[CAPUT] Reflexos da legislação na produção imobiliária e na forma urbana paulistana

[CAPUT] Reflexos da legislação na produção imobiliária e na forma urbana paulistana

Felipe Araújo Santos

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[CAPUT] Reflexos da legislação na produção imobiliária e na forma urbana paulistana Felipe Araújo Santos

Orientação: Profa. Dra. Maria Beatriz Cruz Rufino Trabalho final de graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Agosto, 2021

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Sumário Agradecimentos 8 Introdução 10 PARTE I - Promoção da lei e do espaço:

Setores produtores da cidade

1. Setor público: o que coordena 17 1.1 Palimpsesto Urbano 18 1.2 Primórdios do planejamento: panorama histórico das primeiras legislações na forma urbana paulistana 20 1.3 A cidade se espalha 30 1.4 A Cidade Paliteiro 37

2. Setor imobiliário: o que produz 43 2.1 “A força da grana que ergue e destrói coisas belas” 44 2.2 1900-1940: Empresas familiares e os edifícios de aluguel 45 2.3

1940-1960: Incorporadores e arquitetos lado a lado 54

2.4 1960-2010: Incorporadoras S/A e a produção financeira do espaço 62

3. As revisões da legislação urbana nos anos 2010 71 3.1 Novas diretrizes para uma “cidade esgotada” 72 3.2 Processo de revisão do Plano Diretor Estratégico de 2014 74 3.3 Processo de revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2016 76 3.4 Novos Instrumentos

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PARTE II - Transformação urbana na prática:

O caso do Eixo Rebouças

4. A composição dos eixos 89 4.1 O conceito DOT (Desenvolvimento Orientado ao Transporte) 90 4.2 Os Eixos de Estruturação Urbana em São Paulo 95 4.3 Zona de Estruturação Urbana (ZEU) 107

5. A transformação urbana do eixo: o caso da Rebouças 111 5.1 Histórico de um bairro e de uma avenida 112 5.2 Movimento recente 124 5.3 Arquitetos Anônimos 134 5.4 O Produto ZEU 140 5.5 A nova forma urbana da Rebouças 185

PARTE III - Considerações finais 191 Bibliografia 196

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Agradecimentos

À minha orientadora Bia Rufino. Em meio ao caos de nossas rotinas corridas você conseguiu manejar sua agenda para me orientar de maneira dedicada e atenciosa, sempre aberta ao diálogo e respeitando as divergências de nossas opiniões; Ao João Meyer e Jorge Pessoa, cujo conhecimento e trabalhos colaboraram em muito para este TFG e que aceitaram prontamente o convite para participar da banca;

Ao grupo de pesquisa “Imobiliário e Infraestruturas sob domínio de Grandes Grupos Econômicos” da FAU, em especial à Isabela Rodrigues, que me disponibilizou materiais de grande relevância para esse trabalho;

Aos meus entrevistados dos setores público e imobiliário, que me concederam esta oportunidade para ampliar minha compreensão no tema e sanar minhas dúvidas;

Aos meus queridos amigos da faculdade que estiveram 100% presentes ao longo de toda a minha graduação. Seja em São Paulo, Campinas ou do outro lado do mundo, as memórias e as experiências que vocês me proporcionaram serão para sempre sinônimos da minha história na FAU; À Be, Ly, Mary e Pulo, que estiveram ao meu lado nos últimos e mais desafiadores anos da graduação. Sem o apoio e a amizade de vocês essa fase teria sido muito mais difícil. À Gabi e Lubis, arquitetas, designers e amigas, que colaboraram para a produção gráfica deste trabalho com seus sensos estéticos maravilhosos os quais tenho grande admiração.

Ao Paulo, Lu e Enzo, cujas conversas até altas horas na sala e ótima companhia contribuíram tanto para o conteúdo deste trabalho quanto para o meu bem-estar ao longo do ano. À Lari, cuja amizade e carinho ultrapassam as fronteiras geográficas e virtuais que nos separam e me acalantam até nos momentos mais estressantes. À Lu Evans, pelas risadas e conversas diárias que muito enriqueceram este trabalho e que trazem leveza ao meu cotidiano profissional. À Mariana e Marília, irmãs queridas que sempre me disseram o que eu precisava ouvir com os mais importantes conselhos. O apoio e o carinho de vocês sempre foram e serão essenciais.

Finalmente, aos meus pais, Dimas e Rose, cujo agradecimento e admiração trago de forma resumida pois senão ocuparia um livro inteiro. Sem vocês nada disso teria sido possível. Muito obrigado.

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Introdução

Introdução

A promulgação do novo Plano Diretor em 2014 e da Lei de Zoneamento em 2016 da cidade de São Paulo introduziu novas diretrizes para o desenvolvimento do município sob uma lógica de adensamento demográfico articulada ao transporte coletivo em detrimento do particular. Esses dois objetivos se fundem na formação dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU) cuja premissa de orientação do crescimento urbano é contrária ao que se pregava em legislações anteriores que configuraram São Paulo como uma cidade espraiada submissa ao transporte particular.

Para viabilizar essa transformação proposta nos eixos, incentivos e instrumentos urbanísticos foram introduzidos ao plano. No intuito de atender ao adensamento esperado, foram determinados diferentes parâmetros de uso e ocupação do solo com um maior potencial construtivo, enquanto a preocupação de prover uma urbanidade compatível com esse novo contingente populacional, estimulou-se a configuração de novos edifícios de uso misto com fachada ativa no térreo e fruição pública.

No entanto, essa nova configuração dos edifícios não é inovadora na cidade. Ao nos aproximarmos do centro histórico, notamos uma alteração na composição dos prédios e das ruas. Se na maior parte da cidade temos grandes torres residenciais isoladas no lote, repletas de equipamentos que te poupam de ir além dos muros que fortificam o terreno, os bairros mais centrais - primeiros espaços da verticalização paulistana - apresentam edifícios “que não têm medo da rua”, com uma diversidade de usos em grandes áreas construídas.

A transformação da paisagem urbana de uma cidade viva com edifícios lindeiros à calçada para ruas inteiras muradas é em forte medida fruto de legislações urbanísticas promulgadas pelo poder público que induziram a maneira como a cidade deveria ser ocupada e os seus edifícios construídos.

Essa indução refletiu diretamente na atuação dos principais agentes produtores do espaço urbano: o mercado imobiliário. Responsável pela cidade formal construída, o setor imobiliário historicamente possui uma influência de relevância nas discussões de determinação das legislações. Sua atuação no espaço alavanca o crescimento urbano adicionando novos metros quadrados em um território finito. Sendo um nicho do sistema capitalista, essas novas áreas construídas vêm com um preço - que muitas vezes não se pode pagar.

A recente produção imobiliária induzida pelo plano diretor nos eixos de estruturação configura, portanto, um novo capítulo nos produtos de incorporação imobiliária na cidade, exacerbada com grandes empreendimentos de

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Introdução

diferentes configurações, cujo resultado e consequência no território urbano passaremos a ver a partir de agora quando começaram a finalizar as primeiras obras aprovadas sob a vigência das novas leis.

O modus operandi do desenvolvimento urbano pelos que coordenam (setor público) e pelos que constroem (setor imobiliário) é alvo de diferentes críticas e interpretações que, em um primeiro momento, parecem configurar uma dicotomia entre os dois principais agentes responsáveis pela produção do espaço. No entanto, ao se aprofundar na questão, nota-se uma complexidade muito maior nas suas relações históricas que refletem na responsabilidade mútua de algumas problemáticas da maneira em que se ocupou o solo urbano.

Na minha vivência na universidade, presenciei uma polarização dessas críticas que parecem incumbir um afastamento do papel do arquiteto na atuação ativa na incorporação imobiliária, sujeito a se debruçar nas teorias de suas problemáticas e a projetar edifícios inertes às limitações das legislações urbanísticas inerentes à produção formal.

Neste ponto, a faculdade é um momento de amadurecimento das noções projetuais do arquiteto, sendo a liberdade criativa fundamental para o seu desenvolvimento de sua habilidade. Logo, compreende-se muitas vezes projetar alheio às limitações legais para possibilitar novas soluções estéticas, técnicas e espaciais. Todavia, a ausência da familiaridade do projeto sob os pretextos da lei pode acarretar uma distorção da problemática sobre a qualidade dos edifícios construídos pela incorporação cujas mazelas projetuais muitas vezes são frutos de questões legais e não mercadológicas.

Logo, enquanto na visão de muitos a relação aparenta ser completamente polarizada, a verdade é que o setor imobiliário e a gestão pública andam lado a lado entre atritos e acordos na concepção da cidade.

O presente trabalho tem como objetivo compreender como a relação dos agentes público e privado figuram o espaço da cidade com as leis elaboradas e os consequentes edifícios construídos. O afastamento do conhecimento da prática projetual na incorporação imobiliária e dos fatores econômicos na urbanização vivenciados em minha graduação serviram como ponto de partida para essa pesquisa.

Leva-se a questionar se a má qualidade urbana das últimas décadas do século XX e início do XXI em São Paulo é fruto apenas de interesses mercadológicos ou se há uma responsabilidade na maneira em que a legislação se impõe na concepção dos empreendimentos. O intuito é fomentar uma reflexão ques-

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Introdução

tionadora da dicotomia presenciada em discursos polarizados sobre a eficácia das leis e a atuação das incorporadoras no meio urbano.

O trabalho é estruturado em duas partes:

A parte I apresenta o processo histórico do desenvolvimento da cidade de São Paulo no século XX sob duas óticas. No primeiro capítulo, foca-se no histórico legislativo e nas políticas urbanas que definiram as diretrizes de crescimento e ocupação da cidade ao longo do século XX.

No capítulo II, a cronologia recomeça tendo como protagonista o processo de verticalização pela produção imobiliária subjacente às regulamentações de cada período e os produtos resultantes no espaço urbano.

Por fim, o capítulo III finaliza a primeira parte com as revisões do Plano Diretor Estratégico (PDE 2014) e da Lei de Zoneamento (LPUOS 2016) ocorridas no início dos anos 2010 e nos novos instrumentos urbanos regulamentados. O processo social e as dinâmicas ocorridas entre os diferentes segmentos da sociedade urbana para a determinação das diretrizes será o foco da leitura.

Logo, nesse capítulo, serão apresentados relatos e opiniões de entrevistados que atuam ou atuaram no setor público, acadêmico e imobiliário.

Respeitando os seus anonimatos, os trechos citados das entrevistas ao longo do trabalho terão como maneira de identificar a qual setor o respectivo entrevistado se insere por meio de cores para que se possa deixar de maneira mais clara as diferentes visões e opinões dos setores público e imobiliário nas mesmas temáticas apresentadas. Logo, as legendas dos trechos terão as seguintes identificações: Setor Público: Entrevistados 01, 02 e 03 Setor Imobiliário; Entrevistados 04, 05 e 06

Após fundamentar a relação dos agentes público e privado no espaço urbano produzido, a Parte II do trabalho aprofunda-se nos Eixos de Estruturação Urbana, utilizando o eixo da Avenida Rebouças - detentor de uma das maiores concentrações da produção imobiliária recente - como recorte de estudo.

O capítulo IV consiste em introduzir o conceito DOT (Desenvolvimento Orientado ao Transporte) e a sua relação na economia urbana revelando as maneiras como a incidência das legislações urbanas podem afetar o desempenho 12

Introdução

econômico da cidade e seus habitantes.

Uma vez compreendido o conceito urbanístico de adensamento urbano alinhado aos sistema de transporte, adentra-se na concepção dos Eixos de Estruturação Urbana (EETU) e das Zonas de Estruturação Urbana (ZEU) na elaboração do PDE 2014 e da LPUOS 2016.

No capítulo V, foca-se no recorte de estudo, o Eixo Rebouças, cuja área é um dos principais palcos da produção imobiliária paulistana recente1. Inicia-se analisando o histórico da região e a transformação decorrente dos últimos anos, verifica-se quem são os novos agentes atuantes e a sua distribuição no território. Para tanto, foi realizado um levantamento dos empreendimentos imobiliários ao longo do segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021 em que foram catalogados 68 terrenos em visitas de campo e pesquisas online.

Desses, 46 compuseram os novos lançamentos residenciais cujas características foram classificadas em três âmbitos: produto, numérico e comercial.

No capítulo VI, discorre-se no foco dos produtos imobiliários da Rebouças por meio de uma simulação de concepção projetual a fim de compreender a forma “padrão” do edifício consequente da lei e de premissas mercadológicas identificadas nos empreendimentos levantados.

No capítulo VII, faz-se uma reflexão e criam-se hipóteses sobre qual será o impacto desses projetos moldados pela lei e executados pelas incorporações no desenho urbano e na dinâmica da região da Rebouças.

Por fim, apresento minhas considerações finais sobre a relação da incorporação imobiliária e da gestão pública na produção da cidade e o papel do arquiteto dentro desse meio. Trago, também, questionamentos que emergiram ao longo do trabalho a partir dos estudos, de reflexões e das orientações com a Beatriz que, mesmo possuindo interpretações bem distintas das que apresento ao longo desse trabalho, manteve aberto o diálogo e o respeito para que eu pudesse tirar minhas próprias conclusões.

1 Para mais sobre o comparativo da produção imobiliária entre ZEUs, ler: ALBUQUERQUE; DOS SANTOS; RUFINO. “Imobiliário e Infraestruturas sob domínio de Grandes Grupos Econômicos: Financeirização e metropolização do espaço na São Paulo do Século XXI” – Projeto de Pesquisa Científica FAPESP. FAU USP, São Paulo, 2021.

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PARTE I Promoção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

1.

Setor público: o que coordena

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

1.1

Palimpsesto Urbano

Ao subirmos a Rua dos Pinheiros (Zona Oeste de São Paulo) em direção à estação de metrô Fradique Coutinho, notamos pequenas casas e antigos sobrados coloridos lado a lado nas calçadas. Algumas estão ocupadas por restaurantes, outras por lojas, bares e até salões de beleza, todos em um movimentado ir e vir de clientes. Junto a elas, simpáticos predinhos datados da década de 1950, de dois ou três andares e sem nenhum recuo, complementam a vivacidade da rua com mais lojas e padarias no seu térreo. Esse nostálgico cenário é abruptamente interrompido ao nos depararmos com uma enorme torre envidraçada que parece ter confundido o seu endereço com o da Avenida Brigadeiro Faria Lima logo ao lado. Rodeado de barreiras ajardinadas, ele destoa das fachadas vivas junto ao alinhamento da calçada dos seus vizinhos. Sua magnitude sombreia os dois prédios atrás, de diferentes décadas, mas com a mesma configuração: edifícios de apartamentos de grandes metragens, isolados no lote e fortificados com portões cujo acesso é restrito aos transeuntes.

Mais adiante, próximo à estação de metrô, um galpão em fase de demolição está cercado por tapumes com uma enorme placa sobre ele onde se lê: Futuro empreendimento. Essas placas se multiplicam ao longo do trajeto em diversos canteiros cujas obras em diferentes estágios prenunciam uma nova Fig. 1 - Rua dos Pinheiros (2021). Arquivo pessoal.

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Setor público: o que coordena

forma na paisagem a ser somada ao palimpsesto urbano característico da cidade de São Paulo.

Palimpsesto é um termo de origem grega cujo sentido literal é “aquilo que se raspa para escrever de novo”. Seu uso se referia aos antigos manuscritos em pergaminhos reaproveitados cujos vestígios do que havia sido escrito antes não são completamente apagados, compondo uma sobreposição de textos que denunciam diferentes épocas.

No urbano, o palimpsesto configura uma metáfora para as diferentes marcas do passado que compõem os edifícios, as vias e os espaços. Em uma cidade como São Paulo, marcada por sucessivas demolições e reconstruções, o palimpsesto também evidencia diferentes políticas urbanas regulamentadas por legislações que moldaram as suas diferentes formas.

Este primeiro capítulo tem como intuito realizar uma leitura exploratória do desenvolvimento urbano de São Paulo sob uma ótica das legislações urbanísticas sancionadas que definiram a forma de construir a cidade e guiar seu desenvolvimento.

Sendo o poder público detentor da decisão final para o direcionamento da dinâmica urbana, o capítulo foca nas ações da gestão pública e no papel do planejador urbano de mediar e atender aos interesses dos diferentes segmentos da sociedade para determinar as diretrizes e parâmetros de uso e ocupação do solo urbano. Dentre os três principais instrumentos responsáveis pela regulação urbanística e edilícia - o plano diretor, a lei de zoneamento e o código de obras - o trabalho focará majoritariamente nos dois primeiros.

Compreende-se, assim, como as regras norteadoras do crescimento do município entre 1880 e 2004 impactaram no espaço construído, na forma urbana e nas dinâmicas socioespaciais.

Inclui-se nesse capítulo, também, uma reflexão sobre o papel do meio acadêmico no urbanismo, uma vez que as universidades - tanto públicas quanto privadas - exercem um papel de relevância na sociedade por fomentar e democratizar o conhecimento urbano capaz de influenciar a decisão na determinação das regras urbanísticas pelo poder público.

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

1.2 Primórdios do planejamento: panorama histórico das primeiras legislações na forma urbana paulistana

O avanço de São Paulo para além do Triângulo2 marca a expansão de uma cidade que consolidava seu papel de centro econômico do ciclo do café no final do século XIX. Esse período remete às primeiras intervenções de reformas dos espaços públicos (VILLA, 2020) e registra a primeira legislação urbanística da cidade. O Código de Posturas e Padrão Municipal, sistematizado em 1886 (BARBOSA, 2001), regulava a abertura de novos loteamentos, vias, alinhamento e demarcação de propriedade e edifícios em geral (LEITE, 2006). No quesito das regras edilícias, Júnior (2008) destaca: Gabarito máximo: 17m;

Edifícios no alinhamento frontal do lote, compulsoriamente;

Dimensões mínimas para portas, janelas, soalhos e saliências3

Este momento inicial dos instrumentos urbanísticos resume-se majoritariamente às questões edilícias, preocupados em estruturar e “embelezar” a cidade em ascensão. Junto à atenção estética também se formulou a restrição socioespacial. O Código Sanitário do Estado de São Paulo (1894) configurou um primeiro passo para o problema institucional da segregação social ao restringir a ocupação da área central com cortiços, empurrando a população de baixa renda para as bordas da cidade desde o início da fase desenvolvimentista paulistana.

Essa tendência de ocupação periférica pela população de baixa renda (ROLNIK, 1997 apud BARBOSA, 2006) acompanhará a dinâmica de crescimento da capital ao longo de todo o século XX, configurando “um vergonho fardo urbanístico legado à cidade, irrecuperável em muitos aspectos” (SZMRECSÁNYI, 2004).

O fomento da expansão urbana com a chegada de linhas de bonde e da eletricidade na virada do século marcou o momento da Belle Époque paulistana ligada ao urbanismo europeu. Júnior (2008) ressalta que a cultura urbanística vigente entre engenheiros brasileiros compunha uma preocupação com o resultado estético, consolidada na criação de uma comissão de estética da prefeitura responsável em aprovar alvarás de construção mediante cumprimento dos critérios plásticos predominantes àquele período.

Fortemente influenciada pela identidade visual das cidades europeias e pela euforia das novas tecnologias de transporte, a estreita relação entre for2 O “Triângulo” era considerado o embrião de São Paulo; as ruas XV de Novembro, São Bento e Direita marcam o começo do centro velho e estão presentes desde a fundação da cidade (VILLA, 2020, p. 54) 3

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Saliências: embasamento, sacadas, balcões e cornijas

Setor público: o que coordena

ma urbana e sistema de mobilidade culminou em intervenções urbanísticas no Anhangabaú e arredores de notável eficácia espacial e plástica (VILLA, 2020). A renovação da rua Líbero Badaró - concedida à iniciativa privada da Companhia Light - englobava uma nova linha de bonde incorporada ao sistema viário, integrando nos desenhos da calçada, do pavimento, da drenagem, da iluminação Fig. 2 - Vista do centro da cidade de São Paulo a partir do Vale do Anhangabaú, início do século XX. Sem data.

Fonte: Arquivo Nacional. Fundo Fotografias Avulsas.

e do mobiliário urbano (ANELLI, 2007). A preocupação com o desenho urbano paulistano consagrou, em 1907, o primeiro projeto de remodelação urbana de grande escala protagonizado pelo Poder Municipal no centro da cidade (VILLA, 2020). Até então, a ação do poder público se restringia às melhorias de vias e pontuais reformas espaciais, ficando as obras de maior porte concedida à iniciativa privada (ANELLI, 2007). A promissora Paulicéia torna-se um dos palcos

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

cenográficos para a europeização da estética urbana sul-americana. Em uma viagem ao Brasil, o ex-presidente do conselho francês Georges Clemenceau registrou: “A cidade de São Paulo é tão curiosamente francesa em certos aspectos que, ao longo de toda uma semana, eu não me recordo de ter tido a sensação de que eu estava no exterior” (SEVCENKO, 1992, p. 117 apud VILLA, 2020, p.66).

Todavia, é evidente que essa expansão de melhorias urbanas se deu de maneira desigual, restringindo-se apenas aos espaços destinados à circulação e usufruto de uma elite. (ANELLI, 2007; VILLA, 2020)

Em 1929, elabora-se o Código de Obras Arthur Saboya4, responsável por compilar leis antecessoras específicas de edificações. A comissão estética é mantida, mas seu critério restritivo é aplacado com uma maior liberdade da concepção de estilos arquitetônicos e decorativos (JÚNIOR, 2008). O código também manteve as diretrizes de gabarito determinadas pela Lei 2.332 de 1920, que trouxe uma relevante característica para a concepção projetual no período de sua vigência impondo as seguintes normas à altura dos edifícios:

Vias com largura L > 12m: Hmax = 3 x L Vias com largura 9 < L < 12m: Hmax = 2,5 x L Vias com largura L < 9m: Hmax = 5m

De 1881 a 1930, a área urbana paulistana cresceu 61 vezes (JÚNIOR, 2008), trazendo consigo problemas de trânsito e de organização espacial. Concomitante à elaboração do código de obras, foi criada uma Comissão para estudar o Zoneamento da cidade preocupada com o planejamento geral (BARBOSA, 2001).

A consolidação do Código de Obras em 1934 (WOLFF, 2001 apud LEITE, 2006) radicou este feito, dividindo a cidade em quatro zonas - central, urbana, suburbana e rural - que, apesar de genéricas, configuraram uma primeira leitura de zoneamento da promissora metrópole.

Além disso, o Artigo 405 incorporou e instituiu os bairros de elite estritamente residenciais loteados pela Companhia City6 no início do século XX. 4

Lei nº 3.427, de 19 de novembro de 1929

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Ato Prefeito - Pref nº 663 de 10 de agosto de 1934

6 A preservação do caráter estritamente residencial horizontal dos bairros da Cia. City se respaldava até então nas restrições presentes nos contratos dos loteamentos que estabeleciam diretrizes restritivas de uso e ocupação do solo em prol da qualidade urbanística dos bairros. Posteriormente, essas restrições foram incorporadas em sua maioria à legislação oficial. (BARBOSA, 2006, p. 184)

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Setor público: o que coordena

Segundo Pereira Leite (2006), “(...) ao mesmo tempo em que estabeleciam um parâmetro de qualidade, ao restringir habitações coletivas e comércio em vários bairros e ruas, também reduziam a oferta de terra e, consequentemente, de moradia, especialmente na porção Sudoeste” (p.78)

Esse primeiro momento do planejamento urbano de São Paulo culminou no projeto de sistema viário estrutural do Plano de Avenidas, determinante para o desenvolvimento da cidade nas décadas seguintes. Elaborado e proposto Fig. 3 - Esquema teórico do Plano de Avenidas, segundo Prestes Maia [TOLEDO, op. cit.]

Fonte: Vitruvius

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

por Francisco Prestes Maia e João Florence Ulhôa Cintra, o plano consistia em criar um sistema de anéis viários concêntricos com vias radiais radiocêntricas que direcionariam a expansão da urbe nos quatro pontos cardeais. Já influenciada por uma ótica de urbanismo americano em detrimento da europeia (ANELLI, 2007; NAKANO; GUATELLA, 2016; VILLA, 2020), a proposta de Prestes Maia priorizou o uso do automóvel sobre o transporte público para desafogar o trânsito no centro da cidade. Apesar de solucionar esse problema num primeiro momento, essa decisão resultou no sobrecarregamento precoce do sistema por conta do exponencial crescimento da frota de veículos particulares. Para Szmrecsányi (2004), a cultura automobilística do paulistano constituirá o carro como um objeto de desejo para o fluir-fruir na cidade e uma condenação, coletivamente assinada, da própria vida urbana.

O modelo de cidade radioconcêntrica de um centro vertical denso e extensão horizontal demograficamente rarefeita somou-se a uma periferia irregular que se estendia quase que aleatoriamente pelo território sem infraestrutura. Apesar de problemático, o modelo sobreviverá até a década de 1960 (ANELLI, 2007).

A expansão da cidade e a intensificação da industrialização paulista suscitaram novas discussões sobre a legislação (LEITE, 2006) na pauta urbana.

Com referência explícita ao modelo de zoneamento desenvolvido nos Estados Unidos (FELDMAN, 2005 apud NAKANO e GUATELLA, 2016), cresce um movimento a favor de um zoneamento convencional7 encabeçado por engenheiros e arquitetos urbanistas tais como Anhaia Mello, Vitor da Silva Freire, Ulhôa Cintra, Carlos Lodi e o próprio Prestes Maia (NAKANO e GUATELLA, 2016). Em 1934, surge a Sociedade dos Amigos da Cidade (SAC) a qual, segundo Barbosa (2001), configura-se como antecessora das sociedades amigos de bairros das décadas seguintes8. No ano seguinte, foi a vez da criação da Sociedade Amigos da Cidade 7 O “zoneamento convencional” paulistano foi pautado no “zoning” norte-americano, originado por teóricos alemães do século XIX para designar diferentes tipos usos no solo urbano e regular a ocupação do mesmo com diferentes mecanismos para as áreas da cidade mais consolidada e outros para as áreas de subúrbio. Segundo Feldman (1997), é importante esclarecer que a experiência do zoning norte-americano difere dos seus originários da Alemanha. Nakano e Guatella (2016) ressaltam que, segundo a urbanista Emily Talen (2012) “os propósitos subjacentes, de cunho excludente, presentes em normas urbanísticas que regulam custos mínimos de construção e exigem grandes recuos.

Tais normas buscavam manterá a área residencial socialmente homogênea, livre de intrusos e acessível somente pela população branca e com alto poder aquisitivo. (TALEN, 2012, p.21 apud NAKANO e GUATELLA, 2016 p. 145). Em São Paulo, isso se dará principalmente em torno da proteção dos bairros de elite da Cia City legalmente resguardados nas diretrizes de uso e ocupação do solo da cidade.

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De acordo com publicação do Governo do Estado ‘O poder em São Paulo’ (PMSP, 1992 p. 61)

Setor público: o que coordena

de São Paulo, tornando as questões urbanísticas suprapartidárias (LEITE, 2006).

A partir da década de 1940, a maior receptividade da proposta de zoneamento como meio para a ordenação do desenvolvimento da cidade consolida as intenções do ex-prefeito Anhaia Mello de difundir as propostas do urbanismo norte-americano em São Paulo (ANELLI, 2007). Os ideais daqueles que defendiam o zoneamento convencional eram envoltos por uma feição de devoção à cidade, alinhado com a ideia de que as comunidades deveriam ter o direito de proteger-se contra a poluição, a cobiça e a especulação imobiliária (NAKANO e GUATELLA, 2016) a fim de preservar os subúrbios contra um excessivo adensamento.

Essa movimentação passou a ser formalmente defendida por entidades da sociedade de grande influência e poder político (LEITE, 2006) principalmente em relação aos loteamentos horizontais onde a elite residia9. Essa primazia em defesa da qualidade urbanística dos subúrbios se mantivera praticamente imutável nas políticas urbanas da Paulicéia. Todavia, à medida em que a cidade crescia, o que antes eram bairros afastados da aglomeração urbana tornaram-se parte da malha da cidade dotada de boa infraestrutura e serviços (FUNARI, 2016). O caráter suburbano em meio às regalias da urbe consolidada reforça a afirmação de Barbosa (2001) de que a classe dominante se apropria dos frutos da urbanização, e o principal fruto é o tempo. Assim, a economia de tempo despendido nos deslocamentos urbanos é uma vantagem desejada pelas classes dominantes (LEITE, 2006, p.79).

Esse padrão de ocupação das classes de mais alta renda na forma de uma semi coroa em torno do centro (FUNARI, 2016) no sentido do Rio Pinheiros permanecerá em todo o desenvolvimento da capital paulista, configurando o que foi chamado de Quadrante Sudoeste por Villaça (2001). Composto por 21 dos 96 distritos, a região que ocupa 14% da área do município (211,8 km²) concentra 49,1% dos postos de trabalho (IBGE, 2010).

Apesar de se debruçar fortemente na especificação e designação de usos, o zoneamento convencional despreocupou-se com a qualidade das configurações espaciais geradas pela aplicação das normas e parâmetros de uso e ocupação do solo (NAKANO e GUATELLA, 2016). A pouca ênfase em aspectos

9 Dentre os diversos loteamentos horizontais configurados como bairros-jardins e voltados para as classes de maior poder aquisitivo, destacam-se: Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulistano, Pacaembu, Alto da Lapa, Alto de Pinheiros, Butantã, Morumbi e Cidade-Jardim, todos localizados na região Sudoeste da cidade.

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

Fig. 4 - Vista aérea parcial do Quadrante Sudoeste. Destacam-se os bairros horizontais de baixa densidade do Jardins (em primeiro plano) e o Pacaembu (em segundo plano) emoldurados por bairros verticais que concentram a maior oferta de empregos, serviços e infraestrutura da cidade.

Fonte: Google Earth

relacionados com a forma urbana no zoneamento paulistano é apontando por Feldman (2005): “Zonas e tipologias de construções passam a diferenciar-se e separar-se, e tornam-se a base para a constituição de um plano de distribuição funcional.

A terminologia passa, segundo o autor (Franco Mancuso), a ser a de ‘plano de utilização do solo’ ou ‘plano de distribuição de superfícies’, e as diferentes áreas da cidade – as zonas – não mais se identificam por edifícios, praças, monumentos, ou por uma relação entre construções e áreas não edificadas, ou mesmo pelo projeto viário (...), mas única e exclusivamente pelas funções.

A cidade passa a ser dividida em parcelas que se denominam pelas funções predominantes: comercial, residencial, industrial, consubstanciando um código que contém, em termos quantitativos, todos os elementos reguladores do uso e ocupação do solo” (p. 121)

A crescente das discussões urbanísticas com a criação dos Departamentos de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) e de Urbanismo na Secretaria de Obras da prefeitura em 1947 culminou, segundo Anelli (2007), na contribuição dos arquitetos no debate social e urbanístico e não apenas nos

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Setor público: o que coordena

temas intrínsecos da arquitetura.

Neste período, o evidente esgotamento do sistema viário sobrecarregado demandou uma busca da prefeitura por alternativas de melhoria da estrutura urbana. Em 1949, Robert Moses, proeminente engenheiro e planejador urbano norte-americano responsável por diversas obras viárias que devastaram grandes setores consolidados da cidade de Nova York10 em prol das freeways11 (ANELLI, 2007), foi contratado para realizar uma proposta de um Plano de Melhoramentos Públicos para São Paulo.

Além de um sistema de parques e da modernização do transporte público, Moses propôs, a partir do sistema viário existente do Plano de Avenidas, um modelo de rodovias urbanas que consistia na conexão de um extenso subúrbio horizontal com o centro da cidade (ANELLI, 2007; SATO e BERNARDINI, 2018), reiterando um modelo de espraiamento urbano pouco adensado presente nos subúrbios americanos.

Apesar de apresentada à prefeitura, o plano de Moses nunca saiu do papel. Em 1956, o “Anteprojeto de um Sistema de Transporte Rápido Metropolitano” realizado por Prestes Maia desenvolveu uma proposta para dar vazão ao tráfego intensificado, revelando uma premissa de rede metrô na cidade. Todavia, o projeto manteve a prioridade na extensão do seu Plano de Avenidas compondo o segundo anel perimetral que desafogaria o centro da cidade. “Ainda que o projeto não fosse implantado dessa forma, a submissão dos espaços abertos públicos, como no Parque Dom Pedro II e na Praça Roosevelt ao cruzamento por um sistema de vias em vários níveis seria efetivada na década seguinte, tornando-se modelo recorrente para outras áreas públicas abertas da cidade” (ANELLI, 2007).

Em 1957, é promulgada a Lei Nº 5.261 responsável por estabelecer, pela primeira vez, “coeficiente de aproveitamento de lotes, densidade demográfica, área mínima de lote por habitação e área mínima de espaços livres”12, dando 10 Moses ficou conhecido por priorizar o automóvel particular no planejamento urbano de Nova York, propondo e erguendo vias expressas e pontes que rasgaram trechos da malha urbana da cidade. Seu cunho rodoviarista resultou em polêmicas urbanísticas ao longo das décadas de 1940 a 1960, sendo diversas vezes confrontado pela jornalista e ativista urbana Jane Jacobs. Robert Moses. The New York Preservation Archive Project (NYPAP). Disponível em: https://www.nypap.org/preservation-history/robert-moses/. Acessado em 17 de julho de 2021.

11

Vias expressas sem cruzamentos

12

Trecho retirado das disposições da Lei Nº 5.261, de 4 de julho de 1957

27

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

outras providências. Destacam-se para esse trabalho os seguintes parâmetros criados:

Coeficiente de Aproveitamento (CA)13:

CA: 6 (edifícios comerciais)

CA: 4 (edifícios de habitação coletiva)

Cota Parte mínima14: 35m² / unidade habitacional

Densidade residencial líquida máxima: 600 hab/ha (60.000 hab/km²)

Taxa de Ocupação (T.O.): regia em cada lote a taxa que foi fixada

quando da aprovação do plano do seu loteamento

Mantidas as atuais exigências e restrições do Código de Obras, a lei de 1957 marcou um momento de decrescimento da possibilidade de verticalização da cidade (SOMEKH, 1987 apud RUFINO, 2018). Vigente por um curto período, a lei foi revogada em 1966, em uma década marcada pela formalização do primeiro plano urbanístico de caráter abrangente da cidade pela prefeitura, o Plano Urbanístico Básico (PUB).

Usando como referência um minucioso estudo de compreensão da cidade de São Paulo realizado em 1958 por Louis Joseph Lebret, o então prefeito Faria Lima criou o Grupo Executivo do Planejamento (GEP) responsável pela concepção do plano. A partir de quatro diferentes conceitos de estruturação urbana, realizaram-se diversos ensaios e estudos com modelos de uso do solo que seriam testados junto às alternativas do sistema de transporte em associação Fig. 5- Esquemas conceituais para a estrutura metropolitana.

Centro de atividades diversificadas Área de intenso desenvolvimento

Área de menor intensidade de desenvolvimento Corredor de atividades Múltiplas

Eixo de trânsito rápido

Fonte: PMSP, 1968 13

Neste cálculo, ficavam isentas de computo as áreas destinadas às garagens do edifício

14 Termo utilizado apenas para fins de comparação com o atual instrumento urbanístico.

Este termo não é apresentado na Lei Nº 5.261 28

Setor público: o que coordena

a um sistema de vias reticulares (SATO e BERNARDINI, 2018, p.39).

O resultado consistiu em uma estrutura urbana mista de uma cidade polinuclear conectada por corredores com concentração de atividades. Essa organização estrutural se daria por meio de dois sistemas viários sendo uma malha ortogonal de vias expressas e uma rede de transporte de massa. A maneira como isso se estruturou e a relevância do plano para as diretrizes urbanísticas de 2014 serão detalhadas mais adiante (ANELLI, 2007; SATO e BERNARDINI, 2018).

Apesar de concluído e bem detalhado, o PUB nunca fora efetivamente implementado. Por questões políticas, foi elaborado um novo plano na gestão do Prefeito Paulo Maluf e implantado no mandato seguinte de Figueiredo Ferraz, cuja frase “São Paulo precisa parar” eternizada pela mídia marcou um antagonismo com o slogan enfático desenvolvimentista da cidade 17 anos antes “A cidade que mais cresce no mundo”. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) aprovado em 1971 e, principalmente, a Lei de Zoneamento do ano seguinte, reformularam a lógica de crescimento urbano proposta no PUB, configurando uma São Paulo que esvazia seu centro de forma institucionalizada ao mesmo tempo em que se espraia desorganizadamente em periferias ultra adensadas. As consequências dessa lei na forma urbana paulista e os efeitos negativos na vida da cidade (NAKANO e GUATELLA; 2016, p.146) serão discutidos no próximo capítulo.

Fig. 6 - Estrutura urbana recomendada pelo PUB.

Fonte: PMSP, 1968.

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

1.3 A cidade se espalha

A Lei Geral de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do solo de 1972 (Lei Municipal Nº 7.805/72) marca a primeira lei de zoneamento que abrange toda a cidade de São Paulo. Sua estrutura se sobrepôs ao PDDI, introduzindo parâmetros e diretrizes de maneira mais rigorosa para todo o município (BARBOSA, 2001; LEITE, 2006) e apresentou um descompasso com a proposta de adensamento estrutural previsto no PUB (SATO e BERNARDINI, 2018), num momento em que São Paulo se posicionava entre as 10 maiores cidades do mundo (DEDECCA, 2004).

Atuando no sentido oposto à cidade compacta, a expansão horizontal que já vinha ocorrendo com o acelerado crescimento da cidade acentuou os problemas de desigualdade social à medida em que a maior parte da população foi se concentrando em regiões menos dotadas de infraestrutura, urbanização, transportes, equipamentos e empregos. O desequilíbrio na relação morador-trabalho gera mais deslocamento, sobrecarregando o sistema viário e os transportes coletivos (BONDUKI, 2004). Calcula-se que, em 1966, se um trabalhador tomasse quatro vezes o ônibus por dia, ele desembolsaria mensalmente o equivalente a 18% do salário-mínimo em vigor (SINGER, 2004, p. 199)

Essa estruturação urbana, portanto, se mostrou ilógica do ponto de vista urbanístico e antieconômico para o poder público (BONDUKI, 2004) e seus habitantes.

Elaborada a partir das definições conceituais discutidas na formulação do PDDI, a Lei de 72 dividiu a cidade em oito zonas distintas, numeradas de Z1 a Z8, cada qual com diferentes parâmetros de uso e ocupação do solo. A taxa de ocupação oscilava de 0,5-0,8, enquanto o coeficiente de aproveitamento máximo poderia chegar até 3,5 – reduzindo quase pela metade o potencial construtivo máximo vigente até então15. A distribuição desses parâmetros se deu na forma de “bolsões” reservados à verticalização em meio a uma cidade majoritariamente destinada a uma baixa densidade populacional (LEITE, 2001).

As diretrizes das oito zonas premeditadas e a sua distribuição pelo território se deram da seguinte maneira:

15

30

CAmáx = 6,0

Setor público: o que coordena

Fig. 7 - mapa simplificado do zoneamento do Município de São Paulo.

Z1 Z2 Z3

ZONAS DE USO

T.O.

Z1 - uso estritamente residencial Z2 - uso predominante residencial Z3 - uso predominante residencial Z4 - uso misto Z5 - uso misto Z6 - uso predominante industrial Z7 - uso estritamente industrial Z8 - usos especiais

0,5 0,5 0,5 0,7 0,8 0,7 0,5 *

Z4 Z5

Z6 Z8 Z7 não demarcado

C.A. 1 1 2 3 4 2 1 *

*estabelecidos para cada uso específico

Fonte: Lei nº 7.805, de 1º de novembro de 1972

Ao longo dos seus 32 anos de vigência, 11 novas zonas foram inseridas assim como novos usos introduzidos. Ao analisarmos o mapa, vemos que a distribuição desigual de zonas não só sustentou o já existente status quo histórico da distribuição de renda da cidade concentrado no vetor sudoeste (ROLNIK, 2003 apud CARVALHO, 2008), como também orientou uma produção imobiliária pulverizada pelo território. As peculiaridades do mapa que sustentam esses argumentos podem ser ressaltadas pelos seguintes pontos:

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

- A diversificação de zonas na região sudoeste revela uma maior preocupação por parte do zoneamento em atender as demandas e os interesses da área mais consolidada da cidade em detrimento de uma periferia urbana generalizada que nitidamente necessitava de mais atenção. Segundo Carvalho (2008), quase 90% do potencial construtivo de São Paulo acabou se estabelecendo nessa área sendo, portanto, uma região com maior capacidade de atrair investimentos e melhoramentos. Não coincidentemente, o Quadrante Sudoeste tornou-se a região mais valorizada da cidade;

- Também nesta área se concentra quase a totalidade das Z1, cujas normas urbanísticas determinadas no seu loteamento pela Cia City no início do século foram incorporadas à lei. As características de ocupação do solo determinadas possibilitavam somente uma ocupação de alta renda que tinha capacidade para se adequar (CARVALHO, 2008, p.48). Apesar do seu baixo potencial construtivo, essas áreas usufruem da infraestrutura, serviço e comércio proveniente das áreas adjacentes de maiores densidades e diversidades de ocupação. Logo, a legislação urbana tem um papel decisivo na valorização de um loteamento ao definir para ele usos e formas de ocupação mais restritiva (CARVALHO, 2008);

Neste ponto, destacam-se as associações de bairro que tiveram um papel fundamental nessa definição. As reivindicações dessas associações16, algumas das quais legítimas para manter uma qualidade de vida urbana, tornam-se problemáticas quando se leva em consideração a defesa de baixa ocupação (densidades construtivas e demográficas) em grandes porções do território tão bem localizadas e estruturadas diante a da continuada reprodução de situações críticas de periferização da cidade, acarretando problemas sociais, econômicos e ambientais.

Uma matéria do jornal O Estado de São Paulo durante a revisão da Lei em 1973 retrata bem o posicionamento dessas associações contrárias às mudanças da dinâmica urbana e a sua influência midiática. Por conta de um aumento da vocação comercial de algumas vias da região dos Jardins, a prefeitura estabeleceu os Corredores de Uso Especial (enquadrados nas Z8 previstas pela lei) para liberar outros usos além do residencial nesses trechos.

16 Em 1983, as associações consolidaram o Movimento Defenda São Paulo, responsável por representar os interesses desses grupos na organização política do território. Apesar de constar diferentes bairros na sua organização, o movimento representa precipuamente os bairros exclusivamente residenciais de média-alta e alta renda, cujo peso político e influência socioeconômica sustentam as reivindicações apontadas nesse trabalho.

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“Essa contínua invasão do comércio, que alterou o caráter estritamente residencial ali observado ao longo de decênios, é o primeiro reflexo da Lei do Zoneamento, segundo os seus moradores. Os próximos serão a ‘poluição urbana’ e a edificação de apartamentos, destruindo bairros que têm até mesmo um significado turístico, por representarem o que de mais autêntico existia em matéria de urbanismo residencial na cidade de São Paulo.” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 04/04/1973)

O posicionamento não só era contrário à mistura de usos no bairro como também ao seu adensamento (construtivo e demográfico) possibilitado pela lei ao viabilizar o desmembramento dos grandes lotes da Cia. City para abrigar até duas construções. Segundo a matéria: “A depreciação que isso representará para os moradores que já construíram suas casas nessas avenidas pode ser facilmente avaliada. Alguns corretores de imóveis preveem uma grande procura de lotes pequenos, por serem mais baratos. Com isso, as casas já construídas serão desvalorizadas” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 04/04/1973)

Em janeiro de 2021, o preço médio do metro quadrado do Jardim Paulistano e do Jardim Europa era de, respectivamente, R$16.142 e R$15.792, configurando o terceiro e o quinto mais caro da cidade. (Índice FipeZap, 2021)

- Quase 70% do território remanescente se configura como Z2 (LEITE, 2001; CARVALHO, 2008) com baixo potencial construtivo. Os respingos de Z3 e Z4 espalhados pelas regiões ao longo das vias expressas tracejadas no mapa configuram, portanto, um espraiamento da produção imobiliária em bolsões de verticalização perante uma cidade de baixa densidade. Rufino (2018) também afirma que a intensificação da construção fora das áreas centrais passou a acontecer de maneira mais dispersa a partir da aplicação do Zoneamento.

- Apesar da dispersão da verticalização pelo território, a presença da zona de maior potencial construtivo Z5 somente no centro histórico e na Avenida Paulista (que passava por um processo de transformação em centro financeiro) reforçava o modelo monocêntrico da cidade de concentração de comércio e serviços em um restrito raio de abrangência na mancha urbana.

As consequências do desestímulo ao adensamento construtivo na área consolidada da cidade refletiram no seu adensamento populacional. Enquanto a taxa de crescimento da densidade demográfica de 71% dos bairros que

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

compõem o Quadrante Sudoeste ficou abaixo de 50% entre 1970-2010, nas periferias o adensamento atingiu valores estratosféricos superiores a 1000% em alguns casos (IBGE,1970,2010).

Tabela 1 - Variação da densidade demográfica nos distritos de São Paulo.

Z ZO ZO ZC ZC ZO ZO ZC ZC ZO ZO ZS ZS ZS ZS ZS ZS ZO ZO ZS ZO ZL ZO ZS ZN ZS ZL ZS ZL ZL ZS ZL ZS ZS ZL ZS ZN ZL ZS ZS ZL ZS ZN ZL

Unidades Territoriais Pinheiros Lapa Consolação Liberdade Alto de Pinheiros Jardim Paulista Santa Cecília Bela Vista Itaim Bibi Perdizes Vila Mariana Campo Belo Saúde Santo Amaro Moema Jabaquara Butantã Morumbi Campo Grande Vila Sônia Vila Jacuí Raposo Tavares Jardim São Luís Perus Campo Limpo Itaim Paulista Marsilac Guaianases Parque do Carmo Cidade Dutra São Rafael Pedreira Capão Redondo Lajeado Jardim Ângela Jaraguá Iguatemi Grajaú Vila Andrade José Bonifácio Parelheiros Anhanguera Cidade Tiradentes

Unidades Territoriais

Densidade (hab/km²) Década 1970 Década 2010 9637 8171 7098 6574 15150 14341 18334 17716 5789 5600 14926 14540 22453 22626 4793 5145 8578 9351 16319 18223 12862 14498 6018 7472 3957 4935 3162 4587 7451 10827 10054 15871 2523 4336 1642 4119 2655 7688 3245 10954 5191 18490 2170 7950 2959 10845 871 3355 4262 16513 4593 18673 10 41 2928 12093 1072 4432 1542 6702 2481 10908 1664 7717 4210 19759 3758 17882 1285 7899 1070 6696 797 6513 475 3922 1174 12332 802 8803 76 855 79 1978 286 14100

Taxa de crescimento (%) 1970 - 2010 -15% -7% -5% -3% -3% -3% 1% 7% 9% 12% 13% 24% 25% 45% 45% 58% 72% 151% 190% 238% 256% 266% 266% 285% 287% 307% 309% 313% 313% 335% 340% 364% 369% 376% 515% 526% 717% 726% 951% 997% 1026% 2408% 4823%

DADOS MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 1970 2010

MSP 3926 7458 Quadrante Sudoeste Elaboração do conteúdo pelo

autor.

Elaboração gráfica: Gabriela Momberg.

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70-10 90%

101 - 250% > 1000%

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Entende-se, portanto, que o planejamento urbano em voga na cidade de São Paulo nesse período tratou por verticalizar regiões de maior concentração de renda constituindo bairros pouco adensados demograficamente com alto valor do metro quadrado. Para o urbanista Alain Bertaud (2008), num ponto de vista econômico-urbano, “Os Planos diretores restringem o CA máximo em lotes privados de maneiras diferentes, dependendo da localização. No entanto, por alguma razão, os planos nunca agregam o impacto geral desses regulamentos detalhados sobre a demanda total por terra. (...)

As decisões das famílias sobre o consumo de terra e espaço físico são baseadas em preços e localizações, que se baseiam na oferta e demanda, cujas variações são determinadas pelo mercado. A área do espaço que uma família consome depende da sua renda (lado da demanda), do preço do metro quadrado e do custo de deslocamento (lado da oferta). O equilíbrio entre a oferta e a demanda do espaço físico evolui ao longo do tempo e não pode depender da escolha do projeto de um planejador urbano bem-intencionado.” (Tradução livre)

De fato, outros fatores contribuem para o aumento do preço do solo, dentre os quais a oferta de serviços. Como veremos mais adiante, o PDDI e a Lei de 72 praticamente erradicaram o uso misto e a fachada ativa na cidade. Como a produção do terceiro setor é composta por bens imateriais – o serviço em si – os consumidores têm de usufruí-los no lugar em que são produzidos. Logo, os locais onde há concentração de serviços tendem a ser caros e os preços dos serviços, geralmente, incorporam os custos de localização, por maiores que sejam (SINGER, 2004).

Sendo assim, impossibilitados de ocupar os pólos de concentração de serviço mediante o alto valor do terreno e do custo de vida – onde justamente se concentrou a produção imobiliária formal com habitações mais caras – a periferização e favelização da cidade se acentuou drasticamente. Se, em 1973 a população nas favelas representava 1,1%, estima-se que essa parcela tenha chegado a 11,12% da população no ano 2000 (BONDUKI, 2004).

A crescente desigualdade culminou no surgimento de movimentos sociais a partir da segunda metade dos anos de 1970. Ao longo da década seguinte, esses movimentos se ampliaram, fazendo emergir as primeiras reivindicações por um programa de política habitacional que fora finalmente implementada no

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

início dos anos de 199017. (BONDUKI, 2004)

Em 2002, a participação popular no novo Plano Diretor Estratégico de 18 2002 (PDE/2002) e na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 200419 (LPUOS/2004) favoreceu a introdução das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nas diretrizes da cidade. Políticas de qualificação e reurbanização de favelas também foram inseridas na agenda urbana.

No entanto, as novas legislações apresentavam uma dicotomia nas suas diretrizes. Ao mesmo tempo em que se promoviam novas frentes sociais de combate à desigualdade, o PDE 2002 também manteve a premissa de preservar os bairros estritamente residenciais na região sudoeste contra o adensamento construtivo e restringir a produção imobiliária nas áreas já consolidadas para incentivar o investimento do mercado em outros locais da cidade. (BONDUKI, 2004).

Para tanto, visou-se desestimular a produção imobiliária na área de maior interesse do mercado por meio do encarecimento da outorga onerosa20 (BONDUKI, 2004). Todavia, essas áreas de interesse eram justamente as mais providas de serviços, equipamentos e infraestrutura além de um maior potencial construtivo. Logo, a intensão prevista nesse desestímulo se mostrou ineficaz tendo em vista que a outorga não restringiu a produção imobiliária nessas áreas.

Além disso, a proposta de migrar os focos de investimentos pela cidade resultou não em uma dispersão, mas sim na sua concentração em algumas áreas adjacentes às já consolidadas. Esses espaços, destinados às Operações Urbanas21 - consagradas nesse plano – configuraram novos locais com alto valor do metro quadrado, conforme veremos mais adiante.

17

Programa Municipal de Habitação

18

Lei Municipal 13.430/2002 de 13 de setembro de 2002

19

Lei Municipal 13.885/2004 de 24 de agosto de 2004

20 A Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) consiste em uma taxação sobre a área construída excedente ao CA básico previsto pela prefeitura. Este instrumento será mais bem explicado no capítulo 2.4 “Sistema financeiro e novos agentes” 21 A Operação Urbana é uma política de melhorias urbanas que será mais bem explicada no capítulo 2.4 “Sistema Financeiro e novos agentes”

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1.4 A Cidade Paliteiro

Além da distribuição de usos pelo território, que manteve o status quo dos bairros de elite e o espraiamento de uma cidade pouco adensada, a Lei de 72 acrescentou no ano seguinte um mecanismo determinante da forma urbana paulistana, que levara o nome do coordenador responsável pela sua elaboração: a Fórmula de Adiron.

Benjamin Adiron Ribeiro, urbanista e servidor público de carreira, esteve presente na gestão urbana paulistana desde a década de 50. Foi responsável não só pela coordenação da elaboração do PUB como também pela concepção do PDDI e da Lei de zoneamento de 72. Em entrevista realizada para o trabalho de mestrado de Carvalho (2008), Adiron explica que a fórmula surgiu de uma negociação com o setor imobiliário – representado pelo SECOVI – com o intuito de ampliar o potencial construtivo que havia sido limitado em 3,5 pela sua equipe por conta da “liberdade muito grande” existente até então.

“Nós havíamos estabelecidos, você que conhece a lei 7805, nós havíamos estabelecido, num Quadro 2, quais eram as taxas de ocupação dos terrenos permitidos em cada zona, e quais os coeficientes de aproveitamento permitidos em cada zona, que eram relativamente rigorosos em face da liberdade que existia até então. Até então a liberdade era muito grande.”

Recorte da entrevista concedida por Benjamin Adiron para Jorge Pessoa de Carvalho em 08 de novembro de 2007

Visando ampliar os ganhos imobiliários por meio do aumento do coeficiente de aproveitamento, o SECOVI propôs, em um primeiro momento, a possibilidade de pagar uma taxa à prefeitura para a obtenção de um potencial construtivo extra - uma lógica que se assemelha à Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) introduzida alguns anos depois na década de 1990 – mas que, inexistente naquele momento, foi negada por Adiron. Em contrapartida, o urbanista propôs que a negociação se desse em volta da taxa de ocupação, visando uma lógica sanitarista de garantir ventilação e insolação no entorno de uma edificação de maiores dimensões.

“Eles [SECOVI] me vieram com a seguinte proposta: “Escuta, nós não podíamos, através de uma negociação, quem sabe pagando taxas extras ou coisa assim, nós não podíamos obter um coeficiente melhor? Eu ouvi essa proposta e disse: “Não! Não podemos, não podemos! Mas se vocês quiserem negociar outra coisa eu aceito a negociação. Vocês têm aqui nesse quadro 2, na proposta de lei, a taxa de ocupação, que a meu ver é generosa, e não difere muito

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

daquilo que é permitido no Código de Obras. Então vamos negociar isso, não vamos negociar vocês pagarem uma taxa por fora para obter um coeficiente maior, porque isso aí vira negociata, deixa de ser negociação e vira negociata!

Vamos negociar a taxa de ocupação? Então vamos. Então começamos a negociar e levamos eu diria um mês, debatendo em torno da taxa de ocupação.”22 Recorte da entrevista concedida por Benjamin Adiron para Jorge Pessoa de Carvalho em 08 de novembro de 2007

A fórmula funcionava numa proporção inversa entre TO e CA. Dessa maneira, quanto menos se ocupava o terreno, mais se poderia construir. Logo, para um lote de 1000m² com CA = 2,5, potencial poderia se chegar a 4 caso ocupação se reduzisse para 20% da área do terreno. Esse cálculo se apresentava da seguinte maneira: Equação 1 - Tabela demonstrativa da aplicação da fórmula de Adiron.

Elaboração: Jorge Pessoa de Carvalho

Carvalho (2008), Nakano e Guatella (2016) enumeram as diversas problemáticas provenientes da fórmula para a cidade. A primeira delas se trata da própria tipologia da torre pois, partindo do princípio de que o mercado sempre visará a extrair a máxima rentabilidade, os empreendedores buscarão atingir a menor taxa de ocupação para garantir o maior potencial construtivo, resultando em torres altas e esbeltas. Somando os cálculos das faixas de ventilação (faixa A) e iluminação (faixa I) do Código de Obras do município a isso – cujos recuos mínimos obrigatórios aumentam de acordo com a altura da torre – o edifício tornava-se esguio e o arquiteto não tinha outra opção a não ser implantá-lo no centro do lote (CARVALHO, 2008) para não perder área construída, legitimando o edifício paliteiro.

O consequente afastamento do edifício da testada do lote somado à restrição da construção do térreo (que não poderia ultrapassar a projeção da 22 “Podemos compreender que um funcionário público honesto como o arquiteto Adiron Ribeiro não olhasse com bons olhos qualquer tipo de pagamento em dinheiro como forma de contrapartida por um benefício conseguido. Também temos que considerar que as teorias que hoje embasam o planejamento urbano não estavam totalmente desenvolvidas na década de 1970, época em que a legislação foi formulada” (CARVALHO, 2008, p.57)

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Fig. 8 - Estudos volumétricos, de planta e de fachada da aplicação da Formula de Adiron.

Fonte: concurso ensaios urbanos PMSP, 2013 Adaptação feita pelo autor

torre) e ao uso não computável de áreas comuns condominiais (traduzidas em áreas de lazer pelo mercado) desestimulou fortemente a implantação de fachada ativa.

Além da falta de incentivo para a fachada ativa, a Fórmula de Adiron restringiu a sua aplicação apenas ao uso exclusivamente residencial, erradicando em grande parte da cidade a produção de edifícios de uso misto em prol do uso monofuncional (NAKANO e GUATELLA, 2016). Neste ponto, Carvalho também ressalta que uma outra consequência da fórmula foi a degradação de áreas inseridas nas zonas suscetíveis à sua aplicação, mas que, por terem um caráter majoritariamente comercial, tornaram-se desinteressantes para o mercado incorporar.

No âmbito da escala urbana, a consolidação do edifício isolado no lote desativa as interfaces entre os domínios privados e públicos nos contornos das quadras (CARVALHO, 2008; NAKANO e GUATELLA, 2016) e perde a relação espacial e formal dos edifícios entre si (CARVALHO, 2008). Segundo o autor,

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

“Com implantações que não são objeto de um desenho urbano, suas áreas externas se tornaram apenas espaços residuais, resultado do que resta da implantação dos edifícios no lote, sem comunicação com cidade ao seu redor. (...)

A boa qualidade arquitetônica individual de diferentes edificações não pode por si só dar boa forma ao tecido urbano” (p.58)

Nakano e Guatella (2016) também reforçam as problemáticas causadas pelo Zoneamento de 72 na forma da cidade. De acordo com suas análises, dentre os diversos efeitos espaciais deletérios dos parâmetros de ocupação utilizados a partir da década de 1970, eles destacam a “perda de vitalidade gerada pela desertificação e rarefação de usos nas calçadas e nos espaços públicos” (p.146) provenientes da mudança tipológica das edificações verticais produzidas.

A despreocupação com a qualidade das configurações espaciais geradas pela aplicação das normas e parâmetros de uso e ocupação do solo (NAKANO e GUATELLA, 2016) é um dos efeitos colaterais resultantes de uma submissão do urbanismo histórico paulistano aos interesses de políticos, de uma classe dominante e também do setor imobiliário a ser analisado no próximo capítulo. Para Lefebvre (2002), o urbanismo se vê atenazado entre os interesses particulares e os interesses políticos, entre os que decidem em nome do “privado” e os que decidem em nome das instâncias superiores e dos poderes.

“O espaço, considerado como produto, resulta das relações de produção a cargo de um grupo atuante. Os urbanistas parecem ignorar ou desconhecer que eles próprios figuram nas relações de produção, que cumprem ordens.

Executam quando acreditam comandar o espaço”. (p.142)

Enquanto no início do século XX a preocupação urbanística focava-se primordialmente na questão estética da cidade, ao longo do tempo a forma urbana foi perdendo relevância no planejamento urbano paulistano em meio às diversas problemáticas sociais, econômicas e ambientais que surgiam no território.

Todavia, esse descaso com o desenho urbano proporcionou em meio legais e de planejamento urbano uma cidade de São Paulo que se configurasse como “feia” alheia à contribuição dos arquitetos (ANELLI, 2015) com uma qualidade de vida urbana prejudicada pela ocupação dos lotes inerte à ocupação das ruas. Esse alheamento da forma consequente da legislação acaba persistindo no meio acadêmico, responsável pela formação de novos arquitetos e urbanistas 40

Setor público: o que coordena

que contribuirão tanto para a elaboração e revisão das leis como também para a produção projetual dos espaços.

Segundo Nakano e Guatella (2016), as discussões sobre as legislações urbanísticas na perspectiva da forma urbana não têm sido muito desenvolvidas no campo dos estudos urbanos no Brasil, que enfatizam mais os efeitos dos parâmetros legais na valorização fundiária, na formação dos diferenciais de preço dos imóveis urbanos e rurais e na segregação socioespacial.

Nas entrevistas realizadas com arquitetos-urbanistas que participam ou já participaram ativamente tanto da academia quanto da gestão pública, essa problemática resulta de um descolamento do estudo da forma urbana com questões de planejamento presentes nas salas de aula, ao manter a discussão da arquitetura e urbanismo numa esfera crítica teórica em detrimento da viabilidade e consequência de sua aplicação.

“Eu acho que assim, o que veio da pesquisa da universidade para agregar [na revisão da lei] foi muito pobre. (...) Você vê que tem pouca pesquisa que faz uma investigação mais cuidadosa, por exemplo, ‘eu consigo fazer esses ícones interessantes da arquitetura na lei nova’? Sabe, quais são essas aberrações que existem? É uma peculiaridade do projeto ou é da lei mesmo? Fazer esse exame falta muito na nossa pesquisa, no estudo, na sala de aula.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

“Mas isso [estudo da forma urbana] acaba ficando muito separado tanto dos estudos urbanos que privilegiam muito a dinâmica e a política econômica da produção do espaço urbano, (...) quanto [também] na formulação de instrumentos e regulação urbana que as agendas (que vêm desse estudo crítico marxista que privilegia a economia política da produção do espaço urbano) tentam trabalhar.

Então [a academia] tenta montar uma agenda da reforma urbana para combater as desigualdades socioespaciais, da democratização do acesso à terra e da democratização da gestão das cidades e sempre desconsiderou essa parte dos estudos urbanos voltada para a morfologia e para a forma urbana.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

“[Eu acho que] a universidade tem muito pouco senso prático das coisas e o planejamento [na universidade] está muito mais como uma análise crítica do que propositiva.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021 41

2.

Setor imobiliário: o que produz

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

2.1 “A força da grana que ergue e destrói coisas belas”

O palimpsesto urbano é fruto de progressivas camadas de edifícios e intervenções no espaço decorrentes de um longo processo de urbanização. Em uma cidade como São Paulo, que sofreu um vertiginoso crescimento ao longo do século XX, essas alterações espaciais se deram de maneira intensificada com uma rápida obsolescência de edifícios sendo demolidos para dar lugar a outros maiores. A capital da economia cafeeira, com sua força motriz capitalista e desenvolvimentista diante um acelerado progresso, substituiu casarões por arranha-céus e velhos centros por novos.

Em seu tributo a São Paulo, Caetano Veloso remete ao agente imobiliário, responsável pela produção capitalista do espaço, como a “força da grana que ergue e destrói coisas belas” (Sampa, 1978). De fato, o setor compõe o principal agente transformador do ambiente urbano. Muitas vezes problemática, seja pela especulação imobiliária ou na qualidade dos empreendimentos entregues, a incorporação fundamentalmente trabalha a serviço de uma lógica mercadológica.

Todavia, se hoje São Paulo possui espaços urbanos de qualidade por excelência com galerias e edifícios de uso misto, sua realização se deve majoritariamente a esse agente.

O próximo capítulo reitera o desenvolvimento urbano da Paulicéia no século XX sob uma ótica dos agentes imobiliários cujo caráter da produção está intrinsecamente ligado à abrangência da legislação vigente (BARBOSA, 2009).

Segundo Rolnik (1999 apub Barbosa, 2009), a legislação urbana “funciona como uma espécie de molda da cidade ideal ou desejável”, portanto a cidade já se encontra, de alguma forma, predefinida e pré-desenhada por ela. As edificações produzidas para o mercado formal tendem a ser homogeneizadas por serem, em última análise, nada mais que o output da aplicação da lei em uma determinada região.

Dessa maneira, o capítulo discorrerá sobre os modos dessa produção, exemplificando com produtos imobiliários de cada período e os agentes responsáveis cujo protagonismo passou em diferentes mãos ao longo do século.

A complexidade do setor imobiliário se dá pela presença de diversos agentes que o compõem. Villa (2008), Vasconcelos (2015) e Pereira Leite (2001) apontam os principais atuantes do setor como o incorporador (promotor imobiliário), vendedor (empresa imobiliária), construtor (empresa construtora), arquiteto (projetista) e empresa publicitária (marketing).

A cronologia do mercado imobiliário paulistano é organizada em diferentes movimentos por diversos autores. Segundo Vargas e Araújo (2014), a

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Setor imobiliário: o que produz

produção imobiliária é dividida em cinco momentos: a residência permanente e a expansão horizontal (1870-1930); a produção rentista e as empresas familiares (1930-1945); a verticalização e a produção imobiliária para venda (1945-1964); as grandes empresas imobiliárias e o sistema financeiro da habitação (1964-1990) e, finalmente, o mercado de capitais, crédito fácil e a planta mínima (1990-2010) (VARGAS e ARAÚJO, 2014).

Por sua vez, a divisão cronológica de Somekh (1997) difere na distribuição das datas, porém a consistência se mantém em um período inicial da verticalização, passando por um momento rentista, uma fase inicial de incorporação e, por fim, na consolidação da produção imobiliária por grandes agentes do mercado (VILLA, 2008).

Para este trabalho, optou-se por resumir a produção imobiliária em três grandes períodos, separados pela lei que promoveu a incorporação imobiliária a partir de 1942 e pela que alterou profundamente o processo da incorporação nos âmbitos de agente, produção e produto em 1964.

2.2 1900-1940: Empresas familiares e os edifícios de aluguel O primeiro período da produção imobiliária vertical paulistana remonta às primeiras décadas do século XX. A intensificação comercial do centro e as obras de melhorias públicas com o alargamento de vias e calçadas, a partir da gestão do prefeito Antônio Prado (1898–1911), fizeram com que a área do atual triângulo histórico viesse a ser o primeiro palco de verticalização da cidade.

O Edifício Guinle (1912) na Rua Direita nº 37-49 é considerado o precursor dos arranha-céus de São Paulo (CAMPOS, 2007)23,sendo o primeiro edifício em altura da cidade feito em concreto armado (PMSP, 2021). De uso comercial, a torre de 32 metros de altura destoava da paisagem horizontal urbana marcada por edifícios de até quatro pavimentos.

Junto com a concepção do edifício surgiu, também, a proposta de limitação de gabarito enviada à Câmara Municipal pelo engenheiro Sá Rocha, incomodado com o contraste visual que o prédio proporcionaria ao endereço (CAMPOS, 2007). A imposição de altura máxima das construções em duas vezes e meia a largura da via resultaria em um gabarito máximo de 28,60m na rua Direita, inviabilizando o projeto. No entanto, a proposta não foi plenamente aceita pela Comissão de Justiça que demandou um estudo mais aprofundado da 23 Informativo Arquivo Histórico Municipal. São Paulo, mar/abril de 2007. Ano 2. N. 11. Diponível em: http://www.arquiamigos.org.br/info/info11/index.html

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

proposição. Logo, o projeto do edifício Guinle foi aprovado e a regularização de alturas que a Repartição de Obras deveria elaborar só se transformou em lei em 9 de novembro de 1920 (Lei nº 2.332).

Fig. 9 - Vista da Rua Direito, com Edifício Guinle ao fundo. Observa-se o contraste de gabarito com as demais edificações.

Fonte: Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo 1862-1887.

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Setor imobiliário: o que produz

Projetado e construído pelos engenheiros-arquitetos Hipólito Gustavo Pujol Júnior e Augusto de Toledo a pedidos da empresa Guinle & Cia, a torre de estilo próximo ao art nouveau (PMSP, 2021) seguiu imponente como o mais alto edifício da cidade até 1924, quando fora desbancado pelos edifícios Sampaio Moreira e pelo icônico Martinelli.

A configuração dos três edifícios remete a um período em que a influência europeia é onipresente na estética eclética das edificações. A ocupação quase completa do lote reforça a ausência de legislações vigentes de uso e ocupação do solo e a predominância de fachada ativa no térreo atende a vocação comercial do centro, atraindo a implantação de espaços de trabalho (VILLA, 2020).

Fig. 10 - Da esquerda para direita: Edifício Guinle (1912), Edifício Sampaio Moreira (1922) e Edifício Martinelli (1923)

Fonte: arquivo.arq

Ao longo desse período, a produção imobiliária vertical da cidade será encomendada por grandes proprietários da burguesia paulistana, cujo intuito imagina ser visando ao lucro oriundo do aluguel dos espaços (VILLA, 2020).

Já a produção por encomenda para fins de uso próprio se dava nas áreas mais afastadas do centro, configurando os palacetes de Higienópolis, Paulista e Jardim América. Segundo Rufino (2018), essa produção residencial sem objetivo lucrativo em áreas longe do centro “guarda particular relação com nível de urbanização e o preço da terra” (p.119).

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

A forma de produção desta primeira fase embrionária do mercado imobiliário (1910-1920) revela alguns padrões:

1. O predomínio total da produção por encomenda que, segundo Jara millo (1982), marca a origem de acumulação de capital relacionado à incorpo ração (RUFINO, 2012, p.39).

2. A quase total realização de edifícios para aluguel como forma de am

pliação das rendas imobiliárias (MEYER, 1991, p.30 apud VILLA, 2020, p.75).

3. A concentração da produção imobiliária vertical na região do atual Triângulo histórico

4. A participação do engenheiro-arquiteto24 tanto na etapa de concepção do projeto quanto na de realização da obra (PMSP, 2021).

Dados do IBGE revelam que, em 1920, 79% dos domicílios de São Paulo compunham o mercado de locação (PEREIRA LEITE, 2001). Logo, a partir da década de 1930, consolida-se o período rentista da produção imobiliária (VILLA, 2020 apud MEYER, 1991), favorecida pelo decreto 5.491, de 25 de junho de 1928, que instituiu a figura jurídica do condomínio, cujas restrições de sua definição limitavam o seu uso no território em um primeiro momento.25

Apesar de institucionalizar a fragmentação da propriedade da terra e multiplicação dos proprietários (RUFINO, 2018), esses prédios ainda eram construídos por um único investidor que mantinha o domínio de propriedade das unidades (PINHEIRO, 2008). Logo, o decreto 5.491 trouxe à tona pela primeira vez o embrião da figura do incorporador (VILLA, 2008) ainda que não formalizada.

O aumento do preço da terra na área central impulsiona a construção vertical para a diluição dos custos do terreno (VILLA, 2020; BARBOSA 2001) 24 “Diferentemente do que se dava em Paris e no Rio de Janeiro, onde os arquitetos se formavam nas escolas de Belas Artes, em São Paulo, o ensino de arquitetura passou a ser uma especialidade da engenharia. Essa inclusão refletia a influência de Ramos de Azevedo coautor do novo regulamento e catedrático da Seção de Arquitetura”. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Acervo da Assembleia mantém documentos sobre a Escola Politécnica da USP. Publicação de 16 de setembro de 2013. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=338055 25 “O Decreto n. 5.481 limitava no seu artigo 1º, a incidência legal aos ‘edifícios de mais de cinco andares [...] sob a forma de apartamentos isolados entre si, contendo cada um, pelo menos, três peças’. Além disso, esta legislação não previa uma figura legal para a negociação das unidades futuras resultantes da fragmentação da propriedade original” (RUFINO, 2018)

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

que, na maioria das vezes, constitui o item mais caro da produção (BERTAUD, 2018). A ampliação do potencial do terreno foi incentivada, também, pela própria municipalidade ao exigir altura mínima de 10 andares para edifícios em algumas ruas do centro26 (BARBOSA, 2001, p. 58).

Nesse momento, a verticalização já avança para além do Triângulo alçando os bairros horizontais de elite, configurando edifícios residenciais voltados a uma classe média emergente (CARVALHO, 2008, VILLA, 2020). Em Higienópolis, os edifícios Alagoas (1933) e Santo André (1935), marcam o início desse processo. Ainda que tímido em um primeiro momento (até 1939, 70% dos edifícios verticais estavam no centro27), a produção habitacional vertical paulatinamente consolidará seu espaço no que será chamado de centro expandido. A relutância paulistana em aceitar esse tipo de moradia por assimilá-lo a cortiços (VILLA, 2008, p.128) aos poucos se dissipará.

Os projetos concebidos nesse período ainda consistem numa ocupação quase completa do terreno com alto índice de aproveitamento. A chegada dos ideais da arquitetura moderna na Paulicéia com Rino Levi e Gregori Warchavchick influencia a estética urbana (VILLA, 2008, p. 92) que passa a configurar vertentes racionalistas. O edifício moderno é consagrado pela primeira vez no solo paulista em 1938 com o Edifício Esther em frente à praça da República com uso residencial, comercial e fachada ativa.

Além do estilo moderno, outras referências internacionais de estética racionalista inspirariam empreendimentos na cidade como o Art déco, cuja vanguarda que viveu seu apogeu na década anterior, chegaria tardiamente em São Paulo com o Edifício Saldanha Marinho do arquiteto Elisiário bahiana.

Para o mercado, a redução de ornamentos rebuscados na fachada não só foi vista como um símbolo de modernidade como também implicava numa diminuição dos custos da produção. Logo, surgiu uma preferência por parte desses estilos racionalistas pelos produtores imobiliários que, segundo Pinheiro (2008), criava uma “imagem de modernidade aparente, que satisfazia os promotores da verticalização sem sacrificar-lhes os lucros”.

Em meio ao fomento da produção para aluguel e ao crescimento de

26 Ruas Xavier de Toledo, Sete de Abril, Conselheiro Crispiano, Vinte e Quatro de Maio, Marconi e Praça da República. Para a rua São Bento, exigiu-se, no mínimo, 6 andares (MEYER, 1995 p.5 apud BARBOSA, 2001 p. 59) 27

Somekh, 1987, p.54 apud Barbosa, 2009, p.28

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Setor imobiliário: o que produz

uma classe urbana composta por indivíduos solos que se mudavam para a cidade em busca de uma melhoria de vida, surgem as kitchenettes, pequenas unidades habitacionais de um quarto ou único cômodo. Realizadas em grande quantidade ao longo dos anos de 1930 e 1940, elas constituíam uma rentável forma de investimento e lucratividade aos especuladores (VILLA, 2008, p.40).

A partir de 1942, a produção imobiliária passou por uma drástica reestruturação. A promulgação da Lei do Inquilinato28 congelou o preço dos aluguéis em um momento de aceleração inflacionária, inviabilizando esse tipo de negócio. O que antes era considerado uma forma de rentabilidade e investimento bastante segura (VILLA, 2020, p.114) logo se tornou obsoleta. Segundo Villa (2020), o número de moradias produzidas pelos rentistas tradicionais caiu a praticamente a zero, sucumbindo em uma das mais graves e dramáticas crises de moradia da história do país. Em análise estatística de Bonduki (1994), a participação do mercado de locação nos domicílios da cidade despencou de 68% em 1940 para 38% em 1970.

Tabela 2 - Evolução da participação de locação e venda em São Paulo (1920-1970)

Fonte: ROSSETTO, 2002 p.27; FERREIRA, 1987; IBGE apud BONDUKI p.282, PMSP. Elaboração: Simone Villa

Desincentivados a investir em habitações de aluguel, os promotores imobiliários se voltaram para a produção de unidades para a venda, tornando-se a compra dessas “a principal forma de acesso à moradia” formal enquanto a autoconstrução da população mais pobre se intensificava nas periferias da cidade.

Consolida-se, assim, a incorporação imobiliária e um novo momento da produção imobiliária paulistana em um período de grande expansão urbana.

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50

Decreto-Lei Nº 4.598, de 20 de agosto de 1942

Setor imobiliário: o que produz

Fig. 12 - Palacete Bamberg (1909) Arqt. Carlos Ekman

Fonte: Arquivo.arq.br

Fonte: Arquivo.arq.br

1900 - 1920

Fig. 11 - Edifício Caio Prado (1924) Arqt. Heribaldo Siciliano

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

1920 - 1930

Fig. 13 - Edifício Saldanha Marinho (1929) Arqt. Elisiário Bahiana

Fig. 14 - Edifício Altino Arantes (1939) Arqt. Heribaldo Siciliano

Fonte: Life

Fonte: Revista Acrópole Fig. 15 - Edifício Columbus (1928) Arqt. Rino Levi

Fonte: Folha de São Paulo

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Setor imobiliário: o que produz Fig. 16 - Edifício São Manoel (1937) Arqt. Jacques Pilon

1930 - 1940

Fonte: Revista Acrópole

Fig. 17 - Edifício Esther (1936) Arqts. A. Marinho; A. Vital Brasil

Fonte: Revista Acrópole

Fig. 18 - Edifício Mina Klabin (1938) Arqt. Gregori Warchavchik

Fig. 19 - Edifício Santo André (1938) Arqt. Jacques Pilon

Fonte: Revista Acrópole

Fotografia: Seneme Franco 53

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

2.3

1940-1960: Incorporadores e arquitetos lado a lado

O aumento populacional proveniente da segunda fase da industrialização paulista entre 1945-1960 (REIS, 2004 apud PEREIRA LEITE, 2001) e a nova frente do mercado imobiliário voltado à incorporação, viabilizou um boom imobiliário caracterizado pela “expansão de áreas periféricas ainda não verticalizadas e pelo adensamento das áreas próximas ao centro, onde os edifícios altos se destacavam” (VILLA, 2020, p.138). Neste segundo grupo, destacou-se um momento de realização de grandes ícones arquitetônicos em diversos pontos da cidade que refletiam numa qualidade urbanística nas ruas de uma cidade vertical densa. Segundo Barbosa (2009) “São dessa época exemplos interessantíssimos, de incontestável qualidade construtiva e arquitetônica, servindo de base para comparativa para a produção de mercado até os dias de hoje” (p.30)

Para viabilizar esse fomento à produção, instrumentos e agentes foram surgindo e se sofisticando no setor. Em 1946, surge o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Imóveis de São Paulo (SECOVI-SP) cujo papel será de grande relevância no século XX para representar o setor imobiliário na cidade de São Paulo e nas negociações das legislações urbanísticas.

No âmbito do financiamento, destacam-se os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP). Inicialmente intencionados a assegurar aposentadoria e pensões à previdência social e atendimento a saúde, o decreto nº 1749 de 1937 viabilizou a atuação dessas instituições na habitação, viabilizando financiamento e realizando empreendimentos imobiliários inicialmente intencionados para seus associados29 (DE PAULA, 2018, p.4-6). A cargo de exemplo, tem-se o Edifício Anchieta (1941), realizado pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), que marcou a chegada da produção imobiliária vertical na Avenida Paulista.

A introdução do “Sistema a Preço de Custo”30 pelo Banco Nacional Imo-

29 Art. 1º. Fica aprovado o novo regulamento, que a êste acompanha, assinado pelo ministro de Estado dos Negócios do Trabalho, indústria e Comércio, para aquisição de prédios destinados a moradia dos associados dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões subordinados ao Conselho Nacional do Trabalho e a sede das mesmas associações 30 Idealizado pelo engenheiro Cipriano Marques Filho e introduzido pelo diretor da carteira predial do banco Otávio Frias, o nome foi patenteado pelo BNI e repaginado pelas outras incorporadoras (LORES, 2018, p.37; PEREIRA LEITE, 2001, p.84)

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Setor imobiliário: o que produz

biliário (BNI) e disseminado entre as incorporadoras31 também serviu como um importante mecanismo de capitalização contra o agravamento do quadro inflacionário na década de 1950 (PEREIRA LEITE, 2001; LORES, 2018; BARBOSA, 2009). O sistema, que perdura até hoje principalmente em momentos de crises e ausência de financiamentos mais baratos, viabilizou a construção de diversos empreendimentos de grande porte naquele período (LORES, 2018).

Pereira Leite (2001) destaca que o BNI compunha um dos três grupos de incorporadores da fase pré-BNH32 (Fonseca, 2004), caracterizados por Rosseto (2002) como:

1. Vinculados a instituições bancárias: além do BNI, insere-se o Banco Hipotecário Lar Brasileiro

2. Vinculados a companhias seguradoras e de capitalização: constituído pela Prudência Capitalização, Sul América Capitalização S/A e Companhia Seguradora Brasileira

3. Construtoras e Prestadores de serviço: Zarzur & Kogan, Construtora Warchavchick e Neumann, Construtora Otto Meinberg, Construtora Monções

Além de inovar método de produção imobiliária, o BNI e o seu braço incorporador, a CNI (Companhia Nacional da Indústria da Construção), também fizeram uma importante contribuição para a arquitetura paulistana e para a cidade de São Paulo ao serem os responsáveis por trazer a assinatura de Oscar Niemeyer para a Paulicéia. Galeria Califórnia (1955), Edifício Eiffel (1956), Edifício Montreal (1954), Edifício Triângulo (1955) e, principalmente, o Copan33 (1966) foram frutos dessa relação do arquiteto com os sócios Orizombo Octávio Roxo Loureiro e Octavio Frias de Oliveira. Além dos projetos assinados por Niemeyer, o BNI foi responsável por diversos outros empreendimentos que subiam a Angélica em direção à Paulista.

A trajetória da incorporação imobiliária de Higienópolis até o espigão

31 Em linhas gerais, o sistema funciona a partir da venda na planta com um custo pré-estabelecido da obra que é rateado entre os compradores (CARVALHO, 2008; PEREIRA LEITE, 2001) que arcam com 100% dos custos e despesas do empreendimento. Logo, a incorporação conta apenas com os recursos dos adquirentes (VILLA, 2008) e sem a necessidade de realizar um financiamento. Para o incorporador, a margem de lucro fica a cargo da taxa de administração pré-estabelecida (RUFINO, 2018; LORES, 2018). O sistema torna-se problemático se suscetível à inadimplência dos compradores.

32

Banco Nacional da Habitação

33 Por problemas financeiros, o BNI foi liquidado pelo governo federal em 1954 e a obra do Copan ficou três anos estagnada

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

da paulista é resultado não só da abertura de novos bairros horizontais de alta renda na porção Oeste da cidade que gerou uma migração do bairro como, também, de uma mudança na estrutura e no tamanho das famílias que tornaram inviáveis a manutenção de muitos palacetes e sobrados localizados nesses bairros nobres (PEREIRA LEITE, 2001).

Logo, nas décadas de 1940 e 1950 muitos casarões e palacetes de Higienópolis se encontravam abandonados ou alugados servindo de pensão e até mesmo cortiço (CARVALHO, 2008). Com isso, aqueles grandes lotes com valor reduzido como residência tornaram-se interessantes para incorporações imobiliárias (PEREIRA LEITE, 2001).

Enquanto o centro histórico crescia vertiginosamente rumo aos céus com a sede do Banco do Brasil (1942) e do Banespa (1947) - consolidando o primeiro centro financeiro da cidade34, a região do “novo centro” e Higienópolis tornaram-se o epicentro da incorporação imobiliária residencial da classe média e média-alta paulistana composto por apartamentos de até quatro dormitórios.

Além desses produtos, já estava disseminada na cidade a tipologia das kitchenettes destinadas a um público de menor poder aquisitivo ou a pessoas sós (VILLA, 2008, p.37).

Neste cenário, todavia, o mercado imobiliário continuou ausente na produção destinada à baixa renda (PEREIRA LEITE, 2001). Parte disso se deve à Lei 5.261 (1957) cuja determinação da cota parte mínima de 35m² admitia unidades residenciais de, no mínimo, 140m². Com o objetivo de coibir a construção dos “condomínios antifamiliares” de kitchenettes (PEREIRA LEITE, 2001, p.87), essa inviabilidade de realizar apartamentos reduzidos acabou coibindo, também, a produção de unidades econômicas.

No entanto, apesar de tentar evitar a produção de mais kitchenettes, os produtores imobiliários conseguiam burlar a lei ao aprovar essas habitações de um único cômodo na forma de hotel, desvirtuando seu uso posteriormente.

Outro efeito da Lei de 1957 no mercado se refere à implantação do coeficiente de aproveitamento - até então inexistente – que limitou o potencial construtivo em quatro vezes a área do terreno para torres residenciais e em seis 34 Além do icônico Edifício em estilo Art Déco Altino Arantes – o Banespão – diversas outras sedes de banco se instalaram dentro do perímetro do Triângulo histórico entre 1940 e 1960, dentre os quais o Banco Noroeste do Estado de SP (1949), Banco paulista de Comércio (1950), Banco Continental (1945) e o Banco Nacional da Cidade de SP (1942). Fonte: Arquivo.arq.br órgão paraestatal subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio do período do Estado Novo (1930 – 1945)

56

Setor imobiliário: o que produz

vezes para comerciais. Essa nova regra causou oposição por parte do mercado que, em muitos casos, burlava a legislação aprovando imóveis residenciais como comerciais para usufruir do CA maior (ROLNIK, 1992 apud PEREIRA LEITE, 2001; CARVALHO, 2008). Em 1966, sob pressão do setor imobiliário, a lei foi revogada e ficou estabelecida CA 6 para todos os usos e a cota parte mínima foi extinta (BARBOSA, 2009).

Nos anos de 1950 e início de 1960, São Paulo foi palco de diversos outros empreendimentos de grande qualidade arquitetônica e urbanística realizados por arquitetos que muitas vezes tiveram uma íntima relação - senão direta - com a sua incorporação. (VARGAS, 2013; LORES, 2018; VILLA, 2020)

Dentre as diversas realizações imobiliárias realizadas no período cuja relevância do arquiteto refletiu diretamente na incorporação – seja como incorporador, parceiro ou apenas reconhecido - destacam-se: Franz Heep, Jacques Pilon, David Libeskind, Giancarlo Gasperini, Lucjan Korngold, Gregori Warchavchik, Maria Bardelli, Ermanno Siffredi e João Artacho Jurado.

Este último, apesar de ter sido alvo de críticos da arquitetura ao longo de sua carreira pela falta de um diploma de arquiteto, contribuiu fortemente para uma produção de mercado para a classe média e para uma estética kitsch única paulistana que destoa nas paisagens de Higienópolis e Bela Vista. Segundo Franco (2008), esse preconceito por parte de sua formação não acadêmica foi reiterado diversas vezes por uma corrente de críticos anônimos sempre mobilizada para combatê-lo. Um arquiteto que não escondia sua identidade era Eduardo Corona, o qual publicou, em 1958 na revista Acrópole: “O que consideramos, de fato, audacioso por parte dos promotores da publicidade [do Edifício Bretagne] é a apresentação de declarações de um arquiteto americano chamado John R. Fugard. (...) Disse ele, por exemplo, (...)

‘Foi necessário vir a São Paulo, contudo, para encontrar o mais fabuloso exemplo da arquitetura moderna.’

Ora, meus amigos, jamais ouvimos afirmações tão sem fundamento, tão graciosas e tão infelizes. Ou esse arquiteto percorreu o mundo e não viu nada, ou, então, é autor nos Estados Unidos de aberrações iguais a essa, levando, porém, a vantagem e a diferença de ele ser arquiteto e diplomado, o que não acontece com os seus protegidos.” CORONA, 1958

Artacho também foi um dos precursores do marketing imobiliário, cujo papel a partir da década de 1950 será intrínseco à produção.

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

A virada para os anos de 1960 foi marcada por uma inflação desenfreada proveniente da construção de Brasília, cuja emissão de moeda, empréstimos externos e prioridade no destino dos insumos para a construção da capital (PEREIRA LEITE, 2001; LORES, 2018) acarretou um aumento da dívida externa e no custo da obra. Segundo uma reportagem publicada em 1961 pela revista Acrópole, em 12 meses a alta média dos materiais de construção foi de 42%35 (LORES, 2018).

A consequência desse cenário afetou fortemente a indústria imobiliária paulistana, cujas parcelas dos empreendimentos no sistema a preço de custo não podiam ser reajustadas de forma equiparável à inflação (LORES, 2018).

Logo, tendo a incorporadora que acarretar com os prejuízos, esse momento resultou na falência de diversas empresas do setor e na liquidação de empreendimentos com obras pela metade.

Com a tomada do poder pelos militares em 1964, diversas ações foram realizads na tentativa de conter a crise e estimular o mercado, o que modificaria profundamente a produção imobiliária e o papel do incorporador.

Fig. 20 - Edifício Prudência (1944) Arqt. Rino Levi

Fonte: Acervo digital rino elvi - FAU-PUCCAMP 35 Em um ano, o preço do quilo de cimento aumentou 63,3%; pedra britada, 89,4%; telha cerâmica, 98%; louça branca, 87,5% (LORES, 2018, p.214) 58

Setor imobiliário: o que produz

Fig. 21 - Edifício Porchat (1940) Arqt. Rino Levi

Fig. 22 - Edifício Duque de Caxias (1947) Arqt. Artacho Jurado

Fig. 23 - Edifício Washington (1949) Arqt. Bernardo Rzezak

Fonte: Revista Acrópole

Fonte: Revista Acrópole

1940 - 1950

Fonte: Lampugnani

59

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade Fig. 24 - Conjunto Nacional (1954) Arqt. David Libeskind

1950 - 1960

Fonte: Acervo David Libeskind Fig. 25 - Copan (1952) Arqt. Oscar Niemeyer

Fotografia: Jose Moscardi 60

Setor imobiliário: o que produz Fig. 26 - Edifício Parque das Hortênsias (1957) Arqt. Artacho Jurado

Fig. 28 - Edifício Domus (1956) Arqts. M. Bardelli; E. Siffredi

Fonte: Arquivo.arq.br

Fonte: Arquivo.arq.br Fig. 29 - Edifício Paulicéia (1958) Arqts. G.C. Gasperini; J. Pilon

1950 - 1960

arquivo pessoal

Fig. 27 - Edifício Montreal (1957) Arqt. Oscar Niemeyer

Fonte: Arquivo.arq.br 61

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

2.4 1960-2010: Incorporadoras S/A e a produção financeira do espaço

Em 16 de dezembro de 1964 foi promulgada a Lei Nº 4.591 que, além de modernizar as determinações jurídicas da forma condomínio, oficializou o termo “incorporação imobiliária” no Brasil para o processo de vender imóveis antes de sua construção (VASCONCELOS, 2015). Para Rufino (2018), a importância do condomínio como produção de propriedade privada no mercado imobiliário a partir da disseminação do apartamento como principal produto imobiliário, fortaleceu sua associação a um padrão de organização do uso residencial.

Além disso, a lei também estabeleceu a figura do incorporador que passará a ser o responsável pela efetivação do registro de incorporação imobiliária e adquire o direito de comercializar as unidades futuras antes de sua construção.

(RUFINO, 2018)

De acordo com Vasconcelos (2015), a incorporação configurará um processo convencional que terá como figura central o incorporador que mediará as diferentes etapas do processo de produção e circulação de imóveis, ou seja, na produção capitalista do espaço. O arquiteto, por sua vez, terá sua relevância reduzida na participação do processo.

“No processo convencional, onde o incorporador e o arquiteto são figuras distintas, percebe-se que embora o projeto arquitetônico seja exigido para o registro da incorporação, aos olhos do incorporador esse aparece como um custo da incorporação, sendo interessante contratar aquele profissional que oferecer o menor preço. Nesse sentido, Maciel (2013) afirma que a arquitetura passa a ser irrelevante, assim como a remuneração do arquiteto, não ultrapassando 3% do custo da construção, o que corresponde a, no máximo, 1% do valor final de venda do empreendimento” (VASCONCELOS, 2015, p. 21)

Essa observação do ofuscamento do papel do arquiteto em meio ao processo de produção do mercado imobiliário é reiterada na visão de diversos autores (VARGAS, 2018; VILLA, 2020; LORES, 2018; CARVALHO, 2008; RUFINO, 2018) com diferentes argumentos apontados que se complementam revelando uma problemática que atinge diversos âmbitos dessa relação.

Além da “Lei da incorporação”, o ano de 1964 foi marcado por uma grande reestruturação da política habitacional (RUFINO, 2018) aliada ao Plano Nacional de Desenvolvimento (BARBOSA, 2009) do período de regime militar que caracterizou o momento do “milagre econômico” brasileiro.

62

Setor imobiliário: o que produz

Cria-se o Sistema Financeiro Habitacional (SFH), responsável por oferecer linhas de crédito de financiamento para a produção habitacional. O Banco Nacional da Habitação (BNH), por sua vez, é criado para geri-lo. Esse momento marca a explosão de verticalização no Brasil e especialmente em São Paulo (SOUZA, 1994 p.238 apud BARBOSA, 2001 p.24). Em 1967, O recém-criado Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) também passa a ser gerido pelo BNH e a compor, junto com Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), os recursos do SFH, provocando um aporte imenso de recursos para o setor imobiliário (BARBOSA, 2009, p.19,43).

Fig. 30 - Esquema do processo de financiamento do BNH

gerenciamento

SFH

FGTS

financiamento

INCORPORAÇÃO

e od çã s pta so ca ecur r

to en

m

cia

n re

ge

ca pt re ação cu rso de s

BNH

SBPE Elaborado pelo autor

Inicialmente, o BNH havia sido proposto para atender ao déficit habitacional da população de baixa renda com limitações para a produção (área e tipologia) e para o financiamento (renda e valor da unidade) (BARBOSA, 2008; RUFINO, 2018). Porém, na prática, ele serviu de combustível para fomentar uma produção imobiliária voltada às classes média e alta principalmente a partir de 1971 com a eliminação do limite de faixa de valor de imóvel a ser financiado.

Segundo Rufino (2018), “contrariando os objetivos iniciais de direcionamento da produção habitacional à população de menor renda, os recursos do SFH privilegiaram a incorporação imobiliária privada em detrimento da habitação social”. Villa (2008), por sua vez, alega que essa política foi uma das grandes estruturadoras do mercado imobiliário, constituindo grande concentração de renda e privilegiando a produção de habitação para as classes média e alta” (VILLA, 2008, p.57). As décadas de 1970 e 1980, portanto, marcam o auge da produção imobiliária na cidade de São Paulo.

A liberação de financiamento do BNH para todas as faixas de valor de apartamentos através das instituições de crédito do SFH (BARBOSA, 2009,

63

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

p.77) após 1971 ocorre ao mesmo tempo em que a Lei de 72 é promulgada.

Além da drástica redução do coeficiente de aproveitamento36 e dos demais parâmetros de uso e ocupação do solo, a lei gerou uma barreira para pequenas incorporações.

Gráfico 1 - Número de edifícios registrados por ano de acordo com o Registro de Elevadores

Fonte: Somekh, 1987.

Adaptação feita pelo autor

O cálculo para o ganho de potencial proporcionado pela Fórmula de Adiron diferenciava os lotes menores que 1000m² para os demais. Nessa reformulação, a fórmula beneficiava muito mais os grandes incorporadores capazes de adquirir maiores terrenos pois, para se alcançar o máximo potencial construtivo em terrenos pequenos, a redução de taxa de ocupação era ainda maior do que nos terrenos grandes. Logo, muitos projetos de pequeno e médio porte se tornavam inviáveis (CARVALHO, 2008, p.56), consolidando um período de atuação de grandes agentes imobiliários.

Com a entrada do sistema bancário na produção capitalista do espaço e uma legislação mais restritiva que pulverizou o potencial construtivo pelo território, a dinâmica da produção imobiliária no território paulistano alterou-se definitivamente nas décadas seguintes: 36 88,5% do território da cidade estava suscetível a duas vezes a área do terreno (SOMEKH, 1987, p.150)

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Setor imobiliário: o que produz

- A inserção da Avenida Paulista na zona de maior potencial construtivo (Z5) reflete a intenção de consolidar sua vocação de novo centro financeiro da cidade concretizada pela instalação de empresas e bancos ao longo das décadas de 1970 e 1980; - Junto com a verticalização da avenida, o Jardim Paulista torna-se o principal polo de verticalização, correspondendo a 13,5% dos edifícios verticais registrados na cidade entre 1973 e 1979 (SOMEKH, 1987, apud Barbosa, 2009) - As fronteiras da produção imobiliária se expandem para além do centro expandido, alçando principalmente bairros do Quadrante Sudoeste como Itaim Bibi (9,3%), Vila Mariana (7,1%), Moema (5,9%) e Pinheiros (5,9%)

% de edifícos verticais registrados

Variação de densidade demográfica

- A proporção inversa entre adensamento construtivo e adensamento demográfico no território da cidade reitera o caráter antidemocrático consequente do processo de distribuição do zoneamento (FELDMAN, 1997, p.12) e dos parâmetros

Variação de densidade demográfica

% Edifícios verticais registrados

Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

urbanísticos ao reduzir o potencial construtivo e possibilitar grande parte da sua produção em áreas tradicionalmente de maior valor de metro quadrado.

- A grande disponibilidade de financiamento do BNH permitia uma empresa tocar várias obras simultaneamente, favorecendo uma aceleração e simplificação do processo de construção por meio da padronização de materiais e na diminuição na qualidade do próprio projeto. Segundo Fonseca (2005), “a perda da qualidade do projeto de arquitetura ocorreu em função da desvalorização desse projeto, enquanto instrumento que organiza e viabiliza a obra” (FONSECA, 2005, p. 310 apud Barbosa, 2009, p.112) - O empobrecimento generalizado da população (VILLA, 2008; BARBOSA, 2001) em um cenário de instabilidade econômica que perdurou com altas taxas inflacionárias também influenciará na simplificação de materiais e projetos a fim de se adequar à nova realidade do bolso dos compradores.

A perda da qualidade projetual também terá consequência na desvalorização do papel do arquiteto na participação imobiliária, perdurando nas décadas seguintes, conforme veremos mais adiante.

Em 1986, frente à extinção do BNH, o SFH passa a ser gerido pela Caixa Econômica Federal. O funcionamento do sistema será prejudicado em meio às políticas e planos de estabilização da economia que reduziram substancialmente os fundos do SBPE, principal fonte de recursos do SFH (Rufino, 2018, p.53).

A década de 80 foi marcada por forte inflação e instabilidade econômica que redirecionaram boa parte da produção imobiliária ao consumidor de alta renda, que representava um investimento seguro perante um cenário de forte instabilidade econômica por ser menos suscetível às crises. Isso é evidenciado na área média dos apartamentos lançados entre 1980-87. Para a maior parcela empobrecida da população, a reação do mercado foi enxugar a metragem e o programa das unidades a fim alcançar um preço acessível enquanto os apartamentos de alto padrão tiveram suas metragens aumentadas. Segundo dados da Embraesp (1988), a área média dos apartamentos de 01, 02 e 03 dormitórios reduziu 8%, 12% e 6%, respectivamente, enquanto os de 04 dormitórios sofreram um aumento de 26,5% no mesmo período.

O produto imobiliário desse período é marcado pelo surgimento do dormitório reversível que estará presente em todos os tamanhos de unidades até os dias de hoje. Com a crescente violência na metrópole, a publicidade apelará fortemente na questão de segurança como diferencial, fomentando o isolamento integral dos moradores dentro de seus apartamentos em edifícios

66

Setor imobiliário: o que produz

Tabela 3 - Evolução da área média por tipologia (1980 - 1987)

Período 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987

Tipo de Unidade / Área Total Média 01 dorm.

02 dorm.

03 dorm.

86,70 118,98 188,31 87,05 118,30 182,69 88,58 113,87 202,31 84,22 90,90 151,03 84,65 115,20 256,20 89,11 120,52 232,46 88,09 110,63 190,09 79,65 105,06 177,64

04 dorm.

381,84 509,12 409,34 318,46 473,48 410,90 377,99 482,92

Fonte: Embraesp. Informativo Imobiliário. Relatório Anual. São Paulo, fev. 1988, p.19 Adaptação de VILLA, S. Morar em Apartamento (2008) Elaboração feita pelo autor

ilhados no lote, murados, providos de equipamentos de lazer no térreo e alheios à vida nas ruas. (VILLA,2020, p.186) Já nos anos de 1990 e 2000, diante da progressiva implementação de uma agenda neoliberal, o mercado imobiliário passou por um processo de financeirização de seus agentes com novos instrumentos que introduziram fundos de investimentos, de securitização e hipotecário no processo de captação e de gestão de recursos na produção37.

O período da sofisticação da captação e aplicação de recursos com os novos instrumentos financeiros se dará concomitantemente com a introdução das Operações Urbanas, principalmente a Operação Urbana Faria Lima (OUFL)38, em 1995, que introduzirá pela primeira vez em São Paulo a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC).

Em linhas gerais, a Operação Urbana Consorciada consiste em intervenções urbanísticas no território coordenadas pela gestão pública e realizada em parceria com a iniciativa privada com o intuito de alcançar melhorias no

37 Durante os anos de 1990, três grandes instrumentos foram responsáveis pela inserção do mercado imobiliário no sistema econômico neoliberal: os Fundos de Investimentos Imobiliários (FII’s) em 1993; as Carteiras Hipotecárias em 1994 e o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) em 1997. Esse último, complementar ao SFH, consolida a racionalização das finanças na organização do financiamento da política de crédito imobiliário, inclusive o habitacional (ROYER,2009).

Junto ao SFI, surgiram os instrumentos que possibilitaram a produção imobiliária a partir do mecanismo de securitização por meio dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI). (RUFINO, 2018, p. 55) 38

Lei nº 11.732/1995

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

âmbito urbano, social e ambiental39. Prevista pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), as operações urbanas compõem um instrumento de alienação de uma determinada área dos parâmetros da lei de uso e ocupação do solo vigente, suscetível a um maior potencial construtivo. Esses novos parâmetros exclusivos foram determinantes para consolidar a área como o novo centro financeiro da cidade.

A partir da Operação Faria Lima40, esse o acréscimo de potencial construtivo ficou sujeito a uma contrapartida financeira que configura a Outorga Onerosa, um valor pago por metro quadrado extra construído além do CA básico do terreno. Essa ferramenta configura um importante meio de arrecadação de recursos pela prefeitura e um custo previsto nas despesas da maior parte da produção imobiliária de mercado.

O Plano Diretor de 2002 não só consagra as Operações Urbanas como a Outorga onerosa passa a valer em todo o município de São Paulo, destinando o valor arrecadado para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), cuja finalidade consiste em aplicar esse recurso em investimentos de melhorias urbanas em diversos âmbitos da cidade.

Diferentemente do resto da cidade, a outorga das Operações Urbanas é paga única e exclusivamente por meio dos Certificados de Potencial Construtivo (CEPACs) que consistem em potenciais construtivos extras vendidos preliminarmente em cotas de metros quadrados por meio de leilões.

As Operações Urbanas Consorciadas, apesar de apresentarem nítidas melhorias de estrutura urbana, apresentam diversas problemáticas que são palcos de questionamentos pertinentes. Dentre eles, se destaca o papel do CEPAC por dois motivos: - O caráter excludente do CEPAC, cuja verba da outorga paga à prefeitura é aplicada exclusivamente na área da operação, concentrando grandes volumes de investimentos para um único local da cidade, favorece uma desigualdade de melhorias urbanas e, consequentemente, de preço da terra.

39 ESTATUTO DA CIDADE. Art. 32 § 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001 40 Em 2004, a Operação foi renovada e passou a ser Operação Urbana Consorciada Faria Lima (OUCFL), Lei nº 13.769/2004

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Setor imobiliário: o que produz

- A desvinculação que o título cria entre a compra do potencial construtivo e a posse do lote. Como qualquer um pode comprar o título, tendo ou não lote na região, e seu valor pode variar – como com qualquer título financeiro – gera-se um novo tipo de especulação imobiliária, “financeirizada” (Ferreira e Fix, 2000 apud Maricato e Whitaker, 2002).

Além da venda de títulos da “terra”, as próprias incorporadoras passaram a vender ações de suas empresas. A abertura de capital de vinte e cinco incorporadoras entre 2005-2007 consolidou o primeiro ciclo de captação de incorporadoras, cuja soma levantada de 12 bilhões de reais consolidou o setor imobiliário como uma importante área do mercado de capital financeiro (RUFINO, 2019, p.7). Esse movimento viabilizou uma expansão geográfica sem precedentes de grandes incorporadoras em todo o território nacional, diversificando sua produção em diferentes segmentos.

O lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida em 2009 – fortemente influenciado pelas grandes incorporadoras de capital aberto que se mobilizaram em sua aprovação para conter a crise financeira de 2008 (RUFINO, 2019, p.9) - fortaleceu esse parâmetro, sistematizando uma produção imobiliária Brasil afora com edifícios padronizados produzidos em série em grandes condomínios nas franjas das cidades.

Finalmente, em 16 de abril de 2013, constituiu-se a Associação Brasileira de Incorporadoras (ABRAINC), “como desdobramento da aproximação das empresas no curso da crise de 2008” (RUFINO, 2019). Apesar de existirem diversas entidades regionais representativas do setor imobiliário, a ABRAINC constituiu, pela primeira vez, uma instituição específica do setor da construção de imóveis, meio século após a formalização da incorporação imobiliária e a aparição da figura do incorporador.

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70

3.

As revisões da legislação urbana nos anos 2010

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

3.1 Novas diretrizes para uma “cidade esgotada”

Ao assumir o cargo de prefeito, em janeiro de 2013, Fernando Haddad se empenhou em cumprir uma de suas principais promessas de campanha: a revisão do Plano Diretor. Conforme determinado pelo Estatuto da Cidade (2001), as cidades que instituíssem o plano deveriam revisá-lo pelo menos a cada dez anos. No caso, o PDE 2002 já celebraria seu 11º aniversário em setembro.

Logo, a “reforma urbana” prometida tornou-se uma pauta central já aguardada pelo planejamento urbano paulistano.

“São Paulo está pronta para uma reforma, para repensar seu desenvolvimento. (...) A maneira como a cidade se desenvolveu em 80 anos, desde Prestes Maia, se esgotou” Fernando Haddad (G1 São Paulo, 23 ago 2013)

Sob o pretexto de redirecionar a dinâmica radiocêntrica histórica da cidade, promete-se uma distribuição mais abrangente do desenvolvimento urbano pelo território a partir do chamado “Arco do Futuro”. Configurando a Macroárea de Estruturação Metropolitana, o projeto do arco contempla grandes áreas da cidade41 que possuem uma concentração populacional com baixa oferta de serviços e empregos. A premissa estabelecida previa a apresentação de Projetos de Lei de operações urbanas para cada arco ao longo dos anos que, apesar de realizadas, nenhum foi implantado. “foi criado um dispositivo nas áreas de operações urbanas [dos arcos] estabelecendo anos para cada uma delas que foram apresentadas. Ela entrou dessa maneira por uma razão muito simples: o pessoal falava que essas operações urbanas iam levar 20 anos [mas que] não seriam feitas e essas áreas ficariam congeladas. Então no acordo da câmara se estabeleceu um prazo de que a cada ano ia ser apresentado um projeto de operação urbana. No final acabaram sendo apresentados, mas nenhum foi aprovado.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021

Além do pilar da Estruturação Metropolitana, o novo Plano Diretor Estratégico (PDE 2014) se apoiou na redução da vulnerabilidade social/urbana (por meio da implantação de novas ZEIS e incentivos de produção habitacional 41 O Arco do Futuro contempla as áreas adjacentes ao rio Tietê (Arco Tietê) e parte das margens do rio Pinheiros (Arcos Pinheiros e Faria Lima/Águas Espraiadas/Chucri Zaidan) além de adentrar em duas parcelas do território da Zona Leste (Arcos Tamanduateí e Jacu-Pêssego), Zona Norte (Arcos Noroeste e Fernão Dias) e Zona Sul (Arco Jurubatuba e Cupecê), onde se concentram a maior parte da população mas que carece de infraestrutura, serviços e empregos (com exceção da região da Faria Lima)

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

social) e no desenvolvimento dos eixos estruturadores, sendo esse último o foco de estudo desse trabalho e que será aprofundado mais adiante.

No dia 26 de setembro de 2013, o Projeto de Lei do novo plano foi levado à câmara. Dois anos depois, o mesmo ato seria repetido para o Projeto de Lei do novo zoneamento (LPUOS 2016). Esses marcos foram frutos de longos períodos de revisão que contou com diversas etapas de análises técnicas, ensaios e uma ampla participação popular, cuja gestão democrática fora um mote para a revisão das leis.

Tanto a revisão do plano diretor quanto da lei de zoneamento tivera grandes repercussões midiáticas com reinvindicações de diferentes segmentos da sociedade que, num âmbito geral, foram representado principalmente por três grandes grupos: o setor imobiliário, as associações de bairro e os movimentos sociais por moradia.

Para esse trabalho foram realizadas entrevistas com responsáveis por essas revisões que atuaram ativamente nas suas elaborações. Além destes, também entrevistou-se representantes do mercado imobiliário que colaboraram para a negociação das diretrizes. Com isso, tenta-se captar as perspectivas de ambos os agentes nas definições para a produção do espaço uma vez que o plano contou com várias ferramentas que buscam objetivos de como nortear os agentes privados que constroem o espaço (ARAUJO, 2013). As informações descritas a seguir provêm de relatos de suas experiências referente à configuração do processo quanto nas discussões em volta da estruturação das novas ferramentas implantadas42.

42 Importante ressaltar que os relatos apresentados não representam necessariamente a opinião oficial de cada setor (público e imobiliário), servem apenas para mapear as diferentes perspectivas das duas esferas

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

3.2 Processo de revisão do Plano Diretor Estratégico de 2014

A coordenação da revisão do plano ficou sob responsabilidade do Departamento de Urbanismo (DEURB). A partir de uma avaliação temática do PDE/2002 (que contou com a participação pública) e da coleta de informações e dados das secretarias, definiram-se os componentes principais a serem analisados. O resultado foi a concepção de quatro mapas territoriais principais que compuseram as diretrizes básicas para a realização do plano.

A primeira consistiu no aperfeiçoamento do Mapa de Macroáreas do plano diretor anterior, “onde se poderia expressar projetos de cidade que norteia o PDE”. Ele fora determinante para o traçado das regiões que comporiam o “Arco do Futuro”.

O segundo mapa, das ZEIS, passou por uma vistoria de todos os terrenos designados no plano anterior onde se verificou que 60% das ZEIS 2 designadas estavam desocupadas. Logo, o mapa das ZEIS foi aperfeiçoado e novas áreas inseridas.

O terceiro mapa partiu de discussões sobre as ideias de adensamento do PUB junto com as críticas ao padrão de verticalização produzida a partir da Lei de 72, dando vida ao mapa de Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), que será aprofundada mais adiante.

Por fim, tentou-se realizar uma quarta base relacionada aos investimentos setoriais nos territórios. No intuito de auxiliar nos projetos de investimento urbano e na articulação intersetorial, a base não foi bem-sucedida por conta da má organização sistêmica dos dados da prefeitura (com falta de informações, incompletas ou fragmentadas) anterior à revisão do plano.

“Os investimentos na rede de equipamentos de saúde, educação, áreas verdes, parques, Sistemas viários, sistemas de corredores de ônibus, de infraestrutura de saneamento são completamente externos a uma lógica de planejamento e principalmente distanciado de uma lógica de projeto urbano.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

Além da elaboração das bases, outras etapas subsequentes compuseram a revisão do plano. Audiências públicas, análises técnicas e conferências foram feitas para ponderar as requisições da sociedade para o planejamento urbano da cidade nos quais se sobressaem, dentre os diversos grupos participantes do processo, três segmentos principais: o setor imobiliário, os movimentos

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

sociais de moradia e as associações de bairro.

“Se você perguntar para os movimentos sociais, as associações de bairro e produção imobiliária se eles ficaram satisfeitos e eles vão dizer: não. O jogo não é esse, todo mundo tem que ganhar alguma coisa, mas sabem que nesse jogo também tem que perder alguma coisa. É esse o jogo da cidade, são vários interesses, todos eles legítimos, e o poder público, o papel dele, é poder intermediar, e acho que ele representou bem esse papel.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

3.3 Processo de revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 2016 (LPUOS 2016)

Enquanto o Projeto de Lei do PDE 2014 tramitava na câmara, os trabalhos para a revisão da lei de zoneamento se iniciaram. Sob responsabilidade de uma comissão da Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo (DEUSO), a revisão promoveu o Concurso Nacional Ensaios Urbanos voltado à arquitetos de todo país para contribuir com modos de pensar as diretrizes previstas no PDE 2014. Organizado pelo IAB-SP, o concurso consistiu em duas modalidades43: a primeira para definir as regras gerais da configuração urbana e a segunda para se propor parâmetros de configuração urbana para alguns territórios específicos44 da cidade.

Os resultados do concurso foram, junto com as diretrizes do PDE, os inputs iniciais para a revisão da lei de zoneamento.

A agenda da comissão também contemplou oficinas nas subprefeituras para o processo participativo, além de consultas no Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) e na Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU).

Após uma primeira minuta do Projeto de Lei ser apresentada, uma consulta pública online e audiências foram realizadas para discutí-la e revê-la. A sistematização do processo foi feita com auxílio de empresas de consultoria urbana, selecionadas por meio de licitação. Finalmente, após nova revisão, a segunda versão do Projeto de Lei (PL 272) foi apresentada e levada à câmara, onde passou pelo mesmo processo de aprovação do PDE e consolidou, em 2016, a nova LPUOS.

43 A primeira modalidade foi dividida em cinco categorias de estudo de configuração: corredores urbanísticos; tipologias edificadas de uso misto no mesmo lote envolvendo obrigatoriamente o uso residencial; frente dos lotes com as vias com ênfase no tratamento da testada dos lotes e do pavimento térreo; lotes em territórios com elevada declividade; e lotes e quadras de grandes dimensões (PMSP) 44 Dentre os territórios específicos, destacam-se: Operação Urbana Água Branca, Grota do Bixiga e Jardins

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

3.4 Novo Instrumentos

Na política de readensamento e reavivamento das ruas da capital prevista pelo plano, protagonizam as Zonas de Estruturação Urbana (ZEU)45, cujas ferramentas introduzidas para adequar o uso e a forma do espaço urbano proposto contemplam a fachada ativa, fruição pública, uso misto, Cota Solidária, Cota Parte Máxima e Cota de Garagem. A previsão do aumento do fluxo de pessoas nessas áreas também resultou na determinação de ampliação compulsória das calçadas para, no mínimo, cinco metros de largura. Preocupações ambientais também foram levadas em consideração com a Quota Ambiental cujo cálculo promove incentivos econômicos ao empreendimento caso ele atender uma pontuação superior à mínima exigida. Para tanto, deve-se implantar soluções de atenuação de alterações microclimáticas, melhorias de drenagem e de proteção da biodiversidade46.

Nas entrevistas, foram questionados alguns pontos considerados pertinentes para esse trabalho referentes às zonas e aos novos instrumentos urbanísticos. Procurou-se entender com representantes do mercado e do poder público a ótica de ambos os lados nos efeitos das diretrizes estabelecidas.

É importante ressaltar que as avaliações apresentadas são limitadas tendo em vista a gama de opiniões dos diversos outros agentes que participaram do processo. Além disso, alguns desses novos instrumentos ainda são limitados pois esses novos empreendimentos estão sendo lançados e concluídos. Logo, não há um quadro de histórico para avaliá-los. Os relatos servem apenas como base de reflexão dos argumentos pertinentes de ambos os lados para a formação da conclusão desse trabalho.

Fachada ativa

A proposta de fachada representa a essência dos olhos na rua de Jane Jacobs. Ao se determinar o mínimo de 25% da testada do lote para esse uso (quando aplicado) e limitar em 20% a vedação do terreno com muros e gradios, proporciona-se uma maior interação do público com o privado. O incentivo oferecido é de um acréscimo de até 50% da área do lote como área não computável para esse fim.

Por parte do mercado, surgiu uma alerta referente a uma superprodu-

45

As ZEUs, provenientes das EETUs, serão aprofundadas mais adiante

46 As soluções construtivas e paisagísticas apresentadas na LPUOS 2016 são: cobertura verde, fachada ajardinada, muro verde, áreas ajardinadas sobre solo natural ou sobre laje com espessura de solo maior que 40cm, reservatório de retenção de água, ppavimentos porosos ou semi-permeáveis e plantação de árvores de pequeno, médio e grande porte.

77

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

ção de fachadas ativas que poderia acarretar um grande estoque de espaços vazios, principalmente quando são de grandes metragens. Na época da discussão desse instrumento, o SECOVI fez uma análise junto com a Urban Systems que alegava a tendência à essa ociosidade. Todavia, vê-se que o mercado imobiliário aderiu ao incentivo mediante uma cautela da produção.

Também se levantou o ponto de a necessidade da fachada ativa ser apenas direta ao logradouro, o que comporta uma limitação de seu uso interno ao lote no caso de mescla com fruição pública.

“Mesmo sem a pandemia, o Secovi já imaginava que a fachada ativa já tenderia a ser ociosa por conta de experiências em outras cidades brasileiras [Curitiba e Brasília] onde já existia legislação que exigia essa fachada ativa e o que aconteceu é muitos espaços ficaram absurdamente vazios, fechados e ociosos. O Secovi fez uma análise com a Urban Systems na época da discussão do PDE que alegava que tenderia a isso. Vai ter muita loja e a oferta é maior que a demanda.”

Entrevistado 04, entrevista concedida em maio de 2021

“Tem um pouco a questão da localização né. Tem projetos e locais da cidade que comportam muito bem a fachada ativa. (...) Na cabeça do comercial, [tem que ver] como trabalhar essas unidades se elas vendem pois não adianta construir e produzir por produzir que pode gerar uma vacância também né, da cidade não ter ocupação, pois daí sim os lugares podem até ficar inseguros, desocupado e não ter vida ou pessoas. É um conjunto de fatores que faz a fachada ativa funcionar né. Ela por si só, sozinha implantada sem pensar no conceito urbanístico eu acho que ela pode ser sim um pênalti, mas pensando em usos diversos que te gere movimento pode ser muito legal como contribuição para a cidade e para os edifícios. Eu acho que isso foi algo que foi se transformando e sendo bem aceito.”

Entrevistado 05, entrevista concedida em maio de 2021

“Resistência do mercado acho que não teve [de aplicar fachada ativa].

Eles disseram que não era muito adequado, achando que não ia dar certo, mas não foi uma resistência. Por exemplo, acho que eles seriam contra se fosse totalmente obrigatório, sabe. Então eu acho que não teve resistência porque não estavam perdendo nada, só estavam ganhando. Eu acho que eles fizeram [essas fachadas ativas] mas não acreditam muito pois o mercado é muito conservador do ponto de vista de fazer o que ele já sabe fazer.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021 78

As revisões da legislação urbana nos anos 2010

“O que eu acho é o seguinte. A regra do PDE de Fachada Ativa que está no zoneamento quando ela começou a ser testada apresentou uma série de problemas. Por exemplo: eu hoje faria uma Fachada Ativa direta e indireta.

Tem empreendimento que dá para fazer Fachada Ativa direto no logradouro.

Por exemplo o IMS, aquele restaurante que está no térreo, mas está no fundo.

Ele cumpre a função de ativar a fachada. Então eu acho que isso seria uma ativa indireta e a do conjunto nacional direto. Acho que a gente tem espaço para aprimorar esses direitos. O que eu quero? Eu quero criar essa dinamização do espaço público.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

Incentivo ao uso Não Residencial (NR)

O incentivo NR tem como intuito promover o uso misto das edificações, oferecendo mais 20% do potencial construtivo como não computável para esse fim. As críticas referentes à aplicação do incentivo para a produção de Studios (a repaginação das kitchenettes) como um novo produto configurado como moradia voltado para investir se mostraram menos ferrenhas do que esperado de ambos os lados. Conforme ressaltado por muitos entrevistados, ainda é muito cedo para se tirar uma conclusão sobre o uso desse incentivo e a saturação de Studios tendo em vista que os primeiros empreendimentos com esse usufruto estão saindo agora.

“A proporção de NR que é feito no projeto é muito baixa, 20%. Então se o mercado fizer esses 20% do NR + FA [sendo] esses 20% como flat não vejo muito problema e nem grandes distorções. Não tem muito problema de ter flat na residência e uso misto no mesmo lote. Acho até interessante isso.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

“todos esses empreendimentos têm unidades para investidores. É um tipo de produto para o qual não tem tanto mercado assim. (...) não adianta eu produzir muitas unidades Studios pequenas se eu não vou ter mercado para elas. Na teoria tudo bem, mas precisamos ver na prática como essas unidades serão ocupadas. O setor imobiliário é muito conservador pois a experiência mostrou para ele que ele tem que ser conservador e ele tem que minimizar riscos. Então o que ele faz? Ele faz serviço de hospedagem, todo mundo foi fazer por conta do Airbnb. E esqueceram o comercial. Acho que até existe mercado para conjuntos comerciais menores para profissionais liberais. E acho que vai começar a surgir porque vai ter tanto NR de serviço de mora-

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

dia vazio nos novos empreendimentos que de repente façam essa adaptação.

Como tem acessos separados, a qualquer momento você pode mudar esse uso desde que o projeto suporte ele.”

Entrevistado 04, entrevista concedida em maio de 2021

“O PDE viveu um momento em 2014 que as salas comerciais já vinham com um declínio, já estava meio saturada. O mercado de lajes corporativas também parou nessa época e ainda não voltou porque veio a pandemia. (...)

Então assim, eu entendo no atual momento que o pessoal entende que existe um espaço no mercado para essa unidade NR de serviço de moradia.

Eu acho que existe um mercado para esses serviços de moradia hoje em dia no mundo inteiro né. É interessante você ver esse produto novo aqui [em São Paulo] mas eu acho que ele tem seu espaço e quando a gente ver uma volta do comércio eu acho que ele começa a brigar. Também esses produtos vão naturalmente aparecer nesses edifícios, é uma questão mercadológica.”

Entrevistado 06, entrevista concedida em maio de 2021

Fruição Pública

A fruição pública representa um instrumento urbanístico de permeabilidade do térreo que não fora muito aderido devido a algumas limitações que ela impõe. Com uma área mínima de 250m² se aplicado, a área destinada não será computada apenas se descoberta, algo que fora criticado pelos entrevistados.

“A fruição é outro ponto bastante interessante. A partir do momento que se tem fachada ativa elas combinam muito bem. (...) Infelizmente eu acho que a fruição pública carece de manutenção do instrumento. Tem algumas regrinhas que atrapalham uma aplicação mais bem sucedida. Por exemplo: tenho um empreendimento misto com fachada ativa, NR e residencial e eu tenho que interligar todos os logradouros. Se eu tenho frente para duas vias seria o ideal, eu ligo uma na outra por fruição e coloco fachada ativa nas duas.

Mas se uma dessas vias não tem largura de via para um empreendimento comercial, eu não posso abrir a fruição para ela.

Aí você se pergunta: mas é para pedestre e não para carros, o que a largura da via influencia nisso? Pois é, mas faltou. Então hoje eu tenho várias fruições públicas que terminam em muro porque não posso interligar na outra via pois tenho comércio. É uma pena a gente engasgar com questões dessa forma, são instrumentos muito positivos para a cidade mas que precisa implementá-los de forma efetiva.”

Entrevistado 06, entrevista concedida em maio de 2021

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

“Os produtos tiveram mudanças mais na mescla de usos do pavimento térreo com residencial nos superiores. Talvez tenha a mistura de usos nos pavimentos de usos também. Acho que a possibilidade de recuos frontais e abertura de fruição pública gerou alguns resultados. Tenho visto em bairros de classe média de interesse do mercado que isso aparece.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

“Se você fizer uma fruição pública coberta ela é computável. Ela dá desconto na outorga, mas ela é computável. Será que ela precisaria ser? Então, talvez a gente precise evoluir isso, conceituar melhor o que seria isso, o que seria uma fruição. Pode ser uma área de estar, de ocupação, mas não pode ser uma área de loja.

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

Cota Parte Máxima

A ideia da Cota Parte Máxima é de garantir um número mínimo de unidades (atendendo ao propósito de adensamento) e limitar o tamanho das unidades na região dos eixos de estruturação Urbana para possibilitar habitações mais acessíveis aos usuários do transporte público (atendendo ao propósito de inclusão social).

Uma crítica apontada é que ela também fomentou na produção de Studios residenciais a fim de bater o número mínimo de unidades no menor uso possível de área para possibilitar maiores metragens em outras tipologias. Essa mescla de produtos funciona como uma mistura de públicos, porém questionam se ela possibilita de fato uma inclusão social das classes mais baixas na ocupação do espaço.

“Eu acho que a cota parte ainda é muito tímida né. Ela prevê ali um tipo de adensamento populacional que atende totalmente as demandas do mercado e os interesses do investidor. A cota parte ainda elitiza as áreas das ZEUs, não contribui para abrir acessos ali para outros setores da sociedade né.

Agora o que ela faz é evitar apartamentos gigantes nos eixos de estruturação urbana pois há uma pressão para isso. O mercado quer que tenha em áreas de transporte coletivos apartamentos gigantes. E isso a cota parte barra.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

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Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

“A corta parte nas ZEUs está sendo burlada em muitos casos. A LPUOS 2016 criou uma janela de oportunidade por pressão do mercado que aumentou a cota parte para 30m².

De qualquer maneira, a cota parte tinha o objetivo de produzir uma maior densidade demográfica que é um objetivo estratégico do PDE para garantir não só um adensamento construtivo como também adensamento populacional. É claro que várias das coisas que estamos falando aqui e que não tem nada a ver com PDE e nem urbanismo é a capacidade de renda da população. Quando você fala que não fecha a conta, ela não fecha porque a classe média está empobrecida. Então são fatores econômicos que se relacionam muito fortemente com essas questões imobiliárias. Então acho que essa discussão sempre tem que estar presente em nossa conversa.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021

“O fato de o mercado ter concentrado sua produção de médio-alto padrão nos eixos e a regra de cota parte com apto de 80m², não que ela tenha criado a produção de unidades menores de Studio e um dormitório pois isso já vinha um crescente no mercado, mas aumenta após o PDE 2014 e LPUOS 2016.Então surge de fato esse produto [Studios residenciais] como um produto que é resultado de se produzir unidades maiores para a população que deseja unidades maiores. E aí, quanto maior a unidade menor tem que ser do outro lado para que a unidade média permaneça em 80m². Então os edifícios passam a ter uma mescla de tamanho de unidades que antes não se tinha. No geral eles eram bem próximos e aí a cota traz essa necessidade de se adequar. E a gente precisa entender como isso vai se comportar no tempo pois é algo muito recente em função da grande quantidade de apartamentos pequenos que as unidades maiores fazem produzir, em função de perfis de população pois um casal que mora num Studio é diferente de uma família que mora de 3, 4 dormitórios eventualmente com crianças.

São públicos muito diferentes, então precisamos ver como isso vai se comportar no tempo. No geral [o mercado] teve muito receio dessas mesclas, mas vale ver o que vai acontecer.”

Entrevistado 06, entrevista concedida em maio de 2021

Cota de garagem

Para incentivar o uso do sistema de transporte público (princípio básico das ZEUs) e os meios alternativos como bicicleta, o PDE estipulou o número de

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

vagas de garagem para o máximo de uma por unidade sendo não computável.

Na mídia, a cota de garagem foi bem polemizada com o mercado se mostrando relutante a isso. Um reajuste foi feito para possibilitar mais vagas no empreendimento contanto que entrassem na conta de área computável. Logo, uma outra saída que não comprometesse o potencial construtivo foi a de transferir vagas de uma unidade para outra.

“A LPUOS 2016 criou uma janela de oportunidade que aumentou também a possibilidade de construir mais do que 1 garagem por unidade habitacional [sendo computável]. O modelo previsto pelo PDE acabou mudando pois o plano propunha que fosse apenas 1 garagem por unidade. Então houve uma mudança em relação a isso.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021

“Já era uma tendência histórica o número menor de automóveis. Acho que o setor imobiliário está lidando bem com isso. Você pode ter 1 vaga por unidade no máximo. Se você quiser ter mais você pode, mas entra na sua área computável. O que a produção está fazendo, está respeitando o conceito, mas vendendo unidades sem vagas e outras com 2 vagas. O resultado é o mesmo, o impacto é o mesmo como se fosse uma vaga para todas as unidades. É uma adequação da legislação. Pois há pessoas que precisam de 2 vagas. Não vejo isso sendo um constrangimento da produção imobiliária.”

Entrevistado 04, entrevista concedida em maio de 2021

Cota solidária

A Cota solidária foi o principal instrumento apresentado para a inclusão social nos eixos. Sua regra determinaria a doação de 10% da área construída para habitação social para todos os empreendimentos maior que 20 mil metros quadrados. Ao longo das negociações na elaboração do PDE 2014, foram flexibilizadas as possibilidades de aplicação da cota: além da doação de área construída, pode-se doar terrenos à prefeitura com o valor equivalente para esse fim ou doar 10% do valor do terreno para o FUNDURB que seria revertido na aquisição de terrenos para moradia social.

Esse instrumento se revelou bastante limitado na visão de ambos os setores que reconhecem a sua relevância para a política habitacional da cidade.

83

Parte 1 | Produção da lei e do espaço: Setores produtores da cidade

“Eu acho que é um instrumento que está distorcido. Ele perdeu o sentido de garantir acesso à terra bem localizada central para a população de baixa renda quando você abre a possibilidade para empreendedor pagar para o FUNDURB. Todos os grandes empreendimentos com mais de 20.000m² pagaram né.

Eu acho que é um instrumento muito tímido. Acho que esses grandes empreendimentos de +20mil m² são raros na cidade, tem que se repensar.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

“A legislação urbana não tem como fazer inclusão social do espaço. Nas ZEUs não se constrói HIS pois os preços de terreno são muito altos. Com um HIS faixa 2 não consigo trabalhar num preço superior entre 4 e 5mil o metro quadrado de terreno. Como é que eu consigo fazer HIS em eixo com valor de metro quadrado entre 15 a 25 mil? A cota de solidariedade foi pífia no monitoramento, não deu certo. Não vamos conseguir misturar as classes sociais nos eixos. Toda a produção social está sendo construída nos miolos de bairro (nem dentro de ZEIs) pois o mercado precisa de terreno barato. É uma lógica que a legislação não consegue romper, é uma lógica de mercado.”

Entrevistado 04, entrevista concedida em maio de 2021

“O jeito de examinar é ver se está tendo empreendimento nos eixos voltados para famílias de baixa renda. Eu não acho que deva ter uma produção massiva de todos os empreendimentos serem para baixa renda nos eixos. Eu não vejo isso. Mas eu acho que deve ter uma certa logica que hoje nos eixos não têm. Assim, onde vai ter HIS no eixo? Provavelmente nos eixos mais no sentido da periferia onde tem terrenos mais baratos. Entao o que eu acho, uma coisa é você conseguir diverisificar o padrão no eixo olhando nos diversos territórios que ele incide.

Entao eu acho que tem de criar um outro raciocínio, voltar para os fundamentos da cota de solidariedade. Qual é o fundamento? Exigir que se faça moradia em um lugar que é bem valorizado com emprego e infraestrutura. Qual que é a filosofia central disso? Gerar moradia numa área com infraestrutura. (...) Não sei, acho que tem de fazer uma discussão um pouco mais ampla. Tanto que não funcionou, são poucos empreendimentos que pagaram cota e a transferência do direito de construir bombou”.

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

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As revisões da legislação urbana nos anos 2010

Em suma, os novos instrumentos estabelecidos pela lei representam uma preocupação de adensamento, diversificação de públicos e de usos do solo, além de uma atenção ao desenho urbano na escala do pedestre. Já a forma urbana dos pavimentos superiores ainda não constitui uma lógica de composição harmônica na estética dos edifícios prevista. Nas palavras de um dos entrevistados: “O PDE e a LPUOS se ocuparam de resgatar o térreo. Eles meteram a colher no térreo e na relação entre o público e o privado (...) de prevalecer o sentido de coletivo de ocupação dos espaços. Então o objetivo de você ampliar a calçada de 5m, acessível, FA, mais interação [é para isso].

Os projetos acabaram pegando essa mensagem. E claro, deixa mais livre a forma do prédio, como ele vai se resolver ali o adensamento. Então ele vai ter que obedecer a outros critérios de aeração e insolação.

Fazer a construção em toda a periferia do lote com gabarito mais baixo é muito difícil, eu acho que é muito difícil para você encaixar num território da cidade, você precisaria de uma quadra inteira para desenhar. Você precisava pasteurizar isso né.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

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PARTE II Transformação urbana na prática: O caso do Eixo Rebouças

4.

A composição dos eixos

Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

4.1 O conceito DOT (Desenvolvimento Orientado ao Transporte)

A análise histórica do desenvolvimento urbano paulistano sob a ótica da gestão pública e da produção imobiliária, a recente revisão das leis e a explicação das novas ferramentas implantadas servem como fundamentos para a compreensão de como a legislação urbana se dá nos edifícios construídos e na forma urbana. Para tanto, a parte II do trabalho se aprofunda em avaliar a área de maior aplicabilidade da incorporação imobiliária designada pelo plano: os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana.

A política de adensamento ao longo de eixos de mobilidade do PDE 2014 é pautada no argumento de transformação urbana ao introduzir uma reorientação do processo contínuo de urbanização em torno da rede de transporte de massa da cidade (MELLO, 2016). A introdução desses eixos se mostrou inovadora para a política de desenvolvimento urbano paulistano. No entanto, suas ideias e diretrizes remetem a sistemas de planejamento já presentes na pauta do urbanismo desde o século XIX. Fig. 31 - Representação gráfica do plano da Ciudad Lineal em Madrid; Arturo Soya y Mata, 1894

Fonte: Navascués Palacio

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A composição dos eixos

As precárias e lamentáveis condições das cidades industriais no século XIX trouxeram à tona a necessidade de introduzir novas formas de pensar a ocupação do espaço a fim de romper com a crise da urbanidade e suas distorções socioeconômicas (SCHULZ, 2019). Além da cidade-jardim proposta por Ebenezer Howard na Inglaterra vitoriana e da implantação de comunidades utópicas contrárias ao ciclo dos meios de produção capitalista (NAVASCUÉS, 1969), surge na península ibérica uma alternativa à metrópole pelo urbanista espanhol Arturo Soria Y Mata, oposta às cidades concêntricas de Howard (SAMBRICIO, 1982).

Tendo como ponto de partida o problema da locomoção como a raiz de todos os problemas da urbanização (NAVASCUÉS, 1969), Soria Y Mata apresenta em 1886 o projeto da Ciudad Lineal, a “última utopia do século XIX” (SAMBRICIO, 1982). Segundo Ghidini (2009), sua proposta consistia em orientar a expansão da cidade de Madrid em torno de linhas de bondes elétricos centradas em vias longitudinais de 40 metros de largura circundando a capital. Ao longo delas, novos assentamentos urbanos seriam loteados, conectando a capital madrilena aos povoados da periferia. Para tanto, fundou em 1894 a Compañia Madrileña de Urbanización (CMU), responsável não só pela implantação das linhas de bonde – aprovadas em 1892 - como também pela infraestrutura hidráulica e de comunicação. Posteriormente, realizou um ciclo completo de desenvolFig. 32 - publicidade da Ciudad Lineal

Fig. 33 - Ciudad Lineal atualmente

Fonte: Navascues Palacio

fotomontagem com Google Earth Elaboração feita pelo autor

vimento imobiliário ao longo dessa via com loteamento, construção, aluguel e venda de unidades habitacionais “a diferentes precios, unas de lujo y otras más modestas, hoteles aristocráticos, hoteles burgueses y hoteles obreros” (NAVASCUÉS, 1969).

O complexo projeto de Soria Y Mata apresentava uma gama de serviços previstos, como a construção de escolas, universidade, restaurantes, teatro, velódromo, parques e outros itens que garantiriam a autonomia desses aglomerados urbanos como uma forma de vida alternativa à caótica Madrid mais salubre e próxima ao campo (NAVASCUÉS, 1969). Todavia, nem todos os projetos conseguiram sair do papel.

A Ciudad Lineal proposta por Soria Y Mata apresenta um exemplo efetivo de

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

desenvolvimento linear urbano protagonizado por um eixo de transporte público que perdurou até a década de 1930. A ascensão do movimento modernista ofuscou não só as estéticas Belle Époque dos seus edifícios como também os valores urbanísticos modernos (NAVASCUÉS, 1969) que tornaram a utopia urbana de Soria Y Mata obsoleta.

Segundo Schulz, a cidade funcional modernista preconizada por Le Corbusier – a Ville Radieuse - assumia a condição de um mecanismo composto de edifícios isolados inseridos em meio a jardins recortados por um sistema viário para alta velocidade (SCHULZ, 2019). Apesar de nunca implementada, a influência da cidade ideal do arquiteto franco-suíço serviu na elaboração da Carta de Atenas (BERTAUD, 2018; SCHULZ 2019). O documento, redigido no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM IV) em 1933, tinha o intuito de regulamentar a forma urbana. “Essa

fórmula foi aplicada em países com culturas urbanas muito distintas, inclusive no Brasil” (SCHULZ, 2019, pg 180). Em São Paulo, soma-se a isso uma política urbana

rodoviarista que, influenciada pelo “zoneamento convencional” norte-americano, acaba priorizando um urbanismo em prol de objetivos que procuram favorecer e melhorar, dentre outros itens, o tráfego de veículos em detrimento da forma urbana. (NAKANO e GUATELLA, 2016).

Com exceção do planejamento urbano de Copenhagen de 1947 que conduziu o crescimento da capital dinamarquesa em torno das vias férreas no chamado “Finger Plan” (GHIDINI, 2009), foi apenas na década de 1970 que o desenvolvimento linear em torno de redes de mobilidade urbana ganhou destaque novamente nas discussões urbanísticas. O Desenvolvimento Orientado ao Transporte (DOT) surgiu para descrever “(...) a coordenação do uso do solo próximo às estações de transporte público com a finalidade de incrementar e eficiência do transporte com o aumento do número de usuários” (GHIDINI, 2009). Segundo o autor, os princípios do DOT são: - Organizar o crescimento a nível regional, de maneira compacta e sustentável para a mobilidade; - Localizar os usos comerciais, habitacionais, laborais, recreativos e cívicos, a distância que se possa ir caminhando das estações do sistema de transporte - Criar redes de vias “amistosas” para o pedestre, e que conectem destinos locais e atrativos - Prover uma diversidade de moradiais quanto à tipologia, densidade e custo; - Preservar “habitats” ecologicamente frágeis e espaços abertos de grande qualidade ambiental - Fazer dos espaços públicos, o foco de orientação de edifícios e das atividades dos bairros; - Promover a renovação urbana.

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A composição dos eixos

O DOT tem como precursora a implementação da Rede Integrada de Transporte (RIT) na cidade de Curitiba. O Plano Preliminar de Urbanismo (PPU), elaborado por Jorge Wilheim em 1965 trouxe em suas diretrizes gerais o plano viário e o Sistema de Transporte de Massa visando propiciar o equipamento mais global da cidade em todos os seus setores e iniciar um processo de industrialização em Curitiba (MORERA, 1999).

Fig. 34: Rede de transporte Integrado

Fonte: Urbanização de Curitiba S/A

Em 1974, o então prefeito e urbanista Jaime Lerner inicia a implantação dos BRTs (Bus Rapid Transit) numa rede de vias exclusivas que compunham os eixos do sistema RIT premeditado no PPU. Com estações a cada 500m e terminais intermodais nas extremidades das linhas que conectavam o BRT às outras modalidades de transporte, a eficácia do sistema é reforçada tanto por evitar o tráfego de automóveis na mesma faixa quanto por garantir uma continuidade do andamento do sistema ao adquirir um bilhete único antes do primeiro embarque válido para as diferentes modalidades.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Junto com essa rede de transporte, o Plano Diretor de Curitiba fomenta o desenvolvimento da cidade em torno desses eixos estruturais, fazendo “sua adaptação ao transporte público uma das marcas fundamentais de seu crescimento. Em Curitiba, há mais de três décadas, a estrutura urbana e o crescimento da cidade se articulam sobre 5 eixos viários reservados majoritariamente para a circulação de ônibus, criando assim, por um lado, uma intensa integração entre transporte público e cidade e por outro, estabelecendo um esquema básico de transporte público rápido, pouco custoso, ao que se articula uma enorme rede de linhas convencionais.” (POZUETA, 2005 p.37 apud GHIDINI, 2009, p.3–4).

O consequente adensamento linear torna-se marcante em sua paisagem com uma nítida verticalização concentrada ao longo das vias que integram o sistema de BRTs como na rua Padre Anchieta e nas avenidas Sete de Setembro e República da Argentina.

Curitiba ganha notoriedade internacional, passando a ser disseminada mundo afora como uma alternativa mais econômica de transporte de massa e consagrando-se como a imagem de cidade justa e sustentável (MORERA, 1999). No entanto, críticas mais recentes trazem problemáticas envolvendo a contradição entre o ideal proposto de um espaço denso, diversificado e de uso misto e a efetiva produção imobiliária relativamente homogênea em torno dos eixos voltada às classes média e média-alta curitibana nos últimos 30 anos (GHIDINI, 2009). Segundo Ghidini, o planejamento de Curitiba se desassocia do conceito TOD uma vez que a valorização dos eixos próximo às estações BRT e sua subsequente segregação socioespacial causa a dispersão urbana da população mais pobre ao invés da compacidade premeditada pelo conceito, tendo em vista a proporção inversa do custo do solo com a sua proximidade dos eixos estruturais (2009).

Fig. 35 -Rua Padre Anchieta (esq) e Avenidas República da Argentina e Sete de Setembro (dir)

Fotomontagem com Google Earth Elaboração do autor 94

A composição dos eixos

4.2 Os Eixos de Estruturação Urbana em São Paulo

Em São Paulo, a proposta de um plano formal moldado no desenvolvimento urbano linear apareceu pela primeira vez em 1968 com o PUB. A estrutura de mobilidade urbana foi uma das peças-chaves da proposta, dissociando a rede de transporte público de massa da malha de vias expressas por meio dos “corredores de atividades múltiplas” associados às linhas de metrô. Esses corredores propunham trechos de 600m de largura em torno das linhas e estações para ocupação de alta densidade (300 hab/hec) e concentração de atividades comerciais, de lazer e de serviço. As malhas de vias expressas, por sua vez, possuíam um padrão ortogonal que fundamentou o Plano de Obras de Vias Expressas e Arteriais de 1972 (ANELLI, 2007).

Fig. 36 - Plano Urbanístico Básico - PUB, corredor de atividades múltiplas

Fonte: PMSP, 1968

Conforme analisado no primeiro capítulo, o plano elaborado na gestão do prefeito Faria Lima nunca fora efetivamente implementado pelo seu sucessor Paulo Maluf por questões políticas. Com a reformulação da lógica de crescimento urbano promovido pelo PDDI e pela Lei de 72, reprimiu-se o adensamento urbano proposto pelo PUB, inserindo quase 70% da área da cidade na genérica zona de baixo potencial construtivo Z2 (CA 1) e praticamente erradicou o uso misto nos lotes com a Fórmula de Adiron.

Essa dispersão determinou uma remodelação do ambiente urbano paulistano que vira suas costas para a rua – agora murada. A forte contradição da cidade da lei de 72 com o PUB de 68 num curto espaço de tempo desvia completamente São Paulo do ideal metropolitano que, 2 anos depois, trouxe renome à Curitiba.

A capital paulista passou por um longo período de espraiamento e de diluição

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

de sua população pelo território, relegando o adensamento formal e o uso misto das suas edificações, além de poupar grandes partes das áreas mais centrais providas de infraestrutura e polos de empregos de um adensamento construtivo e demográfico. Logo, por conta da menor oferta de terrenos com maior potencial construtivo e de uma restrita ocupação nas melhores e mais bem providas localizações, a legislação urbanística cooperou na elevação compulsiva do preço da terra e na dispersão das camadas mais pobres em ocupações irregulares ultra adensadas nas bordas da cidade. Para Carvalho (2008): “Se o preço do solo urbano depende do seu posicionamento geográfico em relação à cidade, depende também das características construtivas definidas por sua Zona de Uso e Ocupação. Maiores coeficientes construtivos associados a uma permissão de uso mais diversificados constituem um alto valor de troca, muito valorizado pelo mercado imobiliário. Baixos coeficientes e usos mais restritivos como na Z1 proporcionam um alto valor de uso. Definir essas características através do zoneamento, nada mais é que definir o preço do solo e, consequentemente, a tipologia arquitetônica da edificação.” (p.49)

No âmbito econômico, o distanciamento de grande parte da população dos polos de trabalho e dos sistemas de transporte reduz a produtividade da cidade numa escala macro. Bertaud (2018), em suas análises, reforça a relação da mobilidade urbana com a oportunidade de emprego. “as vantagens do potencial econômico das grandes cidades só ocorrem se os trabalhadores, consumidores e fornecedores puderem trocar serviços, bens e ideias com o mínimo de dificuldades e poder multiplicar a possibilidade de contatos com o mínimo comprometimento de tempo e custo” (pag. 28 – tradução livre).

A partir de estudos feitos por urbanistas e economistas47, Bertaud explica que a eficiência da produtividade urbana é marcada pela quantidade de empregos disponíveis em um raio de deslocamento de até uma hora para seus habitantes. Logo, a mobilidade é um fator chave para se aumentar a eficiência produtiva das cidades e o bem-estar dos seus trabalhadores (PRUD’HOMME e LEE, 1999; MELO, 2016 apud BERTAUD, 2018). Isso ocorre pois, quando os indivíduos conseguem otimizar as decisões de emprego, tem-se uma otimiza47 Rémy Prud’homme and Chang-Woon Lee, “Size, Sprawl, Speed and the Efficiency of Cities” Observaotire de l’Économie et des Instituitions Locales, Université de Paris 13,1998; Patrícia Melo, Daniel Graham, David Levinson and Sarah Aarabi “Agglomeration, Accessibility and Productivity: Evidence for Urbanized Areas in the US”, paper submitted to the Transportation Research Board, Washington, DC, 2013.

96

A composição dos eixos

ção também na produtividade dos locais de trabalho (devido ao interesse pela escolha) e a produção agregada consequente aumenta.

Ainda segundo o autor, “um grande mercado de mão-de-obra não garante uma alta produtividade na ausência de mobilidade do trabalhador. Portanto, o tempo gasto se deslocando deveria ser um indicador chave ao avaliar a forma como as grandes cidades são administradas” (tradução livre).

Por meio de modelos esquemáticos, o urbanista correlaciona a estrutura urbana e o seu sistema de mobilidade para três situações de polos de emprego (monocêntrica, policêntrica e dispersa) considerando um cenário de trânsito ideal e com a vazão comprometida (i.e. tráfego e congestionamento). Logo, a empregabilidade depende não só da distribuição de empregos no território como da eficiência viária para alcançá-los.

tempo x deslocamento condições ideais de trânsito

tempo x deslocamento trânsito comprometido

Fonte: BERTAUD, A. Order Without Design Adaptação: Gabriela Momberg

Em um segundo modelo simplificado, ele adentra na oportunidade de empregos dentro de um raio t de tempo de deslocamento que é afetado a partir do local onde reside o trabalhador, reiterando não só a relação oferta de trabalho com a mobilidade e a disposição dos polos de emprego como também na ocupação da população no espaço. Logo, moradores que residem em A possuem 41% mais oportunidades de emprego que um residente em C na periferia.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Quantidade de empregos alcançados em um mesmo tempo t de deslocamento r 69%

54%

28%

Fonte: BERTAUD, A. Order Without Design Adaptação: Gabriela Momberg

“Considere três trabalhadores morando em três pontos diferentes. Ao medir quantos postos de trabalhos eles poderiam potencialmente acessar em um mesmo tempo arbitrário, assume-se que em 30min de deslocamento com uma velocidade média de 20km/h (correspondente a um raio de 10km) os três teriam o mesmo alcance de postos de trabalho. Enquanto a área que pode ser alcançada em 30min por eles é a mesma, o número de empregos localizado dentro nesse raio é diferente dependendo da localização do deslocamento deles pela cidade.” (p.106, tradução livre)

Apesar desses modelos apresentarem apenas algumas variáveis que determinam a oferta de trabalho no meio urbano, eles auxiliam na compreensão da distribuição espacial demográfica de uma cidade adensada e provida de uma ampla gama de infraestrutura de transporte com eficiente vazão. Uma situação contrária ao que grande parte de São Paulo viveu até então, onde a maior parte da população se encontraria no ponto C (modelo 2) com um sistema viário majoritariamente comprometido pelo crescente tráfego de veículos (modelo 1).

É importante ressaltar que, apesar da tendência de baixa ocupação formal num contexto macro urbano, durante o último quarto do século XX também houve alguns projetos urbanos que visavam o adensamento ao longo das futuras linhas e estações de metrô em construção. Em seu artigo concernente ao sistema de mobilidade urbana da cidade, Anelli discorre sobre a fundação da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) em dezembro de 1971 para conceber as intervenções urbanísticas previstas pela prefeitura, dentre as quais a reurbanização das áreas afetadas pelas obras do Metrô.

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A composição dos eixos

O intuito dessas intervenções foi não somente “minimizar os impactos negativos das demolições para a construção da rede” como também amortizar os custos da implantação do metrô por meio de ganhos de valorização imobiliária dos terrenos desapropriados e revertidos ao poder público. (ANELLI, 2007)

Diversos projetos, alguns dos quais financiados com recursos federais por meio do programa Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada (Cura) do BNH e outros com investimentos de parceria com a iniciativa privada, foram propostos em áreas em torno de estações como Santana, Jabaquara, Brás e Conceição. No entanto, os projetos previstos para o Emurb eram superiores à possibilidade de implantação pela prefeitura (ANELLI, 2007).

Questões políticas de redefinição de prioridades e verbas nos diferentes mandatos, os altos custos de desapropriação e construção e episódios de resistência por parte dos moradores dificultaram a implementação da maior parte desses projetos, muitos dos quais não vingaram. Vale destacar o caso Brás / Bresser cujo projeto contemplava não só uma reurbanização de infraestrutura como também a produção de edifícios multifuncionais, estacionamentos subterrâneos e habitações com espaços públicos verdes, “uma cidade na qual o adensamento e a facilidade de deslocamento e transporte público iria conviver com a amplidão dos espaços abertos verdes” (ANELLI, 2007). Todavia, o contrato com o BNH não prosperou e o projeto de tamanha complexidade fracassou.

Fig. 37 - Maquete do projeto de reurbanização Brás Bresser,

Fonte: Arquivo da Emurb

Apesar do Plano Diretor Estratégico de 2002 seguir sustentando essa dinâmica urbana da década de 1970, a introdução do mapa de Macroáreas apresentou uma sofisticação para a leitura do território da cidade que até en-

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

tão se embasava num mapa genérico de diretrizes de uso do solo. O mapa foi fundamental para a determinação dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU) em 2014.

Partindo da análise do mapa das Macroáreas de Reestruturação e Requalificação Urbana – que norteou o primeiro traçado dos eixos – a equipe de técnicos responsáveis pela sua concepção seguiu duas frente para a determinação dos eixos:

1. Em uma lógica do macro, a articulação da cidade em torno de seus eixos de transporte coletivo em massa foi definida visando ao adensamento (demográfico e construtivo) e à proximidade da residência com os corredores de ônibus e linhas de metrô, tornando mais acessível os serviços e postos de trabalho, ao mesmo tempo em que se levaria moradia e novos polos de emprego para locais mais afastados por meio do fomento à produção imobiliária com incentivos de construção;

2. O diferencial da preocupação com a forma urbana, baseada nos princípios da rua corredor, trouxe ao plano diretor ferramentas na escala do lote para ordenação da produção, tendo como base as críticas à cidade paliteiro. Para isso, criaram-se ferramentas de reformulação da tipologia dos empreendimentos, eliminando o recuo mínimo frontal e inserindo incentivos à fachada ativa e fruição pública no térreo com uso misto dos pavimentos superiores, aproximando esses instrumentos de uma lógica de desenho urbano. Dessa maneira, tenta-se retomar aos ideais jacobianos dos olhos na rua.

A formulação das EETUs designou traçados já existentes, premeditados no mapa das Macroáreas de 2002, e previu tantos outros a serem implementados, garantindo uma distribuição concentrada da cidade ao longo de seus corredores de ônibus, linhas de trem e metrô.

A delimitação desses perímetros causou polêmicas com representantes do setor imobiliário e de associações de bairro. Para os primeiros, o descontentamento incidiu na decisão da gestão pública de eliminar praticamente todas as Macroáreas de Estruturação Metropolitana (correspondente aos “arcos do futuro”) da influência dos eixos. Sob o pretexto de que essas áreas seriam designadas a posteriores Projetos de Intervenção Urbana (PIU), elas poderiam ser inviabilizadas de ser implantadas caso fossem incorporadas aos eixos. Logo, reduziu-se “praticamente pela metade o espaço para ser efetivamente utilizado como ZEU”48.

48 100

Trecho de entrevista realizada em maio de 2021 (entrevistado 02)

A composição dos eixos

Fig. 38 - Mapa das Macroáreas

Fonte: PDE 2002.; PMSP

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

“uma outra [questão] que foi muito discutida, questionada e difícil de ser aprovada pois muitos setores do mercado imobiliário e da própria câmara tinham oposição foi a questão de excluir as áreas de macrozona de estruturação metropolitana dos eixos. Isso foi algo muito discutido, muito questionado que reduziu à metade a área das EETUs. Isso foi uma mudança importante e o mercado imobiliário chiou pois, consequentemente, você valoriza uma área quando vira ZEU.” Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

“quando os eixos foram implementados o mercado tentou avisar que estava criando uma escassez de solo na cidade. Os eixos representam 3,3% do solo [urbano]. [as macroáreas de estruturação metropolitana] foram congeladas aguardando os projetos urbanos, que é teoricamente o ponto mais importante de ocupação e desenvolvimento da cidade segundo o PDE. colocou-se índices bastante restritivos para que se reservasse as terras para os projetos urbanos que viriam e que a ocupação viesse de acordo com a implementação deles. É interessante ter essa conversa 6 anos depois pois nenhum PIU foi implantado. A parte mais importante dele não se concretiza né. E a escassez do solo existiu.”

Entrevistado 06, entrevista concedida em maio de 2021

“Observe que na macro área de estruturação metropolitana não tem eixo não tem ZEU, por quê? Porque isso é área de território urbano. (...) Seria uma maneira de fazer o seguinte: o projeto nesses territórios vai dizer como que será a melhor maneira de adensá-los e aí você iria criar de fato mais área adensável nesses territórios de reestruturação da cidade. A partir do momento em que entra uma gestão que não prospera a aprovação desses projetos, que tira o arco tiete de pauta falando que é complexo e vai revisar, mas não revisa; que tem uma proposta de operação do bairro do Tamanduateí com licença ambiental prévia expedida (que tem prazo de validade) e não aprova... é claro que o mercado vai falar que os eixos vão se valorizar e vai ter escassez de investimento imobiliário na cidade. É claro.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

Já no caso dos representantes das associações de bairros a problemática incidia nas áreas de influência dos eixos, os quais eram baseados em raios de distância das estações de metrô e de trechos paralelo aos corredores de ônibus.

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Todavia, no caso de eixos lindeiros às Zonas Estritamente Residenciais

A composição dos eixos

(ZER, antiga Z1), temendo a verticalização desenfreada dos arredores de suas residências e a mudança de caráter do bairro, moradores se mobilizaram para contrapartidas quanto à restrição de gabaritos, diminuição de CA e outros instrumentos que garantissem a preservação desses miolos de bairros. Essas contrapartidas são visíveis no traçado dos eixos principalmente em relação às Zonas Estritamente Residenciais (ZER) do Quadrante Sudoeste que, amparadas por uma forte influência política, social e econômica e asseguradas por tombamentos, garantiram a sobreposição das zonas de baixa densidade das ZERs nas ZEUs em meio a um projeto de adensamento urbano.

Entre os entrevistados, a resposta unânime sobre a influência política delas apenas reitera os pontos já apresentados diversas vezes nesse trabalho.

Fig. 40 - Exemplo de área de ZER (Jardins e Pacaembu) lindeira à ZEU da região de Pinheiros.

Área de influência estações de Metrô

Área de influência corredor de ônibus

ZEU

ZCorr

ZER

Fonte: LPUOS 2016, PMSP Elaboração feita pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg 103

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Fig. 39 - Definição de áreas de influência das EETUs Fonte: PDE 2014, PMSP. Adaptação feita pelo autor.

“Essas associações têm uma certa força na sociedade e elas influenciam o processo. [Além disso] boa parte dessas áreas também são tombadas e não adianta nem mexer o zoneamento pois o tombamento é uma restrição mais rígida que a LPUOS. Essas associações de bairro têm uma certa força, outra coisa que também é importante. No jogo político, ter o apoio dessas associações de bairros acabam sendo muito importantes até para outros setores que não estejam muito preocupados com isso.

Como essas associações [de bairro] acabam defendendo as ZEIS, elas não vão se colocar contra a preservação dessas áreas. E depois de certa maneira tem sempre uma ideia de que o mercado quer mexer nisso com objetivo de aumentar suas áreas, especulação imobiliária etc. Então isso acaba gerando um certo movimento mais amplo em defesa das ZERs. Então é um conjunto de questões que traz um certo reconhecimento na cidade de que as ZERs são importantes para preservação de áreas verdes e outros atributos carentes na cidade. Então ele vem com um conjunto de coisas que contribuem para isso.”

Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021 “Isso daí [delimitar as ZEUs] foi uma tensão. Aí é um ponto de tensão com o movimento defenda SP. É herança desde o século XX com os primeiros zoneamentos da cidade que foram esses bairros jardins da Cia City que já vinha com todo um regulamento e que depois foi acolhido em partes na regulação. (...) Então esse processo de proteção da ZER ainda está muito enraizado na cidade de SP. Não são mais só as áreas de bairros jardins da cia City mas englobam outras zonas residenciais de classe média alta.

De qualquer maneira eles vieram para cima pois eles têm assessoria jurídica para avaliar as propostas e qualquer coisa que ameace a ZER eles tensionam. (...) Então é uma tensão que ainda persiste e é por isso que quando a ZEU bate na ZER ele não entra, é exatamente por causa dessa mobilização social. É uma questão sociopolítica e não técnica.”

Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021 104

A composição dos eixos

“Pois é. Você vê como o peso político desses atores ainda é considerável.

Você tinha vereadores que faziam a defesa veemente da ZER porque esses atores têm representatividade. Na Rebouças do ponto de vista urbanístico é uma coisa maluca. A ZER é uma vaca sagrada na cidade de são Paulo. ‘Não mexam comigo’. São os NIMBYs, muito bem localizados, próximos de todas as infraestruturas e do que a cidade oferece de melhor. Eles não podem usufruir de um espaço tão específico da cidade com uma residência unifamiliar. (...)

Essas ZERs vão permanecendo na cidade de São Paulo. Esses privilégios vão sendo mantidos. O valor de IPTU é mais alto, mas eu particularmente creio que deveria ser muito mais alto. A gente tem que romper essa manutenção perversa. (...) Eu sou até mais radical, eu acho que não devia ter ZER-1, principalmente onde elas estão. A gente precisa adensar essas regiões.

Não se enfrenta isso. Alguém teria que enfrentar em algum momento. Eu creio até que a gestão do Haddad no início deveria até estar motivada, mas rapidamente percebeu que ela teria problemas enormes então ele procurou não mexer nessa vaca sagrada.”

Entrevistado 04, entrevista concedida em maio de 2021

Fig. 41 - Mapa das Zonas de Estruturação Urbana.

Fonte: Geosampa. Elaboração: Gabriela Momberg

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

4.3 Zona de Estruturação Urbana (ZEU)

Figura 21: Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU) - Plano Diretor Estratégico de 2014

A diferenciação das EETUs com as demais áreas da cidade sofisticou-se em 2016 para dar forma às Zonas de Estruturação Urbana (ZEU). Tendo alguns ajustes na distribuição de suas áreas de influência no mapeamento da cidade, a ZEU proporcionou a formalização e efetiva implementação das diretrizes previstas em 2014 nos eixos de transporte. No caderno da lei, lê-se: (As ZEU) são porções do território destinadas a promover usos residenciais e não residenciais com densidades demográficas e construtiva altas e promover a qualificação paisagística e dos espaços públicos de modo articulado com o sistema de transporte público coletivo (LPUOS, 2016)

Os critérios de uso e ocupação do solo e os incentivos de majoração de área não computável respaldaram o ideal de direcionamento da produção imobiliária nesses espaços uma vez que destoam dos parâmetros das demais zonas classificadas como miolos de bairro, onde “será induzido o abrandamento da transformação, onde incidem as principais reivindicações pela melhoria da qualidade de vida e preservação da memória” (LPUOS, 2016).

Após a sanção do PDE em 2014, as discussões urbanísticas não pararam de crescer. A revisão da lei de zoneamento de 2004 apresentaria drásticas mudanças para a produção da cidade. Sob coordenação do Departamento de Legislação de Uso e Ocupação do Solo (DEUSO), a LPUOS 2016 complemen-

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A composição dos eixos

tou o PDE, sofisticando os instrumentos previstos, negociando tanto as áreas de influência das zonas quanto os incentivos.

É neste cenário que a Zona de Estruturação Urbana (ZEU) se consolidou. A ideia de cidade compacta proposta pelo plano diretor requereria um asseguramento legal pautado na lei de zoneamento.

“A defesa que muita gente fazia é que as ZEUs não devia ser só uma ideia, devia ser regulamentada na LPUOS.” Entrevistado 03, entrevista concedida em maio de 2021

A proximidade da ZEU com a intenção de recuperar um raciocínio da forma urbana (NAKANO, 2021)49 fez com que, em 2014, a Prefeitura de São Paulo em conjunto com o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo (IAB-SP) promovessem um concurso nacional “Ensaios Urbanos: Desenhos para o Zoneamento de São Paulo”.

A proposta do concurso apresentava duas modalidades diferentes de projeto no intuito de abrir um espaço de contribuição de arquitetos para subsidiar o processo participativo de revisão. Foram elas:

Modalidade 1: Definição de regras gerais de configuração urbana, conforme contextos urbanísticos ou tipologias pré-definidos, organizadas em cinco categorias:

1. Estudos de configuração de corredores urbanísticos

2. Estudos de configuração de tipologias edificadas de uso misto no mesmo lote, envolvendo obrigatoriamente o uso residencial

3. Estudos de configuração da frente dos lotes com as vias, com ênfase no tratamento da testada dos lotes e do pavimento térreo de modo a melhorar a fruição do espaço público e a interação do pedestre com o embasamento do edifício

4. Estudos de configuração de lotes em territórios com elevadas declividades

5. Estudos de configuração de lotes e quadras de grandes dimensões

49 E aí esses arquitetos de projeto trouxeram uma discussão que não é muito comum no planejamento urbano no brasil. Eles trouxeram questões relacionadas à forma urbana principalmente relacionada ao padrão de verticalização da cidade de SP para dentro da lógica da regulação urbana.” Entrevistado 02, entrevista concedida em maio de 2021

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Modalidade 2: Proposição de parâmetros de configuração urbana para unidades territoriais selecionadas, identificadas como de especial interesse paisagístico, histórico, social ou cultural.

Para as ZEUs, o concurso - que configurou uma das primeiras etapas da revisão – contribuiu para possibilitar uma assertividade maior nos parâmetros em prol do desenho urbano desejado. Essas diretrizes, visualmente traduzidas no formato de diagramas isométricos nos cadernos das leis, refletiam o que se desejava para a cidade.

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A composição dos eixos

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5.

A transformação urbana do eixo: o caso da Rebouças

Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

5.1 Histórico de um bairro e de uma avenida

Entreposto entre os campos agrícolas de Cotia, Sorocaba e Itu com a cidade, Pinheiros teve seu povoamento impulsionado no início do século XX com a chegada do bonde ao Largo de Pinheiros que consolidou a sua inserção na malha urbana paulistana ao adquirir competências de bairro para a crescente metrópole. A abertura do Mercado dos Caipiras (atual Mercado de Pinheiros), o Largo homônimo ao bairro e as pujantes ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio reforçaram um caráter de centro comercial atacadista de São Paulo no início do século XX. (RODRIGUES, 2017)

Paralela à rua Teodoro Sampaio, a Avenida Rebouças delimita a divisão entre o bairro com os de Cerqueira César e Jardins. Seu traçado original iniciava-se na rua da Consolação e percorria espigão abaixo em linha reta até atingir um ponto na altura do atual cruzamento com a Avenida Henrique Schaumann, onde desviava do seu percurso à direita, adentrando Pinheiros num trajeto que remete à atual Rua dos Pinheiros. Seu nome é em homenagem aos irmãos André e Antônio Rebouças, dois engenheiros de origem negra que, em meio à uma sociedade escravocrata do século XIX, se destacaram como dois dos mais brilhantes projetistas de infraestrutura do 2º Império.

Fig. 42 - Recorte do Mapa Topográfico com Arruamento da Florescente Villa Operária dos Pinheiros na Freguesia da Consolação, SP (1872)

Arquivo Público do Estado de São Paulo

Quando foi integrada ao plano de Prestes Maia na década de 1930, a avenida – que já se encontrava retificada no seu traçado atual – foi asfaltada e alargada para comportar o novo contingente de automóveis particulares priorizados no plano, ajudando a consolidar o processo de expansão urbana do vetor oeste.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Fig. 43 - Av Rebouças. Ao fundo várzea do rio Pinheiros, atual bairro de pinheiros, 1939

Foto de B.J. Duarte.

A forma urbana desse período é visível nos pequenos sobrados datados das décadas de 40 e 50 espalhados pelo bairro, muitas vezes geminados, com nenhum recuo lateral e frontal. O padrão constatado em análise de mapas, visitas virtuais e in loco foi da distribuição desses sobrados em quadras - algumas das quais retalhadas em pequenas vilas - que compunham um caráter residencial da região, enquanto o comércio popular se concentrava ao longo das ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio em pequenos armazéns e lojas agregadas junto à testada do lote e com baixo gabarito.

Fig. 44 - Conjunto de casas na Rua Cardeal Arcoverde datadas dos anos 40.

Arquivo pessoal.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Porém, com o tempo essas características foram se alterando. A demanda habitacional com a intensificação da indústria paulistana marcou empreitadas de pequenos prédios na década de 1950 para atender o acelerado crescimento populacional de uma emergente classe média na região. Marcam esse período majoritariamente edifícios de baixo gabarito (2 a 5 andares), com pouco ou nenhum recuo da calçada, muitas vezes com fachada ativa no térreo e apartamento de até três dormitórios nos pavimentos superiores. Apesar da Lei do Inquilinato já ter alterado o rumo da tendência dos empreendimentos de aluguel a partir de 1942, alguns ainda eram voltados ao aluguel de uma classe média de comerciantes.

Por meio da análise da plataforma DataSP – cujo cruzamento de dados do IPTU e do Geosampa revela o ano de construção dos edifícios lote a lote (PALMEIRA, 2020) – constatou-se que a maior concentração dessas pequenas edificações das primeiras décadas do século XX se dá atualmente nos eixos comerciais tradicionais do bairro, caracterizando a forma urbana das ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio e travessas, principalmente na parte baixa das vias próximas ao Largo da Batata.

O predomínio dessas edificações na região demarcada se deve tanto ao início da ocupação do bairro ter sido próximo a ela (RODRIGUES, 2017) quanto à preservação de edificações por conta de tombamentos e desinteresse por parte do mercado imobiliário (CARVALHO, 2008).

Fig. 45 - O trecho destacado em vermelho revela um predomínio de um azul mais escuro em comparação ao resto do bairro, revelando a presença de edificações mais antigas. F

Fonte: Plataforma DataSP. Marcação em vermelho feita pelo autor.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Destacam-se os Predinhos da Hípica, um conjunto de pequenos edifícios residenciais de 3 andares erguidos no antigo terreno da Sociedade Hípica de Pinheiros. Realizados pelo empreendedor libanês Raduan Dabus ao longo da década de 1950, foram construídos com intuito de moradia e de renda para a família, sendo muitas das unidades ainda de posse da mesma (NOBRE, 2007).

Com seis apartamentos de metragens de 120-140 metros quadrados e de dois a três dormitórios, o modelo do edifício foi replicado num quadrilátero delimitado pelas ruas Artur de Azevedo, Mourato Coelho, Teodoro Sampaio e Pedroso de Morais formando todo um conjunto igual, originário de uma unidade (NOBRE, 2007).

Apesar de encontrar algumas exceções de empreendimentos com gabarito superior ao de 5 andares e com tipologias diferentes, a grande maioria dos edifícios das décadas de 1950 e início de 1960 verificados configuravam

Figura 46 - “Predinho da Hípica” na Rua Simão Álvares, 1950

Arquivo pessoal.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Fig. 47 - (Da esquerda para a direita): Rua dos Pinheiros (1953); Rua Capote Valente (1960); Rua Fradique Coutinho (1963); dados: IPTU 2020 (DataSP)

dados: IPTU 2020 (DataSP). Arquivo pessoal

o descrito acima. O aumento da escala dos projetos torna-se evidente com a criação do BNH, num momento em que o caráter de uso misto dos pequenos edifícios do bairro se juntou à magnitude da escala da incorporação imobiliária. O que configurou como o principal instrumento da política habitacional na época permitindo o acesso à casa própria a uma grande parcela da classe média (RUFINO, 2012), o BNH intensificou a produção imobiliária pelo bairro, alçando lotes em torno das Ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde visados pelas efervescência comercial e fluxo de pedestres.

A característica do bairro nesse momento segue condicionada ao seu status de uso misto de grandes embasamentos com fachada ativa ocupando todas as testadas do lote junto ao alinhamento da calçada enquanto a torre residencial se posicionava recuada no centro do lote sobre uma laje impermeabilizada, erguendo-se entre 10-12 andares.

A padronização e racionalização da produção imobiliária intensificada do período BNH torna-se nítida na estética e no projeto dos produtos do bairro, como, por exemplo, o edifício Jatobá, na rua Fradique Coutinho. Com tipologias de 3 dormitórios e aproximadamente 95 metros quadrados, a unidade é facilmente compreendida na distribuição padronizada das janelas e na fachada sem adornos. O uso de caixilharia de alumínio - majoritário nos edifícios de igual padrão por conta da rápida produção em série e baixo custo - complementa o visual estético.

Com a aprovação da Lei de Zoneamento de 72, Pinheiros sofreu uma alteração na dinâmica da sua produção imobiliária. Apesar de uma diversificada

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Fig. 48 - (esq) Exemplos de edifícios datados do início de 1970

Dados: IPTU 2020 (DataSP). Arquivo pessoal

gama de zonas no seu perímetro (composto por Z1, Z2, Z3 e Z4), o CA máximo predominante era 2, podendo chegar a 3,5 quando aplicada a fórmula de Adiron.

No entanto, por ser apenas aplicável para uso exclusivamente residencial, a produção imobiliária observada no levantamento se concentrou ao longo da rua Artur de Azevedo e na parte alta do bairro, próximo ao complexo do HC nas ruas Oscar Freire e João Moura.

Já nos tradicionais eixos comerciais (Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio), em um trecho correspondente à Z2, a verticalização esfriou por conta do potencial construtivo acrescido da fórmula que não atendia à lógica mercadológica do produto intencionado. Segundo Carvalho (2008), “apesar de estarem inseridos em um dos eixos mais valorizados de São Paulo (...) [a fórmula de Adiron] por permitir aumento de coeficiente apenas para uso residencial, [esse trecho] permanece sem atrativos para a incorporação imobiliária”.

As tipologias posteriores a esse período remetem à cidade paliteiro de 1972. Apesar do predomínio dos edifícios exclusivamente residenciais na cidade, o caráter comercial do bairro resistiu em alguns prédios verificados datados da década de 1970 ainda com fachada ativa no térreo. No entanto, isso foi paulatinamente erradicado, dando lugar aos equipamentos de uso coletivo dos condôminos.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Nas décadas seguintes, a torre isolada no lote passa a contar com uma ampla gama de equipamentos de lazer em um esforço da incorporação de valorizar as áreas comuns para trazer diferencias ao consumidor diante um mercado onde a padronização é uma realidade. (RUFINO, 2012). Essa convivência externa à habitação serve, também, como uma compensação dada à redução da metragem média das unidades ao longo da década de 1980. As tipologias se diversificam entre um e quatro dormitórios com uma distribuição de programa semelhantes entre si e a estética dos edifícios a partir desse período se apropria de uma releitura desairosa de estilos arquitetônicos de outros tempos e locais.

Do neoclássico ao neomediterrâneo50, esses estilos vieram para se diferenciar do desencanto do consumidor com a estética da modernidade (VILLA, 2008), ávido pelos ornamentos e referências de outrora (LORES, 2018, p. 235).

Nesta época, em meio ao consolidado comércio popular, Pinheiros já apresenta, também, um perfil de classe média alta entre seus residentes. Segundo Rodrigues (2017), o período entre 1970 e 1990 no bairro é marcado pelo “convívio entre moradores de classe média alta e o uso popular da centralidade do bairro. Conjunção com a diversidade cultural, socioeconômica e com os fluxos de mobilidade da cidade. A centralidade de Pinheiros está disjunta dos valores caros ao mercado imobiliário”. ( p. 47) Tabela 2 - Evolução da participação de locação e venda em São Paulo (1920-1970)

Enquanto a produção imobiliária espalhava-se pelo bairro, a Rebouças mantinha-se como um endereço residencial de casarões de classe média-alta 50 234)

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“um pastiche das casas gregas em escala e prédios de vintes andares”. (LORES, 2018, p.

A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Fig 49 - 1- Rua Fradique Coutinho (1979); 2- Rua Doutor Vigílio (1991); 3 - Rua Doutor Vigílio (2002), 4 - Rua Simão Álvares (2007);

Dados: IPTU 2020 (DataSP). Arquivo pessoal.

e alta. Essa característica foi paulatinamente sendo conflitada pelo aumento do fluxo de veículos na avenida.

Com a Lei de 72, a avenida foi integralmente inserida à Z8, tido como uma zona especial a ser futuramente definida51. Na revisão do ano seguinte, a sua definição como uma zona corredor (Z8-CR4) enquadrou os logradouros da Rebouças nas premissas absorvidas dos parâmetros de uso e ocupação do solo das zonas lindeiras à ela em um trecho de 40 metros52 (LEI 7.805/72). Logo, entre as avenidas Paulista e Brasil, a Rebouças adjacente ao bairro de Cerqueira César tornou-se passível de uma baixa verticalização (Z2 - CA1).

51 “A zona de usos especiais (Z8), a que se refere o artigo anterior, será objeto de planos específicos, elaborados pela Coordenadoria Geral de Planejamento - COGEP, no prazo de 3 (três) anos, para cada um dos seus perímetros”, de acordo com o Art 20º da lei 7.805, de 01 de novembro de 1972 52 “Z8-CR4, de usos diversos, de acordo com a zona de uso lindeira ao Corredor”, de acordo com o Inciso IV do art. 20º da Lei nº 8001, de 24 de dezembro de 1974

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Todavia, o caráter hostil de via expressa e o trecho vazio lindeiro ao Complexo do Hospital das Clínicas não a tornou muito atraente para o mercado, visível no número de edifícios lançados no período de vigência da lei (1972 – 2004) e na forma urbana de predomínio horizontal visualizado.

Já o trecho inserido entre as avenidas Brasil e Faria Lima torna-se inapta à verticalização, seguindo os parâmetros da Z1 que margeava o lado oposto da via (Jardins). Essa zona especial garantiu não só a preservação do caráter exclusivamente residencial do lado par, como também preveniu um afastamento da densidade construtiva vertical, “poupando” os NIMBYs53 do Jardins do sombreamento das torres nos seus quintais e de uma maior circulação de pessoas nas suas calçadas.

Fig. 50 - Avenida Rebouças, 2907, 3 casas mais antigas adaptadas nos anos 70 para ser escritório de uma construtora.

Foto VEJA, edição 292 de 10.04.1974

Com a intensificação do tráfego, a avenida de sobrados e casarões caiu em desuso residencial. A piora da qualidade do ar e sonora, e a hostilidade do 53 O termo NIMBY (Not In My Backyard – “não no meu quintal”) refere-se a moradores contrários à propostas urbanas que afetem o caráter do bairro onde residem como, por exemplo, a construção de uma estação de metrô ou uma mudança no zoneamento. O Dicionário Cambridge define como “uma pessoa que não quer que algo desagradável seja construída ou feita perto de onde mora”.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

ambiente viário motivou seus moradores a colocarem suas casas à venda. Impossibilitada de verticalizar, a avenida não despertou o interesse do mercado imobiliário, restando somente a alternativa de adaptá-las em pontos comerciais.

Esse período, que se estende da década de 1970 até os anos 2000, resultou na mudança do caráter da avenida de residencial para comercial, na sua estagnação e progressiva deterioração.

A estagnação imobiliária consequente da inserção da avenida nas diretrizes de ocupação da Z1 somado ao agravamento do trânsito e da poluição com a abertura do túnel Fernando Luiz Vieira de Mello e do corredor de ônibus em 2004 fizeram com que a avenida perdesse prestígio dos seus residentes.

Uma reportagem da Folha de São Paulo de 2002 categoriza a avenida como “abandonada” com 25 imóveis vazios até então54. Com a recessão econômica e a crise imobiliária dos anos 2010, a taxa de vacância atingiu 35%, com 40 espaços vagos55.

Em 2010, a a inauguração da estação Faria Lima da Linha-4 Amarela na confluência da rua Teodoro Sampaio com a Avenida Faria Lima desperta um novo episódio para a região. Ao longo de 8 anos, três novas estações foram abertas56, alterando de vez o caráter do bairro. “Se em 1910 foi o bonde a chegar via trilhos de superfície, agora seriam os trilhos subterrâneos que alcançariam finalmente o distrito” (RODRIGUES, 2017, p. 42).

Uma reportagem da Folha de São Paulo de agosto de 2006 relata a tendência de valorização da região provocada pelo metrô – cujas obras já haviam iniciado – e a polêmica causada por parte de alguns proprietários contrário à sua instalação, temendo uma degradação com a “chegada de ambulantes e o aumento da violência”57.

“Aqui não é ambiente para camelôs. Na minha porta não fica. Se eu sair daqui e 54 GUERREIRO, Vanessa. Rebouças está nas mãos do Plano Diretor. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/imoveis/ ci2502200101.htm 55 ROSÁRIO, Mariana; CARDOSO, Ana Luiza. Com imóveis vazios e pichados, Avenida Rebouças enfrenta crise. Veja São Paulo, São Paulo, 13 de outubro de 2017. Disponível em: https://vejasp. abril.com.br/cidad 56

Estação Pinheiros (2011); Estação Fradique Coutinho (2014); Estação Oscar Freire (2018)

57 FOLHA DE SÃO PAULO. Metrô valoriza imóveis, mas vizinhos reclamam. São Paulo. 30 de agosto de 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3008200607.htm.

Acessado em 04 de julho de 2021.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

minha família for alugar a loja, com certeza vamos aumentar o aluguel.” – Trecho de uma entrevista concedida à reportagem. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006)

O Metrô trouxe junto consigo uma inevitável valorização do entorno. A dinâmica da mudança de perfil da avenida e do bairro foi observada numa relação cronológica da publicação de reportagens com a inauguração das estações da Linha 4 amarela.

Em novembro de 2012, a revista Infomoney tem como manchete uma triplicação do preço do bairro entre 2007 e 2012, relatando uma alta na procura de terrenos antecedente ao sancionamento do PDE 201458.

Elaboração do autor

58 INFOMONEY. Sem espaço para novos terrenos, preço em Pinheiros triplicou nos últimos anos. São Paulo. 05 de novembro de 2012. Reportagem republicada pela UOL. Disponível em: https://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2012/11/05/sem-espaco-para-novos-terrenos-preco-em-pinheiros-triplicou-nos-ultimos-anos.htm. Acessado em 04 de julho de 2021.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

O cenário da avenida se tornaria promissor com a expectativa da revisão do plano diretor. A inserção da avenida como EETU rompeu com décadas de estagnação imobiliária no seu lado ímpar. O interesse da produção imobiliária na região já se mostrava evidente por conta da sua localização estratégica entre dois dos centros financeiros da cidade (Faria Lima e Avenida Paulista) e do boom de tendência de Pinheiros situado ao lado da Vila Madalena, cuja pujante vida noturna no final dos anos 2000/ início dos anos 2010, trouxe os olhos do mercado para o bairro. Neste período, a posição de Pinheiros como um dos bairros mais caros de São Paulo já é consolidada.

Em 2013, o índice FipeZap revelou que o preço do metro quadrado do bairro era de quase 8,5mil reais, o 15º mais caro da cidade59. Cinco anos depois, sua colocação saltou para a 5ª posição, com o preço do metro quadrado chegando a 13mil reais (ALBUQUERQUE; DOS SANTOS; RUFINO, 2020).

59 TERRA, Economia. Preço do metro quadrado em São Paulo. Disponível em: https://www. terra.com.br/economia/infograficos/preco-metro-quadrado-sp/. Acessado em 04 de julho de 2021.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

5.2 Movimento recente

Com isso, chega-se ao período atual da região que configura o levantamento dos empreendimentos realizado para esse trabalho. As novas diretrizes de uso e ocupação do solo que a EETU promoveu foram determinantes para essa transformação da região, sofrendo um processo de grande atração de investimentos imobiliários que a tornou em um verdadeiro canteiro de obras (ALBUQUERQUE, DOS SANTOS, RUFINO, 2020). Para se compreender a dimensão dessa efervescência imobiliária, o estudo realizado mapeou 80 lotes por meio de buscas online e visitas de campo ao longo do 2º semestre de 2020 e 1º semestre de 2021. Para fins de organização, dividiu-se a área de estudo em três setores para servir como bases comparativas entre os bairros que compreendem a Rebouças. São eles:

Setor 1 (Clínicas): entre as avenidas Rebouças, Doutor Arnaldo e Herique Schaumann

Setor 2 (Cerqueira César): entre as avenidas Rebouças, Paulista e a rua Bela Cintra

Setor 3 (Pinheiros): contemplando toda a ZEU do bairro entre as avenidas Brigadeiro Faria Lima e Henrique Schaumann.

Fig. 51 - Divisão de setores

Clínicas

Pinheiros

Cerqueira César

Elaboração: Gabriela Momberg

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Foram levados em consideração não só os lançamentos divulgados pelo marketing das incorporadoras e corretoras imobiliárias, como também terrenos observados em estágio de interdição com tapumes ou demolição com placas de futuro empreendimento, mas cujo projeto ainda não fora divulgado pelas incorporadoras.

Fig. 52 - Empreendimentos levantados na área de pesquisa.

Residencial Misto

Corporativo

Aluguel

Não identificado

Levantamento realizado pelo autor Elaboração: Gabriela Momberg

Desses, 56 compõem lançamentos residenciais cujas informações e características foram catalogadas e separadas em três grupos para se analisar a maneira como se dão esses novos endereços da avenida e seus arredores.

O primeiro grupo – Produto – contempla as características projetuais como: tipologias, número de unidades, distribuição de programas, equipamentos de lazer, número de pavimentos e os diferenciais presentes no empreendimento.

O segundo grupo – Numérico - resultou no levantamento de áreas do terreno, privativa e construída adquiridas por meio dos Dados Abertos da

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

prefeitura de São Paulo e da EMBRAESP (1989 – 2019)60. Apesar de não ser algo usual, algumas dessas informações também foram coletadas por meio de divulgações nos sites das próprias incorporadoras. Os dados desse grupo foram relevantes para conseguir mensurar a eficiência61 e o coeficiente de aproveitamento efetivo62 dos empreendimentos lançados.

O terceiro e último grupo – Comercial - contempla informações referentes ao valor das unidades. A partir de tabelas de valores adquiridas com corretores e anúncios em sites de imobiliárias, foi possível estimar o valor do m² dos três setores do eixo, confirmando novos patamares do preço do m² em 2021. Apesar do valor de anúncio muitas vezes não corresponder ao valor de fechamento do contrato63, ainda assim pode-se afirmar que a tendência de valorização da região segue ocorrendo até o presente momento.

A análise dos valores da região revela que mesmo Pinheiros tendo sofrido uma alta do preço m², ele ainda destoa fortemente de Cerqueira César no Jardins – historicamente um dos bairros mais caros de São Paulo - com um preço médio do metro quadrado 27% menor. A Avenida Rebouças, delimitadora do perímetro de ambos os bairros, apresenta um valor intermediário da amostra, mas com alto valor agregado.

60 Dados disponibilizados para fins acadêmicos desse trabalho pelo grupo de pesquisa “Imobiliário e Infraestruturas sob domínio de Grandes Grupos Econômicos: Financeirização e metropolização do espaço na São Paulo do Século XXI” 61 Eficiência = área privativa / área construída. Essa razão é crucial para a viabilidade de um projeto imobiliário, revelando a porcentagem do empreendimento que poderá ser comercializado para cobrir os custos da obra. Uma baixa eficiência significa que se tem menos área privativa e, portanto, menor retorno do investimento. O mercado trabalha com diferentes razões dependendo da meta e das premissas traçadas pela incorporadora. Em média, o mercado de incorporação de edifícios residenciais trabalha com uma eficiência entre 0,6 e 0,7.

62 Coeficiente de aproveitamento efetivo = área construída / área do terreno. É importante ressaltar que, na prática, o coeficiente de aproveitamento leva em consideração apenas a área computável do empreendimento, portanto não é correto considerar a área construída para determinar sua razão. O termo Coeficiente de Aproveitamento Efetivo foi criado para esta pesquisa para caracterizar o que seria um potencial construtivo se não fossem diferenciadas áreas computáveis e não computáveis. Até o presente momento em que este trabalho foi escrito, não foi de meu conhecimento se este termo já fora utilizado antes para este ou outro propósito.

63 Em julho de 2021 o novo índice desenvolvido pela revista Exame e a startup de negócios imobiliários Loft (índice Especulômetro EXAME-Loft) revelou que há uma divergência entre o preço anunciado pelo da compra efetiva. “A série histórica montada pela Loft para o índice começa com o trimestre encerrado em janeiro deste ano. E revela que a diferença tem ficado entre o intervalo de 10% a 40%, o que representa uma margem considerável. No caso mais extremo, significa dizer que um imóvel colocado à venda por 1 milhão de reais acaba sendo vendido por 600.000 reais.”. Disponível em: https://invest.exame.com/invest/novo-indice-exame-loft-revela-especulacao-imobiliaria-por-bairro

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Município de São Paulo*

R$ 9.491,00

*Fonte: Índice FipeZap, maio/2021

Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg

Em um mesmo edifício, o preço do metro quadrado pode variar consideravelmente por diversos quesitos: a metragem do apartamento, em que andar ele se encontra, se é face norte ou sul, se o apartamento tem uma vista valorizada, se está voltado para a frente ou fundo de lote dentre outros requisitos determinados por cada incorporadora.

No caso, a divergência de preços atingiu diferentes patamares em cada empreendimento como, por exemplo, uma variação de 7% entre a maior (147 m²; R$ 16.292/m²) e a menor unidade (82m²; R$ 17.550/m²) do Mourato 111 (Focal Inc) e de 38% entre as unidades de 35 e 67 metros quadrados (R$ 20.234 e R$ 32.396, respectivamente) do VN Melo Alves (Vitacon).

Elaboração: Gabriela Momberg 127

Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Os diferentes tipos de uso identificados refletem uma diversificação nos modelos de negócios imobiliários, cuja tradicional produção binária (residencial ou comercial) das últimas décadas se ampliou para edificações de uso misto ou voltadas exclusivamente para o aluguel, permanecendo sob propriedade da incorporadora, de alguma empresa parceira ou sob controle de fundos financeiros.

As unidades desses empreendimentos voltados exclusivamente ao aluguel configuram majoritariamente Studios, análogo às kitchenettes do século passado. Todavia, esse modelo de negócio não se limita a essa tipologia, expandindo também em unidades maiores conforme verificado no SAO 2222 e no Villa11, ambos na Avenida Rebouças.

Fig. 53 - Anúncios de edifícios exclusivamente para aluguel da Villa11 (esq) e SKR (dir)

Fonte: material de vendas disponível no site das incorporadoras

O formato de aluguel também se expande para a venda de unidades focados em investimentos pessoais. Diferente das kitchenettes das empresas familiares que detinham o processo de construção e posterior arrendamento das unidades, essa nova modalidade terceiriza o processo construtivo.

Logo, o que antes apenas uma ínfima elite proprietária burguesa capaz de pagar por todo o processo de realização detinha como forma de renda, tor-

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

na-se um produto de investimento acessível para uma maior parcela da população em meio a um movimento de unidades de short, medium e long-stay. Essa efervescência de produção de unidades habitacionais voltadas ao investimento em detrimento à moradia é visível na crescente da publicidade imobiliária voltada para esse fim.

Fig. 54 - Anúncios de investimentos em studios

Fonte: redes sociais das empresas

Quanto à distribuição territorial, os novos empreendimentos catalogados estão localizados majoritariamente no trecho entre a avenida Rebouças e rua Artur de Azevedo, que concentram 65% dos empreendimentos. Se considerarmos todos os lotes mapeados, essa porcentagem cresce para 72,3%. Destacam-se como principais polos de incorporação as quadras entre a Avenida Rebouças e Rua dos Pinheiros no Setor 03 com 24 terrenos mapeados (31%), e na Rua Alves Guimarães no Setor 01 (14,4%), onde 11 novos lançamentos estão sendo realizados num trecho de 340m entre a Avenida Rebouças e a Rua Artur de Azevedo.

A concentração em torno da avenida com a Rua dos Pinheiros se deve ao fato do trecho ter sido submetido aos parâmetros de uso e ocupação da Z1 durante décadas, disponibilizando a partir de 2014 uma gama de novos potenciais construtivos nas construções abandonadas ou subutilizadas entre duas vias estratégicas onde se situam duas estações de metrô e 3 pontos de parada do corredor de ônibus.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Fig. 55 - Destaque das quadras entre a Avenida Rebouças e Rua dos

Fotomontagem com Google Earth. Elaboração feita pelo autor

O mesmo pode se verificar na Rua Alves Guimarães, cujo trecho entre Artur de Azevedo e Rebouças ao lado da Estação Oscar Freire possui 11 lotes em diferentes etapas de produção em ambos os lados da via. Além da proximidade com o metrô, pode-se presumir que outro fator que pode ter contribuído na concentração nessas duas quadras é o fato de ser um dos poucos trechos do lado ímpar da avenida lindeiro ao bairro de Cerqueira César, provido por uma gama serviços e comércio inexistente nas quadras posteriores à rua Estados Unidos no sentido Faria Lima.

Fig. 56 - Destaque das quadras na Rua Alves

Fotomontagem com Google Earth. Elaboração feita pelo autor 130

A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Ao se comparar a produção nos 3 setores, o que apresentou maior número de empreendimentos foi o setor 1 (Clínicas) com 30 do total de lançamentos (44%) e, em menor número, o setor 2 (Jardins), cuja verticalização consolidada e valor agregado antecedem a sanção da lei de 2014 tendo, portanto, a menor oferta de terrenos com o maior valor de m² anunciado.

Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg

Quando se analisa as incorporadoras, constatou-se uma participação diversificada, com novos agentes atuando no eixo ao lado figuras tradicionais de grande porte do mercado. O predomínio de empreendimentos foi da You,Inc com 5 lançamentos (7% do total), seguida pela Nortis, Pedra Forte, Stan e Vitacon, cada qual com 4 lançamentos (6% do total cada). A presença de empresas com até 2 lançamentos correspondeu a metade do levantamento realizado (49%), reforçando o argumento de que não há um monopólio e sim uma pulverização de incorporadores atuando no mercado da região.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

O produto dos 5 primeiros colocados é diversificado entre si, com algumas empresas (Nortis e Stan) disponibilizando produtos de alto padrão voltado mais para a compra e venda de habitação para um público de maior poder aquisitivo; empreendimentos com maioria de unidades compactas voltadas ao investimento (You, Inc e Vitacon); e torres corporativas (Pedra Forte) que, ao se concentrarem ao longo do lado par da Rebouças, estendem um braço da Faria Lima no sentido Paulista.

Enquanto a incorporação no trecho destacado do setor 1 apresenta uma produção mais diversificada devido à sua localização de maior relevância para a dinâmica metropolitana, a quadra da Rua Alves Guimarães concentra majoritariamente edifícios residenciais de uso misto mais focado no caráter residencial da área dispensando as lajes comerciais – presente em apenas em 1 empreendimento misto na forma de incentivo – e ampliando pela oferta de Studios NR – presente em 4 dos 10 empreendimentos. O Setor 2 possui a quantidade mais modesta de lançamentos, totalizando 12 empreendimentos.

A compreensão do padrão projetual dos novos empreendimentos foi algo prioritário para a realização desse trabalho. A análise de como esses novos prédios saíram da prancheta para dar vida às novas tipologias da Rebouças partiu de uma reflexão do papel do arquiteto na concepção do projeto.

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5.3 Arquitetos Anônimos

A crítica referente à perda da qualidade arquitetônica nos edifícios lançados pelo mercado imobiliário tornou-se frequente entre acadêmicos e críticos da arquitetura na segunda metade do século XX. A aceleração da produção imobiliária, favorecida pela padronização de projetos produzidos em série, e a sistematização da máxima eficiência econômica priorizada sobre a eficiência projetual tornam-se regras na lógica do mercado que incide na perda de qualidade arquitetônica e urbana (VARGAS, 2014).

A padronização das plantas se tornou tão comum a ponto das peças publicitárias a partir da segunda metade da década de 1990 suprimirem a planta do apartamento. “Afinal, para quê demonstrar uma organização espacial que todos já tinham em mente?”. (VILLA, 2008).

Segundo Rufino: “É neste sentido que a lógica de mercado padroniza a arquitetura e ao mesmo tempo consolida a existência de “arquitetos de mercado”, os quais não teriam restrições à adequação do projeto às definições impostas pelas incorporadoras e se especializariam neste sentido”. (2012, p.174–175)

A ruptura da arquitetura com o mercado também é fruto de ideais modernistas na década de 1960 que viam com maus olhos os projetos comerciais que colaboravam para o acúmulo de mais valia no modo de produção capitalista do espaço. Tais ideais, disseminados por grandes personalidades da arquitetura moderna como Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, influenciaram gerações de arquitetos e urbanistas no meio acadêmico nas décadas seguintes. Esse estranhamento com quem trabalha para o mercado e lucra com ele (LORES, 2018) ainda persiste nas salas de aula, o que torna problemática a entrada de novos profissionais no mercado interessados em aprimorar o seu papel durante anos ofuscado dentro do mercado imobiliário tradicional.

Em sua experiência, Vasconcelos (2015) aponta que, durante sua graduação, o fato de não ter tido contato com termos corriqueiros do mercado imobiliário64 pareceu expor uma fragilidade por parte de sua formação e dos seus colegas contemporâneos como arquiteto no que diz respeito a compreen64 “Logo nas primeiras leituras sobre o tema da incorporação imobiliária e gestão de empreendimentos imobiliários, foram encontrados termos que soavam como essenciais mas que não pertenciam ao léxico arquitetônico, como, por exemplo: análise de viabilidade econômico-financeira, patrimônio de afetação, alienação fiduciária, Valor Geral de Vendas (VGV), Valor Presente Líquido (VLP), Taxa Interna de Retorno (TIR) etc.” VASCONCELOS, 2015, p. 28

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são dos fatores econômicos ligados à produção das edificações (p.38).

Além da falta de bons projetos, outra visível consequência da perda do protagonismo do arquiteto na incorporação incidiu no seu anonimato presente na maioria da produção comercial realizada na segunda metade do século XX. “O arquiteto, que antes se sentava à mesa com o incorporador, foi relegado à posição de funcionário que desenhava prédios em série” (LORES, 2018).

As construtoras e incorporadoras acabaram por se envolver mais na atividade de gestão, acarretando um grande afastamento entre concepção arquitetônica e coordenação de projetos (VILLA, 2008). Essa consequente perda de espaço dos arquitetos na gestão de projetos reflete também na preferência pelos engenheiros no ramo imobiliário, muitos dos quais foram fundadores da segunda geração de grandes incorporadoras a partir da década de 70. (LORES, 2018). Reitera-se o ponto de Anelli (2015) que afirma que o desconhecimento da contribuição dos arquitetos na formação da cidade que emerge da década de 1970 domina o senso comum no qual se concebe São Paulo como uma cidade feia, produzida por engenheiros e alheia à contribuição dos arquitetos.

Villa (2008) afirma: “Desde os anos de 1970-80 o papel do arquiteto brasileiro foi se reduzindo ao projeto em si, sendo pouco associado ao processo de execução das obras por ele projetadas. Até este período a missão essencial do arquiteto associava a concepção à coordenação de projetos, contudo sucessivas crises econômicas sofridas posteriormente ocasionaram certa retração nas atividades do setor da construção, acabando por depreciar a remuneração dos projetos. Uma das consequências deste período foi o afastamento do arquiteto no canteiro de obras e a relativa perda da experiência em gestão de projetos” (MELHADO, 2006 apud VILLA, 2008, p.155).

A depreciação do valor do trabalho daquele responsável em conceber o cerne do produto imobiliário - o projeto do edifício - passa a ser replicada na remuneração dos profissionais pelas empresas contratantes e sustentada, inclusive, pelos próprios escritórios de arquitetura até os dias atuais - conforme observado em diversos depoimentos publicados em perfis de denúncias online.

Segundo Vasconcelos (2015), “No processo convencional, onde o incorporador e o arquiteto são figuras distintas, percebe-se que embora o projeto arquitetônico seja exigido para o

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registro da incorporação, aos olhos do incorporador esse aparece como um custo da incorporação, sendo interessante contratar aquele profissional que oferecer o menor preço. Nesse sentido, Maciel (2013) afirma que a arquitetura passa a ser irrelevante, assim como a remuneração do arquiteto, não ultrapassando 3% do custo da construção, o que corresponde a, no máximo, 1% do valor final de venda do empreendimento” (p. 21)

Os edifícios cujo projetistas mantiveram sua autoria destacada configuraram um segmento de arquitetura assinada voltada a um público mais específico de maior erudição e poder aquisitivo (MEYER, 1991 apud VARGAS, 2014; Villa, 2010) erguidos por algumas poucas construtoras que valorizavam um bom projeto (LORES, 2018). Apesar de acessível para poucos, de certa forma esses edifícios também beneficiaram muitos outros à medida em que suas boas soluções de implantação e fachada colaboraram em uma escala urbana para o desenho da rua e para a estética da cidade.

Sendo essas raras exceções, os projetos genéricos produzidos em série sem uma preocupação urbana e arquitetônica ainda compreendiam grande parte das edificações das classes média-alta e alta paulistana que abraçaram o modismo do neoclássico, neomediterrâneo e de tantas outras releituras estéticas promovidas pelo mercado imobiliário como símbolo de status nos anos de 1980 a 2000. (LORES, 2018). Quanto ao segmento de habitação social e de classe média, a massiva produção habitacional - promovida pela enxurrada de financiamento do BNH nas décadas de 1960 a 1980 e do programa Minha Casa Minha Vida nos anos 2010 - também consolidou a mediocridade estética e projetual em prol da padronização e eficiência econômica. (VARGAS, 2014; LORES, 2018; VILLA, 2020)

Neste ponto, é importante observar que a absorção do papel de decisão projetual por parte das grandes incorporadoras (VARGAS, 2014) reflete diretamente o papel da legislação urbanística para a crítica da qualidade do projeto arquitetônico e da forma urbana. Uma vez que a produção formal precisa seguir as diretrizes impostas pela lei para ser aprovada, o mercado extrairá dela o resultado projetual que garanta a máxima rentabilidade oferecida no terreno. De acordo com Carvalho (2008), “Considerando que a tipologia edificada é um dos principais elementos na formação das tipologias dos tecidos urbanos, podemos afirmar que a legislação urbana, ao influenciar a forma do edifício, acaba por influenciar também a forma da cidade” (p.134)

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Ironicamente, a academia que critica veementemente a maneira como os edifícios de mercado foram concebidos é a mesma que possuiu grande influência na determinação das diretrizes que os moldaram.

Essas problemáticas no meio urbano legalmente asseguradas são evidenciadas na cidade paliteiro de Adiron e nas regulamentações de zoneamento muitas vezes submetidas às vontades de uma influência sociopolítica de associações de bairro. Junto com ideais urbanísticos proeminentes da época, as regulamentações sustentaram uma segregação socioespacial proveniente de restrições de uso e ocupação do solo.

Contrária a uma lógica econômica de produtividade urbana (BERTAUD, 2018), essas restrições de caráter excludente são um dos motivos que levaram à elevação do preço da terra pela escassez de terrenos favoráveis à produção e estimulou o espraiamento da verticalização pelo território em busca de um metro quadrado mais barato (SOMEKH, 1987 apud GAGLIOTTI, 2012).

As mazelas da produção do espaço urbano paulistano observadas nas últimas décadas são provenientes de uma gama de fatores muitos mais complexa do que uma visão maniqueísta de apenas um dos agentes supracitados fazer um mea culpa. Além disso, a dinâmica imobiliária e a participação dos projetistas dentro da produção já se mostram diferentes do que eram até alguns anos atrás, pois percebe-se um retorno do papel do arquiteto e da arquitetura na incorporação.

Novas incorporadoras, que já nasceram com o princípio do projeto autoral de seus empreendimentos, passaram a investir em uma nova geração de arquitetos para a conceber edifícios que enriquecem as ruas e o portfólio arquitetônico das cidades. As chamadas incorporadoras boutique, ainda que compostas majoritariamente por produtos direcionados a um público de alta renda, já apresentam reflexos em outros segmentos, diversificando até o próprio portfólio65. A presença de agentes nos segmentos de HIS e HMP – normalmente alheios a esse nicho66 – também tem mostrado sinais de produção, ainda que excepcionais. Vale desta65 Em 2020, a incorporadora Idea!Zarvos lançou sua primeira HMP, o Onze22, com arquitetura do escritório Triptyque. O valor do m² é cerca de 35% menor do que os demais projetos da empresa. Idea!Zarvos Lança seu primeiro prédio “popular” na Vila Madalena. ESTADÃO. Publicado em 19 nov 2020. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/ideazarvos-lanca-seu-primeiro-predio-popular-na-vila-madalena/>. Acessado em 12/07/2021 66 FOLHA. Projetos do Minha Casa em São Paulo refletem visões de cidade antagônicas.

Publicado em 05 abr 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/04/projetos-do-minha-casa-em-sao-paulo-refletem-visoes-de-cidade-antagonicas.shtml>. Acessado em 19 de jul de 2021

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que para a incorporadora Magik JC, em São Paulo, cujos projetos assinados por escritórios renomados como Isay Weinfeld, MMBB e SIAA atendem ao segmento faixa 267 de habitações sociais.

Segundo Vasconcelos, (2015), essa nova frente de incorporação imobiliária possuiu um papel estimulante para modificar a percepção dos arquitetos brasileiros sobre o mercado imobiliário. Nessa categoria, destaca-se a precursora de referência Idea!Zarvos em São Paulo; a Nortis Inc e a SKR também na capital paulista; a Haut.id em Recife; a Idee Inc em Curitiba; a Mozak e a Bait Inc no Rio de Janeiro.

Além de novas incorporadoras, outro fator dessa nova frente imobiliária que destaca o papel do arquiteto e da qualidade arquitetônica reflete nas corretoras. Empresas como Refúgios Urbanos e Axpe possuem como proposta trabalhar com imóveis de diferenciação arquitetônica. (VASCONCELOS, 2015).

Assim como as incorporadoras boutique, o diferencial da arquitetura nos imóveis vendidos nessas plataformas agrega um valor ao produto que os tornam mais caros que os demais concorrentes (SERAPIÃO, 2009)68.

Ainda que de forma tímida nos segmentos mais econômicos, a assinatura dos arquitetos já se mostra como uma tendência para uma grande parte do mercado de classe média e média-alta. Apesar de prover o devido reconhecimento aos seus autores, essas assinaturas às vezes parecem permear muito mais uma solução de marketing do que de fato de projeto. Dos 68 empreendimentos levantados para esse trabalho, apenas 8 não mencionaram o escritório responsável pelo projeto de arquitetura. No caso de escritórios de paisagismo e decoração, mais da metade dos lançamentos também dão aos seus projetistas os devidos créditos, mesmo que em menor quantidade69.

Além da retomada por parte das incorporadoras de criar parcerias que possibilitem um maior reconhecimento dos profissionais que projetam suas torres (ainda que muitas vezes se faça apenas na crença de um maior ganho no valor agregado e não na busca de uma melhor solução arquitetônica), as mu67 HIS faixa 2: renda familiar bruta superior a R$3.300,00 e igual ou inferior a R$6.600,00, conforme Decreto nº 60.066, de 09 de fevereiro de 2021 68 SERAPIÃO, Fernando. Mudanças de Ares. Projeto Design, São Paulo, n.353, p.68-79. Disponível em: <http://www.neolarincorporadora.com.br/curitiba-ganha-atelier-1901-incubadora-para-jovens-arquitetos-e-urbanistas/>. Acesso em 19 jul 2021 69 Em alguns casos, a ausência de citação do decorador e/ou paisagista se deve ao fato de ser o mesmo projetista responsável pela arquitetura

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

danças de ares da profissão por parte de alguns arquitetos também têm recuperado o protagonismo do mesmo na incorporação com a figura do “arquiteto-incorporador” (VASCONCELOS, 2015). Inicialmente de maneira tímida, esses empreendedores têm começado a atuar nas cidades brasileiras abrindo incorporadoras e construtoras que já retomam um mote de priorizar uma qualidade arquitetônica e urbanística nos seus produtos. Como exemplo, podemos citar a Moby Inc em São Paulo; a Smart!, a Arquitetos Associados e a Vazio S/A em Belo Horizonte; a Stemmer Rodrigues em Porto Alegre; a Haut.id em Recife.

Esta reflexão sobre a participação do arquiteto na produção imobiliária serve para introduzir o próximo capítulo que analisará a prática de concepção de um edifício levando em consideração diretrizes legais e mercadológicas para a incorporação imobiliária nas ZEUs. Espera-se, assim, compreender como as regulamentações urbanísticas e as premissas do mercado influenciam a prática projetual do arquiteto e a subsequente forma plástica básica dessas novas edificações presentes na Avenida Rebouças.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

5.4 O Produto ZEU

Um diferencial ressaltado na revisão do PDE 2014 e LPUOS 2016 por alguns dos entrevistados do setor público foi que a equipe responsável pela determinação dos parâmetros e diretrizes da ZEU composta por arquitetos e urbanistas trouxe propostas de regulamentação de diferentes escalas para o ambiente urbano. Essa revisão apresentou uma preocupação com o desenho urbano – principalmente na escala do térreo - que, nos últimos 60 anos, foi pouco levado em consideração no planejamento urbano brasileiro (NAKANO e GUATELLA, 2016)

Essa atenção da relação do edifício com a cidade retoma um modo de urbanismo de Jane Jacobs dos olhos na rua, contrário à São Paulo que deu suas costas para ela na segunda metade do século XX. Os diversos incentivos e parâmetros moldaram a concepção dos novos empreendimentos analisados no Eixo Rebouças. A fim de compreender e explicar de maneira clara como essas regras definiram esses novos produtos imobiliários, foi feito estudo volumétrico para simular a forma básica genérica “promovida” pela LPUOS e pela incorporação nas ZEUs usando como referência os lançamentos recentes levantados e verificados no recorte de estudo.

Premissas básicas

Para essa simulação, foi tomado como base um empreendimento imobiliário que usufrui de todos os incentivos disponíveis para a sua concepção a fim de alcançar o seu máximo potencial construtivo e máxima lucratividade. Com isso, poderemos prever o impacto da lei de zoneamento no ponto de vista projetual e comercial.

O terreno em questão consiste em um lote genérico de 1000m² (25x40m) localizado em um ponto arbitrário da Avenida Rebouças (número 2426) sob a influência da Zona de Estruturação Urbana (ZEU). Os seguintes dados abaixo consistem nas premissas básicas para esse empreendimento.

Premissas Zoneamento mínimo Coeficiente de básico Aproveitamento máximo Taxa de Ocupação

1 4 0,7

Quota Ambiental

0,2

Gabarito máx (m)

N/A

Frente

N/A

Lateral

3

Recuos

140

0,5

Fundo Cota parte (um)

50

3

Cota máx garagem (m²/vaga)

32 m²

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m

25

40

m

2,5 m

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Doação de calçada

A calçada em frente ao lote precisa obrigatoriamente ter, no mínimo, 5 metros de largura como uma ferramenta urbanística de preparar o espaço urbano para o novo fluxo de pedestre proposto nas ZEUs, sendo obrigatória a doação de área do terreno para atender essa dimensão. Como contrapartida, a área doada é descontada da outorga do empreendimento e não há recuo mínimo frontal a partir da nova testada do lote.

Área terreno: 1.000m² Área calçada: 63,50m² Área remanescente: 936,50m²

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5m

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Recuos, T.O. e T.P.

Segundo a LPUOS, para edifícios com gabarito superior a 6m, é obrigatório o recuo de 3m tanto nas laterais quanto no fundo do lote. Não há obrigatoriedade de recuo frontal em ZEU superior ao necessário para atender a doação de calçada.

Com isso, temos uma área de implantação de 655,5m². Em seguida, precisamos verificar se a área respeita a taxa de ocupação (70% da área remanescente). Por fim, devemos respeitar, também, a Taxa de Permeabilidade que determina que 20% do terreno seja permeável. Área remanescente: 936,50m² TO (0,70): 655,55 m² TP (0,20): 344,45 m² (OK!) Logo, nossa área de projeção será de 655,55 m².

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Térreo: Fachada Ativa e Área de lazer

Conforme previsto no plano diretor, é incentivada a inserção de fachada ativa no térreo do edifício a fim de fomentar a urbanidade local. Suas diretrizes são:

1- Frente mínima de 25% da testada do lote

L = 25 x ,25 = 6,25m

2- Área máxima não computável: 50% da área do lote

A 2ª regra entra em conflito com outro uso não computável do térreo: as áreas comuns. Esse incentivo é tradicionalmente aplicado para se inserir espaços de lazer no térreo, agregando diferenciais ao produto como um chamativo.

Usando como parâmetro a implantação dos empreendimentos analisados, manteremos a fachada ativa com a largura mínima e profundidade máxima possível e destinaremos o resto à área comum do prédio.

Fig. 57 - Implantação do térreo do Mobi One Oscar Freire (esq) e You, Faria Lima (dir) Fig. 58 - Perspectiva ilustrada da fachada ativa do Pedroso 737

Fonte: material de vendas das incorporadoras

Fonte: material de vendas da incorporadora

AFA: 6,25 X 34,50 = 215,63 m² AAC: 439,87 m²

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Fachada Ativa Lazer

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Garagem

Visando estimular os meios alternativos de mobilidade contrários à prática de priorizar o automóvel em uma área fornecida por sistemas de transporte de grande capacidade, o PDE delimitou a oferta de, no máximo, uma vaga por unidade habitacional70. Conforme calculado nas premissas, a área total disponível para garagem coberta em um empreendimento (cuja cota parte resultou em 50 unidades) é de 1600m².

Considerando que o solo se encontra nas condições ideais, a possibilidade de se fazer subsolos para as garagens torna-se viável. No entanto, optou-se por fazer a garagem em pavimentos elevados por 2 motivos comuns na lógica da incorporação recente e verificado em alguns dos empreendimentos:

1- O custo de execução de um sobressolo é consideravelmente menor

que o de um subsolo evitando gastos com escavações e muros de con tenção;

2- Ao distanciar o 1º pavimento residencial do nível da rua, o empreendimento agrega um valor ao seu produto por garantir maior privacidade ao morador que é refletido no preço do mesmo;

Utilizando a projeção já construída do térreo, distribuiremos a garagem em 3 pavimentos a fim de alcançar a área máxima disponível.

Fig. 59 - Implantação do 1o pavimento do Mourato 111 - imagem retirada do material de vendas da

Fig. 60 - As garagens de sobressolo compõem uma parte relevante da fachada no embasamento (tracejado vermelho) dos Pin Home Design (esq) e You, Faria Lima (dir) - Imagens retiradas do material de vendas das incorporadoras.

Apvto: 530 m² Pavimentos: 03 Atotal: 1590,87 m² 70 A regra até então vigente determinava no mínimo uma vaga por unidade. Essa diferença vocabulária revela uma forte intenção política contrária ao rodoviarismo.

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Garagem

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Incentivo Não Residencial (NR)

O principal incentivo para a ZEU é o de uso Não Residencial a fim de estimular a incorporação de prédios mistos. Dentro dessa categoria se aplicam diversos usos de cunho comercial, de serviços, de hospedagem, equipamentos etc.

Um dos usos mais disseminados pelo mercado é o NR1-12: serviços de hospedagem ou moradia. Nessa categoria se inserem os Flats (repaginados de Studios), que são habitações com serviços equivalentes a uma hospedagem hoteleira71. Nesse tipo de produto, as unidades compõem uma diversidade de diferentes metragens sem vagas de garagens.

O incentivo adquirido se refere a 20% do potencial construtivo da área do terreno (AT) sendo, portanto:

ANR: 1000 x 4 x 0,2 = 800 m²

Para se determinar as áreas das unidades Studios e sua distribuição pelo pavimento, primeiro se deu como premissa inicial a inserção da circulação vertical (escadas e elevadores) 72e horizontal (corredores) com as mínimas dimensões normativas de acessibilidade73.

Área de circulação vertical74: 48 m² Área de circulação horizontal: 48,24 m² Área total de circulação: 96,24 m² / pavimento

Além do cálculo do incentivo NR, outras áreas não computáveis podem ser agregadas ao programa por meio de cálculos provenientes da lei, de diretrizes técnicas e de criações comerciais. São eles:

Terraço social: 5% da área do terreno remanescente (ATR) por pavimento Ater = ATR x 0,05 = 936,50 x 0,05 = 46,85m²/pvto 71 Apesar de terem uma tipologia habitacional, essas propriedades são interpretadas como quartos de hotel por conta de seus serviços e, portanto, sem função residencial. O approach do marketing na venda dessas unidades é muito mais voltado ao investimento de renda do que na de moradia.

72 No caso do volume do elevador a área remanescente sem vazio foi interpretada como áreas técnicas, vazios e shafts (não computáveis).

73 Os corredores devem ser dimensionados de acordo com o fluxo de pessoas, assegurando uma faixa livre de barreiras ou obstáculos, conforme 6.10.8. As larguras mínimas para corredores em edificações e equipamentos urbanos são: 1,20 m para corredores de uso comum com extensão até 10,00 m; e 1,50 m para corredores com extensão superior a 10,00 m; ABNT NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos – segunda edição de 31 de maio de 2004 74 No caso do volume do elevador a área remanescente sem vazio foi interpretada como áreas técnicas, vazios e shafts (não computáveis)

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Incentivo NR Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Circulação Vertical Circulação Horizontal

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Terraço Técnico: máx 1,20 x 0,60m para instalação de uma condensadora75 Att = 1,20 x 0,60 = 0,72m²

Terraço Garden: branding criado para as lajes descobertas provenientes de recuos da projeção adjacente à unidades do pavimento. Também pode levar o nome de Giardino Atg = 24,46m²

O estudo do pavimento consistiu em equilibrar a distribuição de áreas dentre as unidades e a distribuição destas pelo pavimento da maneira mais eficiente e simples possível a fim de atingir o máximo limite construtivo. Após diversos ensaios, o pavimento tipo NR alcançou o seguinte resultado:

Área incentivo 20%: 28 unidades de 23 a 29,93 m² Área terraço social: 46,85 m² / 14 = 3,34 m² / unidade Área terraço técnico: 0,72 m² / pavimento

Área terraço Garden: de 6,14 a 10,50 m² distribuídos nas unidades do fundo do 1º pvto

Área Studio NR: ANR + Ater + Att + Atg Produto final: Studios de 27,06 a 41,81 m²

Os Studios NR consistem em unidades de um único cômodo com uma área de preparação de alimentos (APA) e outra para o social/dormitório. O terraço social comum e técnico podem ou não serem únicos76 e sua integração com o Studio geralmente é apresentada nos decorados dos stands de venda, ampliando a noção espacial.

O maior diferencial dos Studios se dá no banheiro, cujas dimensões devem atender ao desenho universal para futura adaptação à acessibilidade se assim o proprietário o desejar.

Fig. 61 - planta humanizada do Studio tipo NR do Pinheiros HY.

Fonte: material de vendas da incorporadora. Marcação de cores feita pelo autor.

75 Conforme diretrizes de bombeiros e de projetistas de sistemas frigorígenas para comportar uma condensadora de ar-condicionado.

76 Dependendo da norma vigente no momento da aprovação do projeto, o terraço técnico poderia ou não ser entregue integrado ao terraço comum. Atualmente, obriga-se a separação com guarda corpo entre ambos e o acesso ao terraço técnico deve ser por uma portinhola ou janela para não o configurar como terraço comum.

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Incentivo NR Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Circulação Vertical

ANR

Circulação Horizontal

Ater

Att

Atg

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Pavimento Residencial: Estudos de áreas

Para o estudo do residencial foi considerada uma primeira premissa de 4 apartamentos por andar com mesma metragem. Para terrenos em ZEU as áreas de circulação dos pavimentos são contempladas nas áreas computáveis. Portanto, estas têm de ser levadas em consideração para a definição da metragem das unidades. No caso, utilizando as dimensões mínimas exigidas pela norma de acessibilidade77, subtrai-se 39,02m² de área computável por pavimento destinada à circulação. A tipologia encontrada de 119m² renderia uma torre de 7 pavimentos e 28 unidades, não atendendo à cota parte do terreno (50un).

Estudo Tipologias residenciais 01 Tipo 1 119,00 m² Área total Tipo 1/pvto 238,00 m² Circulação 39,02 m² Área técnica 24,00 m² Área computável/pvto 515,02 m² Área total/pvto 539,02 m² Área computável 4000,00 m² Área computável remanescente 0,00 m² Pavimentos aprox 7,767 Nº pavimentos 7 Nº unidades totais 28

Estudo Tipologias residenciais 02 Tipo 1 50,00 m² Tipo 2 72,00 m² Área total Tipo 1/pvto 100,00 m² Área total Tipo 2/pvto 144,00 m² Circulação 39,02 m² Área técnica 24,00 m² Área computável/pvto 283,02 m² Área total/pvto 307,02 m² Área computável 4000,00 m² Área computável remanescente 0,00 m² Pavimentos aprox 13,028 Nº pavimentos 13 Nº unidades totais 52

Logo, mantendo a premissa de 4 unidades por andar, foi feito um novo estudo de modo que se atingisse o máximo potencial construtivo atendendo à cota parte. Diversas simulações de diferentes metragens foram feitas até chegar em 2 tipologias (50 e 72m²) com 13 pavimentos e 52 unidades.

Estudo Tipologias residenciais 01 1 119,00 m² total Tipo 1/pvto 238,00 m² ação 39,02 m² técnica 24,00 m² computável/pvto 515,02 m² total/pvto 539,02 m² computável 4000,00 m² computável remanescente 0,00 m² mentos aprox 7,767 vimentos 7 idades totais 28

Estudo Tipologias residenciais 02 Tipo 1 50,00 m² Tipo 2 72,00 m² Área total Tipo 1/pvto 100,00 m² Área total Tipo 2/pvto 144,00 m² Circulação 39,02 m² Área técnica 24,00 m² Área computável/pvto 283,02 m² Área total/pvto 307,02 m² Área computável 4000,00 m² Área computável remanescente 0,00 m² Pavimentos aprox 13,028 Nº pavimentos 13 Nº unidades totais 52

77 ABNT NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos – segunda edição de 31 de maio de 2004

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Incentivo NR Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Circulação Vertical Circulação Horizontal

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Pavimento Residencial Tipo 1: Studios

Para fins de aproximação de análise do recorte em estudo, optou-se por realizar um último estudo e acrescentar uma terceira tipologia residencial de Studios com 14 unidades.

Essa escolha se justifica na perspectiva comercial de prover um novo produto em tendência na região. Além disso, o grande número de unidades em áreas menores garante alcançar a cota parte sem comprometer muita área computável que passa a ser distribuída posteriormente para maiores metragens das demais unidades.

No caso da análise do Eixo Rebouças, A maior parte dos empreendimentos oferecem essas duas tipologias de apartamentos na ideia de promoção de “diversificação dos produtos imobiliários” (ALBUQUERQUE; DOS SANTOS; RUFINO; 2020). Além disso, a inserção de mais unidades residenciais garante mais vagas de garagem que muitas vezes são transferidas para os apartamentos maiores, mantendo os Studios residenciais no mesmo padrão comercial que os não residenciais já previstos sem vagas.

Sendo assim, sob a mesma lógica de áreas dos Studios NR, mantivemos para essa tipologia o mesmo resultado de distribuição de áreas: Área computável: 14 unidades de 23 a 29,93 m² Área terraço social: 46,85 m² / 14 = 3,34 m² / unidade Área terraço técnico: 0,72 m² / pavimento Área Studio R: Acomp + Ater + Att Produto final: Studios de 27,06 a 33,99 m²

Diferente das unidades NR, os residenciais não precisam atender à norma de desenho universal dos banheiros. Logo, para uma mesma tipologia de Studios, podem-se ter duas configurações de banho dependendo do uso em que ele se encaixa. Nos materiais de vendas, isso se torna perceptível nas dimensões dos banheiros das plantas humanizadas (quando não explicitado pela incorporadora).

Studio NR

Studio R

Studio NR

Studio R

Fig. 62 - Plantas humanizadas de uma mesma tipologia para uso NR e R do NIK Alves Guimarães (esq) e AG Glam (dir). A diferença sutil se dá na dimensão do banheiro, precisando o NR atender ao desenho universal com dimensões maiores. Imagens retiradas do material de vendas das incorporadoras.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Computável Terraço social Terraço técnico

Acomp

Circulação Vertical Circulação Horizontal

Ater

Att

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Pavimento Residencial Tipo 2: Apartamentos

Por fim, para a área computável remanescente foram determinados 4 apartamentos por andar com 2 tipologias (55 e 75m²) distribuídos em 12 pavimentos, chegando a um total de 48 unidades habitacionais.

Estudo Tipologias residenciais 03 Tipo 1 55,00 m² Tipo 2 75,00 m² Área total Tipo 1/pvto 110,00 m² Área total Tipo 2/pvto 150,00 m² Circulação 36,02 m² Área técnica 24,00 m² Área computável/pvto 296,02 m² Área total/pvto 320,02 m² área computável Studios R 400,00 m² Área computável remanescente 3600,00 m² Pavimentos aprox 12,16 Nº pavimentos 12 Nº unidades totais 48

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Área computável: 48 unidades de 55 e 75 m² Área terraço social: 46,85 m²/4 = 11,71 m²/unidade Área terraço técnico: 0,72 m² / pavimento

Área terraço Garden: de 34,4 a 37,42 m² distribuídos entre os 4

apartamentos do 1º pavimento Área Studio R: Acomp + Ater + Att + Atg Produto final: Apartamentos de 67,43 a 124,85 m²

A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Acomp

Computável Terraço social Terraço técnico Terraço Garden

Att

Ater

Circulação Vertical Circulação Horizontal

Atg

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

A variedade de apartamentos disponível no mercado configura diversas modalidades de adaptação referente à vontade do proprietário. Essa versatilidade adentra no valor agregado ao produto como um diferencial à medida em que provê uma noção de “exclusividade”.

No entanto, dentre as diversas tipologias disponíveis, alguns padrões de planta se tornam evidentes. O modelo tripartido da unidade ainda segue sendo o padrão universal, dominando os partidos arquitetônicos mesmo quando se trata de unidades que não se destinam a famílias nucleares (VILLA, 2008). Em quase todas as metragens o dormitório reversível está presente, oferecendo uma ampliação da sala já prevista desde o início da concepção do projeto. Parte disso remete a uma adaptação da redução das áreas das unidades ao longo do final do século XX, cujo apartamento de três dormitórios atingiu metragens que antes eram designadas aos de dois dormitórios (VARGAS, 2018).

As suítes seguem sendo prioridade para serem inseridas em todos os quartos da unidade. Para os apartamentos de menor metragem, isso é conseguido em conjunto com a configuração do dormitório reversível que, ao ser integrado à sala, viabiliza que o dormitório remanescente estrategicamente localizado ao lado do banheiro se converta em suíte. Disseminada pelo mercado principalmente a partir do final dos anos de 1990 e início de 2000, as suítes configuram um ideal individualista que agrega valor ao produto na noção de exclusividade, mesmo que isso comprometa as dimensões dos dormitórios e dos próprios banhos.

Nas unidades menores, outros padrões aparecem. A cozinha, em formato corredor, muitas vezes já vem integrada à sala com uma bancada separando ambos; a área de serviço é configurada como terraço; e o terraço técnico, quando não integrado à área de serviço, torna-se acoplado a um dos dormitórios como um terraço íntimo.

Fig. 63 - Planta da unidade de 88m² do Core Home Pinheiros (You,Inc) de 3 dormitórios (esq) que pode ser revertido em 2 suítes (dir).

Fonte: material de publicidade da incorporadora. Marcações feitas pelo autor.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Computável Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Circulação Vertical Circulação Horizontal

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Já nas unidades maiores, distingue-se de maneira mais clara os espaços designados ao serviço e ao social, com cozinhas mais generosas que não são integradas à sala na planta padrão; a presença do WC de serviço e do dormitório de serviço ainda persiste na configuração desses apartamentos, remontando a um modelo familiar com empregados que dormem no serviço cuja problemática remete a questões históricas78. Apesar de muitas vezes esse cômodo ser utilizado com outros propósitos, as plantas de publicidade ainda o representam como um dormitório de serviço pelo status que ele pode agregar ao produto, mesmo se revelar dimensões mínimas aceitáveis e sem aberturas para ventilação e iluminação natural.

Fig. 64 - Planta da unidade de 268m² do Alameda Jardins (esq) e de 230m² do Edge Pinheiros (dir) com destaque para a cozinha ampla, WC e dormitório de serviço.

Fonte: material de publicidade das incorporadoras. Marcações feitas pelo autor.

78 O problema das condições precárias do dormitório de serviço (anteriormente chamado de dormitório de empregada) remonta a questões sociais históricas da desigualdade social brasileira.

Em 2018, foi sancionada a Lei 13.699/18 que exige condições mínimas de acessibilidade, utilização e conforto dos quartos de empregados doméstico.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Computável Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Circulação Vertical Circulação Horizontal

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Lazer elevado

O espaço destinado ao lazer coberto elevado é incentivado com o ganho de 3m² de área não computável por unidade habitacional. Em muitos casos, a distribuição dessa área não contempla todo o pavimento, deixando áreas remanescentes na laje descoberta que é transformada em lazer externo como piscinas e terraços. A somatória de ambos os lazeres coberto e descoberto agregam valor ao produto, mas apenas o lazer coberto é agregado ao cálculo de áreas para aprovação na prefeitura que não considera esse espaço da laje como área construída. Sendo assim, temos:

Unidades residenciais: 66 unidades (12 Studios e 48 apartamentos) Cota de lazer coberto elevado: 3 m²/unidade Total lazer coberto elevado: 198 m² Lazer descoberto elevado: 132,80 m² Total Lazer: 330,80 m²

O lazer elevado configura uma das principais características dos novos produtos imobiliários lançados nas ZEUs. Os três metros quadrados por unidade incentivados resultaram em grandes áreas de lazer muitas vezes no último pavimento, ocupando o espaço que até então pertencia apenas aos moradores das coberturas duplex que dominaram o topo dos edifícios nos anos de 1980 a 2000.

Esses equipamentos de uso comum configuram não só um valor agregado ao produto como um estilo de morar fomentado por algumas incorporadoras. A Vitacon representa a “essência do morar comunitário” dos seus produtos imobiliários com espaço de coworking, bicicleta compartilhada, horta comunitária, cozinha compartilhada e outros espaços de convivência.

Foram listados 28 itens de diferenciais e lazer dentre os empreendimentos levantados e, não surpreendentemente, as presenças de academias e piscinas foram unânimes, presentes em 94% e 90% dos empreendimentos, respectivamente.

Outros itens de lazer também predominaram em relação aos demais. Para melhor visualizá-los, os ambientes foram separados em diferentes categorias que constituem um mesmo propósito de atividade. As colunas revelam a distribuição desses equipamentos tanto no contexto geral quanto de cada setor a fim de compreender os diferentes produtos que mais saem em cada um dos setores.

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Lazer Circulação vertical

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

média de equipamentos de lazer presentes por categoria por setor

Equipamentos por categoria

Atividade Física Piscina Academia Squash Pilates Compartilhamento Lavanderia Coworking Cokitchen Espaço Multiuso Relaxamento Solarium Sauna Spa Entretenimento Quadra Poliesportiva Sala de Jogos Brinquedoteca Playground Social Espaço Gourmet Sky Lounge Salão de Festas Churrasqueira Forno de Pizza Mobilidade Bicicletário Bike Sharing Car Sharing Outros Delivery Pet Place Horta/Pomar Serviço Pay-per-Use Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica:: Gabriela Momberg

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Lazer Circulação vertical

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Áreas técnicas: Barrilete e Ático

Na cobertura, consideramos uma área para acomodar o barrilete e o ático da torre. Assim como as demais áreas técnicas destinadas às instalações de elétrica, hidráulica e outras disciplinas que compõem o funcionamento do edifício, ela não é computável. Área técnica: 57,60 m²

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Área técnica

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Elementos de fachada

Além dos usos detalhados acima, outros ambientes contemplam o grupo de não computável inseridos na área construída final do edifício. Neste ensaio, não foram detalhadas as áreas de apoio, áreas técnicas e nem obras complementares79.

O último item a ser agregado à contagem de área construída não computável da volumetria em análise é o elemento de fachada que consiste em brises, abas, floreiras e outros itens acoplados às faces do edifício cujo avanço de até 40cm a partir da projeção da torre não é considerada computável.

No caso do projeto em estudo, inseriu-se como função estética um preenchimento de 40cm para alinhamento dos terraços dos studios.

Elemento de fachada: 24,94 m²

Fig. 65 - Exemplos de elementos de fachada. Jardineira do Sintra Jardins (esq) e abas do Edge Pinheiros (dir)

Fonte: material de vendas das incorporadoras

79 Áreas de apoio: portaria, vestiários, áreas destinadas aos funcionários etc Áreas técnicas: sala de pressurização, reservatórios, sala de gerador, casa de bombas etc Obras complementares: marquises, medidores, pergolados etc

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Elemento de Fachada

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Outorga Onerosa

Como última análise do projeto, realizou-se uma simulação do valor que seria pago de outorga pelo empreendimento. Apesar da prefeitura de São Paulo disponibilizar uma planilha configurada para cálculo do valor, foi feito um estudo por conta para compreender a incidência das áreas computáveis no valor.

O cálculo da outorga é concomitante à concepção projetual, uma vez que as variações das áreas das unidades incidem diretamente no valor dela. Todavia, para esse estudo simplificado, foi realizado o estudo da outorga em duas simulações: uma análise primária simplificada considerando Fs = 1,0 para todo empreendimento e o cálculo real baseado nas majorações designadas para cada tipologia da torre. Com isso, observou-se que o Fator Social (FS) pode influenciar na decisão na metragem das unidades por reduzir o valor a ser pago de contrapartida. A diferença entre a análise primária e final da outorga foi de 6,1%, uma economia de R$203.385,55 para o empreendimento. Valor esse irrisório no contexto global do custo da obra, mas que ainda assim favorece a redução do valor final do m² para o consumidor, sendo benéfico para todos.

Análise Primária da outorga: simplificação de Fs = 1,0 para toda a área construída

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Potencial Construtivo (4x)

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

Análise final da Outorga:

Área por tipologia: Studios residenciais: 23 a 29,93m² (Fs = 0,8) Apto Tipo 1: 55m² (Fs = 0,9) Apto Tipo 2: 75m² (Fs = 1,0) Circulação Studios: 69,84m² Circulação Residencial/pvto: 36,02m² Circulação Tipo Residencial/pvto: 16,76m² Área total por tipologia (Unidade + circulação):

Studios residenciais: 477,82m² (Fs = 0,8) Apto Tipo 1: 1.521,95m² (Fs = 0,9) Apto Tipo 2: 2.001,95m² (Fs = 1,0) Área do Terreno por uso:

Studio R: 119,4m² Apto Tipo 1: 380,46m² Apto Tipo 2: 500,48m²

Valor Outorga por uso:

Studios R: (119,4/477,82) x 0,7 x 0,8 x 6.722,82 = R$941,16/m² Apto Tipo 1: (380,46/1.521,95) x 0,7 x 0,9 x 6.722,82 = R$1.058,77/m² Apto Tipo 2: (500,48/2.001,95) x 0,7 x 1,0 x 6.722,82 = R$1.176,48/m²

Valor Outorga = R$3.101.972,94

O valor relativamente baixo da outorga encontrada se justifica pelas variáveis do seu cálculo que diferem entre produtos e localizações. A fim de promover uma maior produção de habitações menores – logo, mais acessíveis – o fator social (Fs) reduz o valor final. Já o Fator de Planejamento (Fp) varia de 07-1,2 em diferentes pontos da cidade a fim de estimular ou não a produção de edifícios residenciais e não residenciais em área considerada prioritárias para esse fim. No caso das ZEUs, o Fp possui um dos menores valores possíveis (0,7) reiterando sua prioridade no adensamento.

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Potencial Construtivo (4x)

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças Mapa de distribuição do Fator de Planejamento pelo Município

Fonte: PDE 2014, PMSP

Esses fatores fazem parte de uma série de ferramentas do plano que compõem o que fora chamado de “força de indução” por um dos entrevistados.

A partir de incentivos (fachada ativa, uso misto, fruição pública) e parâmetros mais favoráveis à produção (Fp, Fs, CA, gabarito) nas ZEUs e mais restritivas fora delas, “inviabiliza-se” construir propositalmente fora dos eixos. “o PDE 2014 aboliu os estoques de potencial construtivo com a aplicação da outorga por distrito e por uso. Por que ele faz isso? Como estratégia da força de indução. O que é isso? Quando você tem todos esses fatores [CA, Fs, Fp, gabarito, incentivos de área], economicamente não é viável investir fora do eixo. Então o que é a força de indução? É não ser viável fazer fora do eixo.

Eu travo ali fora, é inviável fazer fora. (...) E eu falo o seguinte: nós tínhamos o estudo dentro da prefeitura em que avaliávamos todos os fatores juntos quanto que pesava a contrapartida financeira da outorga em modelos paradigma no VGV potencial dos empreendimentos.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

Essa estratégia se complementaria às novas áreas que comporiam os projetos urbanos dos arcos. No entanto, enquanto a força de indução fora efetivada desde a promulgação da lei, os projetos urbanos que nunca foram implantados não proporcionaram o acréscimo de área favorável à produção imobiliária prevista nos últimos sete anos, sustentando o argumento do setor imobiliário de escassez de solo.

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“A partir do momento em que entra uma gestão que não prospera a aprovação desses projetos [urbanos] é claro que o mercado vai falar que os eixos vão se valorizar e vai ter escassez de investimento imobiliário na cidade. É claro. Mas o problema não é só porque você proibiu de fazer fora do eixo. O problema é que você não estruturou os Projetos que resultariam em novas áreas de desenvolvimento imobiliário dentro de um modelo mais sustentável colocado pelo PDE.

Então não é verdade que o PDE restringiu o adensamento na cidade. (...) na hora em que que você tem oferta de investimento em HIS de forma ampliada, tem os eixos e os projetos urbanos, você pode fazer o adensamento só que de acordo com diretrizes de um modelo de desenvolvimento sustentável que é adensar territórios existentes com diversidade social e com foco na mobilidade urbana sustentável.”

Entrevistado 01, entrevista concedida em maio de 2021

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Resultado Projetual

O resultado do edifício consistiu em uma torre de uso misto com gabarito de 64 metros80 e 20 pavimentos. Os apartamentos variam de 27,06 a 124,85 m² com uma área útil média de 81,72 m² por unidade residencial, bem próxima ao que a cota parte prevê.

No total, são 91 unidades divididas entre studios NR (28 unidades), studios R (14 unidades) e apartamentos (48 unidades) além de uma loja térrea. O lazer é distribuído no térreo e na cobertura. Todo esse conjunto de unidades e equipamentos estão distribuídos em uma área total construída de 9010,70 m² - 9x a área do terreno – sendo que 6295,80 m² são privativas, ou seja, a eficiência do projeto é de 0,698.

Partindo do princípio de que serão consideradas vagas apenas nas unidades de apartamentos, o número daquelas extrapola essas, com 62 no total.

Essas vagas excedentes podem tanto ser vinculadas aos apartamentos de maior valor quanto serem disponibilizadas à venda separadamente aos condôminos.

Ambas as modalidades estão presentes no mercado.

Área construída: 9010,70m² Área privativa: 6295,80m² Pavimentos: 20 Gabarito: 64m*

Unidades: Studio NR: 28 Studio R: 14 Aptos: 48 Total: 90 unidades

Tipologias: Studios (R e NR): 27,06 a 33,99m² Studios Garden: 37,28 a 41,81m² Apto Tipo 1: 67,43m² Apto Tipo 2: 87,43m² Apto Tipo 1 Garden: 101,83m² Apto Tipo 2 Garden: 124,85m² Vagas: 62

80

Considerou-se pé direito h = 3m para todos os pavimentos

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O ensaio realizado traduz de maneira simplificada a forma como um projeto de edifício é concebido para o mercado formal sob os parâmetros da lei e de premissas mercadológicas. Diversos outros fatores de princípios econômicos, comerciais, culturais e legais colaboram para a decisão e definição projetual final.

A disposição de programas, tipologias e volumetria varia de empreendimento a empreendimento, mas, num contexto geral, o “edifício modelo” regido pelos parâmetros urbanísticos e conceitos do mercado corresponde aproximadamente ao padrão observado nos novos empreendimentos no Eixo Rebouças. Com isso, algumas reflexões foram feitas.

1. O coeficiente de aproveitamento de um terreno não se refere efetivamente ao quanto se pode construir na área do lote uma vez que as áreas não computáveis sempre farão a edificação exceder esse valor81. Essa limitação construtiva se refere majoritariamente ao que se é designado quase que exclusivamente às áreas privativas82 e, portanto, ao ganho de capital sobre o terreno.

Logo, o CA não limita diretamente o potencial construtivo de um determinado lote e sim o potencial de sua ocupação, uma vez que essas áreas privativas compõem o produto a ser oferecido: unidades habitacionais e comerciais.

Com os incentivos da Fachada Ativa e do uso NR, o produto da ZEU conseguiu um acréscimo considerável ao potencial construtivo (equivalente a 6,3x a área do terreno) com 6.295,80m² de área privativa capaz de gerar novas unidades. Todavia, conforme apontado anteriormente, esses incentivos se restringem até o momento a uma pequena parcela do território urbano. Caso o modelo levasse em consideração qualquer outro zoneamento com CAmax = 2 (majoritário na cidade), a área privativa final equivaleria aproximadamente a apenas 2,3x a área do terreno (aprox. 2.304,52m²) sendo esse 0,3 de potencial acrescido exclusivamente para as unidades já projetadas (com terraços) sem poder gerar novas. Logo, a oferta de moradia e serviço na maior parcela da cidade segue comprometida apesar do intuito de crescimento sustentável proposto.

2. A designação das áreas comuns de circulação dos pavimentos como computável nas ZEUs pode ter como intenção limitar a oferta de área remanes81 Com exceção das áreas incentivadas (fachada ativa, incentivo NR, fruição pública), a soma de todas as demais áreas não computáveis não pode exceder 59% do total de área construída do empreendimento.

82 No caso das ZEU, ZEUa, ZEUP, ZEUPa, ZEM e ZEMP as áreas cobertas destinadas à área comum de circulação, incluindo a circulação vertical, também constituem as áreas computáveis

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Fachada Ativa Incentivo NR Computável Terraço social Terraço técnico Terraço Garden Elemento de Fachada Lazer Garagem Área técnica

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cente para as unidades e, consequentemente, diminuir suas metragens, favorecendo uma disponibilidade no mercado de habitações mais acessíveis ao longo dos eixos. O mercado, por sua vez, tentará reduzir ao máximo a área destinada à circulação para evitar essa perda de privativa. Logo, se a restrição imposta fosse de limitar as áreas comuns de circulação por pavimento em uma porcentagem de não computável (conforme determinado nas demais zonas)83 que condissesse com uma área próxima da mínima necessária para uma circulação prevista pela NBR 9050, essa computável poderia ser revertida em mais unidades, ficando a restrição de metragem dos apartamentos a cargo da limitação espacial do cálculo de recuo da torre e, principalmente, da própria cota parte. Isso significaria um ganho para o incorporador assim como para a proposta de adensamento do plano ao prover mais habitações ou espaços comerciais. No modelo volumétrico, designaram-se 468,24m² de computável para a circulação (39,02m²/ pavimento) que poderiam ser revertidos em mais 8,5 unidades de 55m² ou 6,5 unidades de 72m².

3. A introdução de áreas computáveis e não computáveis beneficia diretamente o mercado por pagar menos outorga e, em menor escala, o consumidor final que terá uma menor incidência da taxa no preço do metro quadrado do produto. Todavia, na prática, as áreas não computáveis reduzem a principal receita para o FUNDURB, fundo de suma importância para investir em melhorias urbanas sendo, na teoria, benéfico para toda cidade. Logo, é importante de ressaltar que a arrecadação pela outorga correspondeu, em média, a 90,8% da receita do fundo entre 2012 e 202084.

4. Apesar de sofisticar os parâmetros de uso e ocupação do solo, as diversas diretrizes para as não computáveis acabam moldando a forma do edifício por restringir áreas construídas a usos que obrigatoriamente deverão ser aqueles designados (i.e. terraços). Essa consequência, nítida no surgimento das varandas gourmets a partir dos anos 2000, mostra-se como um limitante da liberdade projetual. Sem poder distribuir essas áreas não computáveis, exclusivas para um uso específico, perde-se a oportunidade de possibilitar distribuições mais generosas (em uma mesma quantidade de metros quadrados extras) para os ambientes internos. Logo, viabilizar outras formas no projeto, sucumbindo o mesmo a uma homogeneização da forma edificada dos seus demais.

83 Com exceção das zonas de transformação, limita-se a 20% da área do pavimento como não computável as áreas comuns de circulação nas demais zonas 84 Sistema de Orçamento e Finanças (SOF). Prefeitura do Município de São Paulo. Atualizado em: dezembro 2020. Disponível em: https://monitoramentopde.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/.

Acesso em 13/05/2021 182

A transformação da cidade: o caso da Rebouças

Terreno: Construída: Privativa:

1.000 m² 9.010,70 m² 6.295,80 m²

Computável: Não Computável: Não Computável Incentivada:

4.000 m² 3.995,07 m² 1.015,63 m²

Construída / Terreno: Não Computável / Construída: Privativa / Terreno: Privativa / Construída:

9,01 0,44 6,29 0,698

CA “efetivo” Eficiência de projeto

CA = 4

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Os argumentos levantados acima devem ser levados apenas como reflexões, muitas das quais simplificadas. Sugerir eliminar a designação de áreas computáveis e não computáveis ou aumentar o CA requer uma análise mais aprofundada e um estudo mais minucioso do tema. Teria que se encontrar um equilíbrio entre mercado e poder público para se atingir uma relação ideal entre potencial construtivo e contrapartida financeira.

Reitero, portanto, que essas reflexões requerem estudos mais minuciosos e aprofundados dos temas, sendo esse ensaio apenas uma provocação para uma leitura visual da relação entre lei e mercado na produção da forma do espaço intramuros.

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5.5 A nova forma urbana da Rebouças

Após compreender a dinâmica imobiliária presente no Eixo Rebouças e a maneira como esses prédios são concebidos projetualmente, a última análise do recorte refere-se ao impacto dessa nova produção imobiliária no desenho da cidade, ou seja, compreender visualmente como a produção realizada dentro dos lotes influenciará na dinâmica urbana além deles.

Para essa etapa, o recorte do eixo foi filtrado para a área que compreende a maior concentração de lançamentos na região de análise, delimitada pelas avenidas Rebouças e Brigadeiro Faria Lima, Rua dos Pinheiros, Rua Artur de Azevedo e Rua Henrique Schaumann. Esse novo recorte da pesquisa foi denominado de Rua dos Pinheiros.

Representando 44% do total do número de terrenos levantados, a área compreendida em aproximadamente 48,8 hectares corresponde a apenas 26% da área do recorte, ressaltando a enorme concentração nessa área.

A referida área contempla alguns dos maiores empreendimentos lançados no eixo. Dos 10 maiores lançamentos em área construída, o recorte da Rua dos Pinheiros contempla seis.

Os efeitos desses grandes empreendimentos foram previstos a partir de modelos volumétricos básicos das torres implantadas no Google Earth. O resultado revelou a consolidação de um novo “paredão” em torno do Jardins, emoldurando o último limite vertical possível do seu entorno.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

As 25 torres modeladas revelam não só um aumento na densidade construtiva como também do gabarito. Apesar das alturas das torres não serem 100% precisas85, podemos ter uma noção próxima dessa nova morfologia urbana em formação ao longo da Rebouças. Ao se fazer um comparativo com a forma urbana imaginada pelo PDE, indaga-se se a Avenida Rebouças pode ser representada como um retrato do que se imaginava das ZEUs pelo plano.

Os impactos dessa nova forma urbana se tornarão evidentes uma vez que os empreendimentos forem entregues. No momento, podemos apenas apontar algumas hipóteses levantadas a partir das análises dessa pesquisa:

1. Apesar de poucos prédios aderirem à fruição pública, esse incentivo se mostrou presente majoritariamente na área da Rua dos Pinheiros com sete empreendimentos previstos de ter um espaço designado para o acesso de pedestres conectando duas ou mais vias. Logo, com calçadas mais largas e uma maior permeabilidade das quadras, a região poderá sofrer uma mudança positiva de sua caminhabilidade, que hoje já é bem favorável nas vias internas do bairro. No entanto, questiona-se como isso se refletirá na Rebouças, cujo ambiente pouco favorável ao pedestre poderá sofrer uma mudança drástica à medida que o fluxo peatonal aumenta. Tendo em vista seu caráter tradicionalmente de via expressa, pode ser que a avenida necessite de um plano mais abrangente de reapropriação da via para torná-la mais compatível com seu novo caráter dinâmico. levantamento volumétrico dos empreendimentos inseridos eo longo da Rua dos Pinheiros (laranja) e Avenida Reouças (vermelho)

Elaboração de conteúdo pelo autor Elaboração gráfica: Gabriela Momberg 85 186

Considerou-se PD = 4m para o térreo e PD = 3m para os demais pavimentos.

A transformação da cidade: o caso da Rebouças

2. Indaga-se, também, o impacto de veículos na Rebouças. Com o novo contingente populacional residente e dos transeuntes temporários dos serviços de hospedagem e com cada vez mais adeptos às viagens de automóvel compartilhado por aplicativos o fluxo de veículos incidirá no vai e vém diário da avenida. Além disso, ela não só será lugar de passagem para os locais de serviços e trabalhos da Faria Lima e da Paulista como também será ponto de destino final, acarretando em um trânsito de manobras de veículos e locais de parada. Nesse ponto, o plano prevê as vagas utilitárias para os usos NR e a obrigatoriedade de porte-cochère para alguns deles justamente para atender a esse fim.

3. A Rua dos Pinheiros, um dos polos gastronômicos da cidade, já possui uma forte vocação para o pedestre. A qualidade de sua calçada a difere da maioria da cidade. No entanto, o seu papel de via alternativa de desvio do fluxo da Rebouças e Teodoro Sampaio está comprometido com um crescente contingente de veículos. Apesar do plano diretor limitar o número de automóveis com a cota de garagem, a região ainda sofrerá um aumento do fluxo de veículos acarretando um aumento do trânsito nos horários de pico. Alternativas como o fechamento periódico da rua para carros podem evitar uma piora da qualidade peatonal da rua.

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Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

4. A grande oferta simultânea de fachadas ativas e studios terá um impacto de espaços ociosos tendo em vista o alto valor dessas unidades? Iria o preço se ajustar pela lei da oferta e procura ou tenderá a seguir numa valorização exponencial com a transformação efetiva dos novos ocupantes da região?

5. A enorme disparidade entre os dois lados da Rebouças reitera o privilégio de alguns poucos moradores e deixa ainda mais nítida uma paisagem desigual de ocupação urbana digna de indagação. A alternativa de poder propor uma mudança de zoneamento para uma verticalização de médio porte já poderia ajudar em uma melhor ocupação do espaço em prol de uma grande população urbana. Adensamento demográfico não é sinônimo de adensamento construtivo. Não há necessidade de se fazer apenas arranha-céus.

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A transformação da cidade: o caso da Rebouças

6. Por conta dessa disparidade, também, não se poderia afirmar que a Rebouças é o grande retrato da ZEU imaginada pelo PDE. O desenho urbano apresentado nos diagramas do plano parecem diferir de certa maneira da forma urbana prevista na região.

A presunção dos pontos levantados acima partiu por meio de reflexões pessoais, leituras e discussões com representantes de diferentes setores e profissões que englobam a produção da cidade. Assim como reforçado no capítulo anterior, reitero que os pontos acima compõem provocações e indagações para fomentar uma análise mais aprofundada e minuciosa de cada um dos temas, pois não há como ter assertividade do que ocorrerá na Rebouças no momento.

Conforme apontado pelos entrevistados ao longo deste trabalho, os primeiros edifícios sob a égide do PDE 2014 e LPUOS 2016 estão saindo agora. Devemos aguardar para ver como São Paulo reagirá.

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PARTE III Considerações finais

Parte 2 | Transformação urbana na prática: analisando o caso do Eixo Rebouças

O intuito deste trabalho foi proporcionar uma análise da dualidade compreendida pelo autor na forma em que as divergentes visões dos agentes público e privado incidem no espaço. Sendo a cidade o objeto dessa relação, a atenção que se levou na pesquisa foi primordialmente na convergência de suas ações na qualidade do ambiente urbano.

O primeiro ponto a ser considerado é que as legislações urbanísticas são frutos de negociações que atendem não só aos ideais dos envolvidos na gestão urbana - responsável pela sua concepção - como também aos interesses e reivindicações do setor imobiliário os quais entendem como ninguém as incidências de sua aplicação.

Apesar de parecer óbvia, essa afirmação acarreta em reflexões ambivalentes no modo em que cada segmento atua. A articulação de ambos os agentes incidiu em decisões que tornaram São Paulo na cidade que virou suas costas para rua na década de 1970. Da mesma forma, essa articulação foi capaz de prover um novo plano que visa o retorno do paulistano para a vida nas calçadas.

A análise técnica sobre a poética dessa reflexão se dá na maneira como os instrumentos urbanísticos e as relações capitalistas se sofisticaram ao longo do tempo. As legislações foram responsáveis pela reformulação do desenho urbano que passaram de preocupações estéticas no início do século XX a prioridades rodoviaristas, resultando no corte da cidade por vias expressas. Junto a parâmetros restritivos de uso e ocupação do solo concedidos aos interesses de uma minoria de elite e aos ideais urbanísticos modernos, a cidade se expandiu horizontalmente de maneira esparsa contrária ao adensado centro de suas origens. Apesar desse modelo ser inicialmente introduzido nos anos de 1930 por Prestes Maia, o marco regulatório decisivo para a mudança de paradigma da forma urbana paulistana se deu na década de 1970 com a fatídica introdução da lei de zoneamento.

Nessa problemática também incide a responsabilidade do setor imobiliário, o qual esteve diretamente envolvido nas determinações dos parâmetros que legitimaram a cidade paliteiro. Sempre em busca da maior rentabilidade projetual, as negociações do setor com a gestão pública culminaram na fórmula que estabeleceu como única saída de viabilidade de negócio a realização das torres isoladas no lote.

Todavia, considera-se que o marco decisivo da produção imobiliária na mudança da forma da cidade foi a entrada dos financiamentos do BNH que alterou profundamente o processo de incorporação. Ao se ver em meio a uma gran-

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de abertura de capital financiado, o sistema imobiliário tornou-se um acelerado meio de produção habitacional que enrijeceu a qualidade dos seus produtos em prol de maior rentabilidade. A construção padronizada em série prevaleceu com a sofisticação de posteriores meios de financiamento ao longo da segunda metade do século XX. Com isso, a predominância de agentes detentores de conhecimentos econômicos para o manejamento da indústria da construção civil se sobrepôs aos detentores de conhecimentos técnicos projetuais, acarretando em um ofuscamento do arquiteto no poder de decisão da incorporação até então visível nas produções das décadas de 1940 e 1950.

O desvencilhamento do arquiteto com a incorporação imobiliária nesse período também marca a recuperação dos ideais modernistas críticos à produção de mercado que adentrou no sistema de ensino das faculdades e prevaleceu nas décadas seguintes.

Logo, de uma maneira mais generalizada, conclui-se que a segunda metade do século XX foi um momento em que diversas mudanças nas relações da forma de se produzir, coordenar e discutir o espaço urbano propiciaram que a promissora Paulicéia ampliasse suas problemáticas e desqualificasse seu ambiente urbano.

É evidente que essa conclusão se dá de maneira simplificada, deve-se levar em consideração que os pontos levantados se tratam de um recorte diante das temáticas apresentadas neste trabalho. Diversos fatores e eventos políticos, econômicos e sociais no âmbito nacional e internacional também influenciaram na desvirtuação do desenvolvimento da cidade paulistana, sendo a periferização uma questão permanentemente reposta.

Como se requer tempo para se observar e refletir sobre as consequências de diversas premissas na produção do espaço, a revisão do PDE em 2014 incide como marco da percepção de necessitar mudar as diretrizes que já se viam nitidamente marcadas no território.

O resgate ao adensamento proposto pelos eixos de estruturação urbana reflete uma maior articulação entre arquitetos e urbanistas para o desenho da cidade que retoma formas antes regentes na metrópole no seu período áureo de qualidade urbanística. Todavia, essa volta da agenda paulistana requer uma atenção cautelosa por parte dos gestores para compreender os impactos que provém dos novos objetivos traçados. Boas intenções mas com problemáticas de aplicações tanto no âmbito de gestão política (i.e. engavetamentos de projetos das macroáreas de estruturação urbana) quanto de articulação com a

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produção imobiliária (i.e. a forma apresentada nos novos produtos imobiliários) já podem sinalizar a necessidade de novas propostas de aprimoramento do planejamento urbano.

Nisso, reitera-se um dos pontos levantados ao longo deste trabalho: uma vez que a preocupação pela qualidade urbana incide nas políticas e diretrizes que moldam as teorias dos planos e legislações, aprofundar a compreensão das práticas de aplicação dos instrumentos estabelecidos na lei pelo mercado imobiliário e a maneira como isso reflete no espaço é de extrema relevância na agenda de capacitação de futuros urbanistas e arquitetos.

Dessa maneira, tomando uma compreensão mais ampla da articulação entre mercado, arquitetura e planejamento urbano, pode-se prever de forma mais assertiva a cidade desejada por todos aqueles que participam de sua promoção.

Espera-se assim, atingir uma qualidade urbana no cenário paulistano digna de se equiparar (senão sobrepujar) ao que se tinha na primeira metade do século XX.

“A paisagem da cidade é um bem ambiental e constitui elemento essencial ao bem-estar e à sensação de conforto individual e social, fundamental para a qualidade de vida”

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(Art. 85, seção IX. PDE 2014)

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