Feneis Revista 32

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Espaço Acadêmico

prete de Língua de Sinais, conforme presenciamos nesse depoimento2: “é verdade, estou achando uma tristeza. Nessa aula tenho dificuldade para selecionar o que deve ser dito. Tudo deve ser dito, mas tem aqueles recortes que a gente faz para deixar as coisas mais claras...às vezes faço um português sinalizado ...às vezes não sei o que faço”. Essa angústia enfrentada por alguns intérpretes de Língua de Sinais, quando se encontram aquém lingüisticamente para o público ao qual interpretam, afeta significativamente a subjetividade do profissional ILS3, diminuindo o rendimento de trabalho e ocasionando, em determinados casos, uma desestabilização subjetiva e de identidades. Woodward (2005:55) argumenta que “a subjetividade inclui as dimensões inconscientes do eu (...) a subjetividade pode ser tanto racional quanto irracional. Podemos ser – ou gostaríamos de ser – pessoas de cabeça fria, agentes racionais, mas estamos sujeitos a forças que estão além de nosso controle. O conceito de subjetividade permite uma exploração dos sentimentos que estão envolvidos no processo de produção da identidade e do investimento pessoal que fazemos em posições específicas de identidade”. Essa afirmação da autora nos auxilia a compreender o quão difícil é a posição do ILS no ato interpretativo, pois este raramente conseguirá manter a “neutralidade” entre os discursos envolvidos, ainda que a imparcialidade seja altamente necessária em qualquer processo de interpretação. Nenhum discurso se constitui de forma neu-

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tra, a própria escolha lexical que o intérprete realiza e o trânsito entre culturas diferentes no momento da interpretação demonstram que esse profissional está inserido num contexto histórico e social que não é imutável e fixo, mas, ao contrário, em constante movimento e instável. Esse contexto é parte constituinte das identidades desses profissionais e das subjetividades que se traduzem na maneira como o intérprete olha para si mesmo e para seu público alvo, seja de maneira racional ou não “racional”. Esse profissional tem suas histórias de vida, suas concepções, crenças e valores e sua interpretação ocorrerá de forma satisfatória ou não, na medida em que esses conhecimentos contribuem diretamente na compreensão dos discursos enunciados no ato interpretativo. Quando um ILS menciona “eu já nem sei mais o que estou fazendo, não consigo me concentrar porque o pensamento está longe, eu só tenho graduação..ohhh céus!!! Não sei o que é sintético, analítico, racionalismo...” precisamos (des)construir a idéia de que a culpa é somente desse profissional que está prejudicando o público alvo para o qual ele interpreta. As tramas que envolvem os ILS no momento da interpretação transcendem a carência de conhecimento lingüístico e cultural que o mesmo precisa ter para realizar tal função. Elas envolvem, também, o deslocamento subjetivo e pessoal que esse profissional experimenta. Em situações nas quais pessoas ouvintes ou surdas enunciam discursos do tipo “não entendi o que ele (referin-

do-se ao intérprete) está falando ou sinalizando; há muitos erros no que ele sinaliza, esse intérprete é fraco, entre outras atitudes” constituem exemplos que causam constrangimento, vergonha e baixa auto-estima para o profissional ILS. Finalmente, para encerrar essa reflexão, vale salientar que é necessária, sem dúvida, uma posição crítica tanto dos surdos quanto do próprio intérprete em relação à atuação no momento da interpretação. No entanto, esta precisa ser realizada de uma forma cautelosa, para que a mesma não venha ferir ou expor subjetivamente esse profissional lhe causando constrangimento ou até mesmo traumas de ordem emocional.

Referências Bibliográficas PAGURA, Reynaldo J. A interpretação de Conferências: interfaces com a tradução escrita e implicações para a formação de intérpretes e tradutores. DELTA – Revista de Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v.19, 2003 WOODWARD. Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:TOMAZ, Tadeu da S. Identidade e Diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. 4.ed/2005. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

Notas 1

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3

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Intérprete de Língua Brasileira de Sinais na Universidade Federal de Santa Catarina e na Universidade do Sul de Santa Catarina. Esses depoimentos foram colhidos em conversas informais com intérpretes de Língua de Sinais, onde os mesmos narraram suas experiências cotidianas. Os depoimentos foram devidamente autorizados por esses personagens. Intérpretes de Língua de Sinais.


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