Político, eu!?! | Programa de Educação Político-Cidadã #02

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Mariana Lacerda, cientista social, militante e pesquisadora, fala sobre a importância da participação feminina na política

POLÍTICO

O COTIDIANO É A luta pelos direitos das mulheres encabeça o debate sobre representação plural. A seguir, vamos entrar nos conceitos do estado democrático e entender como funciona a máquina pública

24 DE AGOSTO DE 2023 FORTALEZA - CEARÁ
#2
FERNANDA BARROS

POLÍTICO, EU?!

Programa de Educação Político-Cidadã

EXPEDIENTE

FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA

Presidência: Luciana Dummar | Direção

Administrativo-Financeira: André Avelino de Azevedo

| Gerência-Geral: Marcos Tardin | Gerência de Criação de Projetos: Raymundo Netto | Gerência de Audiovisual: Chico Marinho | Gerência Editorial: Lia

Leite | Gerência de Marketing & Design: Andrea Araújo

| Análise de Projetos: Aurelino Freitas e Fabrícia Góis

UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE)

Gerente Educacional: Prof. Dr. Deglaucy Jorge

Teixeira | Coordenadora Pedagógica: Profa.

Ms. Jôsy Cavalcante | Coordenadora de Cursos

e Secretária Escolar: Esp. Marisa Ferreira |

Desenvolvedora Front-End: Isabela Marques

| Estagiárias em Mídias e Tecnologias para Educação: Germana Cristina e Rebeca Azevedo | Estagiária em Pedagogia: Arielly Ribeiro

POLÍTICO, EU!?

Coordenação Geral: Valéria Xavier | Projeto

Gráfico e Editora de Design: Andrea Araújo | Designers: Kamilla Damasceno e Welton Travassos

| Ilustração: Carlus Campos | Analista de Marketing

Digital: Henri Dias | Social Media: Letícia Frota | Analista de Projetos: Daniele de Andrade

LAB

Coordenadora– Editorial: Paula Lima | Editoraadjunta: Ana Beatriz Caldas | Designer: Natasha

Lima | Textos: Ana Beatriz Caldas Carol Kossling, Letícia do Vale, Paula Lima e Paloma Vargas

Entenda o projeto!

Nos últimos anos, as produções teóricas têm chamado atenção para a intensificação de sentimentos de desconfiança nas instituições democráticas, de rejeição aos partidos políticos e de desinteresse pela política.

No entanto, nesse contexto, tem crescido no debate público a demanda pela construção de espaços para o diálogo sobre política, cultivando a compreensão sobre a democracia, suas instituições e valores. Compreendendo a relevância dessas reflexões para o exercício efetivo da cidadania na vida cotidiana, a Fundação Demócrito Rocha apresenta o Projeto “Político, eu?!”, iniciativa que propõe despertar a cidadania de toda a população, além de promover a formação através de um curso de extensão na modalidade de ensino à distância (EaD), com seis módulos contemplando videoaulas, fascículos digitais e radioaulas.

Este caderno é o segundo de uma série de quatro que faz um convite para entrar nesse universo que nos rodeia e, em essência, deve garantir direitos, dignidade e espaços para todos. Lançamos luz sobre a luta dos movimentos feministas, didatizamos o funcionamento dos poderes e ampliamos a compreensão da atuação do Legislativo.

INSCRIÇÕES PARA O EaD

O curso “Educação Política para Cidadania” propõe a formação de docentes, jovens e cidadãos em geral, para a compreensão da relevância da educação política para o exercício pleno da cidadania.

As inscrições são gratuitas. Confira o conteúdo programático do curso e inscreva-se em: fdr.org.br/politicoeu.

Sociedade justa e democrática

A separação dos poderes está na base da formação do Estado Democrático de Direito, garantindo mais segurança aos cidadãos. No Brasil, ela é garantida por meio da Constituição Federal, que determina que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, além de estabelecer os principais direitos fundamentais para a nossa nação.

O Executivo é responsável por governar. O Judiciário tem a função de garantir o cumprimento dos direitos individuais, coletivos e sociais. E o Legislativo tem a atribuição de elaborar leis e fiscalizar a administração pública.

Nessa função, em especial, quero destacar o papel dos vereadores, que está na base da democracia representativa e exerce, talvez, o poder mais próximo do cidadão. Afinal, são os vereadores que estão no dia a dia das comunidades, ouvindo as demandas da população e buscando alternativas para as mais diversas questões. São eles, muitas vezes, a referência da população na articulação de políticas junto ao Poder Executivo.

Daí, o respeito que as comunidades têm por esses parlamentares e a nossa responsabilidade, como representantes do povo, em ampliar essas vozes e fazer com que as necessidades dos cidadãos sejam sempre ouvidas e acolhidas. Só assim construiremos uma sociedade cada vez mais justa e democrática.

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PARCERIA APOIO REALIZAÇÃO

A importância da participação política na

VIDA DAS MULHERES

Garantia dos direitos passa, principalmente, por combate a violência e debate interseccional

A política impacta, de muitas formas, a vida em sociedade. Para grupos minorizados, no entanto, a política institucional – mensurada na ocupação de cargos públicos, na decisão do que se torna legislação e nas políticas públicas – é ainda mais relevante. É o que destaca Monalisa Soares, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC) e do curso de educação cidadã “Político, eu?!”, da Fundação Demócrito Rocha (FDR).

No caso das mulheres, Monalisa ressalta o caráter gradual e permanente da luta pela garantia de direitos. “A gente tem um País – na verdade, um mundo, mas tratando da nossa realidade – que historicamente tem muitas desigualdades que atingem as mulheres. Foi todo um processo para que as mulheres pudessem, enfim, ter direito à educação, direitos políticos e inclusive

alguns direitos de respeito e dignidade da sua própria vida”, reforça. Mas a política institucional, essencial para que a luta das mulheres avance, não é o único fazer político que transforma vidas, explica a cientista social Isabel Carneiro, integrante do Fórum Cearense de Mulheres/AMB. “Tem uma frase que é símbolo do movimento feminista: para nós, ‘o cotidiano é político’. Para as mulheres, a primeira organização política - e a que está mais presente - é a política que se dá no cotidiano”, afirma.

Isabel reforça a importância dos movimentos sociais organizados de mulheres. “É onde problemas que eram tidos como individuais passam a ser vistos como coletivos. Do encontro de um pequeno grupo pode-se chegar à ocupação de uma cadeira no parlamento”, avalia.

Os movimentos também são lugares de acolhimento e escuta, especialmente para mulheres que sofreram violência. A pauta do combate à violência de gênero,

Legislativa do Ceará, em audiência pública, a necessidade de o Estado organizar, sistematizar e divulgar os dados. O Estado é o segundo do País a ter essa plataforma, que visa contribuir para o avanço de políticas públicas que previnam e combatam a violência de gênero.

Por que se engajar na política?

aliás, é a que ocupa a maior parte do debate, inclusive por impactar outras áreas da vida, como educação, lazer e trabalho.

Por isso, a pesquisadora considera que a Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/06) continua sendo um dos dispositivos mais relevantes na promoção da igualdade de gênero, já que transformou a violência contra a mulher em um problema social. A Lei do Divórcio (lei nº 6.515/1977), na década de 70, e a Lei do Feminicídio (lei nº 13.104/2015) são outras das legislações que colocaram os direitos das mulheres – à autonomia e, mais ainda, à vida – no centro das discussões.

No Ceará, Isabel destaca uma conquista recente que evidencia como a conexão entre a sociedade e a política institucional é relevante para combater este cenário: a aprovação e sanção da lei que cria o Dossiê Mulher, efetivada em julho deste ano, que torna obrigatória a sistematização e divulgação de dados estaduais sobre mulheres vítimas de violência no Estado.

O Fórum Cearense de Mulheres já vinha elaborando um dossiê próprio desde 2018, e pautou na Assembleia

A professora Monalisa Soares também coloca a violência como principal ponto de atenção quando se fala em políticas públicas voltadas para as mulheres, pela “multiplicidade de formas” em que ela ocorre. Soares destaca que essa violência se dá não só no cotidiano, nas relações íntimas, mas também no espaço público e institucional.

“É todo um debate que a gente precisa enfrentar sobre assédio, assédio no transporte público, sobre a violência que as mulheres sofrem na política – seja pela dificuldade de serem candidatas ou quando se tornam eleitas e passam por processos de constrangimento”, pontua.

Outro ponto a ser discutido é a importância da garantia de condições econômicas das mulheres, já que a disparidade entre a renda de homens e mulheres foi aprofundada na pandemia. “São dois pontos importantes para que a gente consiga garantir as condições para que as mulheres possam efetivar seus direitos e suas condições de vida na sociedade”, comenta.

Em relação ao aspecto econômico, Monalisa considera que a luta que visa proporcionar iguais possibilidades de trabalho e remuneração para as mulheres avançou com a Lei da Igualdade Salarial (lei nº 14.611/2023), em vigor desde julho. Apesar de simbólica, já que era inconstitucional haver tal diferença, a lei promete aumentar a fiscalização e facilitar os processos legais.

Por ser um espaço de disputa, Monalisa afirma que é muito importante que a política institucional conte com a presença feminina, para que não só pautas das mulheres avancem, mas de toda a sociedade. Isso porque as mulheres já são grandes lideranças em movimentos urbanos, por moradia, por educação, associações de bairro, organizações e outros espaços políticos.

“Mas a presença das mulheres na política institucional é importante porque é na política institucional que a gente tem esse poder efetivo de produção das leis e de execução e implementação das políticas públicas”, reitera Monalisa. “Então, a subrepresentação que nós temos das mulheres na política do Brasil hoje, que é muito expressiva, demonstra um desperdício da experiência das mulheres, dessa capacidade de perceber a realidade, de propor soluções”, completa.

Esse olhar, no entanto, precisa ser amplo como a realidade das mulheres, e a legislação deve dar conta de abrigar as demandas de mulheres diversas: mulheres negras, indígenas, brancas, lésbicas, trans. “É preciso que todo esse universo de mulheres possa levar as suas experiências, as suas demandas e contribuir para a formulação e a resolução dos problemas da sociedade como um todo”, conclui a pesquisadora.

Como lembra Isabel Carneiro, a participação das mulheres na política torna a sociedade mais democrática, porque as mulheres são mais da metade da população, e a democracia inclui a participação política do povo. “Ocupar esses espaços, não só para mulheres, mas para pessoas negras e LGBTQIAP+, é uma questão de vida, de lutar pela sobrevivência”, declara a cientista social. “A política para nós não é um símbolo de status; ela é vital para a gente, para a nossa existência, para a nossa sobrevivência”.

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“PARA NÓS, O COTIDIANO É POLÍTICO”
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Cientista social, Mari Lacerda fala sobre os obstáculos para as mulheres alcançarem seus direitos FERNANDA
BARROS

A luta é pela visibilidade da trajetória das mulheres

Cientista Social, militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento Negro, a pesquisadora Mariana Lacerda estuda mulheres negras e eleições. Nesta entrevista, ela fala sobre a importância da participação feminina na política para além da política institucional. Confira:

QUAL O PAPEL DA POLÍTICA NA VIDA DAS MULHERES?

A política tem importância na vida de todos os sujeitos. É através da política que nós organizamos toda a sociedade. E com as mulheres não seria diferente. As mulheres estão sempre fazendo política, seja nas associações de bairro, nos sindicatos, nos seus quilombos, até nas escolas, em todos os lugares. Eu tenho falado muito que existe uma diferença entre essa política, que é feita e não é vista, e a política institucional. Se você pegar o movimento por moradia, em sua maioria são mulheres. Se você pegar os movimentos contra o cárcere, em defesa do direito das pessoas em regime de detenção de liberdade são, em sua maioria, mulheres. Os grandes movimentos, e eu digo dos movimentos mistos das lutas, têm mulheres encabeçando esse movimento. A diferença é que nós não estamos na política institucional,

OS GRANDES MOVIMENTOS, OS

MISTOS DAS LUTAS, TÊM MULHERES ENCABEÇANDO

muito pela questão do machismo e do racismo que atravessam a vida das mulheres.

QUAIS OS MAIORES DESAFIOS QUE AS MULHERES ENFRENTAM HOJE?

O primeiro desafio é essa concepção da sociedade machista, racista, patriarcal, heteronormativa, que tenta manter privilégios aos homens em detrimento dos direitos das mulheres, esse é o maior gargalo para que nós possamos alcançar os nossos direitos plenos. Então você vê o debate aí da legalização do aborto, por exemplo, são os homens que tratam e legislam sobre o nosso corpo. E essa concepção, essa visão do que é ser mulher nessa sociedade, ela não é real, ela é criada. Criada por esse sistema machista e patriarcal. O segundo desafio é que nós não estamos nos espaços de poder. Por mais que a gente tenha avançado no último período e na legislação recente, nós ainda somos sub-representadas em diversas esferas. Quantas reitoras nós temos no Brasil? Quantas parlamentares, quantas deputadas, quantas ministras do Supremo Tribunal nós temos aí? Quantas juízas? Então tem ainda um abismo muito grande para que a gente possa garantir os nossos direitos.

QUAL É A IMPORTÂNCIA DE AS MULHERES SE ENGAJAREM NA POLÍTICA, SEJA ELA UMA POLÍTICA PARTIDÁRIA OU OUTRO TIPO DE LUTA COMO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS, POR EXEMPLO?

Será que as mulheres não estão engajadas na política? Eu acho que elas estão. Quando eu ando nas periferias, nos bairros, são as mulheres que estão na liderança das associações. Hoje, inclusive no movimento negro, você tem uma maioria de mulheres à frente. Quando você vê o movimento de moradia, de educação, são mulheres. O que nós não temos são mulheres na política institucional. E por isso é importante, primeiro, falar que tudo é político e que não deveria haver diferença entre essa política institucional, que é feita pelos homens brancos, de meia idade, e tudo o que as mulheres fazem em seu cotidiano, que também é política. É preciso que a gente visibilize a trajetória das mulheres. Eu acho que nesse momento o que é fundamental é essa afirmação do feminismo como alternativa, afirmação dos processos de luta coletiva como um caminho e a visibilidade do papel que essas mulheres cumprem na política, seja nos movimentos sociais ou na política partidária. (Camilla Lima)

OS TRÊS PODERES:

quais são e como se relacionam

No Brasil, existem três poderes políticos que norteiam as ações do País. São eles os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A ideia é que as três esferas estejam organizadas de maneira harmônica, sem

nenhuma se sobrepor a outra. Seguindo o sistema de freios e contrapesos, cada um possui uma função específica e tem como dever balancear a relação entre os poderes, evitando possíveis abusos de autoridade.

Executivo Legislativo

Tem o poder de executar, fiscalizar e gerir as leis do País. É responsável pela criação e implantação de programas e projetos de melhoraria das condições sociais e econômicas da população e garantir o cumprimento da Constituição. Gerencia a máquina pública, conduz a política externa e garante a ordem e a segurança no País.

Composto por:

Presidente (nível federal): deve criar políticas públicas, propor novas leis e representar a imagem do País internacionalmente. Têm o poder de nomear e exonerar ministros, vetar projetos de lei e emitir Medidas Provisórias (MP) em casos previstos pela Constituição. O mandato é de quatro anos, com possibilidade de reeleição para mais quatro.

Governador (nível estatal): pode propor leis e tem direito de vetar ou sancionar leis aprovadas pelos deputados estaduais. Responsável por setores como educação (foco no Ensino Médio) e saúde a nível estadual, está à frente das Polícias Civil e Militar e infraestrutura pública, captando investimentos junto ao Governo Federal. O mandato é de quatro anos, com possibilidade de reeleição.

Prefeito (nível municipal): cuida de atribuições como limpeza, iluminação e transporte, além de saúde e educação a nível municipal. É responsável pela formação da Guarda Municipal e elaborar o orçamento anual, que deve ser analisado pela Câmara Municipal. O mandato é de quatro anos, com possibilidade de reeleição para mais quatro.

Judiciário

Atua na interpretação e aplicação das leis. É responsável por julgar conflitos de modo a cumprir a Constituição. Tanto atos administrativos como legislativos são passíveis de anulação pelo Judiciário.

Composto por:

Juízes

Promotores de justiça

Desembargadores

Ministros

Fóruns

Tribunais

Estabelece as leis do Estado e elabora emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, decretos legislativos, resoluções e leis delegadas. Também fiscaliza o Poder Executivo.

Composto por:

Congresso Nacional (nível federal)

Deputados federais: participam da votação, aprovação e criação de leis. Aprovam ou não as medidas provisórias propostas pelo presidente. Fiscalizam o Poder Executivo e a aplicação de recursos públicos. O número de deputados federais de cada estado varia de acordo com o tamanho da população. O Ceará tem 22 deputados e o mandato é de quatro anos.

Senadores: propõem normas, revisam os projetos de lei aprovados na Câmara dos Deputados e podem processar e julgar membros do Executivo e do Judiciário. Cada unidade federativa é representada por três senadores. O mandato é de oito anos.

OBS: O Supremo Tribunal Federal (STF) é o tribunal de maior instância, sendo responsável pela interpretação das leis federais. Outros tribunais superiores são o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Assembleia Legislativa (nível estatal): Deputados estaduais: sugerem projetos de lei, emendas ou alterações apenas dentro do estado em que atuam. Também fiscalizam o Governador. A quantidade de deputados estaduais varia de acordo com a quantidade de deputados federais do estado; no Ceará, são 46. O mandato é de quatro anos.

Câmara Municipal (nível municipal): Vereadores: elaboram, debatem e aprovam as leis no município. Também devem fiscalizar o Executivo municipal e representar os interesses da população. O mandato tem duração de quatro anos.

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MOVIMENTOS
Modelo político objetiva descentralizar o poder e garantir democracia equilibrada

Estado democrático brasileiro:

BASES E SEUS ELEMENTOS

Possibilidade de intervenção política por parte do povo nas decisões governamentais deve ser colocada em prática

TEXTO: Letícia do Vale

EMAIL: leticiadovale@opovodigital.com

A Constituição de 1988 classifica o Estado brasileiro como Estado Democrático de Direito. De modo geral, o que guia esse conceito é o respeito de direitos básicos que garantem a dignidade humana, como direito à saúde e à educação, por meio de medidas elaboradas pelo povo e para o povo. No Brasil, algumas das principais bases que sustentam esse conceito são a divisão dos três Poderes, o direito ao voto e a liberdade de expressão.

A professora de Teoria Política da Universidade do Estado do Ceará (Uece), Monalisa Torres, define Estado como um conjunto de instituições com prerrogativas determinadas a partir de um arcabouço jurídico. O objetivo dessas instituições seria definir funções e limites de atuação para organizar e administrar as relações e os conflitos da sociedade civil.

A pesquisadora cita como exemplo de características base do modelo político brasileiro o presidencialismo, as eleições, a divisão dos três poderes, a igualdade de votos, a liberdade de expressão, a existência plural de fontes de informação e a liberdade de participação política e associação a partidos e movimentos sociais, inclusive com a possibilidade do cidadão se candidatar a um cargo eletivo. “Todas essas instâncias são necessárias e garantidoras do Estado democrático no Brasil”, defende.

Para o doutor em Ciência Política Clayton Cunha Filho, o Estado é um conceito mais subjetivo, mas também representado pela concretização e pelo funcionamento de instituições. Na perspectiva do professor, essa noção seria uma forma de relação social, uma vez que o Estado tem o papel de última palavra na arbitragem de conflitos e constrói estruturas para cristalizar o modo como essas relações devem ser processadas na sociedade.

OS EXTREMOS SÃO INTOLERANTES, EXCLUSIVOS E ATÉ VIOLENTOS

Clayton também cita a ideia proposta pelo sociólogo alemão Max Weber, na obra “A política como vocação”, de que o Estado é uma comunidade humana detentora do monopólio do uso legítimo da força física, tendo controle sobre as únicas fontes de violência através da legalidade. Portanto, é possível entender o Estado como uma espécie de cristalização de relações de poder.

“Um estado que adota a democracia como forma de governo busca que essas relações de poder, por mais cristalizadas que sejam, ainda sejam contingentes, ou seja, essas instituições têm uma certa porosidade. Você tem codificações sociais que de certa forma permitem que a população possa incidir nessas decisões”, explica.

Algumas das principais bases do Estado democrático brasileiro

> Constituição Federal de 1988, principal base jurídica

> Soberania popular

> Separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, buscando não centralizar a autoridade em apenas um ponto

> Direitos mínimos para a dignidade humana

> Participação popular

> Estado de bem-estar social, a busca por promover justiça social e reduzir as desigualdades

Na prática

Nenhuma democracia acaba sendo inteiramente de acordo com as decisões da população. O doutor em Ciência Política Clayton Cunha Filho aponta que, no Brasil, ainda existem problemas de ordem na estrutura social, vindos de tempos atrás, que não são abordados completamente e impedem que grande parte da população desfrute propriamente dos benefícios da democracia.

Nesse cenário, ele destaca a relevância da participação popular não só nas eleições, mas também no momento pós-eleitoral, acompanhando os candidatos eleitos e fiscalizando as decisões tomadas. “Por exemplo, nós temos conselhos municipais, audiências públicas. Quantas pessoas já participaram de algo assim? A eleição de um conselheiro no Conselho Tutelar, por exemplo. Quantos já votaram? Muitas pessoas nunca nem ouviram falar. Então, mesmo os mecanismos existindo, às vezes eles são subutilizado porque a população não toma conhecimento e não se apropria deles”, alerta.

A professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Cavalcanti Malenchinie, defende que, apesar de existirem falhas na participação popular no Estado brasileiro, ela é presente em certos contextos. “A democracia é complexa e as decisões tomadas

no regime democrático, às vezes, são demoradas. Mas, apesar de tudo, é melhor vivermos em um regime democrático com o respeito pelos indivíduos do que viver em um regime em que não existe segurança sobre quem será respeitado”, pondera.

Ela aconselha que as pessoas procurem saber um pouco mais sobre como funciona o modelo político e reitera a essencialidade da participação popular. “A participação popular é essencial, mas deve ser entendida dentro de limites que não destruam o próprio Estado de direito. É importante que ocorra com intensidade, mas também com consciência crítica e baseada em informações verdadeiras”, confirma.

A ideia complementa o pensamento de Monalisa de que a mídia pode ser um instrumento de controle desses representantes, em um cenário com liberdade de imprensa, de expressão e pluralidade de fontes. Ela levanta, ainda, o perigo da polarização no cenário político, responsável por fazer o debate público perder o foco de agendas importantes para discutir falsas ideologias.

“Quando você tem como protagonista do debate político extremos, você perde a capacidade de inclusão, porque os extremos são intolerantes, exclusivos e, muitas vezes, até violentos”, sinaliza.

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ENTENDA COMO FUNCIONA

o Poder Legislativo no âmbito municipal

elaborada pelo Poder Executivo e define as áreas prioritárias do município para aplicar o dinheiro público. Outras funções da Câmara são processar e julgar o prefeito por crime de responsabilidade e julgar os próprios vereadores, quando necessário.

O Poder Legislativo no âmbito municipal é representado pela atuação dos vereadores, que compõem a Câmara Municipal. Eles têm como dever propor e analisar leis que solucionem problemas coletivos da cidade, como acesso a escolas e postos de saúde, saneamento básico e estrutura de ruas, assim como fiscalizar as ações promovidas pelo prefeito. Nesse sentido, acompanhar como está sendo direcionado o orçamento público e o funcionamento de políticas públicas também faz parte das obrigações dos vereadores.

Além de ter origem na própria Câmara, as leis avaliadas pelos vereadores podem vir de iniciativas do prefeito ou da sociedade. Uma lei importante analisada pelo Legislativo antes de ser sancionada é a Lei Orçamentária Anual (LOA). Ela é

O LEGISLATIVO CONTRIBUI PARA A PRESERVAÇÃO DE DEMANDAS DE SEGMENTOS DIFERENTES DA SOCIEDADE

A professora de sociologia da Universidade Regional do Cariri (Urca) do Departamento de Educação, Edivânia de Oliveira, explica que as leis precisam ser respaldadas pelas práticas e necessidades cotidianas, aspectos que variam de acordo com as regiões. “Assim, o papel das Câmaras Municipais é se relacionar diretamente com uma população local, criando leis que sejam demandas daquele grupo e que conversem diretamente com cada comunidade com as quais aqueles vereadores se relacionam”, define.

Para o professor do Programa de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Ceará (Uece), Raulino Pessoa Júnior, o Poder Legislativo é o que representa de uma maneira mais simbólica a ideia de participação e democracia. “A Câmara de vereadores é o lugar, por excelência, de dar voz a pontos de vista distintos que compõem a sociedade.

Ela liga o cidadão ao Governo, então é para ser uma casa que acolhe o cidadão a partir das suas demandas”, aponta.

Além disso, ao integrar os três Poderes, ele constitui parte fundamental da democracia brasileira. Junto ao Executivo e ao Judiciário, auxilia no estabelecimento de um equilíbrio de autoridades. A falta ou o funcionamento inadequado de uma das partes pode levar a um descontrole do que ocorre dentro do Estado e à marginalização de diversos grupos.

“É aqui que entra a nossa responsabilidade. É isso que esses três Poderes juntos podem fazer pela democracia: fazer com que ela funcione. Por isso que a gente precisa estar lá, por isso que a gente precisa se envolver”, incentiva Edivânia.

O papel do cidadão

O cidadão pode e deve contribuir com o trabalho dos vereadores. O primeiro passo é escolher conscientemente um candidato e acompanhar os debates políticos mesmo depois das eleições.

Municipal

1. Projeto é proposto

2. Projeto é debatido em comissões

3. Projeto é votado e pode ser recusado ou não

4. Projeto passa por revisão

5. Projeto é encaminhado

para o Executivo

Saiba como um vereador é eleito

Edivânia aconselha garantir que o político escolhido esteja alinhado com a comunidade que ele busca representar. Verifique a ideologia do candidato e entenda de que contexto social ele vem. Também é essencial verificar o histórico do indivíduo, acompanhando falas e comportamentos diante de discussões e determinadas pautas, principalmente pelas redes sociais. “É a hora de a gente pensar que tipo de futuro a gente quer, e esse futuro, felizmente ou infelizmente, passa pelas pessoas que estão no poder”, destaca a professora.

Raulino também incentiva que a população busque conhecer a Câmara e direcionar os problemas da comunidade a essas autoridades. De acordo com o professor, o cidadão é acolhido e tem a necessidade encaminhada para ser debatida. “É importante que a gente conheça o legislativo para que possamos cobrar e acompanhar como as políticas estão sendo executadas”, relembra.

Uma forma de estar por dentro desse trabalho é acompanhar as sessões legislativas presencialmente ou de forma remota, pela TV Câmara ou pelo canal do Youtube da Câmara. Além disso, órgãos como Ministério Público Estadual ou Tribunal de Contas Estadual podem ser verificados para checagem de patrimônio ou recursos públicos aplicados de maneira irregular.

A cada quatro anos, a população pode votar, diretamente, para o cargo de vereador. Diferente do que ocorre nas eleições para prefeito e presidente, nas quais prevalece o sistema majoritário, quando o vencedor é quem conquista mais votos, as eleições de vereadores seguem o sistema proporcional.

O objetivo do sistema proporcional é representar uma maior quantidade de segmentos populacionais e espelhar da melhor forma os votos dos cidadãos. Ele permite que partidos criem federações, ou seja, que funcionem como apenas um partido de modo temporário, na disputa de uma eleição. A lógica do sistema é a seguinte:

1. PRIMEIRA ETAPA: CALCULAR

O QUOCIENTE ELEITORAL

O quociente eleitoral é o resultado da divisão da quantidade de votos válidos na eleição (excluídos brancos e nulos) pelo número de vagas disponíveis para vereador (em Fortaleza, são 43 vagas). O resultado final corresponde ao número mínimo de votos que um partido ou federação deve receber para eleger algum candidato.

quociente eleitoral = total de votos válidos / vagas para vereador

2. SEGUNDA ETAPA: CALCULAR O QUOCIENTE PARTIDÁRIO

O quociente partidário é o resultado da divisão da quantidade de votos válidos recebidos por um partido ou coligação pelo quociente eleitoral. Esse número corresponde à quantidade de vagas que serão ocupadas na Câmara por candidatos dos partidos ou federações que atingiram o quociente eleitoral.

3. TERCEIRA ETAPA: DISTRIBUIÇÃO DE VAGAS

Legislativo municipal evita a

O funcionamento adequado do Legislativo municipal evita a concentração de representação apenas na figura do prefeito, contribuindo para a preservação de demandas de segmentos diferentes da sociedade.

Segundo o art. 60 da Lei Orgânica de Fortaleza, que define as atribuições dos vereadores, a população tem o direito de apresentar projetos de lei, sendo necessário que a proposta apresente assinatura de 5% dos eleitores. Também é possível entrar em contato com os vereadores em seus gabinetes ou por meio das redes sociais. A sociedade pode, ainda, atuar a partir de grupos e movimentos sociais em prol da fiscalização dessa classe política.

As cadeiras na Câmara conquistadas por cada partido ou federação devem ser assinaladas seguindo a ordem de candidato mais votado para o menos votado.

Devido a esse funcionamento, o cidadão também pode optar por votar diretamente em um partido ou federação, ao invés de escolher um candidato específico.

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Câmara Municipal representa a pluralidade de demandas da população e está aberta para acolher
O trajeto de um projeto de lei na Câmara
ao
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