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ORSON WELLES: O PRIMEIRO MAVERICK

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Porque homenagear um realizador, 29 anos depois da sua morte e 74 após o seu primeiro filme? Por duas razões: porque as novas gerações não conhecem o nome nem a obra de Orson Welles, e sobretudo porque, numa altura em que a indústria cinematográfica de Hollywood atravessa um período de francas limitações em termos de argumentos, é sempre bom relembrar a carreira de um dos mais imaginativos e criativos realizadores que o Cinema alguma vez conheceu. ¬¬ Orson Welles foi o primeiro rebelde da História da 7ª Arte: fez teatro e rádio durante a década de 30, tendo ficado célebre a sua interpretação audio da Guerra dos Mundos, em 1938, o que levou muitas pessoas a fugir de casa com medo de uma invasão marciana, dada a verosimilhança atingida pelo seu relato radiofónico. Reza o mito que passou os últimos anos da década de 30 fechado numa sala escura a ver os grandes clássicos do mudo e em busca de inspiração para o que viria a ser o seu primeiro e mais aclamado filme, Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés), de 1941. ¬¬ O Kane é um filme tão inovador que marcou indelevelmente a época em que foi produzido: Welles não estava contente com a qualidade de imagem que via no Cinema Americano. Pediu por isso ao seu grande Director de Fotografia (Gregg Toland) que lhe fabricasse novas lentes e película ultra-sensível, em busca de uma imagem que, por um lado, se pretendia com maior contraste, e por outro com outra capacidade de resposta em termos de “profundidade de campo”. Welles queria mostrar bem focados, tanto os objectos em primeiro plano como os componentes do cenário mais em fundo (basta pensar no fabuloso plano inicial do globo de gelo a quebrar-se e que reflecte a imagem da enfermeira que entra no quarto do senhor Kane!). A tecnologia da época não lho permitia. Então foi à procura das tecnologias que o fizessem! Este conceito de colocar a técnica ao serviço da estética pretendida foi tão radical, que o seu impulsionador foi um verdadeiro maverick (criador intrépido, rebelde e solitário) ao idealizá-lo! ¬¬ Mas qual era, então, o universo estético de Orson Welles? Uma estrutura circular que levasse o filme a terminar onde começara; estranhos e inovadores ângulos de enquadramento; uma montagem não linear com saltos temporais muito frequentes; e uma mistura de narrativas, que vão da primeira pessoa (em voz-off ) ao jornal de actualidades, passando pelo flashback

puro e simples. Junte-se a isto o facto de Welles ter tido (consta que pela primeira vez na História) o final cut do seu filme, ou seja, a última palavra em tudo, da realização à montagem, e ficamos com uma ideia do poder que foi dado a um só cineasta para filmar a sua primeira obra, ¬¬ Claro que, ao escolher filmar a vida de um grande magnata Americano que muitos identificaram como sendo William Randolph Hearst “disfarçado” de Kane, Orson Welles grangeou tantos amigos como inimigos. E a sua carreira à posteriori seria sempre vítima desse desmesurado poder inicial. ¬¬ Depois do Kane, e a partir da década de 40, Orson Welles não só nunca mais voltou a ter as liberdades da sua obra-prima, como iniciou uma terrível luta com os produtores e os mecanismos de censura que duraria até ao fim dos seus dias. Há mais filmes notáveis na sua carreira, desde o incompreendido, surreal e mal-amado A Dama de Xangai, de 1948, onde Welles conheceu a sua futura mulher Rita Hayworth, até às adaptações que o cineasta fez da obra de William Shakespeare (que sempre considerou o mais visual de todos os escritores): Macbeth (ainda em 1948), Othello em 1952 e Falstaff - As Badaladas da Meia-Noite, já em 1965 e quando radicado na Europa. Um génio que, para sobreviver e nunca se afastar da 7ªArte que amava, preferiu muitas vezes participar como actor em filmes menores (às vezes até dando apenas a sua portentosa voz), do que aceitar realizar trabalhos de indústria controlados pela produção (alguém se lembra, por exemplo, que foi Orson Welles a interpretar o vilão Le Chiffre, na primeira versão do Casino Royale, em 1967?). Os últimos trabalhos do realizador, como a História Imortal, de 1968, ou o originalíssimo F for Fake, de 1974, marcam um pouco o regresso às origens e à sua criatividade de maverick, mas já com pouquíssimo orçamento e sem o reconhecimento dos seus pares que outrora conseguira obter. Morreu, triste e solitário na Califórnia, em 1985, deixando para trás um rasto de filmes belíssimos, criativos e “à frente do seu tempo”. Morreu como Charles Foster Kane, o herói do seu primeiro filme! Adorado e louvado, depois repudiado e proscrito! Mas nunca abdicou das suas convicções nem da luta por realizar um Cinema diferente. O SEU CINEMA! ¬¬ Cabe às novas gerações (re)descobrir e (re)valorizar a obra de Orson Welles, que o Fantas em boa hora volta a trazer às salas nacionais! ¬¬ António Pascoalinho


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