OLD Nº 23

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Nยบ 23 Julho de 2013


Revista OLD Número 23 Julho de 2013 Equipe Editorial Direção de Arte Texto e Entrevista

Capa Fotografias

Felipe Abreu e Paula Hayasaki Felipe Abreu Camila Martins, Felipe Abreu, Juliana Biscalquin, Luciana Dal Ri e Tito Ferradans Evna Moura Beatriz Masson, Evna Moura, Michele de Punzio e Susi Godoy

Entrevista

Sofia Borges

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Parceiros


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Livros

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Programação de Férias Exposição

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Fotojornalismo

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Evna Moura Portfolio

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Beatriz Masson Portfolio

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Sofia Borges Entrevista

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Michele de Punzio Portfolio

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Susi Godoy Portfolio

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Ultrapassagem Coluna Fissuras Coluna

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Chegamos ao vigésimo terceiro número da OLD e começamos as atividade no segundo semestre de 2013. Nesta edição tentamos trazer trabalho e dicas para animar e inspirar as férias de inverno de todos vocês. Se você não está de férias, não se preocupe, tenho certeza que a OLD vai ser um pequeno alívio criativo entre os seus dias de trabalho. Nesta edição nós apresentamos os trabalhos fotográficos de Evna Moura, Beatriz Masson, Michele de Punzio e Susi Godoy. São trabalhos de temas e abordagens muito variados, que compõem um panorama fotográfico bastante rico e marcante. Nossos livros e exposições seguem o mesmo caminho, trazendo o que há de melhor para se ler e se ver neste frio mês de Julho. Se você está ou virá para São Paulo neste mês, temos um pacotão de exposições preparado para você, além de duas belíssimas sugestões de leituras fotográficas. Continuando no caminho da construção do nosso panorama fotográfico deste mês, a OLD se debruçou sobre a cobertura visual da recente onda de protestos que varreu o Brasil. Nós conversamos com Toni Pires, Eder Chiodetto e Rafael Vilela, um dos membros da Mídia N.I.N.J.A., que está trazendo um novo ponto de vista nessas coberturas, muito mais próximo da ação. Os movimentos sociais que estão em ação nos últimos tempos aqui no Brasil são, não só uma grande oportunidade de mudar a maneira como pensamos e gerimos nosso país, mas também uma grande vitrine para a mídia mostrar seus reais limites e compromissos dentro dessas coberturas. Nosso papo sobre fotojornalismo foi investigar essas questões e colocar ainda mais lenha nessa fogueira.

Nossa entrevistada do mês também se preocupa com os limites e com as questões internas da fotografia. Nesta edição o coletivo Ágata entrevistou a fotógrafa/artista plástica Sofia Borges, que está em exposição como uma das finalistas do prêmio BES Photo, no Instituto Tomie Ohtake. O trabalho de Sofia empurra pra longe o que conhecemos e entendemos como limites dentro da fotografia, brincando com o nosso conceito de que a fotografia, de alguma maneira, apresenta a realidade dentro das suas quatro linhas. A discussão apresentada nesta entrevista é muito importante para enterdemos como a fotografia vem se posicionando dentro da arte contemporânea e quais são os pontos de interesse e caminhos que podem, ou não, ser seguidos. Este mês está cheio de assuntos que, espero, renderão muitas e muitas conversas na mesa do bar, nos cantos dos museus e muito mais. Então, chega de papo e vamos à OLD!

Felipe Abreu


James Jowers (American b. 1938)


LIVROS

FOTOLIVROS LATINO-AMERICANOS, DE HORACIO FERNÁNDEZ

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Este livro, produzido pela Cosac Naify, é uma enciclopédia com os melhores e mais importantes fotolivros lançados na América Latina desde o início do século XX. Essa seleção foi organizada por Horacio Fernández, historiador e curador de fotografia. Horacio é professor de fotografia na Escuela de Belas Artes de Cuenca na Espanha e foi curador do geral do PhotoEspaña por 2 anos. O panorama traçado no livro é dividida em 9 capítulos, compondo uma linha que traça as mudanças na produção de livros de fotografia por aqui e aponta obras importantes e/ou revolucionários em sua produção e apresentação.O design do livro facilita muito a compreensão do conteúdo dos livros apresentados, sempre com imagens internas e das capas dos livros, acompanhados de textos curtos sobre o trabalho. É claro que em uma seleção que parte de um universo tão amplo, sempre ficarão alguns trabalhos de fora, mas Fotolivros latino-americanos é uma ótima maneira de conhecer boa parte da nossa produção visual. Disponível nas principais livrarias do país. Valor médio: R$ 150,00 256 páginas.


LIVROS

1990s, DE MARCELO KRASILCIC

Marcelo Krasilcic é um fotógrafo brasileiro radicado em Nova York. Durante os anos noventa estudou fotografia por lá, descobriu seu estilo fotográfico e produziu as imagens que compõe esse pacote de livros. 1990s é dividido em dois volume com imagens de amigos, familiares e amores produzida na última década do século XX. O trabalho de Marcelo flerta com a fotografia de moda e busca construir uma mistura entre o registro espontâneo e a cor e a produção elaboradas dos projetos editoriais. O livro conta com imagens de diversas personalidades dos anos 90 como a atriz Chloe Sevigny, o duo musical Everything but the Girl e o estilista Dudu Bertolini em um ensaio nu, produzido para a revista Purple Sex. O livro foi lançado em Março pela Cosac Naify em dois volumes em uma caixa, tudo com capa dura.

Disponível nas principais livrarias do país. Valor Médio: R$ 160,00 332 páginas

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EXPOSIÇAO

SÉRIE DE EXPOSIÇÕES ANIMA SÃO PAULO

neste frio mês de Julho, a OLD faz uma seleção das melhores exposições para se visitar na capital paulista

São Paulo sempre tem uma imensa quantidade de exposições maravilhosas para serem vistas todos os meses. O fato é que, com a correria que também vem incluída no pacote da capital paulista, nem sempre conseguimos acompanhar e visitar o programa fotográfico da cidade. A grande vantagem do mês de Julho é que muita gente está de férias e, portanto, tem mais tempo disponível para visitar galerias e museus. Pensando nisso, fizemos neste mês uma lista de quatro OLD exposições a serem visitadas nesse mês de férias. 08 Uma boa idéia é começar pelo Instituto Tomie Ohtake, que apresenta duas das nossas dicas fotográficas. Estão por lá as exposições do prêmio BES Photo e A Arquitetura Brasileira Vista por Grandes Fotógrafos. A primeira exposição apresenta os trabalhos finalistas do prêmio promovido pelo Banco Espírito Santo, de Portugal. Até 2011 a participação era restrita a fotógrafos portugueses, mas desde então brasileiros, angolanos e quaisquer fotógrafos oriundos de um país falante de português podem participar. Em 2013 o Brasil aparece com Sofia Borges, nossa entrevistada do mês, e com Pedro Motta, vencedor do prêmio neste ano. Valeu passar pela sala do BES Photo para ver como a fotografia está forçando, torcendo e alterando cada vez mais o que costumavam ser os limites da fotografia e a integrando cada vez mais ao reino das artes plásticas. Nossa segunda dica ocupa todo o térreo do Tomie e conta com nomes de peso como Cristiano Mascaro e Bob Wolfenson. A exposição apresenta a produção fotográfica brasileira voltada para

a arquitetura, construindo um grande cenário visual das nossas metrópoles e de suas construções. Outra exposição que vale a visita neste mês de Julho é Tcharafna, de Gui Mohallem. O fotógrafo mineiro apresenta uma seleção de trabalhos produzidos em sua estadia no Líbano no ano passado. A única questão aqui é que você tem que ser rápido, já que a exposição fecha nesta quinta-feira dia 18. Se você já quiser saber um pouco sobre a exposição é só olhar para a página ao lado: a fotografia que acompanha esta matéria é um dos trabalhos de Tcharafna. O Instituto Moreira Salles abre no dia 18 de Julho sua exposição sobre Fotolivros latino-americanos, com curadoria de Horacio Fernández, a mostra vai apresentar o panorama da produção fotográfica latina no último século. Se você leu nossa resenha sobre o livro de mesmo nome na página anterior, sabe que a exposição promete! Além dessas dicas, São Paulo tem ainda muito mais, como Geraldo de Barros no SESC, Larry Clark no MIS, O Dom da Periferia na DOC Galeria e muitas outras opções que não couberam nesta página. Aproveite!

As exposições que estão neste mini-guia têm datas de abertura e encerramento variadas, então fique ligado! Todas estão na cidade de São Paulo, em exibição durante o mês de Julho.


Gui Mohallem


Pelo potencial comunicador da imagem Fotos: Mídia NINJA | Texto: Ágata e Felipe Abreu

A crítica feita à imprensa na cobertura das manifestações do mês de junho coloca, mais uma vez, em xeque o jornalismo tradicional e aponta a sua necessidade de reinvenção, inclusive dando mais voz às imagens

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O mês de junho de 2013 fincou seus pés na história do Brasil. O aumento da tarifa do transporte público na maioria das cidades impulsionou o Movimento Passe Livre (MPL) a ir às ruas pedir sua redução imediata e, consequentemente, desencadeou uma série de manifestações populares que chegaram a reunir cerca milhões de pessoas em todo o país. Há pelo menos 20 anos, desde que os Caras Pintadas pediram o impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, não se via uma reivindicação com ampla participação popular. Os resultados foram muitos. Além da redução da tarifa, uma conquista legítima do MPL, outros desdobramentos ganharam tanta repercussão quanto à motivação inicial e estimularam as mais diversas discussões. Entre o leque de reivindicações que se abriu, como a insatisfação com os partidos políticos e a virada vertiginosa à direita, um dos maiores pesos caiu sobre a cobertura da grande imprensa. Ela foi duramente criticada por se colocar contra os manifestantes, pedir mais atuação policial e por reforçar seu posicionamento elitista e tendencioso. Por outro lado, vimos a emergência de uma mídia

independente, valendo-se dos novos meios de comunicação para cobrir as manifestações, como no caso da Mídia Ninja. Nessa crise que envolve a imprensa brasileira, a cobertura fotográfica e a função das imagens pegam carona. “A partir do momento em que todos nós passamos de meros receptores a produtores de informação na esfera online, a crítica aos veículos de comunicação se tornou mais veemente. Tem pesos e medidas a serem avaliados nisso”, alerta Eder Chiodetto, que trabalhou como editor de fotografia da Folha de São Paulo por nove anos, deixando o cargo em 2004. Dentro desse contexto, continua Chiodetto, o editor tem a obrigação de mostrar sempre os dois lados da notícia, “que a manifestação pede isso e aquilo, mas também a ação dos vândalos. Saber dar o peso de cada um desses elementos é onde reside o bom jornalismo. Vi erros grotescos nesse parâmetro nesses dias. A edição de fotografias, obviamente, está sujeita a tudo isso”. A comunicação mudou muito na era digital. A notícia tornou-se bilateral, sendo disseminada tanto pelos meios tradicionais quanto


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pelos cidadãos comuns através dos blogs e das redes sociais, e a velocidade de captação e publicação, sempre na iminência do urgente, interferiu diretamente na cobertura fotográfica. Se antes existia uma maior interlocução entre editor e repórter fotográfico, hoje é necessário que o fotojornalista atue mais na escolha de suas próprias imagens e tome mais decisões, o que implica em uma maior responsabilidade na hora de clicar os fatos. “O fotojornalista de hoje é muito mais editor do que um fotojornalista, há 10 anos”, diz Toni Pires, editor da Folha de São Paulo por 12 anos, de 1996 a 2008. Se por um lado existe uma independência maior do repórter, a possibilidade da surpresa, das imagens descartadas que poderiam ser recuperadas pelo editor, são quase nulas. “A velocidade é inerente ao nosso tempo, mas a supressão do diálogo entre editor e fotógrafo tem lá seus prejuízos”, reflete Chiodetto. O que não mudou, no entanto, é a maneira como a imagem é encarada dentro da imprensa. Para Toni, “o jornal edita uma fotografia e não uma reportagem fotográfica”, evidenciando uma limitação que culmina no uso subestimado da imagem, que ganha um papel meramente ilustrativo no contexto da matéria, ou simplesmente repete a mesma informação que o texto já possui. Isso significa não apenas fazer mau uso como restringir seu potencial comunicador. Quando colocado dentro do contexto político recente, essa questão parece se agravar ainda mais. De acordo com Toni “É muito comum você ver dois ou três fotógrafos do mesmo veículo lado a lado fotografando a mesma coisa. Uma boa cobertura, funciona como uma orquestra, cada um faz seu papel e conta uma parte da história. Na edição tudo se costura”, explica. Ao restringir a capacidade narrativa das imagens, a imprensa estaria, não apenas contando uma versão questionável dos fatos, mas arquivando uma história precária sobre esse importante mês de junho. Diante de fatos contundentes e de coberturas caóticas, uma amostragem mais ampla em termos imagéticos pode ser uma

estratégia para melhorar a cobertura jornalística. Um exemplo disso é o N.I.N.J.A., sigla em português para Narrativas Independentes Jornalismo e Ação, grupo responsável pela POSTV, mídia digital independente. O grupo, que atua há um ano e meio e está ancorado no Circuito Fora do Eixo, ganhou visibilidade pela cobertura de front nas manifestações que aconteceram em várias cidades. Segundo Rafael Vilela, um dos repórteres, o que os diferencia da grande mídia é o fato de optarem por mostrar “o lado que tem menos visibilidade” como ele diz. “Esse trabalho de ir contra a narrativa hegemônica tem uma função muito importante, e é o que tem gerado um público cada vez maior pra o conteúdo do NINJA”, conta. Uma prova disso é o pico de audiência de 120 mil espectadores, o que significa uma média de 1,2 do Ibope. “A diferença é que OLD os caras estão no helicóptero, nós estamos na rua”, diz Vilela, 13 reforçando a posição do grupo em estar presente onde a notícia acontece, próxima ao cidadão e sem o afastamento que pode gerar a manipulação, principalmente da imagem. É assim, como diz Rafael, que as TV´s mostram “500 quando tem 5 mil, como nas manifestações, e 5 mil quando tem 500, como na passeata dos médicos contra a decisão da Dilma em trazer os cubanos”. Essa inversão, entretanto, passa a ser mais difícil de acontecer dentro da rede, que permite uma circulação mais rápida e aponta para um espaço onde as imagens podem se realizar em maior plenitude. Essa fala de Rafael pode não ser a novidade em questão. Entretanto, o que parece querer mudar a partir desse junho de 2013 é o reconhecimento definitivo do potencial comunicativo das redes e da produção de mídia independente no Brasil. Nesse contexto, todos os que idealizam dias melhores para a sociedade (e por que não para a própria mídia?) saem ganhando e, em especial, as imagens que podem passar a exercer suas faculdades narrativas como nunca.


Evna Moura Translocas



Evna Moura registrou, durante as festividades do Círio de Nazaré, a Festa da Chiquita, celebração LGBT que ocorre na madrugrada de sábado para domingo, durante o final de semana de festividades. Aqui na OLD vemos um recorte de seu registro, OLD Translocas. 16

Translocas foi desenvolvido durante a Festa da Chiquita em Belém, que ocorre simultaneamente ao Círio de Nazaré. Quando você decidiu registrar esse evento? O quanto para você é importante a existência desses dois eventos tão distintos, ao mesmo tempo, em Belém? O círio de Nazaré é algo tão suntuoso e forte, que abrange diversos tipos de manifestações paralelas, além da procissão que acontece no segundo domingo de Outubro, pela manhã. Uma delas é a festa da Chiquita, que inicialmente era a comemoração profana, criada e organizada pela classe artística (músicos, fotógrafos, jornalistas, atores, artistas plásticos, entre outros) da cidade. Tradicionalmente sendo realizada após a passagem da Santa, durante a transladação (procissão à noite). As pessoas comemoram e dançam, em nome da Santa e da fé, até o horário da procissão da manhã. Com o passar dos anos, a festa é hoje, símbolo da classe LGBT. A ideia de

fotografar a festa surgiu de um projeto fotográfico, proposto em registrar alguma dessas manifestações que acontecem na cidade, durante este período do Círio. Realizadas durante o mês de outubro, por conta dessa efervescência que o círio de Nazaré nos coloca, logo, imaginei que o registro da festa da Chiquita seria algo fantástico, para mim, como experiência. Não só pela carga visual, que a festa da Chiquita nos coloca, mas pelo seu discurso pelos direitos sociais, religiosos e políticos, envolvido. A importância da Chiquita está justamente nesses três elementos, todos os anos ela sofre uma pressão política, por conta da igreja que não reconhece a festa como sendo do calendário “oficial do Círio”, sendo assim, sempre realizada com grande dificuldade. Contando muitas vezes, com patrocínio de empresas particulares, diferente de outras atividades do mês que seguem, como sendo do calendário oficial da festa e recebendo um maior apoio. Como a cidade recebe esse evento? Quantas pessoas realmente sabem da existência dele? Você vê seu ensaio como uma maneira de apresentar e divulgar essa manifestação cultural? Essa discussão é longa e já dura anos, entre a igreja e o estado, entre o profano e sagrado, lado a lado. Desde quando a festa era organizada por outras classes, foi sempre difícil a realização, por ser um lado profano da festa do Círio de Nazaré. Com uma transição que foi acontecendo naturalmente, hoje ela é organizada pela classe LGBT e isto, como já podemos imaginar, se agravou mais ainda.


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Porém, em dois anos registrando a festa, percebo que quem menos se importa com isso é grande maioria da população da cidade, convivendo durante anos, com essas duas tradições. Todos sabem da existência da festa da Chiquita, pelo menos todos os paraenses, sim. As festas profanas são tão antigas, quanto as religiosas, historicamente, elas sempre andaram, lado a lado no tempo. E não é diferente em Belém. O objetivo de registrar a Chiquita é poder ajudar a criar uma memória afetiva dessa festa, através da fotografia, tão importante culturalmente na história do estado. E ajudar a fortalecer a união de classes sociais e religiosas, convivendo em um respeito mútuo maior. Afinal de contas, o círio de Nazaré é isso. Você percebe diversas religiões, pessoas de diversas orientações sexuais, “mundos”, todos envolvidos em uma atmosfera de oração, confraternização e colaboração, que envolve e toma conta da cidade. Mas, claro que isto ainda é um processo em movimento, por isso a elaboração e relação destes mundos afetivos é tão importante, neste projeto. Como foi seu contato com os personagens fotografados? Como eles reagiram em relação à produção do trabalho? Foi bastante tranquila, fiz um contato antes informando minha intensão, fui super bem recebida pelo organizador da festa Eloi Iglesias, que é envolvido com outras diversas produções e lutas do

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movimento LGBT em Belém. Fiz amizades com todos os envolvidos, formando um grande clima de confraternização e concentração. Queria registrar também o momento de preparação, até o “gran finale”. Idéias para projetos paralelos e futuros também surgiram, sob o tema LGBT que sempre me interessou bastante. Percebi uma grande simpatia com relação ao meu trabalho, como uma possibilidade e forma de combater o preconceito que muitos, ainda, persistem em ter com relação a festa, e inviabilizando apoio para a sua realização. Mantenho contato e pretendo continuar esse processo do registro da festa, em muitos outros anos. Como minha forma de ajudar a acrescentar, fomentar e alimentar na discussão, sobre o tema na cidade. Belém é uma cidade que tem muitas peculiaridades, e a festa da Chiquita é mais uma delas, precisa passar a ser percebida como tal. Imagina ter uma grande festa profana, guiada pela classe LGBT, ao lado da maior manifestação religiosa do mundo?






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Eventos LGBT recebem muita atenção fotográfica pelos personagens extravagantes que muitas vezes os povoam. Em Translocas você conseguiu uma abordagem muito delicada em seu retratos, diferente do que costumamos ver. Como foi desenvolvida essa visão das pessoas que você registrou? Obrigado. Pensei em captar exatamente o que senti. Na convivência de dois anos, registrando a festa da Chiquita, só recebi delicadeza e beleza de volta, entre os participantes. Talvez pela minha forma de vê-los, que é sempre de seres humanos combatentes e alegres. Durante todo o processo, estava sempre rindo e deslumbrada, com a criatividade e elegância deles, em saber resolver e superar os problemas. Eu acabei estabelecendo uma relação muito bonita com todas as pessoas que fotografei durante estes dois anos, tenho um grande respeito por eles. Mantenho contato sempre que posso, estabeleceram-se relações de amizades, e isto me deixa muito feliz. Talvez isto seja sentido, nesse meu carinho para com eles, nas imagens.

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Beatriz Masson Portfolio



Beatriz Masson apresenta na OLD seu portfolio fotográfico produzido na Europa. São imagens em cor e PB que ilustram o cotidiano e os caminhos percorridos pela fotógrafa. OLD 28

Suas imagens são essencialmente urbanas, do cotidiano de uma cidade. Como foi a busca por essas imagens? Elas foram planejadas ou ocorreram ao acaso? As imagens que selecionei para apresentar aqui realmente têm no elemento urbano um denominador comum. Mas esse não é o tema mais recorrente do meu trabalho. Paisagem, natureza e pessoas são temas bem presentes nas minhas imagens. Tenho uma relação muito contemplativa com a paisagem e acho que só a imagem é capaz de traduzir essa conexão tão profunda. Gosto do significado da palavra contemplação, que é: “olhar atentamente, embevecidamente e demoradamente; admirar, apreciar. Meditar em, refletir.” É a partir daí, desse “meditar em” que minhas imagens surgem. Mais recentemente a paisagem urbana foi sendo incorporada ao meu universo imagético, também dessa forma contemplativa. Fui me interessando cada vez mais pelo tecido urbano, com e sem a presença da figura humana. Percebi que é possível construir uma poética para o caos.

Você constrói muito bem suas cenas seja usando seu personagens ou o espaço como protagonista. Você acha que na fotografia urbana há uma dominância de um dos dois, personagem ou espaço? O personagem é um elemento do acaso, que chega sem avisar e subverte a ordem, mesmo que seja uma ordem caótica. Normalmente já fui capturada pela paisagem antes do personagem surgir e quando ele irrompe cria uma cena naquilo que era só espaço. Acho que os dois dividem bem a paisagem urbana, mas quando o personagem entra, não só constrói uma história, mas muitas vezes acaba por roubar a cena, ou no mínimo protagonizá-la.


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Seu ensaio foi produzido na Europa, principalmente na Alemanha. Como foi o contato com as pessoas que você fotografou? Como você buscou desenvolver seu estilo em um local ainda novo para você? [se você já conhecia Berlim muito bem me avisa que eu mudo a pergunta] Sim, foi como se fosse um lugar novo, pois tinha estado em Berlim em 1986, três anos antes da queda do muro, quando nem se imaginava que um dia ele viria abaixo. Voltei 26 anos depois para uma cidade quase desconhecida, com uma nova geografia, que havia assimilado uma cultura e um estilo de vida diferentes daquilo que eu conheci, além da arquitetura e de outros elementos que se fundiram na nova Berlim. Eu acho que o olhar estrangeiro imprime um tom muito interessante pra fotografia, pois é um olhar desbravador, mais atento e mais sensível. Porque ele é virgem, desprovido de qualquer julgamento. Ele ignora aquilo, aquele lugar, aquela construção, não sabe o que é, porque está lá, então ele pode enxergar o óbvio, mas com o frescor e a curiosidade de uma criança que vê algo pela primeira vez. E aí tem também o tempo do viajante que é diferente do tempo do morador de uma cidade. É um tempo que o permite se deter sobre um assunto, estar lá, verdadeiramente lá, naquele lugar. Acho que só o viajante, ou o estrangeiro, consegue essa proeza de olhar “embevecidamente e demoradamente”, consegue meditar em algo, porque o tempo dele é diferente, é generoso. Fotografar e viajar são verbos que conjugo juntos. Um me leva ao outro e vice-versa. E os dois juntos são oxigênio para mim.

Você tem algumas imagens bastante focadas na arquitetura e no grafismo produzido pelas construções. Este é um dos temas que mais te agrada? Eu batizei meu trabalho de fotografia com um nome que é também o nome do meu site: fotografismo. É um neologismo que eu inventei. O sufixo grego “ismo” indica um sistema a ser seguido, algo consolidado como regra ou, que se acredita ser uma regra. O “ismo”, designa um conjunto de crenças ou doutrinas. Nesse caso, ele cria um duplo significado, construindo a palavra grafismo, que para mim é o que interessa na construção de uma imagem. E a arquitetura tem muitos elementos gráficos, assim como o espaço urbano, a paisagem, a natureza, o universo... ou seja, meu objeto de interesse é vasto! Além disso, esse conjunto de crenças do “ismo” pode estar ligado à religião ou filosofia (islamismo, budismo, cristianismo). Eu não tenho uma religião, mas percebi que a fotografia é minha forma de oração, é com a materialidade da imagem que agradeço cada particular experiência e reconheço o imaterial, o sublime, o sagrado.

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SOFIA


NTREVISTA

BORGES


Sofia Borges é fotógrafa. Ou artista plástica. Depende de onde e com quem ela está. Seu trabalho transita entre linguagens, mas é, no final das contas, fotografia. Sofia discute em sua produção os limites da representação e da realidade, criando obras intrigantes e que vêm sendo reconhecidas e premiadas ao redor do mundo. Para saber mais sobre tudo isso o coletivo Ágata conversou com Sofia por e-mail.

ou mesmo por “temas”. Não há nenhuma contradição em algo ser fotografia ou ready-made ou música e ser um trabalho de arte.

Como foi a sua aproximação com a fotografia e como a sua formação em artes visuais dialogou com isso?

Se eu tiver sorte o meu trabalho é um exemplo disso, estou o tempo todo pensando nisso e fico feliz quando o trabalho resolve, ou simplesmente nos apresenta, esse problema. Eu acho muito interessante a idéia de algo ser e ao mesmo tempo não ser uma determinada coisa, como uma pergunta que pode ser respondida simultaneamente que sim e que não. Também acho interessante pensar em como é possível haver equações matemáticas que existem mesmo sem conter solução conhecida. Tudo isso informa a maneira como penso fotografia, principalmente porque considero que a fotografia hoje ainda é pensada dentro de parâmetros um tanto restritos. E eu não estou falando de photoshop, nem de tema, nem de registro, estou falando da imagem fotográfica, que sempre se apresenta como uma espécie de fantasma ao mesmo tempo em que tem superfície, matéria e pode ser tão concreta quanto uma pintura. Considero a fotografia uma linguagem muito específica justamente por ser tão mole, elástica, abrangente, e acho que procuro fazer trabalhos que contenham essa espécie de contradição ou latência.

Eu sou formada em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo e minha aproximação com a fotografia surgiu dentro desse contexto, ainda na graduação. Pensar em fotografia sempre teve a ver, para mim, com pensar em imagem, em deslocar ou apagar ou sobrepor OLD o sentido de algo, em separar as coisas do real. Durante minha 38 formação eu dividia meu tempo entre a prática da gravura, escultura, desenho, fotografia e a escrita, são linguagens distintas, cada uma constrói o conteúdo daquilo que apresenta de acordo com suas especificidades, mas no fim sempre se trata do exercício de constituir um conteúdo ou um sentido à uma forma, seja ela uma imagem, um objeto ou uma frase. O seu trabalho circula mais pelas galerias e ambientes voltados para as artes visuais, do que pelos lugares que se consideram voltados para a fotografia. Você concorda com isso? Se sim, consegue identificar um motivo? Isso acontece porque eu sou artista visual e penso a fotografia dentro dos parâmetros da arte. O que não significa que eu não seja fotógrafa e não pense sobre fotografia a partir de sua própria especificidade. Eu acho muito perigoso quando começamos a pensar em arte a partir de subdivisões e classificações elegidas por técnicas

Li em uma entrevista sua que você se interessa por construir espaços que a fronteira entre o que é e o que não é uma foto se alargue até o ponto de se tornar um lugar em si. Pode nos dar um exemplo disso?

O seu trabalho discute questões ontológicas da fotografia, no entanto subverte o entendimento do que seria o real -- objeto -ao tratar a imagem como real. Como surgiu esse seu interesse e pesquisa? Sim no meu trabalho o que é real é a imagem, a superfície impressa, a coisa em si como ali se apresenta. O referente é uma espécie de


camada as vezes opaca e as vezes transparente que fica zanzando em cima dessa superfície feito uma alma penada. Como surgiu isso eu não sei, deve ser culpa do Cy Tombly, Velasquez, Neo Rauch, El Greco, Maria Martins, Sugimoto, Poussin, Guston, Richter, etc etc etc. E a raiz do tom de ficção que tem seus trabalhos? Arte é artifício, imagem é artifício. Para mim estranho (e também incrível) é ouvir alguém falando de fotografia como se estivesse falando da realidade. O nome dos seus trabalhos são muito diretos. Morsa, cavalo, minha irmã 20 anos atrás, coruja, ao passo que as imagens são sempre escorregadias. Por que trazer para as palavras essa concretude? É uma boa pergunta, mas acho que quando a imagem dá conta de ser, em si, um problema, dar um nome concreto ajuda a deixar claro que o problema está na própria imagem e não numa narrativa, tema, explicação ou resposta para aquele problema. O problema não está no fato do coelho ser um coelho, o problema está na imagem, o problema é aquilo ser uma fotografia e ter o sentido para além do fato daquilo ser, originalmente o registro de um coelho empalhado ou um cano ou uma pedra ou uma imagem ou uma fotografia tirada há vinte anos atrás. De qualquer forma, existem trabalhos, principalmente os mais recentes, nos quais os nomes ganharam outro papel, mais constitutivo, que servem para as vezes ampliar o que se apresenta ou as vezes definir uma questão. Essa definição aconteceu, por exemplo, em diversos trabalhos da minha última exposição (Impossível / junho 2013): Artifício, Mito, Analogia e Impossível. E as vezes os títulos das próprias exposições, por exemplo: Tema (2011), Estudo para Ausência (2012) e Os Nomes (2013), são títulos

Para mim estranho é ouvir alguém falando de fotografia como se estivesse falando da realidade.




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que falam da própria impossibilidade de dar nome a algo. Abaixo segue um trecho onde falo sobre isso na exposição Os Nomes, que apresentei em Lisboa e que pode ser vista no Tomie Ohtake: “E por mais que haja questões já bastante claras em relação ao que me interessa em cada uma das dez imagens que escolhi para compor Os Nomes, ainda me é difícil falar desses trabalhos no seu conjunto. Precisamente porque considero que esta será a exposição onde eu vou conseguir falar com maior precisão sobre o que é uma fotografia; ao mesmo tempo que pressinto que nada conseguirá atingir a sua meta completamente. Por se tratarem de imagens estranhas demais acho que estarão sempre interrompidas pela própria contundência da sua presença; as imagens transbordam, ultrapassam, derramam, são alienígenas, não parecem conter OLD história nem forma definitiva. Os Nomes, o título, define para mim a tentativa de nomear algo que não se define, que é, no caso, como eu 43 entendo uma fotografia.” Sofia, você foi escolhida pelo para o Bes Photo. Como foi para você essa indicação e como encara o papel do curador nesses casos? Como se da essa relação em outros trabalhos? Ser indicada para um prêmio internacional é sempre muito bom. Nesse caso em específico se tratava de uma banca de três curadores que nomeavam os artistas e outra banca que posteriormente, a partir das exposições apresentadas pelos artistas, escolhia o premiado. Em relação a trabalhar com um curador, isso varia de caso para caso, e de curador para curador. As vezes um curador já tem em mente um trabalho específico que dialoga com questões maiores da exposição, as vezes o curador simplesmente acompanha o seu processo e discute sobre as suas escolhas, como foi para mim a exposição que fiz na 30ª Bienal de São Paulo.


Michele de Punzio My Motionless Chaos



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Michele de Punzio apresenta na OLD um ensaio que usa da fotografia para refletir sobre si mesmo, sobre seus movimentos e angústias, criando uma série que fala da vida e das memórias de sua autora. Essas imagens parecem falar do seu interior, do processo criativo dentro do seu trabalho. Como é processo de busca e criação dessas imagens? Eu me deixo ir e vou fazendo as imagens sem pensar muito e sem perceber que estou em harmonia com o que estou fazendo. Minha mente e alma estão conectadas com a câmera e meu olho com a lente. Uma transformação entre sujeito e objeto, que eu não estava buscando especificamente, eu só peguei minha câmera para tirar fotos e para usá-la como minha memória.

Como você organiza seu processo de edição? Como você busca construir uma narrativa entre as fotografias que compõem este ensaio? Sempre que eu faço uma fotografia interessante, não consigo esperar até voltar para casa e poder vê-la no monitor e começar a editá-la. O processo para a criação de um projeto acontece de uma vez, entre seleção e construção. Não é difícil, para mim, dar forma ao meu trabalho, o mais difícil é começar o processo narrativo. Pela primeira vez em minha vida eu me encontro em frente a imagens que refletem a minha alma. Tem uma pequena diferença entre o sublime e o subconsciente, pensando nisso, encontrei o caminho para contar a minha história através destas imagens.


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Há uma forte aura de sonho e de movimento nas suas fotografias. Você tenta fugir da realidade neste trabalho? Claro, qualquer pessoa que olhar para essas imagens consegue sentir a distância da realidade, mas não eu. Essas são as imagens mais reais que eu já fiz, que refletem meu estado de espírito e minha visão da realidade. Todos que olham para estas fotografias conseguem ver algo, depende de seu estado de espírito.

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Susi Godoy Nu



Para você qual o papel do desejo no nu? Você busca criar essa relação entre o espectador e a imagem ou tentar construir outros sentidos e fugir deste caminho?

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Susi Godoy traz para a OLD uma seleção de seus ensaios nus, sempre com um clima de solidão, um pouco tristes, criando uma nova realidade para a fotografia de nu, distante do que estamos acostumados a ver. Susi, como começou seu interesse pela fotografia de nu? Você sente alguma facilidade ou dificuldade extra por ser uma fotógrafa mulher? Eu me interessei pelo nu pela possibilidade de explorar formas do corpo através da expressão corporal sem o pré julgamento de personagem que o figurino acaba trazendo. O fato de ser mulher é algo que facilita muito todo o processo de direção nos ensaios. A interação pelo mesmo gênero traz uma sintonia maior e reflete diretamente no resultado, a meu ver.

Eu tento descaracterizar o conceito do apelo sexual. Tento construir uma linguagem mais simples, focando em sentimentos, sejam bons ou ruins. Mas que não tenham apelo muito forte. Que o contexto fale mais que algo em especifico.

Como é sua relação com as modelos que fotografava? O quanto das imagens é seu e o quanto é delas? Cria-se uma relação entre fotografa e fotografada, e precisa ser uma relação de confiança Tudo é muito conversado durante todo o processo, eu procuro explicar a forma que trabalho, aceito todas as sugestões que a modelo gostaria de colocar, e nisso acabo traçando uma linha de direção dentro do estilo que eu já estou acostumada a trabalhar e ao que a modelo espera. Levo como uma parceria, é algo nosso.


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Você constrói em suas imagens uma estética mais séria, que constrói belos tableaus e se afasta do que estamos acostumados a ver na fotografia de nu. Como foi a construção desse processo? Quais os sentidos por trás desta opção? Eu aprecio muito fotos que contam histórias. É o que eu mais gosto de ver. Artistas que conseguem dizer com imagens. E despretensiosamente, eu tento seguir essa linha. De fugir do vazio e tentar sempre, além de beleza, inserir uma carga emocional em cada imagem, o que faz prender e gerar diversas interpretações de uma mesma imagem.

Suas modelos estão sempre muito bem inseridas no espaço em que são fotografadas. Você acha que a locação auxilia na construção da narrativa por trás das fotografias? Sempre escolho a locação de acordo com o que eu quero passar. É um dos pontos mais importantes pra minha fotografia. Gosto muito da interação da modelo com o espaço por ser uma das formas de se agregar conceito.

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Ultrapassagem por Tito Ferradans

Fotografia: um momento eternizado num piscar de olhos. Essa é uma definição comum. Mas, há muito além daí. O objetivo da coluna deste mês é sugerir justamente o contrário: como eternizar, numa única foto, um grande intervalo de tempo. Falaremos aqui da fotografia em baixa velocidade e suas características mui peculiares. Um bom exemplo desse estilo fotográfico são imagens de rastros de estrelas, nas quais o que se vê são desenhos circulares concêntricos no céu noturno (algo inatingível para nossos olhos nus). Provavelmente você já viu fotos de paisagens onde a água parece macia, “sedosa”, enquanto o resto da imagem aparenta estar normal, ou, então, fotos de grandes ruas ou avenidas desertas em plena luz do dia –onde seria impossível bloquear o acesso de carros ou pedestres para uma fotografia. Para entender como isso acontece, precisamos primeiro compreender como o filme ou sensor captura as imagens. Ambos são compostos de pequenos pontos sensíveis à luz – chips fotossensíveis no sensor digital, e grãos de sal de prata na película fotográfica – que são excitados de acordo com a intensidade Felipe Sampaio


luminosa que incide sobre eles. Se não há nenhuma luz, a imagem é completamente preta. Se não há luz suficiente – seja por fatores controláveis (ISO ou abertura) ou fatores externos (luz disponível) – a imagem fica subexposta, com áreas sem informação. Mas e se houver pequenas fontes de luz e essas fontes se moverem? Em condições normais, onde o obturador fica aberto por frações de segundo, elas teriam seu movimento congelado, correto? E se prolongarmos esse tempo de ação do obturador? Digamos que, ao invés de abrir e fechar mais rápido que um piscar de olhos, ele fique aberto por vários segundos, minutos, ou mesmo horas, permitindo a passagem de luz pela lente até o sensor. O que acontece então? Para responder, vamos incialmente investigar o caso dos rastros estelares. Tomemos o céu noturno como preto e as estrelas como pequenas fontes luminosas. O elemento chave a se levar em consideração é o que ocorre durante o tempo de exposição. Move-se a Terra - onde você está, com sua câmera! –, mas, para nossa percepção, o que se move é o Céu com suas estrelas. O sensor exposto por dois ou três segundos já consegue captar e nos mostrar o que nossos olhos não conseguiriam perceber: as estrelas ‘andando’ pelo céu. Lentes grande angulares atingem os melhores resultados justamente por mostrarem uma ampla paisagem, imóvel durante longo tempo de exposição, combinada ao céu cheio de linhas desenhadas pela luz. O raciocínio é mais ou menos igual para as imagens de água “sedosa”: enquanto o rio corre veloz, as pedras, árvores e plantas que o cercam praticamente não se movem, ficando congeladas na imagem, mas a água em movimento vira um grande borrão macio e agradável aos olhos. No exemplo de lugares muito movimentados que aparecem desertos em fotos, usa-se a desvantagem desse grande trânsito como uma vantagem na hora de fazer a exposição: o único elemento realmente estático na cena é o ambiente – a rua, postes, prédios e placas. Se você configura a câmera para deixar passar pouca luz pela lente

– através da abertura ou de filtros – e define um intervalo longo de exposição, tudo que se move vai ser registrado praticamente invisível ou transparente, justamente por não ter luz suficiente para ativar os chips no sensor. Só o que está parado, durante o tempo de exposição, é que vai refletir luz suficiente para excitar os chips do sensor, ou grãos do filme, e ficar perfeitamente registrado na fotografia. Importante ressaltar que também a câmera deve ficar completamente imóvel durante o tempo de captura. Um tripé de verdade, ou apoio equivalente, é fundamental para a produção de imagens desse tipo. Qualquer tremidinha, por menor que seja, vai borrar os elementos da cena que deveriam estar estáticos. Caso resolva experimentar a fotografia em baixa velocidade, lembrese de fazer testes de curta duração e gradualmente ouse aumentar o tempo de exposição a partir de seus resultados. Não é recomendável OLD começar com grandes intervalos de tempo, pois há muitas variáveis 73 em jogo e você precisará de tempo para aprender a ajustar cada uma delas. Fotografia é usar a luz para contar histórias. Às vezes rápidas, como um piscar de olhos, às vezes longas, como mil e uma noites.

Tito é fotógrafo de vídeo e vive a testar todas as (im) possibilidades que câmeras e lentes lhe oferecem. Você pode saber um pouco mais de suas peripécias em tferradans.com/ blog


Fissuras por Ágata

As redes de criação pescam a arte Vimos nas colunas anteriores como o processo de criação se dá na curadoria e como ele se reflete na compreensão que temos das obras. Seja pela relação que elas travam com as demais, como no caso da mostra “Coleção Itaú de Fotografia Brasileira”, ou pela escolha expositiva que refresca o entendimento de um gênero fotográfico, como na exposição “Ti”, na Foam, em Amsterdã. Esse movimento, que atinge tanto a obra de arte como a curadoria, nos faz entrar em um ambiente de trabalho com fronteiras flexíveis, interagindo e modificando mutuamente uns aos outros. Essas são as principais características do processo criativo: sucessivas tentativas que podem ser modificadas e colocadas em choque ao se depararem com novas referências, inspirações e motivações por parte do artista ou do curador. Esse fluxo nos leva ao conceito de Rede de Criação, um paradigma artístico que a pesquisadora Cecília de Almeida Salles, autora dos livros “Crítica Genética”, “Gesto Inacabado”, “Rede de Criação: a construção da obra de arte”, entre outros, introduz e que nos auxilia na investigação. Garapa


Ao trazer este conceito à baila, além de desmistificar o entendimento da obra como resultado de um caminho único e racional, admitimos a imprevisibilidade e o caráter anárquico da arte, que a investigação do processo nos ajuda a descobrir. Quando falamos em rede, passamos a considerar múltiplos pontos que criam diferentes conexões e abrem espaço para possibilidades do fazer artístico. Como no caso de Gilvan Barreto, que já mostramos por aqui. Em “Moscouzinho”, o fotojornalismo, o cinema, a poesia, o arquivo do Dops, a memória, a pintura e a música foram alguns dos elementos presentes durante o desenvolvimento de seu trabalho. Referências como essas, quando colocadas em diálogo, transformam-se e resultam em um trabalho singular, com linhas de força aparentes, decorrentes, ao mesmo tempo, das decisões e da subjetividade do artista. No exemplo de Gilvan, uma narrativa ficcional que tem o roteiro cinematográfico como pano de fundo. Quando essa trama que se cria ao longo da produção do artista encontra a figura do curador, outras possibilidades de conexões e intercâmbios criativos aparecem. Um exemplo claro dessa relação nos foi apresentada na exposição “A margem”, do coletivo Garapa, no Centro Cultural São Paulo, em cartaz até 15/08. O trabalho se desenvolve às margens do Rio Tietê, o mais importante do Estado, passando pelos municípios de Salesópolis, São Paulo, Itu, Barra Bonita, Penápolis e Itapura onde o coletivo procurou os vestígios, causos e lendas da região. Os antigos relatos de Hercules Florence e Teotônio José Juzarte, em “Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829” e “Diário da Navegação”, respectivamente, serviram de inspiração e ganharam outro sentido ao habitarem o mesmo espaço que o das imagens produzidas pelo coletivo. Dando outro tom ao trabalho documental, conseguiram misturar passado e presente, realidade e ficção. O resultado exposto no CCSP foi sendo construído, passo a passo, através da relação entre o coletivo e o curador, Eder Chiodetto, que acompanhou o projeto desde o início. Foi a primeira vez que o

Garapa trabalhou assim, embora, como coletivo, já exercitem a dinâmica da produção colaborativa e conjunta. “Antes mesmo do primeiro clique, da primeira viagem de expedição, das primeiras pontes entre os textos de exploradores do século XIX”, como nos disseram, Chiodetto já estava presente formando a tal rede de criação. Segundo o coletivo, as trocas na fase de conceituação acabaram sendo tão importantes quanto o processo de produção em si, indicando um fluxo de referências contínuo e aberto dentro do processo criativo. Entre uma viagem de prospecção e outra, eles se reuniam com Chiodetto para refletir sobre os caminhos a seguir. Durante as viagens de produção, o mesmo processo se repetia e as decisões eram repensadas e reelaboradas. Ao final das captações, quando o coletivo já havia escolhido as histórias que queriam contar, as últimas arestas foram aparadas também junto do curador. OLD 75 Além disso, Garapa deixa clara a importância da participação dos outros profissionais como Marcus Vinícius Santos, arquiteto responsável pelo projeto expográfico, Milena Galli, designer gráfica, Edu Fujiste, assistente, Sil Forgiarini e Mari Goldberg, produtoras, ampliando a percepção que temos do processo criativo e de rede de criação. Perceber os desdobramentos e os nós que garantem a complexidade dessa rede faz parte da tarefa de tentar desvendar o que está por trás da criação artística. Exercício ao qual nos dedicamos aqui sem ignorarmos o que nos relembra o Garapa: “o que se vê na parede e no papel, no final do processo, é fruto de uma interlocução muito maior o que se imagina”.

Ágata é um coletivo multidisciplinar em construção. Um encontro de afinidades que tem na fotografia um campo fértil para o exercício crítico e da expressão artística.


Mande seu portfolio para revista.old@gmail.com


Rafael Roncato


INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA FINE ART: PÓS-PRODUÇÃO E MERCADO $ YHQGD GH IRWRJUDƬDV LPSUHVVDV FRP DOWD TXDOLGDGH H GXUDELOLGDGH Ä XPD RS¾R DLQGD SRXFR H[SORUDGD SRU PXLWRV IRWÎJUDIRV XPD YH] TXH D DWXD¾R QHVWH QLFKR UHTXHU XPD VÄULH GH FRQKHFLPHQWRV HVSHFÈƬFRV $R SHUFHEHU HVVD GHPDQGD R ,,) FULRX R FXUVR Fine Art: Pós-Produção e Mercado PLQLVWUDGR SRU $OH[ 9LOOHJDV TXH RIHUHFH XPD IRUPD¾R DEUDQJHQWH QR TXH VH UHIHUH DR WUDWDPHQWR D SÎV SURGX¾R LPSUHVV¾R H FRPHUFLDOL]D¾R GHVVH WLSR GH SURGXWR 'XUDQWH R FXUVR R DOXQR WHP D RSRUWXQLGDGH GH FRPSUHHQGHU HVWH DPSOR PHUFDGR TXH LQFOXL JDOHULDV GH GHFRUD¾R JDOHULDV GH DUWH FROHFLRQDGRUHV H PXVHXV ¤ RIHUHFLGR XP SDQRUDPD PHUFDGROÎJLFR TXHP V¾R RV FRPSUDGRUHV H TXDLV V¾R RV WLSRV GH WUDEDOKR TXH OKHV LQWHUHVVDP $ SDUWH WÄFQLFD LQFOXL R FRQKHFLPHQWR GH WRGRV RV SURFHGLPHQWRV QHFHVV¼ULRV SDUD UHDOL]DU DV LPSUHVVÐHV GHVGH R WUDWDPHQWR GD LPDJHP

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Soldier’s goodbye & Bobbie the cat, Sydney, ca. 1939-ca. 1945 / by Sam Hood


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