FASHION REVOLUTION | ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA DA MODA BRASIL 2021
PONTO DE VISTA: MENOS PIOR NÃO SIGNIFICA SER BOM: MODA REGENERATIVA REQUER ATENÇÃO
Vivemos em um mundo com atenção frágil. Muitas das decisões que tomamos acabam sendo por analogia, por comparações sem reflexão, perdendo-se a visão do todo. A palavra "sustentável" é um exemplo. Em vez de entendermos a sua definição, decidimos que quando um produto traz qualquer melhoria, seja ambiental ou social, ele é "sustentável". Incluir um percentual reciclado ou trabalhar com fibras naturais são exemplos de produtos que se dizem sustentáveis. A opinião se forma pela comparação, mas não pelo entendimento da origem daquele material. A maioria do PET reciclado vem da China, com impacto no transporte e sem rastreabilidade. Fibras naturais, basicamente o algodão, fazem parte
da cultura que mais usa agrotóxicos no Brasil, a qual é intimamente ligada à soja e a um modelo ineficiente de agricultura. Se pensarmos na definição de sustentabilidade — um desenvolvimento que não esgota recursos futuros —, trazer PET da China, ou plantar algodão convencional, nunca poderiam ser chamados de processos sustentáveis. Sim, é melhor usar PET reciclado do que virgem, ou talvez algodão do que poliéster. Mas ser menos pior não significa ser bom. Muito menos sustentável. “Keep your eye on the doughnut, not on the hole” (Fique de olho no donut, não no buraco), disse David Lynch sobre a concepção de ideias. E a ideia de sustentabilidade está indo para o buraco. Então, vamos falar da palavra “regeneração”. Ela faz muito sentido para o nosso momento, pois não basta apenas proteger ou sustentar, trata-se de regenerar o estrago feito. Quando falamos de agricultura regenerativa,
PONTO DE VISTA
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BETO BINA COFUNDADOR DA FARFARM
o critério é olhar para os serviços ecossistêmicos, ou seja, para os elementos que a natureza proporciona, como a biodiversidade, água, carbono e, também, o legado cultural de povos tradicionais ou mesmo a beleza cênica. Para regenerar serviços ecossistêmicos, desenvolvemos práticas que começam na melhoria e qualidade do solo, usando cobertura vegetal sem revirar a terra, sem utilizar agrotóxicos ou sementes transgênicas. No Brasil, já fazemos agricultura regenerativa há mais de 30 anos com o movimento da Agroecologia, e que vai além do uso da terra. A Agroecologia nos ensinou que não existe regeneração sem feminismo e igualdade de gênero, assim como não existe sustentabilidade sem justiça social, caso contrário, só estaríamos sustentando a desigualdade. Mas a palavra “regenerativo” também passou a ser usada por analogia, ou pela comparação do “menos pior”. Um exemplo é o de uma grande
produtora de algodão, que utiliza modelos convencionais, porém reduziu o uso de agrotóxicos (mesmo que ainda faça aplicação por aeronaves), e então identificou um aumento de microrganismos no solo e, por isso, passou a se dizer regenerativa. Sim, é “menos pior” reduzir agrotóxicos, e espero que o esforço sirva de exemplo. Mas, ao final, está se perpetuando a mesma indústria que gera desigualdade social e degrada ecossistemas. A nossa ideia de uma moda responsável deve ser construída com atenção e reflexão, para não cairmos no mesmo buraco.