FASHION REVOLUTION | ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA DA MODA BRASIL 2021
PONTO DE VISTA
PONTO DE VISTA: A PANDEMIA DE COVID-19 E AS(OS) TRABALHADORAS(ES) MIGRANTES NA INDÚSTRIA DA MODA DE SÃO PAULO No início de 2020, a pandemia de Covid-19 forçou países e empresas a buscarem medidas para conter a propagação do vírus, ao mesmo tempo em que precisaram reagir às consequências econômicas e sociais causadas pela interrupção das atividades comerciais não essenciais, o que intensificou os problemas estruturais e históricos já existentes e que atingem, de modo certeiro, os meios de subsistência de diversos grupos de trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo aqueles pertencentes a setores que estão à margem do mercado formal. Na indústria da moda, medidas sem precedentes foram tomadas tanto em termos de escala quanto de alcance. Nós, do Business & Human Rights Resource Centre (BHRRC), em um âmbito internacional, percebemos que as ações tomadas pelas marcas de moda para proteger seus lucros em detrimento dos direitos dos e das trabalhadoras tiveram
MARINA NOVAES PESQUISADORA E REPRESENTANTE PARA O BRASIL DO BUSINESS & HUMAN RIGHTS RESOURCE CENTRE
impactos profundamente negativos sobre o elo mais fraco na indústria do vestuário, sobretudo ao utilizarem seu poder desproporcional sobre os fornecedores de fábrica para cancelar pedidos, pagar preços substancialmente reduzidos para pedidos, ou ainda para postergar o pagamento.
As mulheres são sete entre dez do total de entrevistados. A grande maioria (89%) vive no mesmo local onde trabalha, mais da metade (56%) tem filhos e filhas em idade escolar e, destas, 30% não têm acesso à internet para acompanhar as atividades de educação à distância.
O nosso olhar para o Brasil não foi diferente, uma vez que a indústria da moda brasileira é a quarta maior do mundo. Porém, ainda refletimos: apesar do Brasil abrigar todos os estágios da cadeia da moda e de ser a segunda indústria que mais emprega no país, como a pandemia atingiu as pessoas que não estão vinculadas a este mercado de maneira formal, ou melhor, aquelas que são quase invisíveis nessa cadeia?
Quanto ao trabalho, 87% são trabalhadoras(es) informais e 91% comentaram queda nos pedidos no início da pandemia. Três em cada quatro contaram que os preços pagos pelas encomendas caíram, dois terços (64%) receberam o auxílio emergencial e 61% tiveram dificuldades de acesso a alimentos. Parcela expressiva das e dos respondentes, 84%, costuraram máscaras. Muitos disseram que receberam, por unidade, R$ 0,05, valor de difícil tradução para minhas colegas de trabalho que revisaram o texto em inglês.
Querendo entender esse cenário e como foi a dinâmica de sobrevivência de trabalhadoras e trabalhadores migrantes, o BHRRC, em julho de 2020, entrevistou 146 trabalhadoras(es) migrantes, entre 17 e 65 anos, com média de idade de 34 anos, e moradoras(es) de São Paulo ou região metropolitana. O resultado desse estudo foi lançado em dezembro do mesmo ano, ao qual demos o nome de Mascarando a Miséria. Apesar de não podermos afirmar que os dados da pesquisa sejam representativos exatos dessa população, eles nos dão um bom retrato.
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Apoiar a família em seu país de origem também foi um desafio: 58% dos que enviavam dinheiro antes da pandemia, agora já não conseguem mandar. Quisemos saber também como a pandemia afetou a saúde mental das e dos entrevistados. O sentimento mais prevalente foi o medo, seguido de tristeza, desespero e ansiedade. Mas 17,5% sentiram-se esperançosas(os).
Concluímos que as circunstâncias vivenciadas por esta população durante a crise da Covid-19 exigem mecanismos e políticas mais fortes em torno da proteção dos direitos das(os) trabalhadoras(es) migrantes. Esta responsabilidade deve ser assumida tanto pelas marcas e confecções quanto pelo Poder Público. O governo precisa reforçar sua atuação na compreensão das necessidades destas(es) trabalhadoras(es) e das condições a que estão submetidas, incluindo-as na rede de proteção social do país, e desenvolver instrumentos mais efetivos para monitorar as condições de trabalho, sobretudo através de parcerias com grupos de trabalhadores migrantes e organizações da sociedade civil (OSCs). Às empresas, fica claro que medidas de transparência são essenciais para monitorar as condições dentro das cadeias de suprimentos. Informações sobre práticas de compra, condições de pagamento e delimitação de custos trabalhistas não negociáveis devem ser implementadas e compartilhadas publicamente.