Voluntariado: missão e dádiva

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considerar no estabelecimento de um potencial perfil do voluntário missionário. Na relação de dádiva pautada pela trilogia dar-receber-retribuir, ocorre o que se poderá designar por uma certa reabilitação de estatuto social do donatário. Ou seja, o voluntário missionário é alguém que coloca o seu saber e o seu saber-fazer ao serviço do outro, proporcionando-lhe, nesta iniciativa, que assuma um papel social de igual importância, porque também sujeito em igual dignidade na relação estabelecida. Opera-se uma adequação social plena entre quem dá e quem recebe, tornando-se o doador, algures no processo, donatário e vice-versa. Opera-se quase uma função espelho: estando ao serviço do outro, o voluntário missionário existe porque o outro existe e desse facto lhe dá feedback na relação de dádiva estabelecida. Salienta-se ainda a capacidade de observação no sentido de melhor conhecer o outro, os seus contextos, as suas necessidades e as suas potencialidades, para se iniciar e melhor se implementar o processo da ação missionária voluntária. Uma destas qualidades é a força, o entusiasmo que consigo… automotivar-me para as coisas e quando ponho um projeto ou quando idealizo um projeto, ou uma ideia na cabeça, a partir do momento em que acredito nela ou que vejo que há viabilidade, consigo mobilizar as pessoas …e fazê-las acreditar e mobilizá-las para isso. Penso que isso é a coisa mais importante, neste trabalho de voluntariado missionário, que eu adquiro como competência e acaba por ser um valor. Os procedimentos, é uma coisa que eu procuro não ter, ou seja, se nós mecanizarmos as coisas ou um modo de fazer as coisas, deixamos de estar abertos a novas perspetivas e a novos caminhos, e depois automatizamos muito e isso funciona numa linha de produção, em que quanto mais automatizamos, mais automático, mais produtivo. Mas

para trabalhar com seres humanos, que são seres dinâmicos, e se nós os emprateleiramos muito, depois só temos um caminho, e as coisas estancam e acabam por não promover, por não ter procedimento. (Ent. M 1). Verifica-se, ao nível da análise do discurso, a existência de uma força interior, que parte do próprio voluntário missionário, uma espécie de calling que atua no sentido de operar e de procurar envolver a comunidade num projeto que se quer coletivo. A relação social, estabelecida face a face, permite uma elevação dos níveis de confiança e promove um maior envolvimento da população local no processo de desenvolvimento local endógeno e participativo. Trata-se de perspetivar e construir o futuro em conjunto. O trabalho social e, neste caso concreto, a ação voluntária missionária, constitui um processo moroso, no qual, muitas vezes, os objetivos são alcançáveis apenas a médio-longo prazo. Deste modo, e também porque é difícil trabalhar a mentalidade das populações e mudanças de hábitos de vida, a persistência é uma das outras dimensões a considerar na eventual conceção de um perfil do voluntário missionário. … a disponibilidade e a capacidade de entrega e de serviço,… E eu penso que uma das características mais importantes no voluntariado missionário é esta dimensão de disponibilidade e simplicidade, de haver uma capacidade de nos transcender no sacrifício que nós fazemos, às vezes, que custa um pouco ultrapassar essas dificuldades iniciais, para depois do outro lado, digo eu, descobrirmos que ganhamos muito mais por ter tido este tipo de sacrifício e tornamo-nos pessoas muito diferentes por nos termos disposto por tornar disponíveis e a fazer este tipo de sacrifício, este tipo de trabalho. (Ent. M 2).


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