Nยบ43 Marรงo de 2015
Revista OLD Número 43 Março de 2015 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista
Capa Fotografias
Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Angelo José da Silva, Felipe Abreu e Paula Hayasaki Luisa Nolasco Gabriela Portilho, Isabel M Martinez, Luisa Nolasco, Marcelo Parducci e Zé Carlos Barretta
Entrevista
Bia Bittencourt
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Livros
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Feira Plana 3 Exposição
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Luisa Nolasco Portfolio
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Isabel M. Martinez Portfolio
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Gabriela Portilho Portfolio
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Bia Bittencourt Entrevista
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Zé Carlos Barretta Portfolio
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Marcelo Parducci Portfolio
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Reflexões Coluna
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Se você está achando alguma coisa estranha, pensando “nossa, como o mês de Fevereiro passou rápido”, você está duplamente certo. O segundo mês do ano passou mais rápido porque tem Carnaval, menos dias (28, no caso) e porque a OLD de Março foi lançada quase uma semana antes da hora normal. Brincadeiras à parte, decidimos adiantar esta edição por um motivo muito simples e importante: a terceira edição da Feira Plana, que acontece no próximo final de semana em São Paulo. Se esta edição saísse em seu dia normal perderíamos a Feira e a entrevista e a matéria feitas para este edição já não teriam mais tanto sentido. Como você já deve desconfiar, nossa entrevistada do mês é Bia Bittencourt, a criadora e organizadora da Plana e da Kaput, duas iniciativas centrais na cultura de impressos no Brasil. Bia falou da criação das duas iniciativas, da sua visão sobre a produção no Brasil e mais, tudo de uma maneira muito leve e divertida. Além da entrevista, dedicamos nossa matéria sobre exposições à Feira Plana, trazendo mais informações e destaques dos dois dias de evento. Saindo da entrevista e rumando para os nossos portfolios, temos duas frentes neste mês: marcas e intervenções. Os cinco trabalhos apresentados lidam com pelo menos um destes temas. Apresentamos marcas físicas, psicológicas e intervenções visuais e
manuais nas séries apresentadas. Começamos com Young in Israel, de Luisa Nolasco, que apresenta a conturbada realidade dos jovens da região, e é capa desta edição. Isabel M. Martinez transformou sua câmera analógica para produzir sua arte. Suas imagens representam múltiplos espaços temporais, criando um quebra-cabeça visual fascinante. Gabriela Portilho e Zé Carlos Barretta falam de cicatrizes, cada um à sua maneira. Gabriela apresenta marcas no corpo e no espaço, criando uma série de dípticos, enquanto Zé Carlos fala das marcas deixadas na cidade pela exploração imobiliária. Fechando esta edição temos Marcelo Parducci, que construiu seu próprio equipamento para a produção deste ensaio, que faz uma viagem entre nossos sonhos e aflições. Aproveite a edição 43 da OLD! Nos vemos em Abril!
Felipe Abreu
Robert Hope Collection
LIVROS
HIDDEN ISLAM DE NICOLÓ DEGIORGIS
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Este foi um dos grandes destaques entre os fotolivros de 2014. O livro de Nicoló Degiorgis figurou nas principais listas de melhores do ano e ganhou o First Photobook Award no Paris Photo. O livro foi lançado pela RORHOF, editora fundada pelo próprio autor e instalada em uma antiga fazenda no norte da Itália. Hidden Islam apresenta a rotina religiosa de uma parte considerável dos muçulmanos na Itália. O país conta com mais de 1 milhão e trezentos mil praticantes, mas tem apenas 8 mesquitas em todo o seu território. Esta desproporção levou a comunidade a criar uma série de locais improvisados para conduzir seus cultos e rezas. É neste cenário que Degiorgis mergulha. Seu livro faz um registro tipológico em preto e branco dos locais que abrigam as mesquitas improvisadas. A abordagem muito lembra a estética alemã pregada pelo casal Becher. Um dos pontos marcantes do livro são as páginas dobradas que revelam, dentro das fachadas em PB, os momentos de adoração realizados dentro de cada um destes espaços. O livro logo esgotou sua tiragem, como costuma acontecer com publicações que recebem tamanho destaque. A boa notícia é que, diferente de muitos outros, Degiorgis lançou uma segunda edição, que mais uma vez se esgotou, e agora prepara a terceira edição do livro, que será lançado no dia 5 de Março. Aproveite enquanto é tempo. Disponível no site da RORHOF Valor: R$ 150,00 90 páginas
LIVROS
THE NATURE OF PHOTOGRAPHS DE STEPHEN SHORE
Segundo o autor, este livro é uma cartilha (primer em inglês). É só olhar a capa ao lado para confirmar que este é o desejo de Stephen Shore, um dos maiores fotógrafos do mundo e autor deste livro. The Nature of Photographs é um livro de estudo, mas não é de uma teoria desligada da prática. Cada passagem da publicação está profundamente ligada à materialidade da fotografia e isso é o que a que faz tão especial. O livro tem como objetivo nos ensinar a ver fotografias de maneira mais precisa e consciente. O texto é baseado nos cursos que Stephen Shore dava enquanto era professor universitário nos EUA e falam com uma grande gama de públicos, dos mais aos menos especializados. O livro conta com uma seleção de imagens do próprio Shore, além de uma série de imagens clássicas de Walker Evans, Bernd e Hilla Becher, Cindy Sherman e incontáveis outros. Assim o leitor tem as ferramentas visuais e teóricas para ler cada uma destas fotografias. O livro, publicado pela PHAIDON, tem uma versão em português, o que facilita muito as coisas. O preço é acessível, o que o torna ainda mais interessante neste mundo caro das bibliotecas de fotografia.
Disponível nas principais livrarias do país Valor Médio: R$ 50,00 136 páginas
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EXPOSIÇÃO
A TERCEIRA EDIÇÃO DA FEIRA PLANA Maior evento de impressos do país chega à sua terceira edição e volta ao MIS com uma intensa programação e um belo time de expositores
A Feira Plana é muito importante na nossa opinião. Tanto é que adiantamos o lançamento deste mês em quase uma semana para 08 poder escrever este texto e fazer a entrevista com a organizadora do evento, Bia Bittencourt. A Plana vai chegar à sua terceira edição neste final de semana e cada vez mais se consolida como o principal evento de impressos do país. São zines, livros, revistas, pôsteres, jornais e mais, tudo em um só lugar, com os criadores ali, prontos para conversar. O evento foi inspirado na NY Art Book Fair, trazendo os expositores em uma série de mesas e bancas, com tudo em exposição. Além dos expositores, o evento também conta com uma série de palestras e workshops, o que dá ainda mais tempero aos dois dias de feira. A edição deste ano está especialmente interessante porque além de ser a maior e mais completa, ela tem um tema que muito nos agrada e interessa: fotografia. Pela primeira vez a Plana tem um tema e ele é justamente o nosso. Não podíamos deixar isso passar em branco. Além do grande time de expositores como Companhia Rapadura, Cosac Naify, IMS, Pingado-Prés, Vibrant e muito outros, a programação de palestras e workshops está mais do que caprichada.
A Feira fará uma série de workshops e atividades ao longo dos seus dois dias. Entre elas estão uma oficina de fotografia de rua, aulas da Escola Livre, workshop de produção de fotozines, palestra sobre fotografia noturna e muitos outros eventos. Há também uma série de momentos que deixam a mão na massa de lado e se concentram no pensamento fotográfico. O crítico e professor de fotografia Jörg Collberg visita a Feira Plana e faz uma palestra sobre sua visão da fotografia contemporânea. Após a apresentação, Daigo Oliva, do Entretempos, coordenará um debate com o professor. Collberg é uma das principais referências da crítica fotográfica da última década. Tê-lo no Brasil, de forma gratuita e em um evento tão rico quanto a Feira Plana é uma oportunidade imperdível. Se eu fosse você, já montava meu acampamento na porta do auditório do MIS.
A Feira Plana acontece no MIS entre os dias 7 e 8 de Março, das 12 às 20h. Mais informações em www.feiraplana.org
Luisa Nolasco Young In Israel
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O ensaio de Luisa Nolasco apresenta a complexa realidade dos jovens em Israel, no meio de um dos mais longos e tensos conflitos geo-políticos da história recente. Suas fotografias são diretas e objetivas, transmitindo o máximo para o espectador. Luisa, como você começou na fotografia? Comecei como todo fotógrafo: com uma câmera, mas ao invés de ganhar uma de presente eu comprei uma usada de um amigo do colégio. Eu estava no último ano do ensino médio e esse meu colega tinha uma Nikon que estava sempre com ele nas aulas. Um dia perguntei se poderia usar um pouco, era a primeira vez que eu pegava em uma dslr, quando apertei o botão tive duas paixões instantâneas: primeiramente me apaixonei pelo som do clique e depois quando olhei a foto me apaixonei pela imagem.
Como surgiu o ensaio Young in Israel? A idéia surgiu enquanto estava viajando por Israel. Estava com um grupo de pessoas na faixa dos 18 e 23 anos, todos brasileiros, e em um dos momentos da viagem 3 soldados israelenses passaram 5 dias com o nosso grupo. A idéia era que tanto os brasileiros como os israelenses pudessem conhecer mais de perto a realidade um do outro. Foi quando estava conversando com um dos soldados sobre o sistema educacional de Israel que me toquei como somos tão diferentes e parecidos ao mesmo tempo. Diferentes no sentido cultural, mas parecido no sentido de ser humano, e como este lado é forte e ele que nos aproxima. Todos no grupo tinham a mesma idade, todos ali estão entrando na vida adulta e portanto estão passando pelas mesmas transformações, questões, duvidas, curiosidades. Eu acho que no fundo somos mais iguais do que diferentes porque o lado humano fala mais alto.
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Ao conversar com eles paira uma maturidade emocional que certamente se difere de muitos pelo mundo.
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Você acha que a fotografia pode ser um veiculo de transformação de realidade?
Qual sua relação com a cultura de Israel? O quanto este ensaio fala sobre ela?
A fotografia surgiu com o principio inicial de registrar experimentos científicos. Ao longo do tempo foi visto o impacto que ela provocava nas pessoas, muitas achavam que era coisa do demônio pois se dizia que a fotografia capturava a alma. A imagem de fato tem o poder de tocar o ser humano, ela carrega realidades e as compartilha com o mundo. Essa sensibilização faz com que as pessoas se envolvam seja em questões sociais ou políticas naquele assunto. Hoje em dia empresas de marketing tem contratado fotógrafos do campo da antropologia para registrar o comportamento do publico consumidor. No final do ano passado a ONU abriu pela primeira vez concurso para fotografo, este terá o trabalho de acompanhar missões humanitárias realizadas pela organização. Acredito que sim, a fotografia tem um grande poder de transformar realidades.
Admiro bastante a cultura judaica, acho bonito como a tradição é algo forte nessa religião e o quão presente é o olhar pelo outro. Acredito que o fato de jovens que entram no exercito tão cedo, e não somente porque são obrigados, mas porque querem e se orgulham em fazer parte disso e poder cuidar daqueles a sua volta ilustra bem o que quero dizer. Como se deu sua relação com seus personagens? Que aspectos desse momento tenso da vida deles você quis abordar? A maioria das pessoas desconhece a realidade dos jovens de Israel e independente de religião ou política eles são jovens, iguais a todos espalhados pelo mundo; os mesmos sentimentos, os mesmos medos e apreensões. Eles são obrigados a entrar para o exército assim que terminam o que seria nosso ensino médio, entre 16 e 18 anos. Ao conversar com eles paira uma maturidade emocional que certamente se difere de muitos pelo mundo. Minha intenção com o ensaio não é julgar ou tomar qualquer lado, mas compartilhar uma realidade que acredito importante ser mostrada: o que é ser jovem em Israel.
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Isabel M. Martinez The Weekend & Quantum Blink
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Isabel M. Martinez apresenta dois trabalhos em que materialidade e tempo são questões centrais. Sua prática é manual, delicada e controlada, criando trabalhos originais e desconcertantes. Isabel, nos conte sobre seu começo na fotografia. Fiz minha graduação na Pontificia Universidad Católica de Santiago, no Chile; o programa era bastante livre. Entrei pensando que faria escultura e sai trabalhando com trabalhos de base fotográfica e instalações. Apesar de ter estudado em diversas áreas, entre pintura e arte digital, a natureza da minha produção determinou que o suporte fotográfico era o mais apropriado para desenvolver os conceitos e ideias que me interessavam naquele momento. Um ano depois, fiz meu mestrado na University of Guelph, no Canadá. Atualmente, minha produção se concentra em trabalhos de suporte fotográfico, vídeo e objetos tridimensionais - conceitos manifestados simultaneamente através de uma variedade de suportes.
Como foram criados The Weekend e Quantum Blink? O método empregado na criação de Quantum Blink é uma variação do utilizado em The Weekend. O corte é analógico e é resultado de intervenções diretas na câmera. Houve uma série de experimentos, com uma série de materiais, com muitas tentativas e erros até eu conseguir alcançar o resultado que desejava. O próprio negativo tem as faixas, por isso a irregularidade nas bordas e a sobreposição sutil que fica mais aparente quando as imagens são ampliadas em formatos maiores. A distância temporal entre exposições de The Weekend chegou a sete meses, enquanto em Quantum Blink não passou de uma hora. Quando vistas em pessoa, estes trabalhos parecem se transformar de acordo com a distância e o ângulo do espectador - uma ilusão de volume pode se tornar aparente e em outros momentos há a impressão de que são três imagens ali.
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Arte deve te deixar um pouco desconfortável, inquieto, confuso e sempre curioso. Qual a importância do embate entre realidade e fantasia no seu trabalho?
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Mais do que fantasia, meu trabalho lida com a imaginação. A fantasia busca fugir da realidade, escapando para um mundo de desejos, sem produzir nenhum resultado. A imaginação, ao contrário, busca abraçar criativamente e se envolver com a realidade. Ela toca a curiosidade e o encanto e pode produzir resultados enigmáticos e inovadores.Estou interessada nos aspectos fenomenológicos da experiência humana. Particularmente na interseção entre o real e o imaginado. A percepção é um tema recorrente na minha produção. Costumo usar de narrativas não lineares, sobreposições e justaposições na criação de minhas imagens. Por esta razão, experimentação e processo são a fachada de grande parte do meu trabalho - da gestação da ideia, à pesquisa, à produção da obra em si, nem sempre nesta ordem. Quão importante é o processo manual na sua fotografia? Você prefere que seu trabalho seja visto impresso ou digitalmente? Processos analógicos tem um papel importante na criação do meu trabalho, tanto conceitualmente quanto esteticamente. O filme fotográfico tem uma fisicalidade e um maleabilidade que permitem que ele seja exposto a mais do que somente luz. Câmeras analógicas permitem um grande grau de manipulação, que seria impossível ou terrivelmente caro em uma câmera digital.
A tecnologia digital e a internet são ótimos para divulgar informação com uma audiência vasta de maneira rápida e expedita. A web se tornou o principal meio pelo qual vemos e julgamos uma imagem: com um olhar, rápido, superficial, sem prestar atenção aos detalhes. Fato é que há mais do que a superfície nos trabalhos de artes visuais e isso requer certa observação. Para observar, temos que estar dispostos a investir (não gastar, mas investir) o tempo necessário. Quando se trata de ver artes visuais, ao vivo e diretamente é sempre melhor. Qual a importância de tirar o observador do seu trabalho de sua zona de conforto? Arte não é entretenimento. Arte pergunta e não dá respostas de maneira fácil ou direta. A arte te faz pensar. Arte de sucesso faz cócegas em seu cérebro, planta a semente do encanto, te faz observar ao invés de simplesmente olhar. Arte deve te deixar um pouco desconfortável, inquieto, confuso e sempre curioso. Mantendo questões da minha infância frescas em minha mente e tendo a perseverança de respondê-las ao invés de simplesmente silenciá-las é de onde vêm minhas ideias. Vida e morte, percepção e consciência estão no centro destas questões. Costumo começar com um conceito, um ideia gera imagens mentais e elas abastecem o processo de pensamento, como experimentos mentais. O que vem primeiro pode ser difícil de determinar, para mim imagem e pensamento são intercambiáveis.
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Gabriela Portilho Cicatriz
Em Cicatriz, Gabriela Portilho cria uma série de associações visuais entre marcas de locais distintos. A estratégia aproxima personagens, suas histórias e seus ambientes, criando uma marcante narrativa fantástica. 36
Gabriela, nos conte sobre seu começo na fotografia. Na verdade, ainda vivo esse começo. Sou jornalista de formação e trabalhei boa parte do tempo dentro do jornalismo científico. Mas em algum ponto senti que o jornalismo não dava conta dos pontos de vista em que eu queria me colocar e daquilo que eu queria compartilhar com outras pessoas. Fotografo por hobby e por instinto. Simplesmente me encanto por um tema e quando vejo, já estou “gestando” alguma ideia, que acaba virando imagem em alguma parte do processo.
Como surgiu o ensaio Cicatriz? Já fazia um tempo - desde quando comecei estudar o budismo, na verdade – que fiquei muito instigada com os padrões externos e internos que existem e se repetem na natureza. Coincidentemente, recebi nessa época o convite da Revista Quincas para produzir um ensaio sobre Cicatrizes, que era o tema daquela edição. E as ideias confluíram. Comecei a observar que aquilo que achamos tão humano, quanto as cicatrizes, essas marcas físicas que contam alguma história, estão por toda parte. Tudo traz impresso em si as suas histórias. A montanha é de alguma forma a história dos ventos que por ela passaram. Do mesmo jeito, que a Lua, com todas as suas crateras, conta a história dos asteroides que passaram por ali. Todas as marcas contam alguma coisa.
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O que mais me interessa é o impacto plástico dessas marcas quando reenquadradas, e como elas se ressignificam ao serem colocadas lado a lado nos dípticos. Como foi a decisão de representar seus personagens e espaços por suas marcas físicas? Como essas marcas contribuem para contar sua história? 44
Durante o processo de produção das fotografias, achei curioso ver como as pessoas gostam de mostrar e contar as histórias das suas cicatrizes com todos os detalhes. A filha do meu namorado tem só 5 anos, mas adora quando sentamos juntos e contamos as “histórias dos nossos machucados”. Conseguimos ficar um tempão falando sobre isso. Como foi na hora que aconteceu, por que doeu, o que fizemos para melhorar e como “depois passou”. Sobretudo, lembrar como “depois passou”. Acho que, de algum modo, gostamos de relembrar as histórias das coisas que nos feriram, daquilo que nos machucou, e a cicatriz acaba sendo aquela marca física que nos lembra uma outra vez, que aquilo passou e se transformou. Talvez faça parte desse processo de cicatrização interior, quem sabe... Como você buscou construir relações entre gente e construção? Na verdade, busquei relação não só entre nós e as construções, mas entre nós e tudo que existe, porque acredito de verdade, que não estamos separados. Mas me surpreende isso ainda mais nas formas que encontramos dentro e fora de nós. Tanto a Via Láctea quanto as
flores crescem em espirais. Os nossos brônquios se ramificam da mesma forma que os troncos de uma árvore, ou os braços de um rio. Acho que não estamos sozinhos nesse mundo das formas, nem das cicatrizes. Quais as ferramentas visuais você usa para construir uma narrativa com os detalhes (planos próximos) visuais que apresenta neste ensaio? Na verdade, brinco com o ponto de vista do espectador, uma hora trazendo pro macro e outra pro micro, alternando as escalas. Para isso, uso tanto o material que eu produzi, quanto recortes de imagens a que jamais teria acesso sozinha, como fragmentos que busquei no Google Maps, ou em bancos de imagens – como na foto da Lua, por exemplo. O que mais me interessa é o impacto plástico dessas marcas quando reenquadradas, e como elas se ressignificam ao serem colocadas lado a lado nos dípticos. A tecnologia ampliou muito nosso ponto de vista sobre o universo. Podemos nos ver de tão perto a ponto de enxergar as células da nossa epiderme, quanto enxergar tão longe a ponto de ver luzes emanadas de algum ponto do universo milhares de anos atrás. E a fotografia lida com isso o tempo todo. Acho que esse ver de perto – ver de longe tantas vezes, nos redimensiona.
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OLD ENT
BIA BITTEN
TREVISTA
NCOURT
Bia Bittencourt está por trás da Kaput e da Feira Plana, dois dos principais estimuladores da cultura impressa e de zines de São Paulo e provavelmente do Brasil. A Kaput acaba de encerrar suas atividades como distribuidora e loja, mas a Feira Plana chega à sua terceira edição, cada vez maior e em sua primeira edição temática, que escolheu justamente a fotografia, tema que mais nos interessa. A Feira, com um seleção maravilhosa de expositores, estará no MIS nos dias 7 e 8 de Março. Você é uma das grandes responsáveis pela valorização e retomada da cultura do impresso em São Paulo. Como começou este interesse?
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Muito obrigada por isso, fico felizona em saber. Bom, é um daqueles interesses que não se sabe explicar, coisa cósmica que nasce com a gente. Sempre gostei de desenhar, de fazer livros, o primeiro que eu fiz era sobre a história do Petekinha, um peixinho neném que meu pai comprou e eu me apeguei, mas
ele morreu em 2 dias e aí eu escrevi um livro sobre a história de sua vida, que tinha uns 3 pequenos capítulos tipo Petekinha nasceu, Petekinha usando chupeta, Petekinha morreu, mais tarde fanzines, recortar, colorir, papelaria nossa… quando eu entro em uma quero tudo me dá até enjôo. Mais seriamente, acho que foi quando comecei a participar do IUOMA (International Union of Mail Artists) que existe desde 88 e comecei a me corresponder com pessoas de todo o mundo enviando e recebendo todos os tipos de coisas impressas. Eu devia ter uns 16 anos e depois fui estudar artes. Como surgiu a Kaput? Como foi tocar este projeto? Surgiu numa espécie de abstinência da Feira Plana 1. Fiquei
querendo ficar juntinho de todas aquelas coisas lindas que vi passar aos meus olhos e então abri a lojinha. O estoque era na minha casa, ficava mexendo neles o dia todo, tirando foto, arrumando o site. Foi muito legal pra analisar o alcance da coisa, mostrar individualmente o que o pessoal estava produzindo, viajei bastante com a Kaput pra participar de feiras mundo afora. Foi demais! A Kaput encerrou suas atividades no final do ano passado. O que te levou a tomar esta decisão? É difícil manter uma distribuidora independente no Brasil? Estava difícil pra mim, pois a demanda de trabalho estava imensa. Era Kaput, Feira Plana, Folha [de São Paulo]… Queria mesmo me focar na Feira Plana sem me preocupar com os correios, planilhas, consignações, pagamentos, e-commerce, importação. Estava com mais de 400 títulos! Não foi uma questão de dificuldade do comércio ou qualquer coisa assim pois a Kaput estava flutuante, eu fazia o que eu queria do jeito que eu queria sem empresa, contador, espaço
físico, estado. Foi mais uma escolha do que eu queria me dedicar pra fazer com mais dedicação. Além da Kaput, você é idealizadora da Feira Plana. Nos conte sobre a criação dela. Quando estive em NY, vi a NY Art Book Fair que acontece a anos no Moma Ps1. Fiquei doida pra fazer algo parecido, com tantos editores juntos publicando coisas bonitas. De volta a SP escrevi um projeto e saí batendo de porta em porta até algum espaço público topar o projeto e me dar um espaço. A Plana foi total experimentação, nunca tinha feito evento na vida, foi escolar e já deu certinho logo na primeira sem apoio sem dinheiro sem noção do que poderia
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Fotografias: I Hate Flash.
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acontecer. Um dia antes da Plana 1 eu tive um sonho em que a feira acontecia em uma quadra de poli-esportes de um clube japonês, ninguém foi e os expositores chateados pediram sushi pra comer. Não foi nada disso, ficou super cheia, todo mundo ficou super feliz. Este ano a Feira chega com o tema fotografia. Porque você e o Carlos Issa escolheram este tema? Um desejo de reunir todas as publicações de fotografia que foram aumentando desde a primeira feira, de ver os fotógrafos de instagram, de festa, de skate, de arte editando e publicando zines e livros com suas fotos. De ver as pessoas que não estão envolvidas com a fotografia se interessarem pelo assunto, pensarem e compreenderem melhor muitas ideias que estão relacionadas com comunicação, estética e pensamento de imagens contemporâneas. Como foi o processo de criação da grade do evento? Como vocês buscaram casar a feira, workshops e palestras? Foi a parte mais legal, me emociono só de pensar. Foi o primeiro ano em que a feira virou um fórum de debate e aprendizado. Foi um esforço enorme pra preencher a malha toda da feira, todos os espaços do museu com pessoas pensando e discutindo sobre fotografia. A feira está caminhando sozinha, cada expositor cuida de seu microcosmos e me senti responsável por amarrar tudo e fazer uma programação parruda, trazer convidados muito importantes pra nossa formação e incentivar trocas e conversas. Quais são suas expectativas para a edição deste ano? Que as salas dos auditórios lotem, que as pessoas fiquem
interessadas por coisas novas, que os artistas tragam novidades bonitas e que todo mundo se envolva de coração. Qual a importância de ser ter um cenário de zines produtivo no Brasil?
A autonomia que serve pra muitas outras coisas na vida. Que descola a pessoa das dificuldades de exibição, distribuição. O estudo, projeto, desenvolvimento, criação, evolução, produção, e comercialização que dependem unicamente do esforço do próprio artista. Como você vê nossa produção atual? Temos um volume bom? Temos relevância em um cenário internacional? 51
Temos cada ano mais gente produzindo. A primeira feira eu mais convidei amigos e propus que alguns deles produzissem uma publicação, uma pequena parte se inscreveu e eu fui conhecendo alguns trabalhos. Na segunda, recebi cerca de 200 inscrições, já foi um pouco difícil selecionar. Na terceira foram mais de 500 inscrições fora os atrazildos, muito mais gente produzindo e tomando conhecimento. Nas feiras que participei com a Kaput em NY, Argentina e Madrid, todos ficam encantados com a linguagem de nossa produção que a cada ano está mais coesa e refinada. Você vê com bons olhos o surgimento de editoras independentes de fotografia? Como elas ajudam no crescimento da cena? Claro! Todos os tipos de editoras são bem vindas e fomentam e inspiram a criação de outras e outras e outras.
Z茅 Carlos Barretta Transit贸rias Cicatrizes
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Zé Carlos Barretta explora as cicatrizes da cidade. Suas imagens falam sobre o presente e o futuro de nossas casas, de nossas metrópoles, seu frágil equilíbrio e sua constante transformação. Zé, nos conte sobre seu começo na fotografia. Comecei na fotografia como muitos, o hobby que virou profissão. Eu gostava de viajar e a fotografia foi vindo naturalmente. Ainda na época do analógico, fui me aprofundando, estudando e por fim amadurecendo a ideia de trabalhar na área. Fiz o curso na Escola Panamericana de Arte e em 2008 larguei definitivamente o emprego de programador para ser fotógrafo. Foi um começo bem difícil, levou mais ou menos um ano para eu entrar no mercado. Comecei fazendo pautas para o jornal Diário do Comércio através da agência Hype do fotógrafo Paulo Pampolim. Já com um portfolio um pouco melhor, em 2011 consegui entrar na Folha de São Paulo, que atendo com freelancer até hoje, e foi sem dúvida uma grande experiência.
Como surgiu o ensaio Transitórias Cicatrizes? Paralelamente ao trabalho comercial acho importante o fotógrafo desenvolver um trabalho pessoal, mesmo que seja a passos lentos. Esse ensaio surgiu justamente no caminho dessas pautas para a Folha. Como circulamos bastante pela cidade durante as pautas e já observava esses terrenos fechados com tapumes achei que poderia ser interessante fotografar essas paredes ainda com as marcas da antiga estrutura que havia ali e foi demolida. Comecei a procurar aqueles que teriam as melhores condições de representar aquilo que buscava, os desenhos mais nítidos, as paredes mais limpas, algo interessante impresso ali e também aqueles que poderiam ser acessíveis. Ter o acesso a esses terrenos não foi tão fácil, muitas vezes tive que explicar o intuito das fotos, algumas vezes entrei sem pedir permissão mesmo e outras simplesmente não me deixaram entrar. O trabalho começou sem muito planejamento mas depois de um certo tempo e algumas boas fotos comecei a perceber uma enorme quantidade desses terrenos, parecia que estavam por toda parte (acho que isso acontece quando estamos envolvidos com algo) e daí foi rápido, uns 3 meses já tinha um material bem amplo sobre o assunto.
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O corpo humano, aqui desmaterializado está presente pelo seu habitat, também desmaterializado, agora apenas uma marca na parede, uma imagem, um ‘fóssil’. Você mostra uma cidade em constante transformação. Você vê essa transformação com bons olhos?
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A transformação da cidade está intimamente ligada ao seu desejo de se modernizar. Em termos de arquitetura e patrimônio histórico sofremos de uma crise crônica de memória, como se quiséssemos apagar qualquer vestígio de passado, como se para ser moderno fosse preciso acabar com qualquer evidência do antigo. Não há critérios, tudo é posto abaixo para dar lugar a algum empreendimento novo alimentando um mercado imobiliário de gosto duvidoso que só se preocupa com seus lucros estratosféricos. O trabalho é certamente uma reflexão sobre a forma como se dão essas transformações, um olhar sobre esse momento em que o antigo agoniza para dar lugar ao novo. Podemos nos perguntar, como era a casa que estava ali? O que será construído no lugar? Como essa nova construção irá afetar o entorno? Refletir sobre isso é uma maneira de termos melhores critérios para essa modernização não ser sinônimo de desumanização e especulação financeira. Você busca construir uma relação entre o corpo humano e a cidade nesta série, humanizando a cidade? É uma série em que não aparece nenhuma pessoa, mas indiretamente evoca o aspecto humano nessas marcas deixadas nas
paredes, as ‘cicatrizes’. Através dessas marcas, desses desenhos remanescentes podemos tentar reconstruir imaginariamente o que havia ali. O corpo humano, aqui desmaterializado está presente pelo seu habitat, também desmaterializado, agora apenas uma marca na parede, uma imagem, um ‘fóssil’. Mas nesse caso essa imagem restante será cuidadosamente apagada pelo novo empreendimento no local, como se dissessem ‘Agora teremos vida aqui’. Engano. Não celebramos a vida passada, ao contrário, ela nos é constantemente negada mas reaparece como fantasma. O corpo imaterial. Qual a importância da relação entre a tridimensionalidade urbana e bidimensionalidade da fotografia neste trabalho? Poderíamos pensar na relação entre realidade (tridimensional) e a imagem fotográfica (bidimensional). No caso desse ensaio a imagem é puramente bidimensional. É um registro fotográfico de paredes também bidimensionais. O espaço aqui está ausente, é vestígio. Voltando à pergunta anterior, o corpo, que só pode existir no espaço, nesse ensaio é também vestígio. Esse achatamento do espaço pode ser visto como uma metáfora da própria condição dessa cidade planificada e sem horizontes que privilegia o carro, o condomínio de luxo, que constrói vias expressas e ergue muros em nome da segurança.
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Marcelo Parducci Sonhei Que me Lembrava Como Eram as Coisas
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Marcelo Parducci explora os sonhos em seu ensaio através da cegueira e do distanciamento. Suas imagens são instigantes, convidando o observador para uma leitura cada vez mais atenta. Como surgiu seu interesse pela fotografia? Passei a ter contato mais constante com a fotografia quando comprei aquelas primeiras câmeras fotográficas digitais. Era uma compacta de 3.2MP e lembro que logo no início tive este anseio de interagir de maneira mais física na captação da imagem.Lembro que logo nos primeiros meses com a câmera eu tinha feito alguns filtros com cano PVC com diversas camadas de papel celofane. A imagem ficava horrível tecnicamente, suja e borrada, mas lembro que me divertia muito na época carregando aqueles filtros comigo.Um pouco depois comecei a me familiarizar com a fotografia analógica e me encantei com a variação de filmes e processos. O que posteriormente fez com que eu montasse na minha casa um laboratório P&B, que acabou também virando minha oficina.Hoje eu percebo que desde que comecei a fotografar sempre busquei essa interagir fisicamente na captação e no tratamento da imagem.
Como surgiu o ensaio Sonhei que me lembrava como eram as coisas? Este projeto surgiu durante a pós-graduação quando estudava o imaginário e me deparei com uma frase de Kafka que reverberou em minha pesquisas, “O positivo está dado, é então preciso descobrir o negativo.” Com isso, senti que meu percurso de entender o imaginário se daria através do exercício de vivenciá-lo através de um distanciamento, que acabou por se delimitar na condição de cegueira de alguém que em algum momento já enxergou. Então segui a pesquisa para o momento em que a memória visual que habita o imaginário de uma pessoa se modela através do continua operação da mesma. Ela é acessada como memória de algum acontecimento prévio à cegueira e também como matéria-prima para a formação de novos ambientes visuais que foram experimentar após o período de vidência. Como fio condutor utilizei como personagem o literato Jorge Luis Borges, já em seu estado de cegueira, em uma situação fantástica na qual sua companheira María Kodama lê para ele alguns de seus próprios contos, o que faz com que ele revisite em sua memória situações índices que acabaram por gerar os textos.
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a pesquisa teórica me ajuda muito a ver outras possibilidades de entendimento sobre o assunto e também na articulação de conhecimentos distintos. Você desenvolveu um aparelho fotográfico especificamente para este projeto. Nos conte sobre essa criação.
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Na verdade ele surgiu em uma pesquisa anterior da graduação e até pouco tempo sentia que ainda não conseguia compreender de maneira satisfatória seus significados e minha relação com esses. Nesse caso, a relação da produção com o aparato é a sua capacidade de exercer de maneira análoga a situação do personagem escolhido, que por um estímulo externo revisita suas lembranças, no momento em que elas já não tem mais uma ligação com o presente do índice da visão (a cegueira). O aparato nessa configuração consegue apenas trabalhar a partir de frames fotográficos pré-existentes, gerando cópias dos mesmos em novos filmes fotográficos. A visão crítica sobre ele aconteceu quando compreendi que sua função primária de cópia tinha como resultado imagens muito distantes da matriz. Entendi que o aparato estava oferecendo um novo tempo de experiência às imagens, que se apresentavam como congeladas e passivas para mim. O quanto a experimentação é importante na sua produção? A utilizo como processo criativo e acredito que toda forma de experimentação é uma busca pelo redescobrimento de algo, não
apenas através desconstrução do processo de captura, mas também uma desconstrução do olhar, que para mim é uma busca pelo novo. Mesmo que este seja um novo apenas para mim, este mecanismo de experiência individual sempre traz como resultado uma nova relação com o meio e, consequentemente, acabamos forçando seus limites. Na sua opinião, o quanto é importante ter um conceito sólido e uma pesquisa bem desenvolvida na produção de um ensaio fotográfico? Pelo fato de toda imagem carregar símbolos e signos, ao se aprofundar neles e articular suas relações, considero necessário o desenvolvimento de um conceito a fim de traçar o terreno pelo qual pretendo caminhar. Para isso, a pesquisa teórica me ajuda muito a ver outras possibilidades de entendimento sobre o assunto e também na articulação de conhecimentos distintos. Nesta série especificamente, uma das linhas de pensamento que senti a necessidade de me apoiar foi a Psicologia Junguiana, buscando compreender e retratar como a presença do inconsciente afeta o imaginário. Nas imagens procurei trazer isso de duas maneiras principais: através da forte presença da escuridão, que invade o espaço da memória; e da mistura de imagens pré-existentes que são ao mesmo tempo imagens únicas e amálgamas de sí na formação deste mesmo conteúdo que hoje fazem parte.
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REFLEXÕES
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Neste último sábado estava na feira e levava comigo o pacote com as fotos coloridas que havia mandado fazer em São Paulo. Estava com ele mas não tinha aberto ainda. Sim, revelar os filmes, fazer os contatos e imprimir as cópias. Tudo manualmente, digamos assim.
COLUNA
REFLEXÕES SOBRE MAGIA E ARTE
Faz alguns anos conversava sobre fotografia e uma série de ideias brotou dali. Trago para cá uma delas. A fotografia mais recente, do século XXI, preenche com muitas imagens os espaços da nossa imaginação. Resta pouco para nós e para a magia. Isso tudo está mais para a mágica, vendo a magia como Merlin e as brumas de Avalon e mágica como Mister M e a TV. A fotografia mais antiga imaginou os séculos XIX e XX. Aquela coisa da imaginação, da imagem, da magia fez parte das gerações que povoaram este mundo de pessoas, imagens, criações. Algo assim simples e bonito como se voltássemos a sonhar depois de muitas noites sem imagens. Como se nossos pais voltassem a contar histórias para nós ao deitarmos e nosso sonhar completasse essa cena mágica e humana que é sonhar e realizar nossos sonhos. E, quando esquecíamos ou duvidávamos do que havíamos visto, sentido e imaginado, lá estavam as fotos para nos reconectar com tudo isso. Neste último sábado estava na feira e levava comigo o pacote com as fotos coloridas que havia mandado fazer em São Paulo. Estava com ele mas não tinha aberto ainda. Sim, revelar os filmes, fazer os contatos e imprimir as cópias. Tudo manualmente, digamos assim. Tinha filme 135, 120 e 4x5 polegadas. Lembra daquela câmara que é um caixote de madeira, lente e um pano preto. E, claro, um fotógrafo. Pois é, daí vem as chapas... Encontrei minha amiga Lídia, que também é fotógrafa. Contei para ela o que havia no pacote e sua curiosidade ficou, talvez, maior que a minha. Abrimos então a caixinha de Pandora. Nossos queixos caíram com o que vimos, principalmente a esperança que sempre está nas caixas mágicas como as de Pandora e as de fazer fotografias.
Mais uma vez, contei para ela as histórias todas da cópia manual em negativo colorido, do fazer as fotos, do grande formato e da imagem que vinhetou com o pára sol porque me distraí com o poeta bêbado que recitava um poema de sua própria verve ao meu lado enquanto eu tentava fazer o foco e escrever versos com a luz. Um sopro de magia, de arte, de vida veio com a fala da minha amiga. Ela me disse assim, tranquilamente, que vendo aquelas imagens ela sentia vontade de pegar sua câmara e sair por aí prá fotografar. Pura emoção. A magia toda que envolve esse ato de fotografar esperar 81 a revelação do filme, ver o contato, aprender com os erros, olhar as ampliações, é muito boa porque ela nos impele para o sonho e para a ação. Para se expressar, fazer arte. Coisas tipicamente humanas. E agora, escrevendo essas linhas, além de ter que colocar tinta na caneta porque tinha acabado, me deu vontade de sair para fotografar.
Angelo José da Silva é professor de sociologia na Universidade Federal do Paraná e fotógrafo. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite.
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Clarissa Gomes
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