 1274) • acreditava que a harmonia do homem só estaria completa quando ele conseguisse equilibrar a paixão com a razão.

Idade Moderna • Aparece o amor libertino das cortes. É permitido o divórcio na igreja Anglicana, • criada por Henrique Viii, na inglaterra. no renascimento, são feitas as primeiras • tentativas de alcançar o amor na vida cotidiana, deixando para trás o amor ideal e inatingível da idade média. em 1597, William shakespeare publica • Romeu e Julieta e traz ao mundo a história do casal adolescente que se tornou símbolo do amor puro e imortal. Idade Contemporânea Arthur schopenhauer (1788 – 1860) • classificou o amor como um sentimento enganoso e falso. Com a industrialização e a urbanização, • em meados do séc. XViii, houve uma revolução nas mentalidades. no final do século XiX, o casamento • por amor e o prazer sexual se tornaram indispensáveis. no século XX, sigmund Freud • revolucionou as concepções de amor e sexo. O amor, para as mulheres, funciona como um refúgio frente ao desamparo e garantia de sobrevivência.


MENTALIDADE TEXTO ISAbEllA AyUb, lARISSA RoSA e GIUlIANA MESQUITA (1º ano de Jornalismo)

Passarela do tempo

REPRoDUÇÃo

Se Gisele bündchen tivesse nascido na Idade Média, com certeza não seria tão apreciada como hoje. Dizem por aí que a beleza está nos olhos de quem vê, mas o conceito está, principalmente, associado à época de quem vê. A mentalidade de cada período da história ditou e ainda dita os padrões de beleza. No caso das mulheres, eles mudaram bastante ao longo do tempo

ANTIGUIDADE CLÁSSICA

(VIII A.C. até V D.C) A beleza estava na harmonia e no equilíbrio, características representadas na arte grega. Tudo deveria ser completamente simétrico e proporcional. Qualquer tipo de irregularidade no corpo humano não era bem vista na antiguidade clássica. Todos os pormenores deveriam estar em perfeita harmonia.

IDADE MÉDIA

(Século V até Século XV) Características associadas à ideia de fertilidade, como quadris largos, eram comuns. Não havia um ideal de beleza física preciso, os valores espirituais se sobrepunham aos carnais. A beleza do espírito se refletia no corpo: uma mulher pura demonstrava sua fragilidade e inocência por meio de traços finos, como boca e lábios pequenos.

SÉCULO XIX REPRoDUÇÃo

Vênus de Milo, 100 aC.

REPRoDUÇÃo

A imagem de “femme fatale” (mulher sedutora, atraente) e a beleza exótica nascem neste momento. Fugir do padrão já não causava tanta estranheza e belezas de culturas diferentes, não apenas a ocidental, começam a ser valorizadas. Mata Hari (1876 - 1917), uma dançarina holandesa de grande sucesso do fim do século XIX, encarnava o recémcriado ideal de mulher fatal.

As três graças, de Pieter Rubens (1577 - 1640)

RENASCIMENTO

(Século XIV até Século XVII) As mais “cheinhas” faziam a festa: para ser bonita no Renascimento, as mulheres tinham de ter curvinhas avantajadas! E que curvinhas... Uma mulher deveria “encher a cama” com suas formas opulentas. o equilíbrio do corpo, ideal retomado da Antiguidade Clássica, volta a ser valorizado.

SAIBA MAIS

As mudanças aconteceram de forma rápida e intensa. os padrões, que começaram então a ser ditados majoritariamente pelo American Way of Life, valorizavam, por exemplo, o busto avantajado. Nos anos 20, os 1,71m de altura e perfeita estrutura óssea garantiram o sucesso de Greta Garbo (1905 - 1990). Além disso, truques de maquiagem e cabelos perfeitamente alisados e penteados para trás valorizavam o rosto da sueca. Já nos anos 50, é Marilyn Monroe (1926 -1962) que inspira mulheres de todo o mundo. Que homem não queria ver as coxas fartas, por baixo do vestido branco esvoaçante, da bela que cantou sensualmente Happy birthday para o então presidente dos EUA, J.F. Kennedy? É na pele de Twiggy, a top model britânica conhecida por sua magreza, ossos salientes e grandes olhos realçados com cílios postiços que, nos anos 60, o modelo de beleza quase anoréxico começa a ganhar espaço. Hoje, apesar da magreza ainda ser padrão, bustos e quadris grandes fazem sucesso. Inspiradas em corpos como o da atriz Juliana Paes, mulheres correm atrás de cirurgias plásticas.

REPRoDUÇÃo

SÉCULO XX E XXI

HISTÓRIA DA BELEZA HUMBERTO ECO 162,90 Record, 2005 438 págs. No livro História da Beleza (Record, 2005), Umberto Eco trata da transformação do ideal de beleza ao longo do tempo sob a ótica da história da arte. Dividindo entre beleza de vanguarda ou provocação e beleza de consumo, Eco define a primeira delas como aquela influenciada por movimentos de vanguarda, tais como o surrealismo e o cubismo; uma concepção de estética que procura alterar a mentalidade padrão, expandindo-a e fazendo-a reconhecer a diversidade. Em oposição, o escritor italiano explica o conceito de beleza de consumo, que seria aquela ditada pela indústria cultural, determinando o padrão vigente. ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

Greta Garbo (1905 - 1990), atriz de cinema

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intrauterina GRAVIDEZ

A misteriosa vida

intrauterina

Dos segredos que envolvem o começo da vida humana, sabe-se apenas que um feto reage a uma série de estímulos e tem acesso ao mundo exterior por meio dos sentidos, principalmente o tato e a audição REPORTAGEM Jéssica cruz, Karina salvatori Paletta e laura neaime (1o ano de Jornalismo)

A EVOLUÇÃO DO FETO NO DECORRER DAS SEMANAS PRIMEIRA a 1ª semana da gestação é contada a partir da última menstruação da mulher

TERCEIRA início da formação dos sistema nervoso e cardiovascular.

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QUARTA

o coração já está batendo

OITAVA

Fim do período embrionário. o que era chamado de embrião, agora é denominado feto

DÉCIMA PRIMEIRA Genitais externos bem desenvolvidos e bem evidentes

DÉCIMA SEGUNDA a cabeça representa metade do tamanho do feto


cauê fabiano

“A partir de certo momento da gravidez, o feto já escuta. Quando passamos a mão na barriga da mãe, ele é capaz de sentir”, Gláucia Benute, psicóloga A mãe Renata conversava com a bebê, mas Laura se mexia só quando o pai falava

“Eu convErsava com Laura [bebê], mas o mais impressionante é que quando meu marido falava, na hora ela mexia. Teve uma noite em que ela não estava mexendo, então eu fiquei preocupada, falava com ela, mas ela não mexia. Chamei meu marido e pedi para ele falar. Na hora, Laura mexeu e assim fiquei mais tranquila”, conta Renata Monteiro, mãe de Laura, que tinha 3 dias (foto) quando Esquinas a entrevistou. A realidade intrauterina está envolta por muitos mistérios. Sabe-se pouco sobre ela. O que alguns estudos demonstram é que o feto, durante esse período, recebe informações do mundo externo, principalmente pelos sentidos, como tato e audição. “As tecnologias atuais estão cada vez melhores para entender como o feto se comporta dentro do útero da mãe, um exemplo é o ultrassom 3D, com o qual podemos ver com maior clareza as feições do feto”, diz José Rafael Macéa, obstetra-ginecologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Porém, mesmo “com a tecnologia de hoje, dificilmente poderíamos confirmar cientificamente estudos sobre esse período da vida”, explica Mary Nakamura, professora do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo Macéa, o feto não tem a capacidade de distinguir sons. O mais provável é que ele sinta tudo pelo cheiro e pelo tato, os sentidos mais aguçados nessa fase. Entretanto, Poliani Prizmic, obstetra e pós-graduada

VIGÉSIMA

A proporção entre cabeça e corpo do feto agora é de um terço

VIGÉSIMA QUARTA O bebê pode ouvir vozes e outros sons vindos de fora da mãe

em Sexualidade pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que, com 12 semanas de gestação, o período de formação do feto está completo e ele já pode escutar vozes e identificá-las por meio da entonação, ritmo, variação de frequência e timbre da voz das pessoas ao redor. “A partir de certo momento da gravidez, o feto já escuta. Quando passamos a mão pela barriga da mãe, ele é capaz de sentir. Ele reage a uma série de estímulos”, diz Gláucia Rosana Guerra Benute, psicóloga da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É o que ocorre na retirada do líquido amniótico, o qual é usado no exame aminiocentese, realizado no pré-natal para diagnosticar doenças genéticas. “Para se retirar o líquido amniótico, o feto tem um movimento contrário, o que não quer dizer que ele tenha consciência, mesmo porque vai depender do período gestacional, pois nas primeiras semanas não são todas as áreas do cérebro que estão formadas”, garante a psicóloga Rosana Benute. Embora o feto tenha consciência limitada de suas ações, ele adquire certos traços comportamentais que irão se refletir na vida dele. “Vários estudos apontam que este período atua diretamente no comportamento das crianças”, diz Prizmic. Por exemplo, se o feto chupa o dedo dentro da barriga da mãe, provavelmente ele terá o mesmo hábito após o nascimento.

hORMônIOs DA MãE Tanto os obstetras quanto a psicóloga concordam que o feto sente alterações hormonais provocadas pelas mudanças de humor da mãe. “É bem provável que, por causa da gravidez não planejada, eu tenha passado algum tipo de insegurança para minha filha ou causado algum estresse. Após o susto inicial, procurei passar para minha bebê muita segurança e amor”, disse Natália Gregori, mãe aos 19 anos. Em situações de estresse, incluindo gravidez indesejada, a mãe pode liberar no sistema sanguíneo cortisol e adrenalina, hormônios que podem prejudicar a gestação, podendo ocorrer um trabalho de parto prematuro, com maior risco de perda. Por outro lado, sensações de bem-estar na mãe liberam endorfina, hormônio que gera prazer ao feto. Isso acontece no caso da hidroginástica para gestantes, que é muito benéfica a mãe para controlar o peso, evitar dores na coluna, além de minimizar lesões musculares. Se ela se sente feliz na atividade, o feto se sentirá melhor, mas, caso ela esteja praticando o exercício por mera obrigação, sem vontade, o bebê será afetado por uma sensação ruim. O desenvolvimento da ciência, aos poucos, possibilita a compreensão desta complexa fase da vida humana. Mas, para a medicina, a vida intrauterina ainda é um mistério. Até agora, os estudos são deficientes, e permitem afirmar, apenas, que os estímulos sensoriais estão diretamente ligados ao amadurecimento fetal.

VIGÉSIMA QUINTA

VIGÉSIMA NONA

Formação do cabelo

Nesta idade o índice de abortos é muito baixo

VIGÉSIMA SEXTA Se o feto nasce nesse período, as chances de sobrevivência são muito baixas, já que os pulmões ainda não amadureceram

QUADRAGÉSIMA Esse é o fim do período gestacional e o feto está prestes a nascer

ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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infância REpRodUÇÃo

REpRodUÇÃo

OS “aLTO HaBiLiDOSOS” Chamar alguém de superdotado pode soar como preconceito. Crianças muito inteligentes, na verdade, têm altas habilidades REPORTAGEM BETINA NEvES, vANESSA LoRENzINI KhAzNAdAR e fERNANdA LopES (1o ano de Jornalismo)

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ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009 REpRodUÇÃo


REPRODUÇÃO

“A professora não explica muito bem sobre a reprodução das angiospermas. Quando eu discuti com ela, fui expulso da sala” A. B., 11 anos

Montar sozinho uM laboratório e fazer experimentos mirabolantes. Pode parecer a descrição do professor Pardal, mas essa personagem dos desenhos animados da Cartoon Network é uma criança, um menino gênio chamado Dexter. E o que não faltam são personagens infantis com alto índice de habilidade: Elroy Jetson, Jimmy Neutron, Lisa Simpson... Assim como esses pequenos notáveis da ficção, há muitas outras crianças que poderiam ser chamadas de gênios. A.B., de 11, quer ser botânico e tem uma coleção de bonsais em seu próprio quarto. É uma criança brilhante, dita superdotada. Mas chamá-las assim, pode soar como um preconceito. “Procuramos não usar essa palavra, pois ela remete à ideia de superhomem, o que essas crianças não são. Na verdade, apenas tem uma facilidade maior em certa área. Aí usamos o termo alto habilidoso”, diz Gabriela Vanina, gestora administrativa da Associação Paulista de Altas Habilidades e Superdotação (APAHSD). Pouco se sabe sobre a alto habilidade. No Brasil, o número de pesquisas sobre o tema é extremamente limitado, assim como o número de especialistas; em todo estado de São Paulo, há apenas três. Em outros países, como nos Estados Unidos, já há muito mais profissionais especializados no assunto, assim como projetos destinados a ajudar essas crianças. A própria origem da superdotação ainda está em debate, há divergências sobre a influência ou não de um fator genético. O psicólogo Thiago Tamborini, pós-graduado em estudos sobre crianças com distúrbios globais, aponta pesquisas que supõem a superdotação como um resultado de um estímulo. Há ainda outra versão que diz haver nessas crianças uma área do cérebro que é hiper estimulada, como um distúrbio. “Mas aí caímos numa questão complicada; a criança é superdotada porque tem uma área do cérebro hiper estimulada ou tem uma área do cérebro hiper estimulada porque é superdotada?”, questiona.

Não há uma estatística global para a incidência de crianças alto habilidosas na sociedade, apenas para níveis de QI, o que não é suficiente para estipular o número de superdotados. Os testes de QI medem, principalmente, memória, capacidade de abstração e vocabulário. Na avaliação realizada pela APAHSD, uma criança com essas três áreas bem desenvolvidas não é necessariamente alto habilidosa. “Essas habilidades estão em áreas separadas e não são suficientes para uma avaliação completa”, confirma Gabriela. Com o que concorda Tamborini: “A superdotação não pode ser definida de jeito nenhum só por testes de QI. A criança pode ter ótimo desempenho, e não ser superdotada. É necessária uma avaliação psíquica muito mais profunda”. As alto habilidades são dividas em cognitivas: como ciências, matemática e linguagem; e corporais, artísticas e musicais. Crianças alto habilidosas corporalmente têm o mesmo nível escolar das demais, mas ultrapassam a média nos fatores de flexibilidade, força, agilidade ou todos simultaneamente. “Quando a criança é boa em um esporte e vai treinar em um clube, é considerada talentosa. Não se usa o termo superdotação”, explica Gabriela Vanina. Com habilidades cognitivas, o enfoque dado deve ser diferente. MEU PRIMEIRO QI A MAIS Os problemas começam logo na família. Uma criança de 2 anos com alguma atitude diferenciada é considerada “bonitinha”. Quando essa criança chega aos 5 ou 6 anos, os pais já não têm mais paciência com ela. Ela pode começar a ser excluída da própria família. Na sala de aula, essas crianças costumam ser as mais inquietas, pois o seu tempo de aprendizado é muito diferente. Se, normalmente, uma criança necessita de dez aulas para aprender uma conta de adição, uma alto habilidosa em matemática já entendeu o assunto na segunda e, nas demais, não vai prestar atenção e, consequentemente, vai brincar, bagunçar e atrapalhar os outros colegas. A partir dos 11 anos de idade, essas crianças, já pré-adolescentes, começam a discutir e bater de frente com os professores. A.B., de 11 anos, frequentemente briga com os professores da escola. Seu grande interesse por biologia causa discussões a respeito da veracidade e da complexidade

da matéria passada em aula. “A professora não explica muito bem sobre a reprodução das angiospermas. Quando eu discuti com ela, fui expulso da sala”, conta ele. Essas crianças são normalmente impulsivas, querem testar o professor do mesmo jeito que são testadas diariamente. “Quando as crianças chegam aqui na APAHSD, é porque já passaram por psicólogos e psiquiatras e não obtiveram um bom resultado. Então, quando ouvem falar da superdotação, procuram a gente como última alternativa.”, afirma Gabriela. Psicólogos normalmente têm alguns modos de avaliação, mas são poucos os especialistas no assunto para dar diagnóstico correto. A falta de informação é a maior barreira a ser transpassada. Quando a criança começa a apresentar esse tipo de comportamento, outros problemas podem ser diagnosticados, além da alta habilidade. Hiperatividade, autismo e déficit de atenção são alguns exemplos. SUPER EDUCAÇÂO A escola pode ter três diferentes atitudes em relação à criança com alto habilidade cognitiva: acelerá-la um ano, enriquecer sua educação com mais disciplinas e exercícios ou segregá-la (tirar a criança em um determinado momento da sala e dar a ela um conteúdo diferenciado). V.L., de 7 anos, por exemplo, alto habilidosa em quase todas as matérias do currículo escolar, costumava causar muitos problemas na sala de aula. Pelo simples fato de ter sido acelerada um ano, mudou totalmente de atitude. “Ela passou a se interessar mais pela escola, e não teve dificuldade quase nenhuma de adaptação”, conta Gabriela. As faculdades de pedagogia, porém, pouco tratam desse assunto, e assim os profissionais não estão preparados para lidar com “alto habilidosos”. Acabam rotulando a criança como “problemática”. Teoricamente, cada escola deveria ter seu projeto para crianças alto habilidosas, o que não é difícil, apenas trabalhoso, porque teriam de investir em atividades diferenciadas para elas. É importante lembrar que um estímulo demasiado também não é saudável. E se a criança é excepcional em música e isso não é o que realmente ela ama fazer, não se deve forçar. As habilidades devem ser estimuladas até um certo ponto, sem se esquecer de que, mesmo alto habilidosa, ela é simplesmente uma criança, que deve brincar, se socializar, e não ter preocupações de adulto.

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sinestesia

REPRodUÇÃo

Jerry Lewis em O Bagunceiro Arrumadinho: no filme, o protagonista sofre de sinestesia

a bagunça dos sentiDOs ver uma cor e sentir seu cheiro, ouvir uma palavra e sentir o gosto. Pessoas sinestésicas sofrem uma desordem dos sentidos REPORTAGEM FERNANdA JAcob PERINA (1o ano de Jornalismo) e FERNANdo olIvERI SANToS (2o ano de Jornalismo)

Quando o sr. Bryant chega ao hospital após ter sofrido uma séria queda, o enfermeiro Jerome (Jerry Lewis) vai atendê-lo. Ao encostar-se ao corpo do paciente, o atrapalhado enfermeiro começa a sentir, junto com ele, suas dores. Essa personagem de Lewis no filme O Bagunceiro Arrumadinho (The Desordely Orderly, 1964), é portadora de um dos tipos de Sinestesia. Essa disfunção cerebral não é considerada por médicos e estudiosos uma doença. “A sinestesia é um distúrbio em que ocorre a percepção de uma modalidade de estímulo por outra modalidade. Em vez de integrar o sistema, estimula diferentes modalidades de percepção”, explica Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, professor de neurologia clínica da Escola Paulista de Medicina (EPM – UNIFESP). “A percepção dos estímulos em geral é multi-modal (formas/ cores/sons/cheiros) e todas as informações são integradas pelo sistema límbico (parte medial do cérebro humano, constituída de vários neurônios). Ela é apenas um sinal de diferentes lesões cerebrais”, completa. Pessoas sinestésicas costumam associar diferentes sentidos. Essas associações podem ocorrer em quatro tipos juntos ou separados entre as pessoas com a disfunção. A sinestesia cor-grafema, quando co-

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res são ligadas a números, palavras ou letras; também existe a sinestesia som-cor, a pessoa escuta alguma música ou define as notas musicais por meio de cores. Outros três tipos de sinestesia são: palavra-sabor, sabor-toque e espelho-toque. No primeiro, palavras despertam sabores. No segundo, alguns sabores desencadeiam sensações físicas. O último caso, a sinestesia espelhotoque, é o mais conhecido e também o mais estudado dos tipos da disfunção. Ao ver uma pessoa receber um toque, o sinestésico sentirá o mesmo, porém do lado inverso. Acredita-se que os neurônios-espelho produzem um sentido muito desenvolvido de empatia emocional e, no caso da disfunção, acabam sendo mais ativos, sentindo toques e as dores de outras pessoas. Além destes quatro tipos distintos de associação, os sinestésicos também são divididos em dois grupos: os desenvolvidos, quando a doença esteve presente desde o nascimento; e os adquiridos, devido à alguma lesão no cérebro ou ao excesso de remédios. A razão pela qual isso ocorre é misteriosa e desconhecida dos cientistas, existindo apenas teorias, projetos e pesquisas em desenvolvimento. Segundo o neurologista Bertolucci, “as ideias mais aceitas pela medicina neurológica, atualmente, são as de

conexões extras e falhas ou formações novas na poda neural, durante o desenvolvimento ou recuperação de lesões cerebrais”. Estudos recentes feitos com animais mostraram que estímulos de partes distintas do cérebro não sobrevivem à passagem da adolescência para idade adulta. “É possível detectar sinestesia em crianças observando a resposta a estímulos sensoriais. Os bebês podem ter percepções menos focadas por se tratar de um cérebro ainda não plenamente desenvolvido”, explica Bertolucci. “Em geral, a sinestesia é crônica e bastante rara. Para descobrirmos se alguém é ou não sinesteta, devemos avaliar se a pessoa consistentemente apresenta percepção em outra modalidade, diferente do estímulo original”, completa. Devido à falta de provas concretas, o motivo da sinestesia ocorrer ainda é desconhecido, sem cor, sem sabor e sem cheiro.

saiBa se VOCÊ É sinestÉsiCO Para descobrir quem possui esta disfunção, o Instituto de Tecnologia da califórnia (california Institute of Technology) desenvolveu um teste. Se você conseguir escutar os pontos se movimentando quando assistir ao vídeo do link: http://www.klab.caltech.edu/~saenz/ pode ser um indício da presença sinestésica


INCONSCIENTE TEXTO LoUISE FIdELIS SoLLA e VINIcIUS dE MELo (1º ano de Jornalismo)

durmo,

ILUSTRAÇÃO dANILo BRAGA (2º ano de Jornalismo)

logo SONHO o universo onírico envolve mistérios e divide opiniões entre estudiosos. Se alguns acreditam que os sonhos têm significados profundos, outros afirmam que eles não passam de reações químicas do cérebro humano. Seja como for, o fato é que o ser humano sonha todas as noites. Entretanto, apenas durante a etapa REM (movimento rápido dos olhos) é que se tem uma experiência mais vívida do sonho. Essa fase tem duração de 20 minutos e ocorre após uma hora e meia de sono. Segundo a psicóloga Walquiria Fonseca duarte, professora da Universidade de São Paulo (USP), “é mais comum lembrar-se dele (do sonho) na etapa que estamos mais conectados com nosso subconsciente, que é a fase REM”.

FREUD

HOBSON

SIGMUND FREUD Segundo Sigmund Freud, além de uma importante fonte para o autoconhecimento, o sonho é uma manifestação de um desejo reprimido, chegando a ser uma forma de realização desta vontade. “o sonho permite que a mente entre em contato com aspectos que a personalidade nem sempre nos permite expressar”, reitera a psicóloga Walquiria duarte. É o mesmo que Freud afirma ao dividir o inconsciente em diferentes níveis. os pesadelos, por exemplo, revelam aspectos perversos do inconsciente.

JOHN ALLAN HOBSON Allan Hobson causou polêmica ao lançar seu mais famoso livro, O Cérebro do Sonhador (Instituto Piaget, 1996). Nele, o psiquiatra e neurologista da Harvard Medical School, mostra como os sonhos podem ser apenas uma reflexão do nosso sistema nervoso. Allan Hobson não acredita que o sonho seja fonte de qualquer significado profundo. Ele o define como sendo uma criação da nossa mente. os sonhos acontecem quando reações químicas incontroláveis e aleatórias reagem com o córtex, principalmente durante a fase REM do sono.

CARL JUNG o psiquiatra suíço, criador da teoria da existência de um inconsciente coletivo, acreditava que o homem está sempre sonhando, inclusive quando está acordado. Mas, quando o ser humano está desperto, o inconsciente é mais sutil em suas manifestações. Para ele, o sonho resulta da conjunção de dois fatores: o consciente individual e o inconsciente coletivo, definido como sendo uma série de informações passadas de geração em geração, que são comuns à espécie humana como um todo.

FRANCIS CRICK E GRAEME MITCHISON Ambos são os autores da Teoria da Aprendizagem Reversa, ou “desaprendizagem”. Por meio de estudos sobre o neocortéx, uma parte do cérebro que armazena as informações recebidas, eles concluíram que esta parte neural pode acabar se sobrecarregando. dessa maneira, o sonho seria a forma que o organismo encontra para eliminar o excesso de informação e não comprometer o armazenamento ordenado na memória dos seres humanos.

JUNG

CRICK e MITCHISON

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não me

TOC

Checar diversas vezes se fechou a porta, sentir que está sempre sujo, seguir rigorasamente alguns rituais antes de sair de casa. Essas são algumas manias que portadores do Transtorno Obsessivo Compulsivo têm, e tiveram de aprender a lidar com elas

REPORTAGEM ANITA NAME (1o ano de jornalismo) e lívIA MARIA lUCAS (2o ano de jornalismo)

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SANjA gjENERO / STOCk ExChANgE

saúde


DIvUlgAçãO

“Era normal, pra mim, ter TOC. Durante quatro anos, condicionei minha vida a isso” Luciana Vendramini, atriz

“Algum problemA?”, perguntou o garçom. “Nenhum, eu que vejo o que não é pra ver”, respondeu Luciana enquanto observava a porcelana do prato em um almoço com a a equipe da revista Esquinas. O que a atriz Luciana Vendramini vê a mais é um dos sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), cujos principais sintomas são as obsessões e as compulsões. Segundo o especialista no assunto, o psiquiatra Fábio Corregiari, esse é problema é “multifatorial”. “Pode ser algo genético, ou seja, o indivíduo já nasce com o TOC, mas também pode ser algo adquirido, por diversos motivos. Uma criança que foi violentada pelos pais, ou que vivenciou a separação dos mesmos, ou que tenha sofrido um acidente, pode vir a desenvolver o transtorno”. Quem tem TOC tende a desenvolver manias excessivas, a fim de minimizar a tristeza e a tensão que os pensamentos causam. Luciana morava de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e da sua sala ela conseguia ver a rua e só podia deitar depois de ver o terceiro carro amarelo. Depois vieram as muitas outras: “Eu tinha de levantar, botar o pé direito, depois o esquerdo, fazer uma oração e tomar banho. Não podia levantar, ir pra sala atender o telefone, não, eu tinha de realizar a sequência. Até para tomar banho eu tinha também um ritual”, lembra. Essas reações são formas de tentar ali-

viar essa ansiedade. “Se eu estou com medo de estar contaminado, eu posso lavar as mãos muitas e muitas vezes para tentar descontaminar; se eu tenho medo de provocar acidente, checo muitas vezes o gás para ver se está fechado; eu posso rezar muitas vezes para tentar aliviar sensações ruins”, explica Carregiari. QUE CHEIRO É ESSE? “Estou fedida. Vou pro banho”, era o pensamento que mais ocupava a mente da Mayra Penariol, de 24 anos, um ano atrás, quando começou a desenvolver o problema do TOC. O tempo todo ela não conseguia parar de sentir que estava com um cheiro estranho. Sempre que alguém chegava em casa, corria para o chuveiro a fim de eliminar o mau cheiro. Quando saía do banho, voltava novamente para debaixo d’ água. Ela nunca se sentia satisfeita. “Eu ficava doidinha. Fora de casa eu ia pro banheiro, lavava o braço com água e sabonete e passava o desodorante”, lembra. Outro portador de TOC, Valdiney Batista dos Santos, de 37 anos, quando criança, não conseguia se concentrar nas aulas devido às coisas ruins em que pensava: perdas, mortes, acidentes. Ele passava o dia todo fazendo sinal da cruz para tentar espantar os maus pensamentos. “Cheguei a fazer 300 vezes por dia o sinal da cruz”, relembra. Normalmente a pessoa tem a percepção de que aquilo é inadequado, Mas apesar de perceber, ela não consegue controlar. No co-

meço, Luciana Vendramini condicionou sua vida ao transtorno: “Era normal, pra mim, ter TOC. Durante quatro anos condicionei minha vida a isso. Eu ficava angustiada todo dia, um aperto no coração, um frio no estômago direto. Muito medo, muita insegurança. E eu achei que a vida era assim, que todo mundo tinha isso”. Em um de seus últimos surtos, antes de procurar tratamento, Luciana ficou 48 horas sem dormir. “Minha gravação começava às 7 horas, então, eu fiz uma matemática: se eu for dormir, acordar, rezar, tomar banho, fazer tudo o que eu tinha que fazer na sequência, não ia dar tempo. Pensei ‘não vou virar a folhinha’, virar o dia. Vou ficar aqui na sala parada, esperando dar o horário de eles virem me buscar. Fiquei assim muitos dias. Esse foi o último trabalho que eu fiz, porque não conseguia mais trabalhar.” CURA Os tratamentos podem variar. De acordo com o psiquiatra Fábio Corregiari, “o tratamento depende da escolha da pessoa, da gravidade do quadro e de outros problemas associados ao TOC, como a depressão”. Isso porque ele pode desejar ou não fazer terapia ou tomar remédios antidepressivos. Tudo depende do grau do TOC. Mayra conseguiu se livrar do problema apenas com terapia, que durou 4 meses. Luciana também não demorou para receber o diagnóstico da doença. Foi ao psicólogo e ao psiquiatra e recebeu os devidos medicamentos. “Eu tive

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a vida de um neném. Eu tinha deixado de trabalhar, de sair com os amigos, de namorar, de comer, eu estava pesando 32 quilos. Foram três anos de martírio. Depois eu voltei a andar, a dirigir, voltei a fazer teatro”, lembra. Ela conseguiu ter 90% de cura. No caso de Valdiney, a solução ainda está em andamento. Ele alega que já melhorou 70%, perto do que era antes. Mas ainda assim sofre das consequências do TOC. “Nunca consegui manter relação com alguém”, desabafa, ao explicar porque ainda mora com os pais. Ele já tentou se fixar em algum emprego, mas não conseguiu, já que os pensamentos e manias tomavam sua concentração. Quanto à faculdade, sonhava em cursar filosofia, mas não se concentrava nos estudos. Hoje, ele já consegue ler alguns sites da internet e diz que ainda quer tentar uma universidade. No momento, Valdiney toma cinco medicamentos por dia e frequenta sessões com psicoterapeuta duas vezes por semana, e com psiquiatra, uma vez por mês. O grande problema é que esses remédios lhe dão muito sono — o que lhe tira o ânimo outras atividades. A única distração que arrumou foi um grupo de canto, no bairro da Conceição. Apesar de Valdiney ainda não ter se recuperado totalmente do transtorno, hoje 80% das pessoas que possuem o transtorno conseguem se curar.

“Cheguei a fazer 300 vezes por dia o sinal da cruz” Valdiney Batista dos Santos, portador de TOC

SINTOMAS COMUNS DO TOC Medo de contaminação ou sujeira. O paciente se sente constantemente sujo e/ou infectado por germes e bactérias Fantasias frequentes envolvendo atos violentos como agressões e até mesmo assassinatos Pensamentos proibitivos, acompanhado por dúvidas morais e/ou religiosas Perda de referência quanto a ofensas morais e insultos, tanto em fazê-los quanto em recebê-los Desejos sexuais constantes, urgentes e intrusivos Atenção: somente um profissional habilitado é capaz de fazer um diagnóstico correto e indicar o melhor tratamento. Fonte: Comprehensive TextBook of Psychaitry 6º Ed. 1995 – Kaplan & Sadock lIvIA MARIA lUCAS

Mayra Penariol sentia que sempre estava suja. Às vezes, assim que saía do banho, voltava para o chuveiro para se lavar novamente

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ALIMENTOS TEXTO IVAN SARMENTO DE OLIVEIRA (1º ano de Jornalismo) e MURILO RONCOLATO (2º ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÕES DANILO bRAgA (2º ano de Jornalismo)

o todo poderoso

ÔMEGA 3

Os ácidos graxos ômega 3 são gorduras essenciais para o bom funcionamento do cérebro humano

RACIOCÍNIO E ATENÇÃO Uma boa dieta alimentar baseada em proteínas, carboidratos e vitaminas garante concentração e raciocínio. A proteína pode ser encontrada em carne vermelha, frango, peixe (ômega 3, ácido graxo encontrado na sardinha, salmão e atum), ovo (colina) e laticínio. “Tudo que é protéico é rico em aminoácidos, cuja função é ajudar na formação dos neurotransmissores, responsáveis por desencadear o processo de comunicação entre os neurônios, essenciais para o raciocínio”, diz a nutricionista Madalena Vallinoti, sócia-diretora da empresa Personal Diet Alimentação e Nutrição. E para ajudar a atenção, Anna Christina Castilho, nutricionista e consultora do Instituto de Metabolismo e Nutrição, indica alimentos e bebidas com cafeína, estimulante que bloqueia a adenosina, componente químico que estimula o sono.

ENVELHECIMENTO DAS CÉLULAS Para conservar o cérebro humano, é necessária a ingestão de alimentos ricos em antioxidantes, substâncias que protegem nosso cérebro de radicais livres, elementos que degeneram células sadias. “Os radicais livres são resultantes de uma produção de moléculas de oxigênio inativas, que acabam oxidando as células (envelhecendo-as)”, diz Madalena Vallinoti. Outro nutriente essencial é, novamente, o ômega 3. De qualquer maneira, a dica continua sendo uma alimentação balanceada. “Para evitar a degeneração, o sistema nervoso necessita de um equilíbrio entre ingestão de carboidratos, proteínas, gorduras e nutrientes antioxidantes”, diz Christina Castilho.

MEMÓRIA Os circuitos responsáveis por funções como a memória e a aprendizagem são formados por diversas células. Para uma boa comunicação entre elas, certos nutrientes são importantes. Entre as substâncias benéficas está o ômega 3, que se incorpora às membranas das células nervosas, proporcionando maior fluidez na ligação entre neurônios. Outros nutrientes importantes para a memória são o complexo D e o cálcio, e também a colina, micronutriente encontrado em ovos. Segundo a nutricionista Anna Christina Castilho, o ovo é um alimento essencial. “A gema é rica em colina, que ajuda o nosso organismo a produzir o neurotransmissor acetilcolina, fundamental para a memória”, explica.

BEM-ESTAR Ingerir certas proteínas e carboidratos pode melhorar a qualidade do sono e do humor das pessoas. “O triptofano, que é um dos aminoácidos presentes no frango, no peixe, em laticínios ou na banana, somado ao açúcar, ajuda na formação da serotonina, que é um neurotransmissor ligado ao prazer e bem-estar”, afirma a nutricionista Vallinoti. Proteínas são importantes pelo fornecimento de Triptofano, mas elas sozinhas não bastam. “O excesso dela e a falta de carboidrato te deixarão agitado, desmemoriado e agitadiço, pois está faltando um dos principais nutrientes das células nervosas”, garante a nutricionista. Nutrientes antioxidantes como o magnésio (cereais e frutas secas) e o selênio (frutas oleaginosas e atum) também influenciam no humor. ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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lembranรงas

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SEMvoLTa o Mal de Alzheimer destrói toda a identidade do enfermo e está aumentando no mundo todo REPORTAGEM NAIRAh AkEMI MATSUokA e LEANdRo LANzoNI (1º ano de Jornalismo) IMAGEM dANILo bRAgA (2o ano de Jornalismo)

O Mal de alzheiMer é uma doença degenerativa e incurável, conhecida como a mais comum das formas de demência entre os idosos. A combinação de fatores genéticos e ambientais são as causas da doença, que é idade-dependente, ou seja, à medida que a idade avança, maior é a probabilidade de sua ocorrência. Estudos de necropsia demonstram que o cérebro de um paciente com o Alzheimer apresenta uma atrofia generalizada, bem como a perda de neurônios em áreas do hipocampo (localizado no centro do cérebro, a sede da memória recente). Por tratar-se de uma doença degenerativo-progressiva, os sintomas do Mal de Alzheimer vão se agravando com o avanço da enfermidade e variam de acordo com o estágio. Os mais comuns são: perda da memória provisória, desorientação, alteração na personalidade, dificuldade na execução de atividades rotineiras (como a alimentação e a higiene), não-reconhecimento dos familiares, incontinência urinária e fecal, comprometimento da fala, distúrbios de sono e uma dependência cada vez maior de terceiros. Segundo o doutor Norton Sayeg, fundador da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), “a doença de Alzheimer em si não mata, mas ela cria condições que favorecem um processo infeccioso que, na grande maioria dos casos, é o que determina a morte do paciente”. O Relatório Mundial de 2009 da Alzheimer’s Disease International (ADI) publicou que, em 2010, mais de 35 milhões de pessoas em todo o mundo terão Alzheimer. Estima-se que no Brasil o número de casos seja de um milhão e duzentos mil. Infelizmente, não existe nenhum medicamento que interrompa o avanço da doença. Entretanto, algumas drogas podem amenizar determinados sintomas, tais como, distúrbios de comportamento, insônia, agitação, vagância, ansiedade e depressão. Segundo o médico Norton Sayeg, o ato de ouvir música é uma atividade extremamente salutar, que

colabora na qualidade de vida do paciente e também na de seu na cuidador. a convivência Preservar a identidade do indivíduo doente e a sua relação com todo ciclo social que o cerca pode ser uma tarefa muito difícil. Os lapsos diários de lembranças desconstroem gradativamente a trajetória de uma vida toda, até submeter o paciente a um vazio de recordações, e a uma verdadeira perda de identidade. Conviver com um doente não é uma missão fácil, o Alzheimer invade a rotina de todo os amigos e familiares, impondo novos hábitos. “É como cuidar de uma criança pequena: temos que manter vigilância 24 horas e adaptar a casa para evitar acidentes. A doença da minha mãe mudou minha vida radicalmente”, afirma Rogério Freitas, cuja mãe é portadora de Alzheimer há sete anos. Este distanciamento da vida social que faz parte da vida da maioria dos cuidadores é comum. “Existem vários símbolos de Alzheimer, e um que me choca muito, mas que reflete muito a verdade é a agenda rasgada”, afirma o Sayeg, fundador da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz). “O familiar, que normalmente é uma mulher, é o grande herdeiro da carga de cuidados com o seu pai ou com sua mãe. Há uma constante queixa entre os cuidadores em relação aos amigos e familiares, o telefone para de tocar, os colegas se distanciam cada vez mais. Enfim, há uma perda de vida social”, explica. Com a progressão da doença, o quadro do paciente fica ainda mais trágico. Segundo Norton Sayeg, “os pacientes vão ficando cada vez mais rígidos em termos de musculatura e, à medida que o tempo passa, eles vão adotando a posição fetal. A imobilidade favorece, especialmente, os quadros de pneumonia”. Para o médico, a troca de experiências entre os pacientes e os cuidadores é a melhor forma de sanar algumas das dificuldades impostas pelo Alzheimer e melhorar a qualidade de vida dos envolvidos com a enfermidade.

“Existem vários símbolos de Alzheimer, e um que me choca muito, mas que reflete a verdade, é a agenda rasgada” Norton Sayeg, médico

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TERAPIA TEXTO JAQUELINE GUTIERRES e RAQUEL BEER (1º ano de Jornalismo) IMAGEM yURI MAChADO (4º ano de Jornalismo)

a culpa é dos PAIS Independentemente da terapia, todas as teorias acreditam que a maioria dos problemas que surgem em nossas mentes tiveram inicío na infância Freudiana Sigmund Freud (1856-1939) Considerado o pai da psicanálise, Sigmund Freud, em 1896, defendeu a existência de uma divisão no subconsciente: o id, que consiste na parte dos impulsos e desejos naturais do homem; o superego, que representa os valores e pensamentos morais; e o ego, o qual balancearia as outras duas partes, ou seja, os desejos do homem com os pensamentos éticos. Terapeutas, que seguem a linha freudiana, fazem interferências mínimas durante a terapia deixando que o paciente fale sobre seus anseios. Por meio do diálogo com o paciente, o terapeuta procura entender o que se passa em seu subconsciente.

Winnicottiana

Kleiniana

Donald Winnicott (1896-1971) “Mãe suficientemente boa.” Ao cunhar essa expressão, Donald Winnicott acreditava que toda criança precisava de uma mãe que desse ao filho um suporte para ele amadurecer, o que ele chamou de holding – aconchego, percepção, proteção e alegria fornecidos pela presença da figura materna. O conceito, na terapia winnicottiana, ampliouse para abrigar todas as idades na qual o terapeuta tenta criar um alicerce para o paciente a fim de torná-lo mais seguro para enfrentar seus problemas.

Melanie Klein (1882–1960) Uma das discípulas de Freud, Melanie Klein, foi a criadora da terapia para crianças. “Para Klein o inconsciente é caótico, psicótico”, explica Alejandro Caballero, professor do Departamento de Psicologia Clínica da USP. Sendo assim, o papel do psicanalista kleiniano é ordenar o caos. Durante as sessões, os psicanalistas observam as crianças brincando, o que eles consideram ser uma expressão do inconsciente profundo, equivalente ao conteúdo dos sonhos. Para Klein, não é necessário que os pais estejam presentes, pois as conclusões do terapeuta pouco serão influenciadas por isso.

Junguiana Carl Gustav Jung (1875-1961) Ao contrario do que pensava Freud, Carl Gustav Jung acreditava na existência de inconsciente coletivo, a parte que não estava relacionado à experiências individuais, e sim à situações vividas por toda uma sociedade. Além disso, há o inconsciente pessoal, que são as memórias pessoais e outras informações as quais foram captadas pelos sentidos sem a percepção do indivíduo, que o terapeuta junguiano estuda por meio dos sonhos e de desenhos, meios pelos quais o inconsciente se expressaria. O tratamento junguiano procura estabelecer um ligação entre o consciente e o inconsciente, pois, para Jung, “a doença psíquica” seria uma consequência da separação dos dois.

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Lacaniana Jacques Lacan (1901-1981) Considerada por muitos como a psicanálise mais contribuinte à obra de Freud, a corrente lacaniana é fundada em conceitos linguísticos. Desse modo acredita-se na existência de estruturas formais na psique, como se houvesse a existência de uma linguagem da mente. Lacan acreditava que a criança via sua mãe como o único exemplo, de forma a considerar suas atitudes como as certas. O terapeuta lacaniano analisa as relações entre o paciente e a pessoa mais próxima a ele, procurando um terceiro indivíduo, na tentativa de balancear suas relações.


RELIGIÃO

TEXTO FERNANDA PATROCÍNIO e LUMA PEREIRA E NATHALIE FRANCO (2º ano de Jornalismo)

(Des)

CRENÇA Apesar das filosofias de vida que descartam a existência de qualquer divindade, a fé em Deus ainda move a maioria das pessoas Cristianismo

REPRODUÇÃO

Os cristãos são monoteístas e seguem os ensinamentos de Jesus de Nazaré escritos no livro sagrado, a Bíblia. Realizam rituais, alguns de origem pagã, como o batismo, a eucaristia e o matrimônio. O cristianismo é dividido em quatro grandes grupos: católicos, protestantes, ortodoxos e anglicanos. No Brasil, país predominantemente cristão, há cerca de 155 milhões de católicos e 40 milhões de evangélicos.

Hinduísmo

Islamismo

O hinduísmo é uma das oito religiões oficiais da Índia. Já chegou a ter mais de um milhão de deuses, mas boa parte caiu no esquecimento. A maior divindade é Brahma, criador do mundo, e representante do Absoluto. De seu corpo se originaram as castas indianas, desde os brâmanes, da casta superior, até os dalits. Não existe conversão, o que explica os apenas 2 mil hindus brasileiros. O grande número de adeptos no mundo, 850 milhões, se deve à imensa população indiana.

Islã significa “abandono” e ao mesmo tempo “submissão”. Os seguidores são chamados de muçulmanos e seguem os ensinamentos do livro sagrado, o Corão. É a religião com mais adeptos no mundo, considerando separadamente cada um das vertentes grande grupos do cristianismo. Alá é o Deus do islamismo e Maomé é o profeta. Após a morte dele, houve a cisma entre Sunitas e Xiitas, que divergem na interpretação das profecias. A maior parte dos islâmicos pertencem ao Oriente e parte da África.

Ateísmo A palavra vem do grego e significa “sem Deus”. Os primeiros ateus surgiram no século XVIII, mas foi apenas no século XIX, com a contribuição do pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que ocorreu a consolidação do ateísmo na cultura ocidental. Eles não acreditam que exista um criador, criticando os atos de fé e rejeitando as ideias difundidas pelas Igrejas. Mesmo sem poder provar ou não a existência de Deus, eles preferem simplesmente refutá-la. Atualmente, 2,3% da população mundial se declaram ateus, enquanto 11,9% afirmam não crer em nenhum Deus.

Agnosticismo O termo deriva do grego agnostos, e significa sem conhecimento. Immanuel Kant e David Hume apresentaram as bases filosóficas do agnosticismo no século XVIII. Porém, apenas no século XIX o termo foi formulado por Thomas Henry Huxley, biólogo britânico. Os agnósticos acreditam que é impossível provar a existência de um ou mais deuses. Sendo assim, para eles não faz sentido acreditar ou desacreditar na existência deles, pois não existe um método empírico ou científico que possa comprovar algo a respeito desta questão.

Niilismo “Nada” em latim, o significado da palavra é exatamente o que os niilistas pregam: o nada. Negam a autoridade da Igreja, da família, do Estado, e até a existência de Deus. Para o filosofo Friedrich Nietzsche, há dois tipos de niilista: o ativo e o passivo. O ativo é aquele que entende que o mundo é carente de sentido, mas não se reconhece nessa circunstância, e consegue viver dentro do que definiu Nietzsche sobre a existência: um eterno retorno no mesmo. Enquanto o passivo vive dessa condição de um mundo sem valor, mas reage de maneira violenta, levando ao fundamentalismo ou a destruição anárquica dos valores de uma sociedade.

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DEBATES TEXTO FErNANDA LOPES e MArIA zELADA (1º ano de Jornalismo)

?

o que é MENTE

Segundo o dicionário Houaiss, mente é “um sistema organizado do ser humano referente ao conjunto de seus processos cognitivos e atividades psicológicas”. No entanto, dependendo da crença e da profissão de cada um, o conceito de mente pode ter diferentes entendimentos

Astrólogo Luís Baccelli incorporou muitas pessoas nos palcos. E por que não dizer diferentes mentes? A mente humana, segundo o ator, pode ser comparada a um ambiente cósmico, em que “o artista é um elemento que faz parte de um todo e trabalha relacionando-se com o coletivo”.

Físico

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Especialista em ler a configuração dos astros, o astrólogo Ivan Freitas define mente como “um grande arquivo, onde você consegue, com uma boa pesquisa, fazer acesso a informações”. No entanto, ele afirma que não são todos que conseguem usar bem essa ferramenta. “Há pessoas que se acham. São aquelas que têm acesso a uma pequena informação e acha que essa é a grande verdade do universo.”

Ator Impulsos elétricos e reações químicas. É assim que o físico Osvaldo Pessoa Júnior, professor da Universidade de São Paulos (USP) tenta explicar o que é a mente. Para ele, a ciência ainda precisa entender melhor algumas reações que acontecem no cérebro para chegar a uma conclusão. Enquanto uma resposta não vem, o físico acredita que mente seja “algo que surge do cérebro ou do corpo, e que na morte do corpo ela desaparece”.

Ligado a práticas orientais e professor de performance da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), Toshiyuki Tanaka acredita que mente, corpo e emoção estejam ligados e formam o ser humano. “São partes, precisa ter uma unidade. Quando o corpo está em harmonia com a mente, ficamos bem, saudáveis”, diz.

Performer

Padre

“A mente humana é um grande mistério”, define o monsenhor Tarciso. Ele acredita que a mente é um lugar onde você guarda tudo aquilo “experenciado” durante a vida, e deve ser construída diariamente. “É a possibilidade de você recordar o passado, pensar no futuro, desenhar o seu presente. E, por isso, ela é um dos reflexos do próprio Deus da vida, que é onipresente”, completa.

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CIÊNCIA

Um elástico

CINZENTO

Mais que compartimentos, o cérebro, segundo o neurocientista Miguel Nicolelis, é uma órgão elástico que trabalha o tempo todo

REPORTAGEM THAMY RAMOS e AMANDA MELARÉ (2o ano de jornalismo) IMAGEM DANILO BRAGA (2o ano de jornalismo)

IMAGINE A CENA: você está numa padaria tomando um café, chega uma fornada de biscoitos de aveia. Enquanto o cheiro invade o nariz, a imagem de uma vovó usando um avental branco na cozinha aparece em sua mente. Essa conexão, aparentemente banal, é o que há de mais sofisticado em termos de tecnologia de transmissão e armazenamento de dados. Antigamente, quando se pensava no cérebro, a ideia era de que ele fosse um conjunto de repartições independentes entre si. Hoje, ele é visto como uma grande rede formada por múltiplas fibras que faz a mesma informação circular por todo o circuito cerebral. Ou seja, um estímulo sensível pode se tornar o gatilho que dispara informações aparentemente perdidas. O principal responsável por essa transformação nos estudos sobre o funcionamento cerebral é Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro — pesquisador da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Sua tese de doutorado, defendida em 1989, mostrou que a neurociência estava diante de um grande dilema: não era mais possível continuar estudando neurônio por neurônio, era preciso registrar centenas de células nervosas ao mesmo tempo. Essa nova postura permitiu descobrir, por exemplo, que a teoria de que o ser humano usa apenas 10% da capacidade cerebral não é verdade: todo o nosso cérebro trabalha 24 horas por dia. Mais que isso: ele é elástico e dinâmico, ou seja, a todo instante cria novas conexões, neurônios e funções. Informações são armazenadas e descartadas a todo instante, e isso exige que esse órgão também seja flexível. Esse fenômeno é conhecido como neuroplasticidade, termo utilizado para descrever a capacidade adaptativa do cérebro frente a um estímulo. Essas descobertas só foram possíveis devido à ressonância magnética funcional (RMF), que começou a ser utilizada no início da década de 1990. O aparelho funciona como uma espécie de scanner que quantifica o sinal de ativação neural e mostra os níveis diferentes de células de oxigênio no cérebro. E permite fazer algumas suposições da função ou das atividades neurais

diante de uma tarefa específica. Um músico, por exemplo, possui a região do cérebro responsável pela movimentação dos dedos mais desenvolvida, maior. Li Li Min, professor de neurologia da Unicamp e coordenador de difusão do programa CInAPCe (Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro), explica que em um estudo com digitadores, foi constatado que essas pessoas têm, assim como os músicos, uma maior concentração da substância cinzenta na mesma região do cérebro. “Você aprende a digitar, não é um dom”, explica Min, “isso nos mostra que, de uma maneira geral, o cérebro se adapta frente às funções que se tem de realizar”. E isso inclui produzir novos neurônios. LONGE DO CORPO Desde 1999, Nicolelis vem fazendo com que primatas consigam controlar máquinas com a mente. Do seu laboratório na Carolina do Norte, o cientista enviou os sinais cerebrais de uma macaca pela internet para um robô no Japão, que reproduziu simultaneamente os mesmos movimentos do primata. Em 2005, ele e sua equipe demonstraram que, após um determinado tempo utilizando o aparelho, o cérebro da macaca passou a assimilar a prótese como extensão do próprio corpo. O objetivo, agora, é criar uma interface entre cérebro e máquina, criando a base da tecnologia de neuroprótese, porque o cérebro de um paciente continua a enviar sinais cerebrais, mesmo que eles não alcancem o seu destino. Desse modo, os estudos de Nicolelis buscam desenvolver uma espécie de veste robótica que permitirá usar o desejo voluntário, a vontade do cérebro de se mexer para se movimentar. “Esse exoesqueleto robótico será comandado pela vontade motora dos indivíduos que perderam movimentos. Os experimentos clínicos envolvendo essa tecnologia serão realizados conjuntamente por institutos de neurociência instalados em diferentes países”, antecipou o neurocientista. No entanto, o cérebro não é tão independente assim. Como todo músculo, ele precisa ser exercitado. Mas não é preciso suar a camisa, a leitura é um ótimo exercício e ajuda a acelerar a memória.

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O Cérebro é uma máquina infinitamente mais poderosa do que o melhor dos hardwares vendidos por aí, sendo capaz de armazenar uma quantidade inimaginável de informações e executar tarefas complexas. O primeiro a organizar o cérebro em partes foi o neurologista alemão Korbinian Brodmann, em 1909 - teoria que vem sendo aperfeiçoada ao longo desses 100 anos LOBO PARIETAL LOBO OCCIPITAL LOBO FRONTAL

LOBO TEMPORAL

PARTES MENORES

CEREBELO

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LOBO FRONTAL

O lobo frontal é a parte da frente do cérebro. Suas funções são, basicamente, reunir informações vindas de outras partes do cérebro, tomar decisões e fazer planejamentos. Comanda também as ações motoras e a fala. É essa parte que dá senso de sociedade coletividade e consciência de existência humana.

LOBO TEMPORAL

O lobo temporal tem alcance em ambos os lados da cabeça e chega até a altura das orelhas. Uma de suas funções é, portanto, o processamento de estímulos auditivos e a memória. Lesões nessa área causariam dificuldades no reconhecimento auditivo – mesmo que o aparelho auditivo esteja em perfeitas condições, o paciente pode não entender o que ouve –, na identificação e nomeação de objetos, e também problemas na compreensão da linguagem.

LOBO PARIETAL

Localizado na parte superior traseira do cérebro, o lobo parietal recebe e associa informações. Sua principal função é associar estímulos externos, do ambiente. Assim, ele processa dados recebidos pelo tato e de outros órgãos relacionados aos sentidos, e é isso que permite que você consiga se localizar no ambiente. É também o responsável pela noção de espaço e pelo raciocínio matemático.

LOBO OCCIPITAL

O lobo occipital situa-se na parte de trás do cérebro, logo abaixo do lobo parietal. Sua única e complicada função é fazer enxergar. É lá onde tudo o que se vê é processado – e isso inclui o reconhecimento das letras que você está lendo agora – e do movimento dos objetos à volta. Lesões nesse lobo, assim como no lobo temporal, causariam problemas no reconhecimento visual ou até a cegueira, mesmo que os olhos continuem perfeitos.

CEREBELO

O cerebelo faz parte do que se conhece como cérebro reptiliano, pois está relacionado aos instintos e emoções básicas – amor, ódio, medo etc. É a parte mais antiga de nosso cérebro, a partir do qual as outras áreas se desenvolveram ao longo do tempo, sendo responsável por nossas funções vitais. Ao todo, ele possui cerca de 75% dos neurônios do cérebro, regulando os movimentos, tônus muscular e equilíbrio. Pesquisadores indicam sua participação em atividades cognitivas e perceptivas.

PARTES MENORES: HIPOTÁLAMO Qualquer estímulo sensorial provoca reações em pelo menos uma área do hipocampo, de forma que ele se transforma na porta de entrada que conecta todo o Sistema Límbico, unidade responsável pelas emoções, através de fibras. É ele também o responsável por fazer a transição da memória a curto prazo para a memória a longo prazo. O hipotálamo corresponde a menos de 1% da massa cinzenta (o equivalente ao tamanho da unha do polegar), mas por ele passam várias fibras que coordenam o funcionamento do organismo e cujas principais funções estão relacionadas à fome, sede, saciedade e a libido. É ele que traduz as emoções em respostas físicas. Por exemplo, diante de uma situação de raiva, medo ou prazer intenso, o hipotálamo envia sinais para as mudanças fisiológicas por meio do sistema nervoso autônomo e através da liberação de hormônios da glândula pituitária. A partir daí, sinais físicos - como aumento dos batimentos cardíacos e respiração ofegante - são gerados. Por fim, ele também é o responsável pelo controle vegetativo e endócrino do nosso corpo, como a regulação cardiovascular, de temperatura, hídrica, gastrointestinal e da hipófise.

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drogas

CaUsa & EFEITo Se algumas drogas provocam a sensação de prazer ou são estimulantes, outras podem ser depressoras. Entenda como e onde agem diferentes tipos de substâncias no cérebro

REPORTAGEM BRUNo PodolSkI JAcINTho, PEdRo RodRIgUES PEREIRA SAMoRA e TARIMA MARQUES NISTAl (1o ano de Jornalismo)

CoMo FUNCIoNa No CÉrEBro ocorre uma alteração química, fazendo com que algumas áreas se excitem e outras se inibam

córtex cerebral: atenção, consciência, linguagem, percepção, memória e pensamento cerebelo: equilíbrio e postura corporal hipotálamo e hipófise: produzem hormônios ligados, principalmente, ao controle emocional e à atividade sexual

Age em uma área do cérebro que controla as sensações de dor, liberando substâncias que dão sensação de prazer

lobo Frontal: movimentos voluntários Sistema Nervoso Periférico: inibe a absorção de substância semelhante à adrenalina Sistema Nervoso central: atividade física e mental

MaCoNHa

Inibe de substâncias que causam sensação de prazer. Além disso, libera substâncias relacionadas à memória e aos movimentos

cerebelo: equilíbrio e postura corporal gânglios Basais: movimentos involuntários do corpo lobo Temporal: memória de curto prazo

Lsd

Podem inibir e excitar a atividade cerebral, agindo em áreas do cérebro responsáveis por funções diferentes

locus cerelus: sensações de fraqueza e reações exageradas a estímulos inesperados Sistema Nervoso: exaltação das percepções sensoriais, sinestesias, sensação de levitação, despersonalização mística (o usuário se sente unido ao universo, deixando de ser uma unidade individualizada)

Aumenta a atividade do Sistema Nervoso central, liberando substâncias que causam sensação de prazer

lobo Frontal: movimentos voluntários Sistema Nervoso Periférico: inibe a absorção de substância semelhante à adrenalina Sistema Nervoso central: atividade física e mental

Intensificação da produção da substância que dá a sensação de bem-estar

Sistema Nervoso Periférico: inibe a absorção de substância semelhante à adrenalina Sistema Nervoso central: atividade física e mental lobo Frontal: movimentos voluntários

ÁLCooL depressor

MorFINa depressor

depressor

Alucinógeno

CoCaÍNa e CraCK Estimulante

ECsTasY Estimulante/ Alucinógeno

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oNdE agE

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VICIÔMETRO

“As drogas que menos têm o risco de dependência são os alucinógenos”

Drogas menos viciantes Alucinógenos Maconha

Marcelo Niel, médico assistente

Sedativos As drogAs Agem acelerando ou freando a resposta dada pelo cérebro. Os efeitos delas são diversos e variam dependendo da substância. As drogas podem ser classificadas em estimulantes, depressivas ou alucinógenas. A primeira acelera a atividade do cérebro; a segunda, a diminui; e a última, altera a maneira como o cérebro funciona. Outra classificação muito utilizada é a de potencial aditivo: uma análise do quanto uma droga tem o risco de tornar o usuário dependente. “As drogas que menos têm o risco de dependência são os alucinógenos”, afirma Marcelo Niel, médico assistente da

Santa Casa de Misericódia de São Paulo. “Como a intensidade dos efeitos dessas drogas é exacerbado, e como o organismo demora mais para se recuperar deles, essas substâncias têm menor risco de dependência”, completa. Mas reintera que todas as drogas causam dependência física e psicológica. De fato, todas causam lesões no cérebro, só que são microscópicas. “A maconha é a droga que causa menos danos, os quais podem ser reversíveis quando a pessoa para de usar; diferente do crack, que tem efeitos devastadores sobre a função cerebral”, disse.

CONSEQUÊNCIAS

CONSEQUÊNCIAS DO CONSUMO EXCESSIVO

CURIOSIDADE Você sabia que…

Cirrose no fígado Diminuição do cérebro Destruição irreversível de células cerebrais

A dependência de álcool é o maior problema de saúde pública do mundo.

Alteração no fígado Diminuição do cérebro Destruição irreversível de células cerebrais, prejudicando a memória e a concentração Falta de apetite que pode levar à anorexia e irregularidade intestinal Alterações comportamentais Aumento da agressividade e instabilidade emocional

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Álcool Ecstasy

Cocaína Crack Heroína e Morfina Drogas mais viciantes

A morfina é usada em hospitais e clínicas veterinárias e o seu roubo vem sendo cada vez mais frequente, principalmente pelos próprios médicos.

Aceleração dos batimentos cardíacos Diminuição dos reflexos Síndrome amotivacional (desânimo generalizado)

Sensação de ansiedade, medo, pânico e delírios

Os efeitos da maconha são reversíveis quando se para de consumir.

Sensação de ansiedade, medo, pânico e delírios. “Bad trips”: experiências desagradáveis, causadas por alucinações. “Flashbacks”: sensação de “bad trip” mesmo depois de ter parado de usar a droga

Afeta os centros de inibição Diminui a coordenação motora Piora o desempenho sexual

Dentre os efeitos do LSD, os principais são as fusões de sentidos, nos quais o usuário pode “sentir o cheiro de uma cor” ou “sentir o gosto de um cheiro”, por exemplo.

Aceleração dos batimentos cardíacos Paranóia, sensação de medo e de pânico Irritabilidade e liberação da agressividade Destruição do tecido cerebral

Risco de derrame. Aumento da pressão arterial. Lesões cerebrais irreversíveis. Alucinação. Impulsividade e problemas de memória

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Aceleração dos batimentos cardíacos Paranóia, sensação de medo e de pânico Irritabilidade e liberação da agressividade Destruição do tecido cerebral

O crack tem os mesmos efeitos que a cocaína, porém mais intensos. Por causa disso, o risco de morte é maior.

O ecstasy é o maior causador de infarto entre os jovens

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memória

o hd

HUmaNO o avanço da tecnologia não se refletiu na capacidade das pessoas em armazenar informações REPORTAGEM KARIN HocH e cAMIllA GINESI (1o ano de Jornalismo)

dIvUlGAção

Avesso à tecnologia, o jornalista Mino Carta ainda escreve em sua máquina de escrever

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Não se lembrar com exatidão de todos os filmes a que se assistiu, das pessoas que conheceu, dos livros que leu e das situações que experimentou não é motivo para pânico. Neurocientistas e psicólogos frequentemente definem o termo “memória” como a capacidade mental de armazenar e guardar informações, assim como evocá-las quando necessário. Embora este conceito não esteja errado, é importante destacar que um dos aspectos notáveis da memória é o esquecimento. Como diz o neurocientista argentino Iván Izquierdo: “Nós somos o que lembramos, mas só recordamos porque somos capazes de esquecer”. O esquecimento é apenas um mecanismo para evitar estresse, confusão mental e ansiedade. Ainda que a notícia de que esquecemos boa parte de nossas vidas possa espantar no primeiro momento, hoje em dia isso não é motivo para preocupações. Ao longo das últimas décadas, observou-se a popularização de aparelhos como computador, gravador, celular e GPS, recursos que atuam como extensão de nossa memória e cujo uso é crescente principalmente entre os mais jovens. Fernanda Harumi Seike tem 18 anos, é estudante do curso de Têxtil e Vestuário do Senai e personifica todas essas tendências. Seus seguidores no Twitter não perdem nenhum de seus passos: sabem quem é o mais mal vestido da balada e até o que Fernanda almoçou com a irmã caçula. Mas o registro de informação na web não significa que ela se lembre de tudo o que escreva e leia no microblog “O @gestupidas, perfil no Twitter de um blog feminino, atualizado de cinco em cinco minutos, é tanta informação que logo que eu leio, já esqueço!”, diz Fernanda. A especialista em neurofisiologia, Carla Tieppo, explica esse fenômeno afirmando que é extremamente difícil reter informações sem continuidade ou profundidade. “A memória é resultado de treino, raciocínio e aprendizado e o que a internet proporciona não passa de entretenimento”.


cAMIllA GINESI

cAMIllA GINESI

Fernanda Seike: adepta aos recursos digitais, não consegue recordar da maioria de seus posts no Twitter

“A memória é componente fundamental de inteligência, sou contra essas ajudas fornecidas ao homem por cérebros que não são os dele” Mino Carta, jornalista Na contramão dos problemas causados pela dependência e vício dos novos aparatos, há também os analfabetos, que não podem fazer uso nem do papel e da caneta, e contam somente com ajuda da memória, como a empregada doméstica Sofia Dias de Holanda, 48. Para executar tarefas cotidianas como ligar para um conhecido ou tomar alguma forma de transporte público, ela se utiliza de um método próprio que exige que ela explore sua memória ao máximo. Na hora de pegar o ônibus para ir ao trabalho, por exemplo, ela não tem dificuldade, pois decorou a sequência de letras do letreiro do coletivo, associando-as a símbolos. Contudo, ela diz que suas lembranças são um pouco confusas e não tem qualquer referência espacial ou ordenação cronológica. Se Sofia não sabe escrever, isso é o que o jornalista Mino Carta fez a vida inteira. Criador das publicações Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Veja, IstoÉ e Carta Capital, não se adequou às novas tecnologias e continua datilografando seus textos numa máquina de escrever Olivetti, companheira fiel ao longo da carreira. “A minha escolha é, naturalmente, ideológica”, afirma Carta. “O treino e a experiência fazem com que eu saiba usar os meus recursos sem precisar

desses apoios de instrumentos novíssimos, extraordinários, que, eu creio, são muito mal usados até agora. A memória é componente fundamental de inteligência, sou contra essas ajudas fornecidas ao homem por cérebros que não são os dele”, completa. O também jornalista Getúlio Bittencourt é outra pessoa que podia se dar ao luxo de confiar exclusivamente em sua capacidade de reter dados. Falecido em junho do ano passado, tornou-se conhecido em 1978 depois de ter feito uma entrevista com o então futuro presidente, general João Baptista Figueiredo, sem ter gravado uma palavra e conseguido reproduzir ipis literis o que o general tinha dito. Dois dias depois da entrevista publicada, Figueiredo ligou irado para a redação da Folha de S. Paulo, dizendo que havia sido enganado que “ele estava com um gravador no c...”. Os recursos tecnológicos, criados pelo homem como um acessório, a cada dia se aproximam e se assemelham às habilidades humanas no que diz respeito à capacidade de armazenamento de informações, mobilidades e eficiência da comunicação. Se antes a tecnologia era um luxo ao qual se podia renunciar, hoje é um recurso aproveitado por todos que têm acesso a ela.

Sofia só conta com a ajuda da memória para pegar ônibus MAIS UM GIGA TEXTO JESSIcA FIoREllI (1o ano de Jornalismo)

O mineiro Alberto Dell’Isola, que se tornou o recordista latino-americano de memorização em 2007, explica suas técnicas para ter uma boa memória 1) Relacione informação com imagens de forma divertida. Ser criativo e fazer uso do humor é importante, normalmente são as imagens curiosas que tendem a ser fixadas mais facilmente. “Se sou apresentado a alguém chamado Paulo, eu simplesmente imagino que estou agredindo essa pessoa (Paulo) com um pedaço de Pau (imagem que me remete ao nome Paulo)”, exemplifica Dell’Isola. 2) Abuse do clichê: alimentar-se e dormir bem, exercitar-se regularmente, ter a leitura como um hábito diário são atitudes que contribuem para um bom funcionamento da memória. ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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CAPA

Jardineiros para

T U L I PAS No Brasil, a assistência aos portadores de doenças mentais, os cabeças de tulipa, está mudando aos poucos. Mas ainda há muito para ser feito REPORTAGEM CAMIlA lARA, lÍVIA lARANJEIRA (1º ano de Jornalismo) kElly fERREIRA (2º ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÕES AlAN PoRTo VIEIRA (1o ano de Jornalismo)

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O filósOfO Michel fOucault, no livro História da Loucura (Perspectiva, 2004), cita um quadro do pintor flamengo Hieronymus Bosch (1450 - 1516), chamado A Cura da Loucura (1475-1480), que tem como subtítulo Extração da Pedra da Loucura, para explicar que na Idade Média era comum acreditar que os loucos tinham uma pedra na cabeça que precisava ser removida. O quadro, entretanto, mostra uma tulipa, e não uma pedra, sendo retirada da cabeça de um suposto doente mental. Nos Países Baixos, explica Foucault, os loucos são conhecidos como cabeças de tulipas. Hoje, o modo de lidar com a loucura está mudando. Mas, pelo menos no Brasil, nem sempre os tratamentos estão disponíveis de forma eficiente para todos aqueles que têm doenças mentais. Os cabeças de tulipa que recebem assistência no país não são a maioria. Alguns conseguem ser atendidos por hospitais psiquiátricos, como é o caso do Complexo Hospitalar do Juquery. Outros, por CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e demais redes extra-hospitalares. O nOvO Juquery Em 1987, o Movimento da Luta Antimanicomial (MLA) começou a atuar no Brasil com o objetivo de fechar os hospitais psiquiátricos e reinserir os doentes mentais na sociedade. Quatorze anos depois, foi implantada a lei de nº 10.216, que especifica os direitos do doente mental, incentiva a desospitalização e prevê internações apenas quando forem inevitáveis. Diante desse cenário, o que se observa é a melhoria no tratamento do Complexo Hospitalar do Juquery, fundado em 1898 no município de Franco da Rocha, a 45 km da cidade de São Paulo. O Juquery é um dos maiores centros psiquiátricos do Brasil, com aproximadamente 243 quilômetros quadrados destinado ao tratamento de pessoas com distúrbios mentais. Conhecido por constante superlotação e maus tratos, chegou a abrigar mais de 14 mil internos, dentre pacientes e presos políticos, no ano de 1968, segundo dados ofícial do Município de Franco da Rocha. O arquiteto Paolo Pizzolato, que trabalha no Juquery há dez anos, afirma que quando chegou ao complexo havia cerca de 2.400 pacientes. E desde então ocorreu um intenso processo de catalogação dos pacientes. Muitos foram reencaminhados para os estados de origem e reinseridos em suas famílias. “Foram feitos documentos dessas pessoas, como RG e CPF, as relações familiares e origens foram descobertas e os laços puderam ser reatados”, explica Paolo. Hoje, o hospital tem 312 pacientes, dividos por alas. A ala de doentes crônicos abriga aqueles que estão internados há anos e não têm família nem outro lugar para morar. Entretanto, nessa área nenhum novo paciente pode ser aceito, já que existe intenção de desativá-la. A ala dos pacientes agudos conta com vagas rotativas, sendo 40 para mulheres e 40 para homens; cada um deles permanece, no máximo, dois meses. Atualmente existem algumas exceções na

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A cura da Loucura (1475-1480), quadro do pintor flamengo Hieronymus Bosch (1450 - 1516)

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ala rotativa. São pacientes que não têm para onde ir e, por isso, permanecerão internados por mais tempo. histÓriAs de vidA Depoimentos das pacientes revelam que, se um dia o Juquery foi conhecido por maus tratos, hoje o tratamento dado aos pacientes mudou. Clara Araújo dos Santos, 43 anos, está internada desde dezembro do ano passado, e é diagnosticada como mental leve. Segundo o médico Sérgio Tamai, doutor em psiquiatria e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a classificação dos graus de deficiência mental, diferenciada entre leve, moderada e grave, advém de uma avaliação da capacidade do paciente cuidar de si próprio. A classificação se dá tendo por base as atividades da vida diária separadas em dois tipos: as instrumentais (como usar transporte público e cozinhar) e as básicas (capacidade de se higienizar e se alimentar, por exemplo). Toda vez que Leonor Basílio, assistente da diretoria e assistente social do Juquery, diz a Clara que ela poderá ter alta, a paciente começa a tremer e ameaça: “se me mandarem para casa, vou me jogar no Tietê”. “Meu irmão quer me bater, ele não está bêbado nem nada, e já quebrou a janela da minha casa”, conta. No Complexo Hospitalar do Juquery, ela se ocupa fazendo artesanatos. Faz fronhas, almofadas e tapetes de crochê, que servem de presentes para os funcionários e também para venda. Decisões judiciais podem determinar o tratamento de certos doentes, como é o caso de Maria de Lurdes, 26, que já foi internada várias vezes. Enquanto ficou fora do Juquery, ela engravidou e fez de tudo para não ter o filho. “Não queria essa criança. É muita responsabilidade e peso nas costas. Eu batia minha barriga na parede porque queria abortar”, confessa. Hoje, sua filha Bruna tem quatro anos, apresenta problemas na visão e nas pernas, e está sob os cuidados da avó materna. Da última vez que recebeu alta, Lurdes empurrou uma vizinha que segurava um bebê de seis meses. “Voltei em dezembro por causa da agressividade, fiquei fora de mim e briguei”, explica. Hoje, ela é obrigada a permanecer no Juquery até que um juiz libere sua alta. Ela recebe muitas visitas do pai, porém costuma agredi-lo verbalmente. Da filha não sente saudade e a chama de “traste” ou se refere como “a menina”. Também não tem amizade com nenhum paciente do complexo hospitalar. Contudo, se relaciona bem com os funcionários, que a avaliam como mental médio. A assistente social Leonor conta que é uma prática comum entre as pacientes “adotar” animais que são abandonados no Complexo e vão parar nas proximidades das alas. Lurdes, por exemplo, diz gostar de gatos. Entretanto, quando Leonor pergunta “o que aconteceu com os gatos?”, ela responde sem nenhum constrangimento “eu matei!”. Como fez isso? Com as próprias mãos. “O gato era grande, mas eu peguei no pescoço

“A vida aqui é muito boa. Eu me arrumo, bebo, como, fumo e durmo. Tá bom, não tá?” Margarida, paciente do Juquery

dele e matei”, explica sem titubear. Lurdes não tem paciência para artesanato, gosta é de música. Escuta bandas como Calypso e Jota Quest. Segundo Leonor, nos dias em que as pacientes estão mais calmas, os funcionários colocam alguns CDs para elas ouvirem. “Eu gosto quando toca aquela: ‘fácil, extremamente fácil para você, e eu e todo mundo cantar junto’”, cantarola. Com blush, pulseiras e vestido florido, Margarida Augusta Justo, que há muito espera uma visita, aparece para conversar com as repórteres de Esquinas. “Estou assim porque sabia que um dia alguém ia vir”, diz. Ela tem duas histórias diferentes. A Margarida criada por ela mesma tem 42 anos, dois filhos, Luana de 5 anos e Heitor de 7 anos, e já foi casada duas vezes. Trabalhou como arrumadeira, passadeira, assistente pessoal, psicóloga e garota propaganda. Atualmente, os filhos estão com tutores. Ela namora Luís Monteiro que é “calminho e bom pai”. Entretanto, também gosta do primo que, segundo a paciente, atuou em uma novela.

De acordo com Leonor, que a acompanha há duas décadas, a realidade é bem diferente. Margarida é esquizofrênica. Era filha adotiva e depois da morte dos pais foi abandonada pela família que lhe restara. Internada há 20 anos no Juquery, a paciente chegou a fugir e passou alguns meses fora do hospital. Quando voltou, por conta própria, a lei havia mudado e ela não podia mais ocupar seu lugar na ala dos pacientes crônicos. Ficou então com uma vaga rotativa, que deve se tornar permanente. “A vida aqui é muito boa. Eu me arrumo, bebo, como, fumo e durmo. Tá bom, não tá?”, indaga Margarida. Ela ainda participa das aulas de artesanato e faz tapetes de crochê. Diverte-se com as festinhas organizadas pelas médicas e no seu aniversário quer bolo e bebidas. Quase todo o mês sai às compras acompanhada de um funcionário. Recebe a aposentadoria e vai ao supermercado comprar guloseimas. “Ela tem o controle certo do dinheiro que recebe, sabe exatamente quanto gastou e quanto irá sobrar”, relata Leonor. O dinheiro que não é gasto

REPRodUção

Margarida é esquizofrênica e está há vinte anos no Juquery, de onde já fugiu uma vez ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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REPRodUção

O complexo hospitalar do Juquery atende hoje 312 internos, mas já chegou a abrigar 14 mil pessoas em 1968

“O que de fato aconteceu depois da institucionalização da lei foi uma diminuição dos leitos” Rosa Garcia, psiquiatra vai para a poupança. Margarida desenvolveu uma relação próxima com as enfermeiras. “Não tem o que elas não façam para agradar a gente”, diz a paciente. OitO CAsinhAs No Juquery há também oito moradias que fazem parte do projeto de Residências Terapêuticas (RT) do SUS (Sistema Único de Saúde), que investe em casas para pacientes sem família, mas que têm condições de sociabilidade. As casas são mantidas pelo município de Franco da Rocha. Mas, segundo o arquiteto Paolo Pizzolato, a cidade não tem condições de receber esse serviço, por isso as residências foram criadas no Juquery. “É uma área separada dos outros pacientes e sem nenhum vinculo hospitalar’, explica o arquiteto. Cidinha é uma das moradoras das casinhas, como são conhecidas as RT. Vive com mais seis mulheres. O Estado fornece alimentação crua para os habitantes das residências, e os próprios moradores preparam a comida. “Na minha casa, eu que cozinho. Só não faço feijão porque tenho medo da panela de pressão”, explica Cidinha. Apesar

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de a paciente ir frequentemente para Atibaia visitar alguns parentes, não quer deixar o Juquery, onde tem muitos amigos e, também, um namorado. FOrA dOs hOsPitAis De acordo com Rosa Garcia, membro da diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o que aconteceu depois da institucionalização da lei foi uma diminuição dos leitos. De fato, segundo o Ministério da Saúde, nos últimos 20 anos, 70% dos leitos destinados à psiquiatria foram fechados. “Alguns alegam que grande parte dos que eram hospitalizados se tornavam doentes crônicos e, até certo ponto, isso é verdade”, diz Rosa Garcia. A doutora afirma que muitas pessoas se queixam de não haver mais internações. Em certos casos, “a internação para a família se torna mais cômoda”, confessa. Isso porque, segundo ela, ter o doente mental em casa é difícil, devido ao fato de ser uma “pessoa improdutiva” que requer cuidados constantes. Para Sérgio Tamai, psiquiatra e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa

Casa de São Paulo, hoje, a existência de tratamentos eficazes exclui a necessidade de longas internações. E Guilherme Spadini, psiquiatra do Hospital das Clínicas, complementa: “nos moldes antigos, o paciente esquecia-se da sociedade, da chance de ter uma vida, e ficava internado por muitos anos. Hoje, o hospital psiquiátrico trabalha com internações curtas”. Entretanto, Tamai afirma que o atendimento fora dos hospitais ainda é um problema, pois as políticas brasileiras não cumprem o que a lei prevê. “Tornar o tratamento acessível para as pessoas é a base de tudo”, afirma. A questão básica é como colocar os recursos disponíveis para a população. Se não há mais internações longas, pressupõe-se que os doentes mentais terão outro tipo de acompanhamento. Entretanto, nem sempre é isso o que acontece. A descentralização do modelo de tratamento original, que previa longas internações, propõe tratamentos alternativos como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que funciona como uma espécie de ambulatório. O tipo de acompanhamento feito varia. Os pacientes externos vão mensalmente, os semi-extensivos semanalmente e os intensivos recebem consultas diárias. Desde 2007, os hospitais, que atendem 32 mil doentes mentais pelo SUS por ano, ficam com 36,6% da verba total destinada a saúde mental e o CAPS recebe 63,4%. Mas o dinheiro é pouco. Isso porque o Ministério da Saúde previa que com o fechamento


dos leitos psiquiátricos, tal verba seria remanejada para os serviços extra-hospitalares. Mas estudos mostram o contrário. Em 1995, 5% do orçamento total da saúde era destinado para área mental, atualmente a taxa caiu para 2,5%, que incluem também os gastos com medicação. “Ocorreu um desinvestimento. A verba é pouca frente a necessidade de criar uma rede de apoio nova”, sintetiza o psiquiatra Sérgio Tamai. Existem 1.394 unidades espalhadas pelo Brasil, sendo que apenas 40 delas são capazes de internar pacientes em crise. Estimase que no país haja 17 milhões de pessoas com algum transtorno mental grave, que inclui esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e transtorno obsessivo compulsivo. Entretanto, muitos ficam sem assitência. Segundo o Ministério da Saúde, os CAPS atendem um total de 360 mil pessoas por ano. Segundo o psiquiatra Spadini, na maioria dos Centros de Atenção Psicossocial não é possível colocar um paciente intensivo (aquele que precisa de acompanhamento diário), porque eles não fazem esse serviço ou porque todas as vagas já estão preenchidas. “Não há recursos. O problema é que às vezes você dá alta do hospital psiquiátrico para um paciente grave contando que vai ter um suporte diário no CAPS, e não tem. Então, acaba voltando para o hospital”, enfatiza Spadini, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. Outra função do CAPS seria a coordenação do Programa de Saúde Familiar, que consiste em visitas aos lares de pacientes e aplicação de injeções de depósitos. Essas são válidas para um mês e utilizadas em pacientes que se recusam a aceitar medicação. “Mas não são todos os CAPS que conseguem fazer isso”, alega Spadini. O psiquiatra Sérgio Tamai concorda. “Os CAPS têm muitas atribuições e não conseguem dar conta de tudo. No Brasil temos um buraco ambulatorial, pacientes e familiares não conseguem tratamento”, relata. O médico ainda se queixa da falta de capacitação de médicos e enfermeiros especializados em psiquiatria no país. “Mesmo assim, acho úteis tais medidas alternativas à internação. Quanto mais forem aprimoradas, menos internações ocorrerão e isso será ótimo”, pondera Spadini. Isso porque existem pacientes que estão se tratando graças aos CAPS. É o caso de Marco Antônio Hanser, 50 anos, frequentador diário do CAPS situado na Rua Itapeva, em São Paulo. Sua rotina se inicia às 8h30 com a chamada Roda do Bom Dia. Trata-se de uma dinâmica em que os pacientes contam como estão se sentindo. Depois, eles são encaminhados para atividades específicas. Marco faz oficinas de mosaico e origami. Após o almoço, que é elaborado por uma nutricionista, fica livre para as atividades de lazer. Gosta de jogar dominó, participa de campeonatos internos e da organização de festas. Pode, ainda, ser atendido por dentistas e professores de educação física.

A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

COBERTURA CAPS

por 100.000 habitantes

Muito boa - a partir de 0,70 Boa - de 0,50 a 0,69 Regular ou Baixa - de 0,35 a 0,49 Baixa - de 0,20 a 0,34 Insuficiente ou crítica - abaixo de 0,20

Fonte: Coordenação Geral de Saúde Mental / DAPES / SAS / MS

“A verba é pouca frente a necessidade de criar uma rede de apoio nova” Sérgio Tamai, psiquiatra Ele mora com a esposa, que vai buscá-lo todos os dias às 16 horas. Marco recebe um auxílio-doença do governo e vende caixinhas artesanais de madeira para complementar a renda familiar. Apesar de sonhar com o dia de sua cura, conta que gosta muito do CAPS, dos funcionários e dos pacientes com quem fez amizade. OUTRAS ALTERNATIVAS Como estratégia para estimular a assistência extra-hospitalar, o governo federal criou em 2003 o Programa De Volta Para Casa, que atende pessoas com transtornos mentais, egressas de internações prolongadas (dois anos ou mais), bem como os habitantes das residências terapêuticas. O valor pago para cada beneficiário é de R$240,00 mensais, pelo período de um ano, que pode ser estendido até que a pessoa esteja apta a se reintegrar completamente à sociedade. Embora na implantação do programa o governo tenha estimado que até o ano de 2007 cerca de 11 mil pessoas seriam beneficiadas pelo programa, até o primeiro semestre de 2009 apenas 3.346 pessoas foram atendidas, cerca de 30% do valor estimado inicialmente. Em outras regiões do Brasil os tratamentos ditos alternativos são mais complicados. De acordo com Rosa Garcia, membro da diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria, no nordeste a lei dificulta o tratamento. “Para as regiões mais pobres a lei é quase

utópica. Você tem de conviver de perto com a doença, precisa trabalhar, dar assistência ao enfermo e ainda levá-lo para acompanhamentos, sendo que usando transporte púbico você gasta no mínimo duas horas”, explica Rosa Garcia. Mas os impasses no tratamento não se restringem ao nordeste. O Hospital Dia, de Pouso Alegre, em Minas Gerais, por exemplo, leva cerca de 200 dias para atender o paciente, segundo Rosa Garcia. “Se os CAPS conseguissem abarcar a demanda seria bom, mas o fato é que a rede substitutiva não consegue promover a substituição. Então, é como se a lei não desse assistência para o paciente”, atesta. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a cobertura dos CAPS é avaliada como boa quando existem 0,7 unidades para cada 100 mil habitantes. Os índices atualizados mostram que nove estados brasileiros mais o Distrito Federal possuem uma rede de assistência psicossocial tida como regular ou crítica. Já a cobertura a nível nacional é avaliada como boa. É assim que, aos poucos, os cabeças de tulipa vêm recebendo tratamentos mais dignos e satisfatórios. Mas ainda há muito a ser feito pela saúde mental brasileira no sentido de ampliar e melhorar o acesso aos tratamentos, regando flores ainda sedentas, que precisam de jardineiros.

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perfil

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uma

FICÇÃO particular José Alberto Orsi já foi a reencarnação de Jesus, de Adão e perseguido pela CIA. Realidade vivida apenas em momentos de surtos esquizofrênicos REPORTAGEM RAfAEl lACERdA e MARIA AlICE RANgEl VITA (2o ano de Jornalismo) IMAGEM dANIlO BRAgA (2o ano de Jornalismo)

Era Maio dE 1998, o engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, José Alberto Orsi, estava no final do quarto semestre do seu MBA na Southern Mississippi University. O curso tinha sido estressante nos últimos tempos, em especial os desentendimentos com uma professora de Marketing que insistiu em lhe dar uma nota D. Logo José Alberto se deu conta do que estava acontecendo à sua volta. Havia um complô da CIA e do FBI para assassiná-lo. Queriam culpá-lo pelo assassinado de JonBenét Ramsey, uma menina de seis anos que tinha sido morta dois anos antes em Bolder, Colorado. Estavam atrás dele e iriam colocá-lo na cadeira elétrica pelo crime que não cometeu. Eles estavam em todos os lugares. Nos restaurantes que preparavam pratos envenenados e até na televisão, que passou a emitir um gás que pretendia asfixiá-lo. Em uma terça-feira de sol, cinco dias após o começo de sua paranoia, José foi detido depois de pular nu na piscina de seu condomínio. Ficou aprisionado em uma mistura de clínica e delegacia por duas semanas. Sua irmã conseguiu tirá-lo de lá e o trouxe de volta para o Brasil. Por ora, esse era o fim do sonho americano. Foi seu primeiro surto esquizofrênico. A esquizoafetividade é um diagnóstico controverso. Caracteriza-se pela mistura da esquizofrenia e do transtorno bipolar: alternam-se momentos depressivos e maníacos (sintomas afetivos) e surtos psicóticos (alucinações e delírios). José Alberto foi diagnosticado com a doença aos 31 anos. Hoje em dia, com 44 anos, toma três diferentes medicamentos, além de receber auxilio psicológico e psiquiátrico. O engenheiro já foi a reencarnação de Jesus, Adão e de Martin Luther King, mas hoje é Diretor Adjunto da ABRE – Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia. A doença sempre esteve presente na sua vida, mesmo antes dos primeiros sintomas. A avó e o pai sofriam da mesma condição.

José cresceu vendo as oscilações de humor do pai e, especialmente, das profundas crises de depressão acompanhadas por surtos de choro. Sua mãe, a professora de música Adelaide Orsi sempre se perguntou se seus filhos teriam o mesmo mal que o pai. Quando descobriu que José era esquizofrênico, procurou não se desesperar nem cometer os mesmos erros que havia com o marido. Apoiou o filho em todos os momentos e decisões dele, como a de viajar e fazer seu mestrado nos Estados Unidos. Inclusive, Adelaide atribui a falta da família aos surtos que José teve no exterior. Nas duas vezes que foi para os Estados Unidos, interrompeu a terapia por conta própria, e o que levou na bagagem no lugar dos remédios foram os surtos psicóticos. O PESADELO AMERICANO Em janeiro de 1999, José se sentia bem o suficiente para retomar sua vida normal. Voltou para os Estados Unidos e terminou o MBA. Em seguida recebeu uma proposta para trabalhar como tradutor na Microsoft e mudouse para Seattle, Washington. Por causa de problemas com uma colega, José largou o emprego dois meses depois. Desnorteado, pegou o carro e resolveu atravessar os Estados Unidos para ir a Miami. A viagem acabaria em Montana, onde após um surto em um quarto de hotel foi pego pela polícia local e transferido para outra clínica. Após o tratamento, José Alberto percebeu que não conseguiria morar sozinho e voltou definitivamente para o Brasil. Ele finalmente havia entendido sua condição. Depressivo, José Alberto, praticamente não saía da cama e quase nunca pisava fora de casa. Um último surto em maio de 2001 o levou à internação. A mãe se lembra da crise de quando o filhou ficou mais agressivo, falava coisas sem nexo e levantava de madrugada querendo sair de seu prédio. Também não se pode negar a importância do apoio familiar durante todo o processo de tratamento da esquizofrenia. Apesar de hoje permanecer distante dos assuntos

que envolvem a doença do irmão, Sonia Orsi é uma figura importante em sua vida. Na ocasião dos surtos nos Estados Unidos, foi ela quem ajudou e acompanhou José em médicos e especialistas até a volta ao Brasil. Após o último surto em 2001, José Alberto começou a tomar remédios regularmente e frequentar sessões de terapia. Foi assim que lentamente retomou o controle de sua vida. Em 2003 ele entrou em contato com o S.O.eSq (Serviço de Orientação Esquizofrenia) e com a ABRE, por meio de algumas palestras sobre o tema. Começou a frequentar grupos de apoio e de acolhimento, onde passou a servir como uma ponte entre os portadores de esquizofrenia e os especialistas. No final de 2006, foi convidado a ser Diretor Adjunto da ABRE. TERAPIA DAS TINTAS José pensa em tentar uma vaga no curso de Artes Plásticas na Universidade de São Paulo. Quando pequeno, costumava rabiscar as partituras da mãe e com apenas 17 anos, após um curso de Criação e Ilustração na Escola Panamericana de Arte, foi convidado para fazer parte da equipe Maurício de Sousa, o criador da Turma da Mônica. A proposta não foi aceita e José acabou trocando os lápis de cor pelo curso de engenharia — fato comprovado por sua mãe. Hoje, a arte voltou para o seu cotidiano. Em junho desse ano, seu quadro “Vera” foi o primeiro lugar no concurso “Arte de Viver”, promovido pelo laboratório farmacêutico Janssen-Cilag. O engenheiro divide o tempo entre leituras, caminhadas com a cadela Laika, restaurantes, o Palmeiras do coração, o cargo na ABRE, ansiedade, depressão e remédios. É uma rotina cheia. Ainda assim, José afirma que não se sente plenamente realizado – mas tem muito que aprender e procura viver um dia após o outro. Há oito anos sem crises, afirma que tem uma qualidade de vida muito boa e, com o tratamento e auxílio psicoterápico, procura superar os desafios da vida de qualquer ser humano, esquizofrênico ou não.

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literatura

ToMáS RANgEL / MANUfATURA

loWCura

Rodrigo de Souza Leão foi um poeta brasileiro desconhecido, que escrevia sobre a sua loucura: a esquizofrenia REPORTAGEM ANdRESSA BASILIo, MAíRA RoMAN (1º ano de Jornalismo) e ALINE KhoURI (3o ano de Jornalismo)

“Vocês sabem muito bem que a minha vida não foi fácil. Sofreram muito. Sofremos junto. Sofremos nós. Gostei da vida e valeu a pena. (...) Tomara que exista eternidade. Nos meus livros. Na minha música. Nas minhas telas. Tomara que exista outra vida. Esta foi pequena pra mim. (...) Nunca tenham pena de mim. Nunca deixem que tenham pena de mim. Lutei. Luto sempre. Desculpem-me o mau humor. É que tudo cansa.” Esse é um trecho da carta de despedida que Rodrigo de Souza Leão, músico, poeta, pintor e escritor deixou para sua família. Embora tenha sido escrita em maio de 2009, o artista veio a falecer aos 43 anos em uma clínica psiquiátrica dois meses depois, em decorrência de um ataque cardíaco. Aquela era sua terceira internação e, diferentemente das outras, feita por vontade própria. Rodrigo de Souza Leão acabou cedendo na batalha contra a esquizofrenia, doença com a qual conviveu por 20 anos. À família coube se conformar, já que escritor não

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tinha mais vontade de viver. Foram duas décadas em um universo paralelo, em que literatura e esquizofrenia – patologia que Rodrigo chamava de lowcura – coexistiam e misturavam-se a ponto de ser difícil distinguir uma da outra. Nascido em 4 de Novembro de 1965, no Rio de Janeiro, Rodrigo sempre foi amoroso, carismático, vaidoso e pró-ativo. Na infância, gostava de praticar esportes. A adolescência foi marcada pela música. Na década de 80, formou com mais três amigos uma banda de rock’n’roll chamada Pátria Armada. Depois da dissolução da banda, continuou a compor e tocar, principalmente junto com o irmão mais novo, Bruno. “Rodrigo era muito próximo aos irmãos, pela pouca diferença de idade. Bruno e Maria Dulce (irmã) o acompanhavam constantemente”, afirma o pai, Antonio de Souza Leão. primeiros surtos As alucinações do escritor começaram a se manifestar lentamente. Aos 17 anos, Rodrigo imaginou que

tinha engolido um grilo. O episódio aconteceu quando o jovem passava uma temporada de férias com a família em São João da Barra. Na época, o pai achava que ele tinha algum desvio de comportamento, mas nada que pudesse preocupar. Por precaução, Rodrigo foi encaminhado a um psiquiatra, mas não tomava os remédios regularmente. Em outra ocasião, chegou a acreditar que a família o estava envenenando, por isso ficou alguns meses preparando a própria comida ou realizando as refeições fora de casa. Em 1988, Rodrigo formou-se em jornalismo na Faculdade da Cidade e começou a trabalhar na assessoria de imprensa do banco Caixa Econômica Federal. Porém, um ano depois, em 3 de Setembro de 1989, voltou a ter alucinações, mas desta vez elas evoluíram para algo mais grave, um surto. Começou a ter delírios de que alguém do trabalho tinha implantado um chip em sua cabeça para descobrir informações. Desceu 44 andares no escuro do prédio em que trabalha-


na infância. Após a perda do animal, o poeta dizia que o azul não existia mais e havia sumido do mundo.“O bom do cachorro azul era que ele não crescia e não morria. O negócio era cuidar para que ele não envelhecesse(...) O cachorro azul era minha melhor companhia”, escreveu no livro. Havia ali uma forte relação com o brinquedo, que para Rodrigo era sinônimo de acalento e de identidade. “Estou sem meu cachorro azul aqui. Estou despido do que sou. Na prática não sou ninguém”, relatou. Pouco tempo depois da segunda internação, com um quadro relativamente estável, Rodrigo voltou para casa. A produção não diminuiu; pelo contrário, intensificou-se. O escritor publicou, além de Todos os Cachorros são azuis, o livro Há Flores na Pele (Trema, 2001), mais de dez e-books de poesia e poemas em revistas impressas e eletrônicas. A maior parte de sua produção está no blog que era escrito por ele (http://lowcura.blogspot.com). “A obra de Rodrigo é fascinante e triste ao mesmo tempo. É triste porque é verídica. É a história de vida dele. Ele teve a generosidade, ou teria sido sua única saída, de deixar essa literatura riquíssima, com muita coisa a ser estudada”, comenta o escritor e poeta Ramon Mello, autor do livro Tumorgrafias (Cartaz, 2006). o artista Em 2008, o escritor partiu para um tipo diferente de arte e começou a pintar telas. As poucas vezes em que Rodrigo saía de casa eram para ter aulas de pintura. A mãe, Maria Sylvia, conta que nem mesmo para receber prêmios pelo seu trabalho o filho saía de casa, embora ele tenha comparecido, após o lançamento do último livro, em uma noite de autógrafos e a um recital, a convite do amigo Claudio Daniel. Apesar da obra de Rodrigo de Souza Leão adquirir cada vez mais prestígio, ele não tinha mais vontade de viver. A família acredita que o escritor já não tomava mais os remédios, pois ele fumava muito e tinha tremores. Esses sintomas foram potencializados quando ele começou a assistir à novela de Glória Perez, Caminhos das Índias. O poeta não gostava do tratamento da esquizofrenia dado pela novela. O estopim para o último surto de Rodrigo foi assistir à uma cena em que o personagem esquizofrênico Tarso (interpretado por Bruno Gagliasso), por conta de um delírio, atirava em outro personagem.O escritor ficou agitado e inconformado. “Louco não mata, se mata”, dizia dele, como lembra a mãe, Maria Sylvia. Naquele momento, o artista ficou com medo de matar o irmão e, por isso, pediu para ser internado novamente. Apesar de o pai tentar convencê-lo do contrário, Rodrigo foi à clínica de táxi, abraçado com a irmã Maria Dulce, pois temia machucar alguém. Uma semana após a internação voluntária faleceu, vítima de ataque cardíaco e da vontade de encontrar paz. “Ele dizia que o mundo estava pequeno para ele. A internação foi o seu adeus”, relata a mãe Maria Sylvia.

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va e desapareceu. Encontrado pela irmã em uma igreja em Botafogo, foi medicado, mas a família ainda desconhecia o que estava acontecendo com Rod, como era carinhosamente chamado. Assim, os pais, sem alternativas, decidiram internar o filho em uma clínica psiquiátrica particular no Rio, onde foi diagnosticada a esquizofrenia. A internação durou um mês e, ao voltar para casa, Rodrigo não tinha mais delírios ou ataques de nervosismo, mas adquiriu outro problema: não queria mais sair de seu apartamento. Nessa época o pai conseguiu para Rodrigo a aposentadoria na Caixa por invalidez. Recluso, dedicava-se à leitura de diversos autores, como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Proust. A literatura passou a ser, também, uma forma de expressar o que sentia. “Rodrigo contava em seus poemas as experiências que passou em clínicas psiquiátricas, os surtos que sofreu, a reação da família à doença etc. Talvez para entender melhor a própria doença. Nesse aspecto, foi alguém lúcido que conseguia olhar para o próprio abismo”, afirma o escritor e amigo Cláudio Daniel. produção virtual Por não sair de casa, o poeta passava horas na internet interagindo com outras pessoas e divulgando sua obra. “Ele fazia muitas amizades pela internet e apesar dele não sair de casa, os amigos vinham muito aqui visitá-lo. Ele vivia rodeado de pessoas, era um rapaz muito agregador”, relata a mãe, Maria Sylvia. Na internet Rodrigo participava de diversos grupos de discussão sobre poesia e literatura, entre eles o Gaiola Aberta, que reunia principalmente poetas, dos quais ele logo ficou amigo. “Rodrigo era um garoto que queria ver o mundo. Ele se aproximava demais das pessoas para colher informações”, relata a escritora Rosa Pena, autora do livro Ui! (TXT, 2004). Essa busca por informações sobre o universo exterior podia ser percebida nas contas telefônicas, que chegavam a somar R$ 800,00 todo mês. “Ele queria que você contasse o mundo para ele de 10 em 10 minutos. O Rod tirava da gente a vida do lado de fora”, completa Rosa. Com 36 anos, em 2001, teve de ser internado pela segunda vez, pois não queria deixar ninguém, nem a própria mãe, entrar no apartamento em que morava com a família. O escritor não gostava do tratamento que tinha na clínica, e fez uma confissão à amiga e escritora: “Rosa, a única coisa boa que tem é batata frita”. As impressões de Rodrigo de Souza Leão sobre suas internações podem ser conferidas no livro Todos os cachorros são azuis (7 Letras, 2008). Com ele, o escritor ganhou uma bolsa do Programa Petrobrás Cultural em 2007 e ficou entre os 50 finalistas para o Prêmio Brasil Telecom 2009. Sobre o livro, Antonio Leão, pai de Rodrigo, afirma: “É uma abordagem diferente, criativa. Parece ficção, mas para muita gente é realidade”. O livro traz a história de um homem num hospício e o título foi inspirado em um cachorro de pelúcia azul que o escritor teve

FIO INVISÍVEL Andei hospedado no Nada Andando em círculos concêntricos Estiquei demais a empada Sou um ser excêntrico Detesto ser o centro Prefiro guardar distância Essa que guardo lá dentro Lembro da minha infância Onde todos os cachorros são azuis E todas as vacas são sagradas Meu pai vê minha garganta com pus E minha mãe é internada Junto comigo carrego problemas Milhares de coisas que me dividem em mil Um lindo par de algemas Me prende ao infinito do seu olho anil Eu quero sair de onde estou Mas não sei bem qual o lugar Onde devo levar o meu soul Canto apenas por cantar Por que gosto deste hospício? É, pelo menos, um local verdadeiro Desses que levam a um precipício E vicia pelo mau cheiro Saiba, não sei me cuidar Pouco sei desta existência Febril Às vezes me falta o ar E sempre estou por um fio

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REPROdUçãO

Um novo modo de encarar a

DOENÇA O neurologista inglês Oliver Sacks narra inusitadas histórias de pacientes que aprenderam a viver com determinadas patologias

REPORTAGEM LAíS PETERLINI, NATháLIA hENRIQUE (1o ano de Jornalismo) e LAíS CLEMENTE (3o ano de Jornalismo)

O neurologista Oliver Sacks já escreveu dez livros contando as histórias de seus pacientes

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DesDe sua estreia na literatura, em 1970, com o livro Enxaqueca (Companhia das Letras, 1996), já era possível perceber que Oliver Sacks possuía um jeito particular de enxergar as enfermidades neurológicas. Como epígrafe dessa obra, ele inseriu a seguinte frase do também médico e escritor George Groddeck (1866-1934): “todo aquele que (...) enxergar na doença uma expressão vital do organismo não mais a verá como um inimigo. (...) a doença se torna para mim um elemento da mesma espécie que sua maneira de andar, seu modo de falar, sua expressão facial”. É essa a receita que Sacks adotou e que norteia suas obras. Ainda em Enxaqueca, ele


conta a história de um paciente que é matemático, e que pede ao médico para voltar a ter enxaquecas novamente, já que, apesar dos malefícios da doença, ela também lhe provocava intensos surtos criativos. No livro Um antropólogo em Marte (Companhia das Letras, 1995), há outro paciente que também não vê a doença como uma inimiga. Virgil, um homem de 50 anos, perdeu a visão durante a infância e acreditava que não havia cura para sua cegueira. Ao descobrir que uma operação de catarata poderia fazer com que voltasse a enxergar, o paciente se submeteu ao procedimento. Após o tratamento, quando removeram o curativo de seus olhos, sua noiva comemorou o “milagre” escrevendo em um diário: “Virgil pode VER!”. “Mas o que significava “ver” para esse homem antes privado da visão?”, Sacks se perguntava. Com as palavras do filósofo do século XVII, William Molyneux, ele questionava se, após 45 anos, o cérebro de Virgil conseguiria processar imagens e associá-las aos objetos que ele só conhecia pelo toque: “suponhamos que um homem nascido cego, e agora adulto, a quem é ensinado distinguir o cubo da esfera pelo tato, volte a ver: [será que poderia agora] pela visão, antes de tocálos [...] distinguir e dizer qual é o globo e qual é o cubo?”, questionou o filósofo. E Molyneux estava certo. O paciente descreveu a Sacks que, no primeiro momento, quando voltou a enxergar, “havia luz, movimento e cor, tudo misturado, sem sentido, um borrão”. Virgil não soube identificar o “borrão” como sendo o rosto do médico até ouvir a voz dele vindo em sua direção. Quando Sacks foi visitar o paciente, cinco semanas depois da cirurgia, ele se sentia mais incapaz do que quando era cego. “[Ele] perdera a confiança, a facilidade de movimentos”, conta o neurologista no livro. Virgil tinha um gato e um cachorro, os dois com a mesma coloração: preta e branca. Ao ver os dois, ele não sabia identificar qual era o gato e qual era o cachorro antes de tocá-los. Ao olhar para eles, via somente os detalhes: uma pata, um focinho, um rabo, mas era incapaz de olhar para o conjunto e saber qual era o animal. Assim, quando, após um problema respiratório, ele perdeu novamente a capacidade de enxergar, a cegueira não lhe pareceu algo negativo. Segundo Sacks, a volta da cegueira foi uma “dádiva”, já que, quando podia enxergar, Virgil sentia uma profunda raiva por sua incapacidade para se adaptar. “[Ele tinha] raiva por de ter sido arrastado para uma batalha que não podia nem abandonar, nem vencer”, escreveu. Um méDicO ArtistA Com 39 anos de carreira literária, Sacks tornou-se membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras e lançou dez livros que abordam desde doenças conhecidas, como a cegueira e a surdez, até as mais desconhecidas, como a letargia encefálica. Esta última foi explorada no livro Tempo de despertar (Companhia das Letras, 1997). A obra inspirou,

em 1990, o filme homônimo estrelado por Robin Williams e Robert De Niro. Prestando atenção em pequenos detalhes do comportamento dos pacientes de um hospital para doentes crônicos, Mount Carmel, localizado em Nova York, Sacks descobriu padrões de comportamento. E, então, concluiu que algumas daquelas pessoas eram sobreviventes da chamada “doença do sono” – epidemia que se disseminou entre os anos de 1916 e 1927, e que fazia com que os enfermos ficassem paralisados. No caso da Senhora D., por exemplo, Sacks observou que ela conseguia caminhar alguns passos sozinha, mas que tornava a ficar imóvel “quando precisava desviar o olhar de um lugar para outro ou a atenção de uma ideia para outra”, escreveu no livro. A partir de observações como esta, Sacks descobriu que os 80 pacientes pós-encefalíticos analisados por ele naquele hospital não estavam totalmente desligados do mundo a sua volta, já que respondiam a reflexos e estímulos visuais. Durante o tempo em que trabalhou em Mount Carmel, Oliver Sacks, que morava em Nova York desde 1965, alugou um apartamento a 100 metros do hospital. Nessa época ele passava entre 12 e 15 horas por dia analisando seus pacientes. O tratamento encontrado, à época experimental, foi feito com a droga levodopa, um medicamento utilizado para combater o Mal de Parkinson. Apesar de não ter trazido a cura para a letargia encefálica, o remédio conseguiu fazer com que os pacientes se movessem normalmente ao menos por alguns meses. Em sua obra mais recente, Alucinações Musicais, de 2007, Oliver Sacks explora as relações de prazer e desprazer que a música pode despertar no cérebro. O livro conta, por exemplo, a história do violinista Gordon B., 79 anos, que desde 2001 escuta músicas em sua cabeça 24 horas por dia. Pequenas doses da droga quetiapina, um medicamento antipsicótico, o ajudaram a fazer com que as alucinações parassem por tempo suficiente para que ele pudesse ter uma noite de sono saudável. Mas devido aos efeitos colaterais do remédio, que provoca sonolência, durante o dia quem teve de aprender a lutar contra ou apenas conviver com as músicas foi o próprio paciente. Com o passar do tempo, o paciente aprendeu a alterá-las. Conseguia, por exemplo, escolher qual a música seria o tema de sua alucinação. Podia, também, silenciá-las por alguns minutos ao concentrar-se fortemente em outra atividade. Para o neurologista, seus pacientes são dignos de contos ficcionais. Em O homem que confundiu sua mulher com o chapéu (Companhia das Letras, 1985), Oliver Sacks afirma que “as fábulas clássicas contêm figuras arquetípicas: heróis, vítimas, mártires, guerreiros. Os pacientes neurológicos são tudo isso e são também algo mais”. Basta ler alguns dos livros de Sacks para constatar a verdade dessa afirmação. Mais que fantásticas, as histórias são reais.

O HOMEM QUE CONFUNDIU SUA MULHER COM UM CHAPÉU

Companhia das Letras, 1997 264 págs. R$ 57,00 Um músico que confunde não só a cabeça de esposa com um chapéu, como também o próprio pé com o sapato, por não ter a capacidade de associar o que vê com o significado daquilo que é visto. Casos como esses, de pacientes com diferentes patologias neurológicas, são narrados em tom de literatura por Oliver Sacks.

UM ANTROPÓLOGO EM MARTE

Companhia das Letras, 2006 360 págs. R$ 25,50 Como “um antropólogo em Marte”. É assim que Temple Grandin, uma autista PhD em ciência animal, diz se sentir. Apesar de entender a linguagem científica muito bem, ela tem profundas dificuldades em se relacionar com outras pessoas. Além deste caso, que dá título à obra, o livro traz outras seis histórias clínicas envolvendo deficiências diversas que se traduzem em lições de vida.

ALUCINAÇÕES MUSICAIS

Companhia das Letras, 2007 368 págs. R$ 51,50 No livro mais recente livro, Sacks explora experiências de pacientes que tiveram suas vidas transformadas pela música, seja de forma positiva ou negativa. Relata, por exemplo, a história de um médico que virou pianista após ser atingido por um raio e também o caso de uma mulher que sentia convulsões sempre que ouvia determinadas músicas.

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Cristovão Tezza: somente depois da escrita atende aos chamados cotidianos dIvUlgAção

procura da

PERSONAGEM Se para uma ator compor uma personagem é uma tarefa árdua, para o escritor a complexidade é a mesma ou maior. Ignácio de loyola Brandão e Cristovão Tezza contam como funcionam seus processos de criação REPORTAGEM CARolINA SAloMão RodRIgUES, ThAIS NAoMI SAwAdA (1o ano de Jornalismo), FlávIA CAMARgo lEAl (2o ano de Jornalismo) e MARílIA PASSoS (3o ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÕES dANIlo BRAgA (2o ano de Jornalismo)

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Esboços dE uma composição que foi sendo feita manualmente, árdua e espaçada por anotações infinitas perdidas num cômodo familiar. Ele encontra a personagem toda manhã, quando se senta, respondendo com a caneta em punho a questão de Drummond: “trouxeste a chave?”. Cristóvão Tezza penetra surdamente no reino das palavras. A escrita é o seu despertar, depois e, somente depois, atende aos chamados da vida cotidiana -- pagar contas no banco, checar e-mails e dar aulas na faculdade. Tezza, 57, no início da adolescência descobriu seu projeto de vida: ser escritor. O que ele mais gosta é do ato de escrever em si, o período enquanto a narração está sendo feita. Depois, vê o livro como um objeto, como um leitor de si mesmo — o que chama de olhar social sobre o romance. “Não levo em consideração o destinatário para quem escrevo, o leitor, pois essa relevância é inimiga mortal da boa ficção”, diz. A descoberta do leitor ocorreu quando começou a escrever para jornal, o que ele considera totalmente diferente de literatura. Para o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, de 73 anos, o leitor sempre esteve presente na criação literária. Autor de mais de 30 livros — entre eles romances, contos e infantis, além de outros — afirma que o processo de criação em torno de uma personagem varia de obra para obra. Para ele, “cada personagem possui sua própria vida, sua própria forma peculiar de criação”. Assim, ao se preparar para iniciar uma

narrativa, Loyola cria uma ideia e toda uma estrutura em volta dessa situação. Só então começa a imaginar que tipo de personagem deveria estar ali, sua personalidade, características e filosofia de vida. Afinal, “ele é o condutor da história, é através dele que vou narrá-la”, diz. Portanto, cada caso é único. Um exemplo é o romance O anônimo célebre (Editora Global, 2002), cuja personagem principal é obcecada pela fama, fazendo de tudo para obtê-la. Assim, a trama se desenrola no formato de uma espécie de manual para aqueles que sonham em serem estrelas, contando os anseios, desejos e frustrações da personagem principal, além de seu caso de amor com Letícia. Loyola sempre foi fascinado por pessoas que desejam desesperadamente ficarem famosas. E foi daí que surgiu o início de O anônimo célebre. Começou a observar esses aspirantes pela fama, roubando um pouquinho de cada um — a loucura de um, o medo de outro — para a construção da personagem. “O personagem de O anônimo célebre quer ser famoso pela fama. Ele é vazio, superficial. Como são todos esses desesperados pela fama”, critica. “Escrevo esse livro por dinheiro”, assim abre Tezza no romance Uma noite em Curitiba (Rocco, 1995). O impulso superficial de quem procura na literatura um negócio é contrário às aspirações de Tezza. Para ele, o dinheiro não é o motivo para escrever. No livro, o protagonista – o professor universitário Frederico Rennon – é colocado em uma

“Não levo em consideração o destinatário para quem escrevo, o leitor, pois essa relevância é inimiga mortal da boa ficção” Cristovão Tezza

dIvUlgAção

Para Ignácio de Loyola Brandão, o jornalismo tem papel fundamental na criação literária ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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“O personagem não me domina. Alguns escritores dizem que são dominados pelo personagem. Isso não existe” Inácio de Loyola Brandão

situação dramática ao se envolver com a estonteante atriz Sara Donavan, uma “cabeça amalucada”, nas palavras do autor. “Meus personagens, no geral, possuem traços concretos, mas nem sempre”, explica. Na formação de Frederico, ele usou dados autobiográficos, pois segundo o autor, alguns pensamentos de Rennon são características dele mesmo. “Eu diria o que professor diz em muitas ocasiões”. Em contrapartida, a outra personagem central da história, o filho do professor, a quem é atribuída a frase inicial do romance, é altamente literária, justificado por ser o contraponto da narrativa. “Coloquei dessa forma por intuição, para construir essa personagem o mais distante possível das minhas convicções”, conta. O autor revelou que durante um ano inteiro pensou na composição da história para só depois escrevê-la. “Não tenho propriamente uma pré-produção da narrativa, mas algumas frases vão surgindo e as anoto para não esquecer depois”, diz. Para Loyola, a pré-produção do livro é essencial para a sua realização. Ele faz um verdadeiro trabalho de apuração jornalística antes de iniciar o romance. Em um caderno faz uma série de anotações sobre as personagens. A REAlidAdE dA ficçãO Com o romance O filho eterno, Tezza ganhou os maiores prêmios nacionais. A narrativa é sobre a história do seu filho portador da Síndrome de Down. Segundo o autor, foi o livro mais difícil que ele escreveu, pois envolve a história de seu filho e é emocionalmente muito carregado. A principal preocupação de Tezza foi de que o livro caísse no abismo da pieguice, marcado por um discurso social de uma literatura com caráter sensacionalista. Uma das saídas foi adotar a terceira pessoa como a voz do discurso, o que o afastaria da história. “Trabalhei com a cabeça de um romancista e não apenas relatando o fato como um pai”, conta. A história é contada trinta anos depois do nascimento do filho, o que para o autor explica a característica marcante de uma narrativa de lembrança: uma unidade inexistente na vida real. Como ele escreveu a história de toda uma vida, o romance contém erros factuais, nas palavras do autor. “Não fiz nenhuma anotação durante todo esse tempo, a minha base foram fragmentos da memória”, diz. Durante a produção do romance, o afastamento foi necessário para

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que a relação entre pai e filho não afetasse a composição final. Tezza cria como um romancista, nesse caso, segundo o autor, o filho foi apresentado mais como um personagem literário do que real. PONtO fiNAl Quando o escritor coloca o ponto final na narrativa, as personagens ainda brotam no inconsciente, fazendo parte do seu cotidiano. Ao dar vida a um livro, Loyola conecta-se muito a ele, de forma que após o término, tenta passar um tempo sem escrever mais nada, até desligar-se completamente dele. Isso porque até esse momento, qualquer outra história seria essencialmente a mesma de antes. Assim, após a publicação da obra, ele a lê uma única vez para depois esquecê-la. Processo que pode levar até mesmo um ano inteiro para se concluir. Para Tezza, depois de terminada a obra, ele procura não pensar nas personagens. Eventualmente, quando relê o livro, o vê como algo escrito por outra pessoa e não por ele mesmo. O escritor é categórico: “Não me envolvo emotivamente com as personagens, envolvo-me com o ato em si de escrever o livro”. Ao contrário do que alguns escritores afirmam, Loyola não se confunde com suas personagens, apesar da inevitável ligação. Para ele, o personagem deve sim parecer mais do que simplesmente literário, caso contrário, o livro não estaria dando certo: “Você tem que convencer o leitor de que o personagem é real”. Mas isso não quer dizer que ele se deixe influenciar por esse novo ser humano. Ao invés disso, ele retira do real o que poderia funcionar na ficção. “O personagem não me domina. Alguns escritores dizem que são dominados pelo personagem. Isso não existe”, alfineta Loyola. “Você manda no personagem. Ele começa a crescer, mas sempre como personagem”. É desse crescimento que a concretização da personagem acontece. Nascendo da mente dos seus autores para a vida do público. A relação autor-personagem pode ser comparada com a relação entre o poeta e o poema, descrita por Drummond: “Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.” Cada personagem ganha uma convivência característica com o autor, que tem sua maneira de espelhar a experiência do ser humano, mas todos provêm do mesmo combustível: a paixão pela literatura.

O anônimo célebre, Ignácio de Loyola Brandão. Editora Global. 384 págs. R$ 49,00

O filho eterno, Cristovão Tezza. Editora Record. 224 págs. R$ 39,90


cinema

Jack Nicholson em O Iluminado, filme em que Kubrick reproduz os extremos da razão REpRodUção

O cinema nO DiVÃ Ao longo da história, a sétima arte retratou a mente humana de formas diversas, declarando ódio e também amor à psiquiatria REPORTAGEM NARlIR GAlvão (1o ano de Jornalismo) e NAThAlIA GARcIA, WIlSoN SAIkI (2o ano de Jornalismo)

“O cinema cOmeça mostrando o bizarro e o estranho. A graça não é ver as pessoas normais, as pessoas do dia-a-dia, tudo que passa no cinema é exatamente o extraordinário”, acredita o psiquiatra e psicanalista Andrés Santos Júnior, co-autor do livro No avesso da tela: a psiquiatria pelo cinema (Lemos Editorial, 2006), em conjunto com José Paulo Fiks, psiquiatra, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo e doutor em Comunicação pela ECA/USP. A produção artística procura acompanhar as transformações do comportamento social. O cinema, ao longo de sua história, é uma das artes que buscou representar as

particularidades da natureza humana e das situações cotidianas, explorando temas da psique. Quando se fala sobre psiquiatria, alguns termos são frequentemente confundidos, como os conceitos de loucura e doença mental. O primeiro caracteriza, de acordo com o dicionário Houaiss, um “sentimento ou sensação que foge ao controle da razão; comportamento que denota falta de senso, de juízo, de discernimento”. Nesse caso, o tratamento clínico não é fundamental. Apesar do louco agir fora dos padrões estabelecidos como “normais” pela sociedade, não se trata de uma patologia. Dentro do universo cinematográfico, isto é representado,

por exemplo, pelo personagem do Coringa, interpretado por Jack Nicholson em Batman (1989) e por Heath Ledger em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). Suas atitudes anárquicas desencadeiam pânico e caracterizam-no como insano, construindo um dos arquétipos do vilão. Por outro lado, a figura do matemático John Nash, em Uma Mente Brilhante (2001), retrata a esquizofrenia, caso de doença mental, e o reflexo em sua vida íntima e profissional. Em No avesso da tela: a psiquiatria pelo cinema, as doenças da mente são conceituadas por Carol Sonenreich, diretor do Departamento de Psiquiatria e Psicologia

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REpRodUção

O Coringa: a personagem foge dos padrões estabelecidos como normais pela sociedade

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Médica do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE): “Quando encontramos distúrbios psíquicos que podem ser relacionados a uma alteração das funções do sistema nervoso e para uma pessoa representam perda da liberdade de escolher seus pensamentos, afetos, sua ações, tentamos fazer um raciocínio médico e falamos de doença mental”. Cerca de 180 milhões de pessoas, o equivalente a 3% da população mundial, sofrem com problemas mentais que exigem assistência médica vitalícia. “Doente tem um sentido diferente do que as pessoas pensam. Nenhum de nós, psiquiatras e profissionais de saúde mental, chamaria o doente de louco. O louco pode se queimar com café e sair gritando no meio da rua. A medicina vai dar um diagnóstico para ele? Evidentemente que não”, esclarece o psicanalista Andrés Santos Júnior. Durante a trajetória cinematográfica que representou a psiquiatria, e também o psiquiatra, ocorreram mudanças de visão, de acordo com os períodos históricos e com as transformações sociais. Um dos primeiros filmes em que essa temática aparece é O Gabinete do Dr. Caligari (1919). A produção, símbolo do expressionismo alemão, explora o contraste entre luz e sombra e o cenário tortuoso e exagerado, com referências surrealistas. A história é narrada a partir do ponto de vista delirante da personagem Francis que distorce a imagem do psiquiatra e, ao final, o espectador constrói uma nova interpretação para o enredo. as três fases No contexto do pósGuerra, entre 1945 e o início da década de 1960, o médico é glorificado pelo cinema norte-americano e a psiquiatria vive a chamada “época de ouro”. Alfred Hitchcock, em Quando fala o coração (1945), inaugura essa tendência. A psiquiatra, interpretada por Ingrid Bergman, conhece John Ballantine, que sofre de um transtorno psíquico e se passa por Anthony Edwardes, diretor da clínica onde trabalha. Enquanto tenta curá-lo, ambos ligam-se afetivamente e a relação entre médico e paciente ultrapassa o envolvimento profissional. Isso passa a ser reproduzido em outros filmes do período, construindo uma imagem idealizada da realidade psiquiátrica. A contracultura surge como uma ruptura do modelo estabelecido até o momento. Vivendo em uma fase de efervescência política e cultural, a geração das décadas de 1960 e 1970 trouxe novas concepções para a representação artística. A partir de então, o cinema incorporou uma visão negativa dos aspectos clínicos, desenvolvendo o conceito de antipsiquiatria. As patologias da mente passam a ser vistas como um reflexo de problemas familiares e sociais; o hospital psiquiátrico, tido como um local agradável para recuperação, torna-se uma prisão para os doentes e o médico adquire o estigma de vilão. Como exemplo, destaca-se o longa-metragem Um estranho no Ninho (1975), dirigido por Milos Forman. A história, ambien-


REpRodUção

tada em um hospital psiquiátrico, centra-se no personagem Randle McMurphy, protagonizado por Jack Nicholson, um preso que se finge de louco para conseguir a transferência para um hospital psiquiátrico. Na instituição, depara-se com o autoritarismo da enfermeira Mildred Ratched e incita a reação dos demais pacientes, que eram vítimas de choques elétricos e de lobotomia. “Forman diz entender o filme, hoje, muito mais como uma metáfora do poder da União Soviética sobre as pessoas. Mentira. Porque todo mundo falava mal da psiquiatria e era vergonhoso ser psiquiatra nessa época”, acusa o psiquiatra José Paulo Fiks. O olhar antipsiquiátrico deixou resquícios. Mesmo trabalhando com diferentes perspectivas, alguns valores foram conservados, como em O Silêncio dos Inocentes (1991). Anthony Hopkins representa o médico Hannibal Lecter. A personagem retoma o molde do profissional competente que vigorou durante os “anos de ouro”, mas diverge quanto à conduta moral do psiquiatra, incorporando um dos mais temidos vilões do cinema. “Hannibal Lecter não é um louco que perdeu a razão, é um louco que a controla com muita racionalidade. A manipulação que ele opera para pegar suas vítimas e o medo que a gente tem dele nos fascina”, diz Cássio Starling Carlos, crítico de cinema da Folha de S.Paulo. A recente produção brasileira O Bicho de Sete Cabeças (1999), dirigido por Laís Bodanzky, resgata a antipsiquiatria. O adolescente Wilson Souza Neto (Rodrigo Santoro) é internado involuntariamente pela família em um hospital psiquiátrico, local marcado pela degradação, incompetência e corrupção. Os pacientes sofrem com torturas e tratamentos precários, enfatizados nas cenas de eletroconvulsoterapia. O crítico Starling enxerga esse jovem como o reflexo

de uma sociedade em crise: “Tudo começa no ambiente familiar. A personagem é vítima de uma sociedade, de uma organização que é repressiva, não só do hospital”. Por outro lado, o psiquiatra Andres Santos Júnior julga que “as pessoas não se dão conta de que o filme passa uma visão totalmente distorcida. Quer fazer propaganda quando explora, ao final, a informação ‘70 mil pessoas ainda vivem nessas condições’. É uma luta antimanicomial”. Apesar das críticas à psiquiatria, o longa-metragem trabalha com novas vertentes: a dependência química e a homossexualidade. Essas diretrizes ganharão destaque na década de 1990. nOVas tenDências Nos filmes atuais, o retrato da doença mental segue novos caminhos e torna-se mais abrangente, incluindo temas como a depressão. Esse problema, que atinge de 10% a 25% das pessoas que procuram os clínicos gerais, é discutido pelo filme As Horas (2002) em três épocas distintas – início, meados e final do século XX. A primeira conta a história da escritora Virginia Woolf (Nicole Kidman), que sofreu com longas crises de depressão. A segunda narração retrata uma mulher de classe média americana interpretada por Julianne Moore, personagem que se encontra sem motivação. A cidade cosmopolita de Nova York é cenário da terceira história, que conta o caso de um homem portador do vírus HIV. Mesmo com o apoio de uma antiga amiga, interpretada por Meryl Streep, ele enfrenta crises constantes e encontra no suicídio a forma de acabar com seu sofrimento. É com essa diversidade de abordagens que o cinema retratou e ainda retrata a mente humana. Justificando as transformações ao longo da história do cinema, Cássio Starling, crítico de cinema da Folha de S.Paulo conclui: “cada época tem uma definição de realismo que lhe cabe”. REpRodUção

Cena de Quando fala o coração (1945), ”época de ouro” da psiquiatria no cinema

a mente em Kubrick o cineasta teve como uma de suas características marcantes o retrato dos limites da razão humana. Em Glória Feita de Sangue (1957), há a dramatização da mentalidade da primeira Guerra Mundial, sob o ponto de vista do coronel dax (Kirk douglas). Ele tenta impedir um plano suicida ordenado por um de seus oficiais, resultando em uma reflexão sobre os valores em jogo no conflito armado. Em Dr. Fantástico (1964), Stanley Kubrick critica a paranoia da Guerra Fria. o enredo centra-se nos diversos personagens interpretados por peter Sellers, entre eles o próprio dr. Fantástico. Ele acreditava que os comunistas estavam criando a Máquina do Juízo Final, que poluiria os “fluidos corporais” das pessoas. Essa temática retorna em 1987, com o filme Nascido para Matar (1987), em que o diretor questiona a “desumanização” do processo de treinamento dos soldados para a Guerra do Vietnã. “É a representação do momento em que a sociedade americana perde a razão. São os casos de Apocalypse Now, O Franco Atirador e Platoon, filmes sobre o grau de alienação da guerra. Nesse sentido, a loucura saiu de dentro do hospício, foi para o espaço social e ocupou o poder”, afirma Starling, crítico de cinema da Folha de S. Paulo. A problematização do comportamento social está presente em dois filmes de Kubrick. Em 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), ele faz uma interpretação sobre o desenvolvimento civilizatório desde o início dos tempos até a era tecnológica. No famoso Laranja Mecânica (1971), que retrata a violência do personagem Alexander deLarge (Malcom Mcdowell) e também do Estado. Em 1980, Kubrick realiza O Iluminado. Baseado no livro de Stephen King, é uma reprodução dos extremos da razão. de acordo com Starling, “em O Iluminado existe um cinema em que se visualiza o delírio. No sangue do elevador, ele sugere uma experiência que a gente não tem”. No filme, o protagonista aceita trabalhar como zelador num hotel durante a baixa temporada. Lá, tenta escrever um livro, mas é aterrorizado pelo passado sombrio do local e acaba enlouquecendo. ESQUINAS 2º SEMESTRE 2009

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ARTES PLÁSTICAS

Couleur Adictife Série São Paulo 2, de Cruz-Diez. Segundo o artista a Op-Art tinha o objetivo de causar a instabilidade na pintura que sempre foi estática

movimento da

ILUSÃO

Compostas por figuras geométricas, curvas e cores intercaladas, a Op Art e a arte cinética embaralham a mente dos apreciadores REPORTAGEM FlávIA TElES (1o ano de Jornalismo) CAROlINA GIOvANEllI e DANIEllA DE SOUzA DOlME (3o ano de Jornalismo)

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REpRODUçãO

REpRODUçãO

“A Op Art é uma reflexão que precede o cinetismo, com o propósito de dinamizar o plano estático da pintura tradicional” Cruz-Diez, artista

Apenas com linhas horizontais, curvadas em ângulos, Victor Vasarely compôs Zebra, em 1938 ImagIne domInós espalhados por uma ampla sala. Não um jogo comum, com vinte e oito peças. Mas 3.136 pedacinhos de plástico que, juntos, formam uma nova figura. A princípio, a imagem causa certo desconforto à visão. É difícil conseguir identificar exatamente o que se vê. Mas com alguns segundos de observação, a ilusão de óptica causará uma espécie de hipnose em sua mente. A descrição refere-se aos “tapetes” de dominós do recifense José Patrício, cuja obra se enquadra dentro do que é chamado Arte Cinética, que teve origem num movimento artístico dos anos 1930, a Op-art. Do inglês optical art (arte óptica), a expressão ganhou força com a mostra The Responsive Eye, sediada no Museu de Nova Iorque, em 1965. “A exposição foi muito mal vista, pois não se apresentaram artistas norte-americanos à altura dos europeus e latinos”, contou o artista plástico venezuelano Cruz-Diez, um dos grandes expoentes dessa vertente. Na época, o foco dos artistas norte-americanos era a Pop Art, que se legitimava como movimento plástico dos Estados Unidos. Entretanto, estudiosos como Giulio Carlo Argan, autor do livro-referência Arte Moderna (1988), afirmam que, já nos anos 30, havia sinais do surgimento da Op Art. O húngaro Victor Vasarely, considerado o precursor da “plástica do movimento”, teria dado seus primeiros passos ao explorar os efeitos visuais causados pela utilização de dominós, tabuleiros de xadrez, dados e réguas. A exemplo de Zebra (1938), quadro composto por listras diagonais curvadas pretas e brancas. A Op Art dá mais importância ao visual e à estética do que ao significado de suas obras. Os trabalhos são compostos por figuras geométricas, curvas e cores intercala-

das, criando imagens que passam a ilusão de movimento, vibração ou mudança de tamanho. Sua principal característica é mexer com a mente do observador, que pensa enxergar algo que na realidade não está lá, ou seja, leva a ilusão de óptica. “Há uma discrepância entre o que vemos e o que verdadeiramente está lá”, explica o neurocientista e pesquisador da USP, Marcus Vinícius Baldo. “É uma conjunção de fatores, como o movimento dos olhos e a maneira que o objeto é percebido pela retina, que faz com que o cérebro passe a mensagem de que aquilo está em movimento.” De acordo com Cruz-Diez, a mais forte intenção da Op Art era causar uma “instabilidade do plano pictórico, que sempre foi estático”. Para isso, os artistas recorreram a formas geométricas e estruturas complexas que poderiam sugerir movimento e certa instabilidade visual. “Muito influentes em meu trabalho, Vasarely alcança com grande eficácia o volume virtual do plano; Ludwig Wilding conseguiu perfurá-lo com suas interferências lineares; e Bridget Riley deu um volume ambíguo à superfície do quadro”, exemplifica Cruz-Diez. qUESTÃO dE mOvImEnTO Dentro dessa vertente da arte, que trabalha com a percepção do olhar, há uma certa polêmica. Alguns especialistas asseguram que, a partir da Op Art, desenvolveu-se um movimento artístico chamado Arte Cinética. Entretanto, outros grupos afirmam serem estilos distintos. Para artistas como Cruz-Diez, os gêneros artísticos podem ser vistos como primos-irmãos, já que as obras de muitos artistas apresentam características semelhantes, que os enquadram nas duas categorias. “A Op Art é uma reflexão que precede o cinetis-

mo, com o propósito de dinamizar o plano estático da pintura tradicional”, conceitua o venezuelano. Ele ainda afirma que a arte cinética é um discurso efêmero, ambíguo e mutante. “É um criador de realidades, mas que não as transpõe. Pela primeira vez na história da arte, o espaço e o tempo real são instrumentos fundamentais para a criação das obras”, diz. Dona da Galeria Bechimol no Rio de Janeiro, Eliana Benchimol não vê distinção entre os gêneros. “Isso é preciosismo de segmentação e linguagem”, acredita. “As duas mexem com ilusão de óptica, ficaram conhecidas no mesmo período e voltaram à moda há cerca de dez anos”. No entanto, do ponto de vista de críticos como Paula Braga, a Op Art não se encontra em nenhum nível de proximidade com o que viria a ser a arte cinética posteriormente. Para a especialista, o movimento está interessado em resultados puramente visuais, “buscando apenas o efeito de movimento”. Em contrapartida, a arte cinética quer expandir o campo da arte a fim de incluir a dimensão de tempo nas obras. Para José Patrício, apesar de seus “tapetes” de dominó não se movimentarem, “o espectador é obrigado a se deslocar para apreender a obra. A produção não se movimenta, é o espectador que se movimenta para ver a produção”, e por isso considera que seus trabalhos são cinéticos. Diferentemente da Op Art, em que não seria necessária a mudança de posição para sentir o efeito da ilusão de óptica. Op Art ou Arte Cinética, o movimento da ilusão continua fazendo parte do gosto do público há mais de 70 anos. “As figuras geométricas e o psicodelismo estão muito requisitados”, afirma Eliana Benchimol.

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REpRODUçãO

Blaze (1964) de Bridget Riley: artista conseguia dar volume com formas simples às suas serigrafias

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Azul Verde Verde Azul (2007), de José Patrício: ao se movimentar em torno da obra, as peças parecem se mover

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REpRODUçãO

Obras recentes de Abraham Palatnik, como Progressão W-34, ainda guardam características do cinetismo

ABRAHAM PALATNIK: a estética do novo movimento Em 1951, na I Bienal Internacional de Arte de São paulo, em meio a tantas esculturas e telas estáticas, uma nova manifestação de arte ainda inclassificável surgia: a Arte Cinética. O autor dessa inovação foi Abraham palatnik, artista que se utilizou das mais diversas influências para compor uma obra nunca antes vista. Ao contrário das pinturas e esculturas que costumavam circular no meio cultural da época, o artista exibiu o chamado Aparelho Cinecromático - uma espécie de máquina pictórica que faz as cores se movimentarem dentro de caixas de luz - composto por tecidos sintéticos, motores e luzes. Essa aparição inusitada acabou gerando uma pequena confusão, pois mal sabiam os curadores da exposição que ali se instalava um movimento artístico diferente de tudo que já havia sido apresentado no Brasil. Na época da Segunda Guerra Mundial, palatnik foi obrigado a ficar por quatro anos em Tel Aviv, Israel. Nesse tempo, frequentou o ateliê Aron Avni de estética e escultura, de 1943 a 1947. E teve de cumprir estágios na oficina do exército, onde desmontava carburadores e outras peças -- o que lhe ajudou em suas futuras composições artística. Quando voltou para o Brasil, em 1948, se autoclassificou como pintor figurativo. Isso porque os aspectos que o interessavam vinham

por meio de estímulos externos, como a paisagem e a natureza morta. O momento de ruptura do conceito que palatnik fazia de arte veio quando conheceu um hospital psiquiátrico por meio de um amigo e se interessou pelas imagens apresentadas pelos doentes, vindas de seus subconscientes. por conta do seu amigo e crítico de arte Mário pedroza, o natalense descobriu a cibernética, e passou a estudar intensamente sobre a ordem cromática da luz. “Nesse período, comecei a construir uma coisa que eu nem considerava arte. Queria manipular formas, cores e luz no espaço”, explicou. Gerando novas formas de olhar os planos ao seu redor e mesclando poesia com tecnologia, Abraham palatnik abriu novos caminhos, tornando-se uma referência mundial. Na opinião da crítica de arte paula Braga, ele foi figura pioneira na arte cinética e por isso é tão respeitado nos círculos especializados. “A obra dele capta e cativa o público tanto pelo racional quanto pelo estético. Assim, ativa duas formas de percepção das coisas: o lado do entendimento e o da contemplação, do deleite estético”, afirma. “parece que a obra é infindável, mas ao mesmo tempo não percebemos a repetição porque o movimento é muito lento, dá uma sensação de muita calma.”

REpRODUçãO

Objeto Cinético é feito com engrenagens que criam movimentos na obra

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neurociência

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Futuro no presente Como a tecnologia e a literatura de ficção científica, de William gibson, estão presentes no cotidiano REPORTAGEM VICToR YAgo CAMIlo, VICToR FERREIRA (1o ano de Jornalismo), lÍDIA ZUIN (2o ano de Jornalismo) e PEDRo ZAMBARDA (3o ano de Jornalismo) IMAGEM KARINA SÉRgIo goMES (4o ano de Jornalismo) PÓS-PRODUÇÃO DANIlo BRAgA (2o ano de Jornalismo)

Linhas de Luz abrangendo o não-espaço da mente, nebulosas e constelações infindáveis de dados: uma alucinação consensual. Assim William Gibson definiu o ciberespaço, chamado Matrix, em Neuromancer (Aleph, 1984). Formado em Letras e leitor assíduo de ficção científica, Gibson não quis ser a explosão de um projétil de fusão lenta profundamente enterrado há uma década, no âmago da sociedade, retratada por seus autores favoritos. “Eu escolhi para ser, de alguma forma, uma assinatura. E comecei, então, a escrever”, dizia. No entanto, escreveu ficções poderosas. Contando história do hacker Case, que, por conta de um erro no trabalho, não podia mais acessar a Matrix – o que chamamos hoje ciberespaço. O escritor adianta, em 1984, o que viria ser a atual sociedade e o sistema de comunicação. Seis anos depois do livro, foi desenvolvida a WWW (World Wide Web), que inaugurou a Internet no formato em que a conhecemos hoje, plataforma que já havia sido imaginada por Gibson há 25 anos. NA MATRIX Segundo o Ibope Nielsen Online, numa pesquisa realizada em julho deste ano, o Brasil conta com 64,8 milhões de internautas, sendo que 38% se conectam diariamente e 87% semanalmente. Também deve se levar em conta os celulares. De acordo com dados da Anatel, existem 161,9 milhões de aparelhos para 191 milhões de brasileiros. Desde o início do século XX, as tecnologias da comunicação, associadas aos antigos conhecimentos e à tecnologia comercializável, vêm otimizando as formas de relacionamento humano. Um dos principais ambientes de troca de informação da sociedade moderna é a Internet, componente básico da cibercultura. A realidade virtual experienciada pela personagem Case, protagonista de Neuromancer, configura o conceito de pós-humanismo, ou seja, o homem interagindo com as novas tecnologias. O hacker usa equipamentos, como um deck (ver box) e, com o auxílio de uma tiara, Case não só visualiza como interage com uma simulação do real. Desde 2003, na Universidade de Washington, Hunter Hoffman, diretor do Virtual Reality Analgesia Research Center (Centro de Pesquisas do Uso de Realidade Virtual para tratamento da Dor), põe em prática as ideias

de Gibson, utilizando visor e luvas que traduzem sinais elétricos. Em Neuromancer, o autor já imaginava implantes neurais, os quais podem ser relacionados a um estudo do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, atualmente professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Também são pesquisadas por cientistas como Hans Moravec e Ray Kurzweil as inteligências artificiais. “Tudo isso é uma atividade inteligente, o que é comum para nós, mas que, para um computador, é uma soma de algoritmos inteligentes. Se você comparar a máquina com um cachorro, o animal é muito mais inteligente. As máquinas tentam chegar nesse nível”, diz Fernando Osório, doutor pela USP de São Carlos e pesquisador na área de robótica. As inteligências artificiais procuram recriar o homem nas máquinas, da mesma forma que a teoria criacionista alega que Deus fez o homem “a sua imagem e semelhança”. VIDA 2.0 A tecnologia já está tão presente no cotidiano que se torna quase impossível imaginar como viver sem ela. Para a bancária Ana Cristina Hey, gerente de agências do banco Santander, em 1979 o telex era a forma mais eficiente de comunicação entre agências. Hoje, a dependência pelo computador é tamanha que , de acordo com Hey, é quase como se homem e máquina estivessem em um processo de fusão. “Se ocorre alguma pane no sistema, ou se falta luz, minha equipe e eu ficamos completamente incapacitados. Sem a tecnologia funcionando, nós nos tornamos completamente inúteis”, conta Ana Cristina. A pesquisadora gaúcha Adriana Amaral entende que os seres humanos ainda não viraram ciborgues, mas a sociedade já vive em uma espécie de Matrix. Enviando arquivos, mensagens, vídeos, fotos e músicas com velocidade a partir de um toque do polegar, usando roupas com tecidos inteligentes e montando uma rede colaborativa de jornalismo online. Segundo Fábio Fernandes autor do livro A Construção do Imaginário Cyber – William Gibson e tradutor de Neuromancer, “se não fosse por William Gibson, nós não teríamos a Internet como ela é hoje”. É a realidade virtual que cada vez mais se torna mais próxima do real.

O Brasil conta com 64,8 milhões de internautas, 38% se conectando diariamente DA LITERATURA PARA O REAL Deck: aparelho para acessar a forma virtual da Matrix. Hoje, o computador, através do modem, possibilita a conexão com a Internet. Cowboy: pessoa que domina recursos na Matrix e invade sistemas. É chamado genericamente de hacker e, quando é ilegal, de cracker. ICE: Intrusion Countermeasures Electronics (Contramedidas Eletrônicas de Intrusão) - softwares corporativos contra invasões eletrônicas, o “gelo”. Equivalem, hoje, aos firewalls e anti-vírus. Matrix: o ciberespaço ou internet, que é um meio e um espaço virtual em expansão hoje. Microsoft: microprograma que, inserido a um dispositivo ligado ao cérebro, permite ao usuário aprender uma nova habilidade. Não há relação direta com a Microsoft, de Bill gates, apesar de a empresa produzir exatamente o que gibson imaginava: componentes que podem melhorar aparelhos. RAM: Random Access Memory - memória eletrônica regravável e expansível. Todos os computadores possuem cartuchos de memória volátil. ROM: Read only Memory - memória eletrônica que, após gravada, nunca mais pode ser alterada. os CD/DVDs no formato R (recordable, gravável) não permite que se altere as informações

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TelevISãO REPRODUçãO

o crepúsculo

FANTÁSTICO

O seriado norte-americano The Twilight Zone usa a ficção científica e a fantasia para expressar os medos da sociedade no período da Guerra Fria REPORTAGEM FERNANDA PATROCÍNIO (2o ano de Jornalismo)

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REPRODUçãO

“Twilight influenciou escritores como Stephen King e, na TV, há referências em programas como Lost” Marco Vale, roteirista

Do tradicional ao fantasioso, Twilight Zone é um marco estético e criativo na TV americana “Há uma quinta dimensão além das conhecidas pelo homem. É uma tão grande quanto o espaço e tão eterna quanto o infinito. É o lugar entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; situa-se entre os medos do homem e o seu conhecimento. Esta é a dimensão da imaginação. É a área a que chamamos de ‘Além da Imaginação’”. Este texto abria todos os episódios da telessérie americana The Twilight Zone, conhecida no Brasil como Além da Imaginação. A série foi criada pelo escritor e roteirista Rod Serling em 1958. Cada episódio foi gravado em película e mostrava pessoas comuns vivendo experiências fantásticas. O surrealismo, as angústias e a crítica à sociedade caracterizavam os contos. A amplitude do medo abordado foi inspirada na vivência de Rod na guerra das Filipinas. A política anti-comunista do macartismo pode ser notada no episódio da primeira temporada, The monsters are due on maple street, dirigido por Ronald Winston, em 1960. A trama destaca o sentimento americano da época: o medo do desconhecido, o clima conspiratório e a escolha de um bode espiatório para atribuir a culpa pela desordem social. A Guerra Fria é outro tema latente. Serling monta, de forma inteligente, armadilhas para o espectador, instigando medos e valores. A estética vigente é criticada com sarcasmo no episódio da segunda temporada, The eye of the beholder. As cenas são compostas por recursos sofisticados que envolvem jogos de câmera, luz e sombra para esconder os rostos das personagens. O episódio mostra que é possível ser feliz fora da imposição de padrões. Rod Serling criava personagens comuns e os episódios da série tinham cunho moral. Os nazistas e racistas, por exemplo, eram castigados na trama. Apesar do sucesso, Serling expressava o saudosismo em relação à sua cidade natal, Binghamton, em Nova Iorque. No episódio Walking distance,

evidencia-se o anseio pelo retorno à vida simples. A carga subjetiva do episódio revela que sentimos falta da cidade em que vivemos na infância e não como ela está agora. Apesar da agitada vida social, Serling prezava a vida simples. Com orçamento baixo e com roteiros criativos, que mesclavam ficcção científica, fantasia e horror, Twilight foi líder de audiência no início dos anos 1960 nos EUA. O cuidado estético lembra o expressionismo alemão e a abertura feita por Bernard Herrmann é considerada um clássico contemporâneo. Marco Vale, mestre em estética áudiovisual pela Universidade de São Paulo, observa que “Serling traz um tipo de narrativa para TV americana muito próxima do trabalho de escritores como Jorge Luis Borges”. Ele reforça que a série baseou-se na tradição da literatura fantástica e de ficção iniciada por Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft. “Twilight influenciou escritores como Stephen King e, na TV, há referências em programas como Lost”, observa. Twilight Zone, em tradução literal, quer dizer a zona do crepúsculo. Este momento, em que não é dia e nem noite, é uma analogia ao limite entre o real e o imaginário. No documentário American Masters, o diretor Richard Matheson, autor de Eu sou a lenda (Novo século, 2007), enfatiza que “nós abrimos as portas com a imaginação” e é assim que o telespectador deve assistir à telessérie. Os temas abordados por Rod Serling estão associados aos nossos medos mais primitivos transgredindo o tradicional até chegar ao distorcido. A série transmitida pelo canal americano CBS é dividida em três fases. A primeira e mais famosa foi feita entre 1959 e 1964, possui 5 temporadas e um total de 156 episódios. Cada programa tinha trinta minutos de duração, exceto os da quarta temporada que duravam uma hora. Serling era o narrador e, tornou-se, assim, uma das figuras

televisivas mais conhecidas nos Estados Unidos. Em virtude da fama, os jornais o apelidaram de “Senhor Twilight Zone”. Entretanto, o roteirista mostrou-se insatisfeito com seu trabalho a partir da quarta temporada. Após o cancelamento da série, em 1964, Rod Serling fez o roteiro do filme O Planeta dos macacos (1968). Em 1970 criou a Galeria do Terror. Neste programa semanal trabalharam diferentes diretores, entre eles o então desconhecido Steven Spielberg. A série durou apenas três anos. Em 1975, Serling morreu após sofrer o terceiro infarte na mesa de cirurgia. A RELEITURA Em 1983, foi lançado o filme homônimo da série The Twilight Zone. A obra foi produzida por Spielberg e relê três episódios da série original, e ainda inclui um conto inédito. A segunda temporada foi exibida de 1985 a 1989 pelo mesmo canal e teve apenas três temporadas e 109 capítulos. A qualidade inferior e a baixa audiência culminaram no fracasso da releitura. A terceira temporada foi transmitida entre 2002 e 2003 pela UPN. O narrador foi o ator Forest Whitaker e cada programa tinha uma hora. A audiência foi, novamente, baixa e a emissora cancelou a série. No Brasil, o seriado foi transmitido pela TV Gazeta no final dos anos 1980. O auxiliar de Tráfego de Fitas desta emissora, Idalício Ribeiro, é um apaixonado pela série. Ribeiro, como é conhecido, comprou recentemente cópias da primeira temporada completa: “Eu assistia quando era criança e ficava impressionado com aquelas histórias de ficção”, revela o auxiliar. Entre 2005 e 2006 o SBT transmitiu 22 episódios da terceira fase de Twilight Zone. Marco Vale atribui o “preconceito com os filmes em preto e branco” para justificar a impopularidade da série com as gerações mais jovens. Infelizmente, este marco dos anos dourados da TV americana será uma referência para poucos.

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FICÇÃO TEXTO CláUDIA FUSCO (4º ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÃO RENATA MIwA (3º ano de Propaganda e Publicidade)

A Linha - Está vendo aquela senhora ali? - Estou. Qual é o caso dela? - Ninguém sabe. Acordou num dia desses sem qualquer lembrança de si mesma. Ela mal sabe dizer quem a trouxe para cá. - Terrível. E aquele ali? - Aquele é inofensivo, pode ficar tranquilo. - Como você tem tanta certeza? - Ele acha que é um inseto. - Que inseto? - Ele não diz. Só fala que numa certa amanhã, depois de uma noite cheia de pesadelos, ele acordou em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. - Mas que desfecho mais dramático para a própria sanidade. - Ele deve ter lido isso em algum lugar. - E aquele outro? - Ah, aquele é um caso antigo. Escritor, dramaturgo, sei lá como chamam essas coisas todas. Dizem que produziu muito antes de, bem, você sabe... - Ficar maluco. - É. - Todos que estão aqui são malucos? - Eu não colocaria dessa forma... - Não seja politicamente correto comigo. Por favor. - ... Acho que todos são, sim. Em maior ou menor escala. - Então, agora, eu sou oficialmente maluco. Ah. É libertador. - Senhor... - Não queira me consolar, meu jovem! Eu conheço muito bem as minhas limitações. Tenho problemas de sociabilização, crio animais estranhos. Cantarolo em voz alta, ando à noite pelas ruas. Você sabe o que pensam de mim. - ... - Minhas roupas, minha barba, meu jeito de encarar o mundo.

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Tudo isso faz de mim um maluco, oficialmente falando. Sejamos positivos, eu posso ser apenas tapado ou idealista. Ou um velho qualquer. Mas não. Sou alguém no mundo, um maluco de verdade. Um insano criado pela pós-modernidade, uma vítima do caos social. É maravilhoso. - Se isso o faz feliz... - Essa questão sempre me intrigou, sabe? Até onde vai a nossa lucidez e no que estamos dispostos a acreditar. Atualmente, acredito que estou louco, e já consigo criar minhas primeiras alucinações – meus oásis. Mas você, como gerente desta casa de repouso, deve saber reconhecer o limite tênue entre razão e... todo o resto. - Eu... eu creio que somos lúcidos até onde nos permitimos ser, meu senhor. Da mesma maneira que acreditamos naquilo que faz sentido para nós. E como reconhecer aquilo que realmente faz sentido, afinal? Somos todos um pouco loucos. Ou melhor: temos sempre uma grata surpresa para oferecer. - E eu tenho tendência a compartilhar da mesma opinião, se me permite. Se eu não fosse louco, não gostaria de ter as mesmas ideias de alguém que o é. - Oh, por favor, meu senhor. Não acredito que seja louco. Acho que não passa de um engano, de um... erro. Eu tenho muito respeito pelo seu trabalho. O que o senhor faz, todos os an... - Seja como for, meu jovem, eu estou aqui e é aqui que vou ficar. Mas fico feliz com a sua resposta. É reconfortante saber que alguém ainda confia na minha existência. - É claro que sim... Papai Noel. - Me chame de Klaus. E Rudolph? - Está lá fora, meu senhor, pastando. - Excelente. Aliás, a que horas é servido o almoço, meu caro? - Meio-dia em ponto. - Maravilha.

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N E O D U K H N B B V Z T E D x C C R S E O W R S I C E C L C A F V O A T C E C F S N A A D S K A R F V A X L W A L P P B N E O D Y O J K E E I X E L A C T passatempo

Encaixar as letras numa grade negra. Cruzadistas contam sobre suas cruzadas nas caças às palavras REPORTAGEM PAULO PACHECO (1o ano de Jornalismo), ISABELLA VILLALBA e VIVIANE LAUBÉ (2o ano de Jornalismo)

As desculpAs são as mais comuns: exercitar o cérebro, enquanto aguarda na fila do banco ou toma um sol na praia... Todas valem para matar o tempo resolvendo cruzadinhas. Mas esse é um entretenimento anterior às publicações de papel jornal. A primeira surgiu no Antigo Egito por volta de 2000 a.C.. Os egípcios costumavam intercalar os hieróglifos na horizontal e na vertical. No século XIX, o dramaturgo inglês William Shakespeare ficou conhecido por ser um apreciador do jogo, principalmente dos acrósticos – palavras formadas a partir da primeira letra de cada verso –, que serviram de inspiração para seus poemas. Em 1913, o jornal norte-americano New York World publicou o primeiro modelo de cruzadinha, próximo ao que conhecemos hoje, criado pelo jornalista inglês Arthur Wynne. Doze

anos depois, o jornal A Noite, de Irineu Marinho, trazia a novidade para o Brasil. Se para resolvê-las é preciso queimar o cérebro, criá-las exige o mesmo ou maior trabalho. Quando tinha 17 anos, Henrique Ramos começou a elaborar suas próprias cruzadinhas, com as quais montou uma revista. A inspiração para a carreira surgiu quando viu, em uma revista feminina de suas irmãs, uma coluna de palavras cruzadas tradicional, com perguntas horizontais e verticais e os respectivos números. Achou aquilo muito hermético e ficou curioso. “Quando chegou o número seguinte, copiei as soluções para o problema de cruzadas da revista anterior para tentar interpretar as perguntas e entender as respostas”, disse. Gostou tanto do passatempo que o transformou em profissão. Hoje, aos 60 anos, Ramos

trabalha como diretor editorial das revistas da Coquetel, especialista em jogos de raciocínio – como sudoku, caça-palavras e criptograma, e editada pela Ediouro, que publica revistas de passatempo desde 1948. Atualmente, além de revistas especializadas e jornais, as palavras cruzadas podem ser encontradas na internet. Roberto Ferreira, 38 anos, cruzadista desde 1992, publica há 11 anos suas criações no cruzadas.net, primeiro site a disponibilizar o passatempo regularmente, em parceria com o portal UOL. Entre 1992 e 2000, Ferreira fazia tudo à mão: desenhava os quadradinhos e com um dicionário em cada perna, preparava os cruzamentos e as dicas. “Eu tinha centena de perguntas decoradas”, disse. Agora, trabalha com o software Crossword Computer para criar cruzadinhas de qualquer tipo e organizar um banco de dados temáticos. Ele já criou passatempos voltados à administração, direito, economia e esporte. Ferreira já chegou a viver somente da criação de jogos nos tempos de faculdade. Hoje, além de cruzadinhas, ele trabalha como engenheiro no Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos. Guerreando Para Henrique Ramos, o que estimula os leitores a fazerem os jogos é o fato de poder “vencer”. “As palavras cruzadas podem ser feitas facilmente por alguém que tenha certa bagagem cultural”, diz. Uma recomendação, seguida fielmente por Roberto Ferreira desde a infância, mostra-se imprescindível agora em sua carreira

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dIVULgAçãO

“As palavras cruzadas podem ser feitas facilmente por alguém que tenha certa bagagem cultural” Henrique Ramos, cruzadista

como cruzadista: “Há um baú na casa da minha mãe com uma verdadeira biblioteca arquivada. Fez total diferença na maneira como passei a fazer os passatempos posteriormente. Eu tive muita leitura, gostava muito de História, decorava mapas”. Roberto Ferreira conta que o jogo não é somente um encaixar de palavras. Primeiro encaixa-se as letras, depois as perguntas, que chamamos de ‘definições’ ou ‘dicas’, Para começar, escolhem-se algumas palavras, mas depois é o próprio encaixe delas que determina quais serão as próximas para fechar a cruzada. O passatempo pode ser dividido em níveis de dificuldade. Cada cruzadista tem seu método de diferenciação. Roberto Ferreira escolhe perguntas óbvias para as pessoas acertarem de propósito e para ajudar o jogador a descobrir as outras, além de fazer perguntas que são quase charadas. Já Henrique Ramos recorre a pedagogos, que analisam os parâmetros curriculares, pessoas que trabalham na elaboração de dicionários e pesquisas com leitores para saber o grau de dificuldade de algumas palavras. Os cruzadistas não podem cometer erros de português, tanto nas dicas dadas ao jogador, como dentro dos quadradinhos a serem preenchidos. Roberto não usa palavras de trás para frente, evita ao máximo estrangeirismos e não cruza C e Ç, palavras com e sem til, diferentemente de Henrique. “Se tiver duas letrinhas, tenho de fazer uma pergunta que tenha como resposta aquelas duas letrinhas”, afirma Ferreira. Pesquisas recentes feitas pelo Jornal da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos revelaram que a prática de exercícios mentais como jogar xadrez, fazer palavras cruzadas, ler ou dançar protegem duas vezes mais as pessoas de doenças neurovegetativas, como o Mal de Alzheimer. Um bom exercício para o cérebro.

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Diretor editorial da Coquetel, Henrique Ramos começou a fazer cruzadinha por hobby VIVIANE LAUBÉ

O engenheiro Roberto Ferreira começou a fazer cruzadas em papel milimetrado. Hoje utiliza o computador


Outros jogos EBODF F EP IJQ IPQ )PKF BT DPSFT vibrantes e as formas exuberantes dos grafites jĂĄ sĂŁo estudadas nos Entre os grafiteiros, destaca-se Jean.JDIFM #BTRVJBU GBNPTP OPT BOPT QPS FTQBMIBS NFOTBHFOT MĂĄEJ Iorque. Entre os brasileiros, destacam-se 5JOIP 1BUP F 'MJQ RVF FN , na i4USFFU "SU #SB[JMw EP #SBTJM OB

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Suave; brando.

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(?) Nascimento, cantor e compositor da MPB.

F

Habitação; residência.

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RebeliĂŁo; revolta.

H

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S N E

Em tempo algum; jamais (adv.).

R U R

Respeito de si mesmo e dos outros; decĂŞncia. A parte do teatro onde os atores representam. Samuel (?), inventor do telĂŠgrafo.

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Mal que afeta mais os homens.

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Detestar; abominar.

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Angelina (?), atriz brasileira.

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Um dos jogos favoritos das crianças, começou como estratÊgia de guerra. A ideia Ê encontrar os erros em duas imagens quase idênticas. O jogo surgiu durante a II Guerra Mundial. Os soldados conferiam o número de bombas jogadas em cada posição. Se estivesse errado sete vezes, não se poderiam atacar mais.

Diversas palavras sĂŁo misturadas umas Ă s outras em uma ĂĄrea retangular ou quadrada. Geralmente, existe um tema especĂ­fico para cada jogo de palavras. Em alguns desses jogos, temos a lista de verbetes que devem ser encontrados. Criado na Inglaterra em julho de 1859.

Que nunca se ouviu dizer. Maracå indígena. Atração do Festival de Parintins. Desassoreamento de rios.

Y Ăƒ

O objetivo Ê completar os quadradinhos com números de um a nove, tanto nas linhas verticais como nas horizontais. A numeração não pode se repetir. Alguns números jå marcados no quadro dão pistas das sequências. Criado no sÊculo XVIII pelo suíço Leonard Euler Ê publicado no Brasil desde 1994.

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CAÇA-PALAVRAS

O antigo regime polĂ­tico do Tibet.

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Y

JOGO DOS ERROS

CĂŠlula de transmissĂŁo nervosa.

Ponto marcado no jogo de basquete.

SUDOKU

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S W Y

Borla redonda de fios de lĂŁ, para enfeitar cortinas, colchas.

Alojar. Cadeia montanhosa da ItĂĄlia.

D U Q M O L R A N E

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Lousa sepulcral; tĂşmulo.

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Ramal de uma estrada.

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DUPLEX Diagrama semelhante ao das palavras cruzadas, onde devem ser escritos verbetes de uma citação, e de um quadro de perguntas ou frases, cujas respostas têm as letras associadas aos números do diagrama. Criado em 1934, ganhou o nome de DoublÊCrostics; no Brasil, Duplex.

O sangue rico em oxigĂŞnio (Med.). 61

Contorno; periferia. A pessoa que tem o mesmo nome de

CRIPTOGRAMA Texto cifrado em que o objetivo do jogador Ê decifrar uma mensagem a partir da resolução de um sistema de códigos prÊ-determinado. O primeiro criptograma registrado nos Estados Unidos foi publicado em 1864 no jornal American Agriculturist.

Teste a sua mente HORIZONTAIS 2. Relação subjetiva espontânea entre uma percepção e outra de dois dos cinco sentidos; 7. Descrença absoluta; 10. Intelecto, entendimento; 11. Qualquer das disciplinas que estudam o sistema nervoso; 12. Arte abstrata que trabalha com ilusĂľes de Ăłptica; 14. Hospital psiquiĂĄtrico, sanatĂłrio; 15. Capacidade de registrar e lembrar ideias ou fatos; VERTICAIS 1. InteligĂŞncia, razĂŁo; 3. Neurotransmissor que, entre outras funçþes, regula o ritmo cardĂ­aco, o sono e o apetite; 4. Sigmund (...): pai da psicanĂĄlise, autor de “A Interpretação dos Sonhosâ€?; 5. Capacidade de criar a partir da combinação de ideias; 6. Faculdade de conhecer, compreender e aprender; 8. Insensatez, estado de demĂŞncia; 9. Representação de algo em nossa mente enquanto dormimos; 13. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo; Respostas 1. RaciocĂ­nio 2. Sinestesia 3. Serotonina 4. Freud 5. Imaginação 6. InteligĂŞncia 7. Niilismo 8. Loucura 9. Sonho 10. Mente 11. NeurociĂŞncia 12. Opart 13. TOC 14. ManicĂ´mio 15. MemĂłria ESQUINAS 2Âş SEMESTRE 2009

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EsPOrtEs

Corpo

CAMPEÃO Independentemente do esporte, o preparo psicológico é importante para o bom desempenho dos atletas

REPORTAGEM ESTELA SUGANUMA, RODRIGO FABER, THIAGO TANJI, (1o ano de Jornalismo) e RENATA MENDONçA (3o ano de Jornalismo)

“Para um atleta ser campeão, não basta estar forte, cheio de músculos. Para você chegar a um pódio olímpico é 99% cabeça”, diz André Domingos, que conquistou a medalha de prata em 2000 nas Olimpíadas de Sidney e bronze nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Segundo o corredor, a confiança é essencial para se realizar uma boa prova. “Eu costumava dizer para mim mesmo: ‘Eu treinei. Só eu sei o quanto sofri, só eu sei as horas de treino que eu tive, e eu estou pronto. Estou preparado para correr muito bem e fazer o meu melhor’”, diz. Vanderlei Cordeiro de Lima, maratonista e medalhista de bronze nas Olimpíadas de Atenas de 2004, tem visão semelhante quanto à importância do treinamento no desempenho de um atleta. “A parte mais difícil da conquista, do resultado, é o treinamento. A partir do momento que você treinou bem, focou no objetivo e está bem fisicamente, o resultado virá”, afirma. O bom lutador também não é aquele que possui mais músculos, mas sim o que tem calma e concentração suficientes para dominar o adversário. Ao entrar no tatame, minutos antes da luta, o atleta costuma ficar sozinho e calado, apenas encarando seu adversário nos olhos a fim de intimidá-lo, demonstrando confiança e coragem. “É um verdadeiro jogo de xadrez, em que estudar o olhar e as expressões faciais do oponente são fatores essenciais à vitória”, explica Giliarde de Lima, professor de jiu-jitsu e vicecampeão mundial na categoria. O sensei (professor), além de ensinar as técnicas marciais, sempre orienta que a concentração e a calma do lutador irão refletir diretamente no resultado do combate. “Lutas praticamente perdidas podem ser completamente revertidas se você souber irritar e desestabilizar o adversário”, diz Gabriel Prado, de 16 anos, praticante do jiu-jitsu há quase um ano e meio.

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PsiCOlOgiA nOs grAMAdOs “Temos de manter os pés no chão, ter humildade e encarar cada jogo como uma decisão”, diz o atacante palmeirense Willians. Mas os atletas também precisam manter o equilíbrio emocional. Hoje em dia, quem cuida da mente dos jogadores dos grandes clubes de futebol são os psicólogos. A psicóloga Maria Cristina Nunes Miguel, responsável pelos jogadores do Palmeiras, destaca a importância dos regimes de concentração, período em que todo o elenco se refugia em um hotel horas ou dias antes da partida. Apesar de a maioria dos jogadores reclamarem da distância dos familiares durante esse período, ela ensina que “a concentração ajuda na alimentação e no descanso. O jogador está vivendo o ambiente de futebol, sem perder o foco”. O departamento de psicologia do Palmeiras, criado em 2006, faz um acompanhamento psicológico periódico com os jogadores, trabalhando problemas como ansiedade e estresse. “Nós fazemos uma avaliação, por meio de vários testes, para obter o perfil psicológico do jogador, traçando todas as capacidades e habilidades que podem interferir no rendimento esportivo”, explica a psicóloga da equipe. Maria Cristina destaca também a importância do treinador para transmitir confiança. “Quando o grupo é bem comandado, é possível o monitoramento das reações emocionais, passando tranquilidade a todos, mesmo nos momentos mais complicados, como em uma reta final de campeonato”. “Temos de trabalhar muito bem a questão da tranquilidade, para mantermos o foco em nossos objetivos. Isso é muito importante em uma reta final de campeonato”, reitera o meio de campo palmeirense Cleiton Xavier. Assim, é trabalhando a mente que o atleta consegue chegar ao pódio, conquistar medalhas ou troféus.

“Para você chegar a um pódio olímpico é 99% cabeça” André Domingos, medalhista olímpico DIvULGAçãO

Vanderlei, maratonista que ganhou bronze nas Olimpíadas de Atenas em 2004


MEDITAÇÃO

Faxina

TEXTO FERNANDO gONzALEz (2º ano de Jornalismo) e MôNICA PESTANA (3º ano de Jornalismo) IMAGEM LUCíLIO CORREIA (3º ano de Jornalismo)

MENTAL Técnicas orientais ensinam os ocidentais a enfrentar com mais tranquilidade a loucura do cotidiano MEDITAÇÃO OSHO OU DINÂMICA Limpar a mente e meditar. Os comandos são simples e a atitude parece fácil, mas não é. Foi pensando no grande problema que os ocidentais têm em parar e concentrar-se no silêncio que Osho, no final dos anos 60, começou a desenvolver técnicas de meditação ativa, entre elas, a meditação dinâmica. Champak, coordenador do Instituto Osho Brasil, explica que a meditação dinâmica é divida em cinco estágios e cada um deles é feito ao som de uma música diferente. Segundo ele, cada passo deve ser feito em pé e de olhos fechados. Os passos são: respiração caótica (a respiração é forte e intensa e tem o ritmo alternado), o estágio de catarse (a ideia é soltar a loucura, liberando todos os sentimentos), hoo (reorganização do estado energético), stop (observação do silêncio e congelamento dos movimentos) e o último estágio, celebrar a vida, em que o meditante dança em celebração à vida. MEDITAÇÃO TAOÍSTA O taoísmo, tradição espiritual milenar de origem chinesa, explica esta meditação como uma importante ferramenta para alcançar a iluminação. O silêncio, unindo a mente e a respiração, é fundamental para colocar em prática a tentativa de cessar os movimentos e ruídos produzidos pelo corpo. Esse processo de relaxamento pretende levar ao profundo descanso que pode fortalecer o corpo físico, além de repor as energias. Os benefícios, segundo o taoísmo, referem-se à recuperação física, energética e mental do meditante.

MEDITAÇÃO ORIENTAL Técnica praticada há milhares de anos, a meditação oriental nada mais é do que a busca pelo autoconhecimento. Para praticar basta esvaziar a mente e se concentrar. “Embora simples, requer bastante disciplina e regularidade”, conta Letícia Klimas, professora de Hatha Yoga. “Começar com poucos minutos é importante para que a mente possa acostumar com o exercício. E se a mente se dispersar, é só recomeçar”. Entre os benefícios alcançados com a meditação oriental, estão a melhora nos quadros de ansiedade e hiperatividade, além de uma nova visão sobre a vida. “Nós começamos a ver as coisas de outra forma e a viver com muito mais foco e concentração”, conta Regina Maria Nunes, aluna de Letícia. Esvaziar a mente, no entanto, não é ficar sem pensar em nada, e sim, não se apegar aos pensamentos que vierem. “Durante esse processo de aquietar a mente, nos damos conta de nossos padrões de pensamento e de ação e, assim, podemos transformá-los”, conclui Letícia.

MEDITAÇÃO BUDISTA A meditação budista não é exatamente uma técnica, mas um conjunto delas. Várias são as práticas que constituem essa meditação, cada uma com o objetivo de livrar o praticante de uma das diferentes enfermidades do cotidiano, como a distração, a ignorância ou o apego. A mettã bhãvanã, por exemplo, é a “meditação sobre o amor fraterno”, que se contrapõe ao ódio. Para realizá-la, o praticante deve se concentrar em pensamentos, imagens e até mesmo sons que inspirem sentimentos de felicidade e fraternidade.

MEDITAÇÃO TRANSCENDENTAL Paul MacCartney, Ringo Star e David Lynch são alguns nomes famosos que fazem dessa meditação a preferida do universo artístico. A técnica da meditação transcendental foi fundada por Maharishi Mahesh Yogi. A professora Eliana Homenco, integrante da SIM (Sociedade Internacional de Meditação), explica que a técnica da meditação transcendental permite um mergulho rápido e direto nos níveis mais refinados da mente e do corpo, levando o indivíduo a experiências profundas. Tais experiências são definidas pela professora como “alerta mental”, explicado como um descanso profundo. Entre os benefícios decorrentes da prática dessa meditação, estão o alívio da asma, redução da sobrecarga cardíaca e da pressão sanguínea elevada, aliviando o nível de estresse dos praticantes.

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ALI NA ESQUINA dIvULgAção

TEXTO fERNANdA pATRocíNIo (2º ano de Jornalismo)

sono VIGIADO Laboratório oferece serviço que examina a saúde dos pacientes enquanto dormem O barulhO da avenida Dr. Adolfo Pinto é quase imperceptível quando se entra nos cômodos de um sobrado antigo no bairro paulistano da Barra Funda. Ali, só circulam especialistas da área da saúde e pacientes com dificuldades para dormir. Trata-se do Laboratório do Sono, criado pela Universidade Nove de Julho (Uninove) em 2008. Com o intuito de desenvolver pesquisas de Mestrado na área de Ciências da Reabilitação, o laboratório atende gratuitamente pessoas com disfunções do sono, principalmente adultos. É a única universidade privada a prestar este tipo de serviço no Brasil. Nas clínicas paulistanas, somente o exame de polissonografia, que mede a qualidade do sono, custa em média R$800,00. Entretanto, para ser avaliado pela equipe de médicos e pesquisadores do centro, é preciso passar por uma triagem. Os interessados são submetidos a perguntas sócioeconômicas e de qualidade de vida, além da avaliação médica. A escolha dos pacientes é baseada nos distúrbios apresentados e na

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relevância para as pesquisas em desenvolvimento. Há, atualmente, uma fila de espera com 300 nomes para iniciar o tratamento. “De 25 a 50% da população da cidade de São Paulo sofre algum distúrbio de sono”, diz Vicenti Franco Oliveira, responsável pelo laboratório e doutor em Ciências da Saúde. Ele ressalta que os problemas mais recorrentes são: apneia, insônia, bruxismo, ronco e asma. Outros quadros comuns dizem respeito à obesidade mórbida, insuficiência cardíaca, síndrome das pernas inquietas e sequelas provenientes da paralisia infantil. “Tratamos especialmente paciente com alterações cardiorrespiratórias, mas há também reflexos ligados à saúde mental, como fadiga e falta de concentração”, explica Oliveira. A loucura da vida moderna é, também, um dos principais causadores de problemas relacionados ao sono. A correria do cotidiano, o trânsito e o barulho da cidade grande são fatores que costumam tirar o sono de muitos paulistanos.

LABORATÓRIO DO SONO End: Avenida dr. Adolfo pinto, 83, Barra funda, São paulo – Sp Telefone: (11) 3665-9325 Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 19h00 Serviço gratuito



Entendi o funcionamento do cérebro humano Um duplo sem fim Algo diz sim e algo diz não E vence sempre o sim Se a mente for um cetim Rodrigo de Souza Leão (1965 - 2009)


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