Falo Magazine #40

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CHICO TABIBUIA FLORIAN HETZ
FRANCESCO BRUNETTI
ano
O SANTO INIMIGO DO MAL
HIGIENE GENITAL

FALO© é uma publicação bimestral. setembro 2025. ISSN 2675-018X versão 20.09.25

edição, redação e design: Filipe Chagas corpo editorial: Dr. Alcemar Maia Souto e Marcos Rossetton. site: Pedro Muraki

capa: detalhe da escultura de concreto Tales of Masculinity (Cerrado’s dirt version), da série Sumerian Porn, d’o Santo inimigo do mal, 2024.

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Editorial

Brutal, no dicionário, é um adjetivo próprio de “bruto”, daquilo que é rude, grosseiro, violento. Mas também indica aquilo que está em seu estado natural, cru. Por exemplo, na arquitetura, o brutalismo surgiu na Europa pós-Segunda Guerra, caracterizado pelo uso do concreto aparente (béton brut) em edificações com formas robustas bem geométricas. Esta edição também faz isso: traz à tona o material, seja o concreto (nas obras d’o Santo inimigo do mal), a madeira (peças de Chico Tabibuia), a pele (nas fotos de Florian Hetz) ou o pênis em si (nas artes de Francesco Brunetti).

A partir do conceito violento de “brutal” trago dados impressionantes sobre o número de amputações penianas: média de 600 por ano só no Brasil! Considerando o Novembro Azul – que muda as cores das edições que saem no mês –, resolvi que estava na hora de falar sobre uma questão básica e simples que poderia diminuir essa estatística impressionante: a higiene. Isso mesmo. Chegou a hora da Falo ensinar a lavar o falo! Serviço de utilidade pública!

Serei, então, curto e grosso nesse editorial… LEIA E SE LAVE!

Filipe Chagas criador e editor

Nota sobre nudez:

Esta publicação é sobre a representação da nudez masculina (cis/trans) na Arte. Há, portanto, imagens de genitais. Consulte com precaução. Caso se sinta ofendido, apenas pare de ler. Entre em contato se achar conveniente.

Caralho, arte Fernando Oliveira para o projeto Lave o Dito Cujo, de 2020.

o Santo inimigo do mal

00580 (hiper-realismo modernista), da série Manufaturas, concreto, 2025.

Acriatividade está intrinsecamente conectada à libido e ao desejo. É o tesão que inicia o processo criativo d’o Santo inimigo do mal. Raciocínios lineares vão se tornando extrapolações errantes – “infidelidades”, como ele diz – que ativam sua vontade de subverter signos, assim como os grandes mestres fizeram, seja por meio da pintura, da escultura, da performance, do vídeo ou de outras expressividades.

O Santo inimigo do mal é um projeto pessoal performático e de vida do artista goiano Saint Clair Cerqueira Araújo. Ele afirma que constantemente encontra novas poéticas e posicionamentos frente ao cotidiano, ao mesmo tempo que faz suas curas e se organiza para estar no mundo.

Sustento o incômodo de não saber qual é meu próximo passo, e deixo isso pro Santo. Ele vai dando as cartas e sempre me surpreendo de como essas cartas são interessantes e tesudas. [risos]

Acima, Astronauta (2019) e Águas Universais (2023), fotografias com intervenção digital da série Corpo Universo Ao lado, Adas e Glowing Bitch, artes digitais da série A chave: O sagrado e o provando, 2022.

Óleos sobre tela da série A lista das putas astrais do Grindr: A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (2024); Dama do laquê (2024); Hétera de Dionísio (2024); Hétero do bem (2024); Jogador de bola (2024); Novinho 18 (2024); Transparente (2024); e Obsidian-Oblivian (2025).

Cross Selfie 0001, óleo sobre tela, 2022.
Cross Selfie 0018, óleo sobre tela, 2023.

Seu interesse pela pintura começou na escola, e o levou a fazer um curso em um centro cultural de sua cidade. Chegou a flertar com a escultura, mas a tridimensionalidade só começou a se tornar uma grande paixão no meio da graduação em Arquitetura pela Universidade Federal de Goiás e pela Portland State University, nos Estados Unidos. O que conecta todas as linguagens artísticas que exercita é sua exploração visual do explícito em tom autobiográfico.

O artista vem mesclando símbolos tradicionais com construções contemporâneas para provocar masculinidades como ferramenta de criação e compreensão do mundo (“as cruzes entre o mistério e o concreto”). O retrato – de si e dos outros – utilizado como comunicação e conexão do desejo aparece com frequência em sua produção que se inspira em suas aventuras erótico-espirituais. Seu manifesto nos revela que ele tende a oferecer percepções tanto particulares quanto plurais, que possibilitam a expansão e a sacralização do obsceno.

Seja esculpindo concreto, compondo imagens ou escrevendo palavras, opero com apuro e intenção, como quem crava significados em corpos. Minha técnica não é apenas habilidade manual, mas um gesto de inscrição: marcar presença, erotizar o sagrado, dar forma ao invisível. Materializo em pornografia, como pornografia e para pornografia. Eu sou aquele que transforma dor, desejo e delírio em linguagem. Assim como no orgasmo, assim como na vida.

Cross Selfie 0016 (2023), Cross Selfie 0002 (2022) e Cross Selfie 0020 (2023), óleos sobre tela.

006, concreto em fragmento

Fragmento
arquitetônico, da série Nenhuma pika foi lesionada, 2021.

Essa ligação com a pornografia, com o explícito, vem de infância. Santo lembra que desde que viu o primeiro pênis, ficou curioso pelas texturas e diferenciações e tinha dificuldade de entender porque precisava escondê-lo ao invés de ostentálo como marca estética (“depois veio Freud e Bataille e me explicaram o porquê [risos]”). Se colocar nu dentro do contexto artístico – “e não só aí!”, como faz questão de afirmar – é validar a diversidade de corpos e formatos de pênis, enfrentando a saturação de estereótipos físicos de uma sociedade homogeneizante de consumo.

Fragmento 010, concreto e vidro em fragmento arquitetônico, da série Nenhuma pika foi lesionada, 2021.
Fragmento 003, concreto e vidro em fragmento arquitetônico, da série Nenhuma pika foi lesionada, 2021.

Fragmento 001, concreto e vidro em fragmento arquitetônico, da série Nenhuma pika foi lesionada, 2021.

,

Estagnação IV (pouso)
da série Blocos de Prazer, concreto, 2020.
Estagnação VI (esfacelamento), da série Blocos de Prazer, concreto, 2020.

Estagnação V (estandarte), da série

Blocos de Prazer, concreto, 2020.

A utilização do concreto é um traço da arquitetura de Saint Clair que se realiza no trabalho artístico do Santo. Segue os preceitos do brutalismo – estilo arquitetônico emergido no pós-Segunda Guerra com auge entre as décadas de 1950 e 1970 – que valorizava os materiais à mostra. É nessa ideia de “verdade dos materiais” que Santo ancora sua escolha e dialoga com o obsceno, a pornografia.

Concreto é a pedra que eu consigo moldar. Simboliza nossa natureza urbana que posso transformar. É meu gozo arquitetônico.

Não é comum se pensar na técnica de modelagem em concreto, mas o artista sabe que, ao trabalhar com os tempos de cura do material, é possível esculpi-lo manualmente.

Para ele, fazer um falo de concreto é a combinação ideal: ambos falam de rigidez, imperfeições e crueza. Algumas de suas peças ainda possuem pequenas armaduras internas emulando o concreto armado usado na construção civil.

Tales of Gilgamesh (version E), da série Sumerian Porn, concreto e ferro, 2024.
Estagnação II (peso), da série Blocos de Prazer, concreto, 2020.

Suas primeiras representações do falo foram feitas nas últimas páginas dos cadernos escolares e conta que, certa vez, um de seus desenhos o excitou e decidiu arrancar a página para guardar no bolso e olhar de vez em quando (“ali eu comecei perceber que tinha alguma coisa”). Apesar dessa orientação libidinal, a masculinidade heteronormativa não se apresentava como objetivo:

Eu sempre tive uma aversão a grupinhos de machos normativos. Reproduziam tantas bobagens e tinham certos rituais de validação e umas escrotices… só mais tarde eu vim perceber o que significa realmente ser um homem e, sobretudo, um ser humano; também de estar além dessas performances. Foi e é o contato com homens sensíveis que vem curando minhas feridas.

Acima, Tabu: A censura da pika e, ao lado, Totem: O rosto e a pika (2023), ambas da série A (in)s(piração) é (trans)(forma)(cio)nal, concreto e tijolo furado, 2022.

, concreto, 2021.

Norte but things went South , da série Manufaturas , concreto, 2025.

00584 (ruptura) , da série Manufaturas , concreto, 2025.

Vários ângulos da escultura em concreto Tales of Enkidu (Worship version), da série Sumerian Porn, 2024.

Santo vislumbra mudanças. Considera o desenvolvimento crescente de arte erótica como “uma resposta tardia à era vitoriana que alicerçou uma moral doentia amplamente normatizada”. Ao ver a arte sendo usada para revisar de forma crítica os problemas estruturais, compreende sua missão de provocar, de “criar respiros para que a alma respire”, usando seu corpo e sua história como um campo de atravessamentos simbólicos. Sem almejar agradar ou ensinar, Santo atesta que a legitimação de si é o que leva à experimentação e à subversão necessárias para incomodar e transformar. 8=D

Cirurgia plástica para você.

Florian Hetz

Nossa linguagem e nossa memória se estabelecem em nosso cérebro a partir de imagens. Imagine, então, que algo interfira nessa dinâmica e, de repente, você se veja com dificuldades de confiar no que você se lembra. Foi isso que aconteceu, em 2007, com Florian Hetz após uma encefalite aguda.

por Filipe Chagas

Por sermos uma sociedade extremamente visual, criamos inúmeras tecnologias para facilitar a ampliar nossa capacidade de acesso e registro à imagens. Hetz buscou a fotografia como uma forma de registrar e estruturar os dias, que muitas vezes se confundiam durante sua recuperação. A partir de 2016, fotografar se tornou um método artístico deliberado para lidar com a natureza fragmentada da memória.

Tornei-me fotógrafo por acaso, mas nunca quis ser fotógrafo. O que inicialmente servia para documentar a vida tornou-se uma ferramenta para reorganizá-la. Uso a câmera para ampliar minha maneira de ver a vida.

Isso levou Hetz a ter um entendimento democrático sobre a arte (“há espaço suficiente para diferentes maneiras de abordar o mesmo assunto”) e a se preocupar mais com sua produção (“não olho muito para o que os outros fazem”) e com o presente (“não sou nostálgico”). Não leva pré-conceitos ou ideias para seus ensaios, pois precisa vivenciar o momento (“ver em vez de encenar”). As imagens que cria brincam com a tensão entre o que permanece na memória e o que se perde em composições precisas, detalhadas, íntimas e escultóricas.

Desde o início, a figura masculina foi um “objeto disponível” que serviu para questionar o cânone da objetificação feminina e da não-beleza masculina. Optou por “homens comuns” ao invés de modelos “que passam muito tempo em frente das câmeras” porque está mais interessado na vulnerabilidade do que no ângulo perfeito.

Há algo de belo em homens confiantes com seus rostos, corpos e genitais. Me surpreendo um pouco quando as pessoas me dizem que nunca viram um corpo ou uma pele assim. Para mim, é tão normal. E sempre foi.

Hetz considera que o homem enquanto objeto de arte provavelmente será sempre um nicho, porém, nossa maneira de lidar com a nudez e o sexo mudou com o advento das redes sociais e plataformas de conteúdo adulto. A circulação do privado de forma pública transforma a nudez em um discurso revelador e voyeurístico com menos drama social.

Para o fotógrafo alemão, o pênis tem o potencial de trazer algo a mais, seja para a composição, seja para o espectador.

A maioria de nós, homens, tem um pênis, mas, infelizmente, o relacionamento nem sempre é fácil. Gostaria que os pênis fossem mais visíveis na mídia. E não apenas os enormes. É preciso oferecer outras maneiras de se olhar para ele.

Sabendo que é muito fácil cair em clichês ao trabalhar com pessoas nuas, Hetz constantemente muda suas perspectivas sem receio de ser mal compreendido ou de ter seu diagnóstico de autismo referenciado. Atrelou seu desejo por ser artista à sua própria validação e não a certificações identitárias dadas pelo sistema de arte e, assim, tem seu trabalho reconhecido internacionalmente pela clareza emocional de sua linguagem visual. 8=D

Falo de História

Sem título (Barca), madeira, s.d.

Chico Tabibuia

Escultor autodidata, Francisco Moraes da Silva (1936-2007) exerceu várias atividades ao longo da vida, mas, aos 22 anos, começou a trabalhar principalmente como lenhador, coletando tabebuia (ipê), madeira da Mata Atlântica que se tornou seu apelido e, posteriormente, nome artístico. Nascido em Aldeia Velha, no município de Silva Jardim, Rio de Janeiro, Chico Tabibuia só foi registrado em Casimiro de Abreu (RJ) quando tinha 36 anos de idade, juntamente com sua mãe.

Tabibuia contava que seu pai, Manuel Moraes da Silva, era um dos mais de 40 filhos pardos de um fazendeiro português com suas escravas e que se tornou lavrador de café e criador de galinhas. Já sua mãe, a cabocla Francisca Neta, era filha e neta de escravos carpinteiros (“meu bisavô foi pegado pelos reis e foi escravo de reis, só libertado quando acabou a escravidão”) que teve ainda 16 filhos de outros casamentos, mas plantava mandioca e fazia cestaria de palha para manter a família (“não deu nós a ninguém. Meu pai que conheci foi ela”).

Muito rígida, Francisca não teria sido uma mãe afetuosa, segundo Tabibuia, e com a troca frequente de companheiros e endereços, acabava sendo vítima de violência doméstica. Por ser o filho mais velho, Tabibuia exerceu o papel de defensor da mãe em situações ligadas à violência e à provisão do sustento da família.

Aos 11 anos foi guia de cegos e, aos 12, foi trabalhar no mato, retirando lenha. Dos 13 aos 17 anos, frequentou um terreiro de umbanda dando assistência aos médiuns incorporados e se apropriou dos arquétipos das religiões de matriz africana – em especial a figura do Exu, mesmo quando adotou a crença pentecostal da Igreja Assembleia de Deus.

Vem dia que tem Exu na cabeça e Deus no coração.

e um de seus exus, 1996.

Chico

Tabibuia esculpiu seu primeiro boneco de madeira com um pênis em destaque aos 10 anos de idade usando um canivete. Repreendido pela mãe, só voltou a esculpir regularmente no final da década de 1970, por volta dos 40 anos. Mais tarde, revelou que as imagens de teor eróticosagrado marcadas por padrões fálicos e fusões entre o masculino e feminino resultavam de revelações que apareciam em sonhos. Os Exus seriam, segundo ele, um meio de “retirá-los das matas, aprisionando-os às esculturas e impedindo que fizessem mal às pessoas” – lembrando que Exu foi sincretizado com o diabo pelas religiões cristãs. Alguns críticos acreditam que tanto a religiosidade quanto o erotismo no trabalho de Tabibuia são um meio de processar a complexa relação que estabeleceu com sua mãe e com a própria sexualidade*.

* A relação do artista com a sexualidade se desenvolve de maneira intensa e complexa, envolvendo um erotismo precoce, recorrente troca de companheiras emulando o comportamento materno, episódios de traição e violência acompanhados por um desejo de disciplina que fazia com que o artista adotasse períodos de celibato para produção das esculturas.

Ao lado, Sem Título (madeira, c. 1985). Acima, Família de Exus (madeira, 1996).

Na página seguinte, Exu Três Cabeças (madeira, s.d.) e Exu (madeira, s.d.).

Exu-relógio, Saci e Saci, madeira, s.d.

O artista não procurava reproduzir uma verdade anatômica ou ideal de beleza, mas pretendia materializar seu imaginário em esculturas que operam como abrigo de entidades religiosas. Com isso, aparecem estruturas híbridas como falos-vaginais e seiosescrotais, gerando deslocamento e autonomização dos membros do corpo, em um processo lúdico de desconstrução e reconstrução. Não se trata, no entanto, de uma perspectiva pornográfica, mas arquetípica, que opera com signos da memória ancestral, de ritos arcaicos à fertilidade e ao aspecto dualista do poder criador. Por meio de uma expressão plástica sintética e de base simbólica, Tabibuia desenvolveu sua linguagem sem tomar como referência a produção de outros artistas.

Feitas a partir de peças inteiriças de madeira, sem encaixes, com raros acréscimos ou cor, as esculturas respeitam as formas originais das raízes e troncos coletados pelo artista. Sua produção, realizada em 20 anos de trabalho, não ultrapassa 300 esculturas que não costumam se repetir, guardando poucas semelhanças entre si. Além das esculturas, Tabibuia também fez móveis rústicos, tamancos, lápis e outras peças de uso cotidiano para obter alguma renda.

Acima, Relógio-Mulher e Relógio Homem, e, abaixo, Sem Título (Cadeira), ambos em madeira, s.d.

Autofelação, madeira, c.1980.

Falo (Exu alado), madeira, 1990.

Falos, madeira, s.d.

Paulo Pardal – hoje diretor da Casa-Museu de Casimiro de Abreu – foi o grande mecenas que estimulou a obra artística de Chico Tabibuia, quando ele já pensava em desistir de esculpir suas obras. Pardal promoveu exposições e eternizou suas obras publicandoas em um livro de Artes, além de ter formado uma vasta coleção artística com parte das obras produzidas por Tabibuia. Expostas em instituições como o Grand Palais, em Paris, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) e o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro, as esculturas de Tabibuia foram objeto de análise de autores como Carlos Drummond de Andrade (1902-

Esculturas em madeira sem título ou data.

1987), Emanoel Araújo (1940-2022) e Frederico Moraes (1936). No livro escrito por Pardal – A escultura mágico-erótica de Chico Tabibuia (1989) –, Nise da Silveira (1905-1999) entende as esculturas de Tabibuia como a “configuração de imagens arquetípicas reativadas na profundeza do inconsciente que tomam forma como rudes imagens fálicas”. A psiquiatra ainda conecta as representações exageradas de falos com o mito de Príapo e as procissões dionisíacas (falofórias) na Antiguidade clássica.

Chico Tabibuia consolidou-se, assim, como um dos grandes nomes da arte popular brasileira, sendo admirado por sua narrativa original. 8=D

Relógio, madeira, s.d.
Esculturas em madeira sem título ou data.

Falo Focoem

Milo Manara e Guido Crepax são bem conhecidos por seus trabalhos que frequentemente apresentam personagens femininas – geralmente nuas – em cenários comuns e surreais, até mesmo grotescos. A liberdade e a sensualidade retratadas por eles inspiraram o também italiano Francesco Brunetti a levar a mesma energia e expressividade para seus personagens masculinos em ilustrações a grafite e pinturas.

Enquanto eu estiver vivo, serei cativado por homens, e quero criar algo sincero e único para homenagear essa emoção repentina e honesta. Compartilho abertamente minhas fantasias com o espectador para que meu trabalho seja visto como irônico, sensual e provocativo… ou uma combinação dos três.

Fascinado pela figura masculina, Brunetti sabe dos tabus envolvendo a nudez e, por isso, concentra sua produção em imagens que exploram uma vulnerabilidade crua, quase voyeurística e espontânea, do corpo masculino. Gosta de desafiar a expectativa das pessoas até mesmo na escolha por representar o pênis flácido:

Parece um prelúdio, um convite a imaginar o que pode vir a seguir. Quero que o espectador sonhe, antecipe.

Evito retratar uma excitação intensa, privilegiando, em vez disso, a tensão silenciosa do que permanece suspenso na possibilidade.

Seja através da imaginação, preferências pessoais (que acaba criando características físicas semelhantes), referências fotográficas ou ferramentas de IA que ajudam na composição antes do esboço, o artista se mantém fiel ao seu próprio desejo, ao seu próprio processo e, assim, oferece algo único para seus personagens fictícios: uma alma. 8=D

Cheirando flores, aquarela, guache e grafite sobre papel, 2025.
Acima, Biblioteca (2025), Delivery (2025) e Metrô (2023). Todos em grafite sobre papel.
Abaixo, Livraria (2024), Futebol (2024) e Hotel Kensington (2023). Todos em grafite sobre papel.
Banheiro público, grafite sobre papel, 2024.
Acima, Maçã (guache e grafite sobre papel, 2025) e, abaixo, Prancha de surf (aquarela, guache e grafite sobre papel, 2025) e Beco Azul (óleo sobre tela, 2025).

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CUECAS

Modelo: Flavio B.

Não se prenda a estereótipos

Lave o dito cujo!

Imagine 600 homens tendo seus pênis amputados. Sentiu a dor? Agora imagine que isso aconteceu por falta de higiene. Isso mesmo que você leu… Não limpou o pinto? Perdeu ele. Essa é a estatística dos últimos 10 anos no Brasil.

É triste pensar que isso acontece por questões advindas de uma sociedade machista, patriarcal e LGBTfóbica. Vivemos entre pessoas que definiram –e perpetuam – a masculinidade como algo que deve negligenciar a saúde mental e física. Sentimentos, cuidados, exames médicos… essa invulnerabilidade atinge os genitais de todas as formas, desde uma pressão por performance e tamanho, até o abandono dos centros do prazer ou a higiene. Existem alguns relatos (que eu adoraria que fossem fictícios, mas não são) de homens que são tão machistas e neuróticos com seus genitais que são incapazes de limpar a bunda após cagar porque não querem passar perto do cu. Desculpa as palavras consideradas chulas, mas é pra chocar mesmo.

Por isso, antes de entrar na higiene enquanto questão de saúde, que tal pensar na higiene nas relações íntimas? Vou direto ao ponto: você gosta de cair de boca em algo fedido ou sujo? Você já imaginou o seu parceiro ou parceira caindo de boca no seu fedido ou sujo? Eu sei que tem gente que curte o cheiro e a sujeira como fetiche – e está tudo bem – porém, você só vai saber se o outro curte depois de algumas abordagens. Então, pense na higiene como um fator social.

Mas vamos à questão da saúde: segundo o Ministério da Saúde, uma higiene íntima adequada reduz os riscos de uma pessoa com pênis adquirir infecções agudas e doenças graves urogenitais. Aconselha-se que, desde o nascimento do bebê com pênis, os pais sejam adequadamente orientados quanto à higiene íntima masculina para que se torne um hábito e seja repassado à criança durante seu desenvolvimento.

Abençoado (Thomas Cosin)
Abre Latas (Samji)
Alexandre, O Glande (Guilherme Sakosigue)

Sejamos sinceros… Isso acontece? Tirando a fase bebê, quando usualmente a mãe cuida dos genitais de seus filhos, em qual momento os pais falam sobre higiene genital para que se torne um hábito? Não estou falando do papo sobre sexo – isso é pauta para outra edição. Estou perguntando sobre lavar o pinto e sobre cuidar da saúde como um todo.

O Ministério da Saúde também orienta o acompanhamento com um urologista desde a infância para ajudar na prevenção contra as mais diversas doenças e para desenvolver a preocupação e o cuidado com a própria saúde. Uma consulta (anual, ao menos) pode garantir prevenções e diagnósticos precoces.

Mais uma vez, sinceridade aqui… Pessoas com vagina costumam ir ao ginecologista desde a primeira menstruação. Já as pessoas com pênis só vão a médicos para remediar situações complicadas. Nunca vão prevenir ou acompanhar nada. Quando está relacionado ao pinto, então… só se ele estiver caindo. Por isso, a ideia de que a higiene pode evitar situações extremas (e idas ao “médico de pau”) pode ser uma solução simples.

Como fazer?

A recomendação é que a higiene seja feita pelo menos uma vez (o ideal seria duas vezes) por dia da seguinte maneira:

1. No banho, enxaguar toda a região íntima;

2. Aqueles que possuem prepúcio (pele), devem puxá-lo para descobrir a glande (cabeça);

3. Passar o sabonete neutro na glande (preferência por sabão com pH entre 5 e 6, com fragrância suave, comum em sabonetes para bebês);

4. Ensaboar bem, certificando-se de retirar todo o esmegma (ver a seguir);

4. Enxaguar com água em abundância para retirar todo o sabão;

6. Passar o sabonete em todo o pênis, testículos, virilha e região púbica e enxaguar bem;

7. Lavar a região anal com água e sabonete.

8. Após o banho, secar sem esfregar toda a região íntima com uma toalha limpa e macia, sendo importante retrair o prepúcio novamente para evitar que acumule umidade na glande.

Balangandã (Guilherme Batista) e Banana (Davi Augusto).

Os cuidados precisam ser aumentados em caso de fimose, quando o prepúcio é apertado e não permite que se descubra a glande, dificultando a higiene e a observação de sintomas. Isso tem gerado, inclusive, um movimento de “circuncisão compulsória”, quer dizer, urologistas que já indicam a postectomia (nome técnico para a retirada do prepúcio), mesmo sem fimose, para garantir um mínimo de higiene.

O que a falta de higiene pode causar?

A principal consequência da negligência com a higiene genital é o esmegma – vulgarmente conhecido como “queijo” (por causa da consistência e do odor forte). Esmegma é uma substância natural esbranquiçada ou amarelada composta por uma combinação inofensiva de óleos naturais, células mortas da pele, suor e outros fluidos corporais que se acumula nas áreas genitais, tanto sob o prepúcio quanto nas dobras da vulva e ao redor do clitóris. Seu acúmulo cria um ambiente propício para a proliferação de bactérias e fungos.

As inflamações mais recorrentes são a balanite, que causa sintomas como vermelhidão, coceira, ardor e inchaço na glande, e a balanopostite, que também atinge o prepúcio. Além das sempre citadas Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs, como HPV, clamídia, gonorreia e sífilis, por exemplo), a má higiene também pode causar infecções urinárias recorrentes e até mesmo propiciar o desenvolvimento de câncer peniano. Pomadas, corticóides, antibióticos… Qualquer que seja o tratamento, busque um urologista! Não siga o amigo, o influencer, a receita do colega. Vá ao médico!

Esmegma.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), apesar de raro, aproximadamente 2% de todos os tipos de câncer que afetam os homens é o câncer no pênis, que, além da higiene inadequada, possui outros fatores mapeados como a infecção por HPV e a fimose, bem como algumas condições socioeconômicas que oportunizam as causas. Caso não seja tratado rapidamente, pode levar à amputação do órgão e ao óbito. A última atualização do site do INCA informa que, em 2022 no Brasil, este tipo de câncer foi mais frequente nas regiões Norte e Nordeste (com incidência considerável no Maranhão e Piauí) e afetou 1933 homens, causando a morte de 525. Nosso país é o que possui uma das maiores incidências desse câncer no mundo, Balanite.

sendo pior em indivíduos que vivem nas zonas rurais, pela dificuldade de acesso à informação e ao serviço de saúde.

A manifestação clínica mais comum do câncer de pênis é uma ferida (úlcera) persistente ou uma tumoração localizada na glande, prepúcio ou corpo do pênis. Essas manifestações podem estar escondidas na parte interna do prepúcio: é preciso retraí-lo para verificação e limpeza.

A presença de um desses sinais, associados a descamação intensa (esmegma) e gânglios inguinais (na virilha) pode ser um indicativo de câncer no pênis. Quando diagnosticado em estágio inicial, o câncer de pênis apresenta elevada taxa de cura. No entanto, mais da

metade dos pacientes demora até um ano após as primeiras lesões aparecerem para procurar o médico.

Outros cuidados

Não pense que é só lavar e secar que já está bom. Existem outras orientações – algumas que causam polêmicas dentro das construções sociais, comportamentais e estéticas –, como:

8=D Na hora de urinar, deve-se sempre lavar as mãos antes e depois, e enxugar o pênis com papel higiênico ao terminar.

8=D É também indicado que a higiene seja feita por todos os envolvidos em um ato sexual, mesmo com o uso de preservativo.

Acima, Neca (André Levy), Bastão (Dreyfus Soler), Begala (Varella), Canhão (Rohanne Thomson) e Bilau (ImageMakers).

8=D Usar roupa íntima feita com materiais que permitam uma melhor transpiração da região genital (preferência por algodão e nãosintéticos), que deve ser trocada todos os dias, especialmente após atividades físicas ou um longo período de uso.

8=D Evitar usar calças muito apertadas, pois abafam a região, pressionam os folículos e aumentam a fricção.

8=D Para dormir, a sugestão é o uso de roupas largas sem roupas íntimas.

8=D É recomendado NÃO depilar a região genital para não causar irritação na pele e aumentar o risco de foliculite (inflamação cutânea).

Se você está se perguntando por que lavar antes de urinar, é só pensar que sua mão pode levar bactérias para o pênis. Inverte a ideia e você entenderá o porquê de lavar depois. O interessante é pensar que, enquanto se diz que mulheres invejam a praticidade do genital masculino na hora de urinar, os homens deveriam aprender com elas a passar o papel para secar.

Os homens que produzem muito fluido préejaculatório – o famoso precum ou Fluido de Cowper – devem redobrar os cuidados de secagem e de troca de cueca.

Também vale refletir sobre o asseio após a relação sexual. Seja penetração na boca, na

Abaixo, Bilola (Zeca Forehead), Bixcoito (Monica Fuchs), Morango com pescoço (Leo Vargas), Boneco (Neudies) e Broca (Marcelo Rubra).

vagina ou no ânus, acontecerá uma troca de inúmeras bactérias e fluidos dessas regiões que passam por intensa fricção. Não podemos esquecer que a camisinha também possui lubrificantes e ela retém o sêmen, que fica em contato com a glande, e, por isso, é preciso lavar o pênis mesmo utilizando o preservativo.

O INCA ainda lembra que, após a masturbação, também se deve cuidar da limpeza genital.

Sobre o hábito de depilar, todos os especialistas dizem o mesmo: não! Gilete, cera, creme depilatório? Não. Os pelos da região genital funcionam como barreira protetora contra micróbios e atrito direto contra a pele. Porém,

seu excesso pode beneficiar o abafamento da região. Então, aparar está liberado, mas nada muito rente, porque cortes, coceiras, dermatites, cabelos encravados e foliculites aumentam a possibilidade de outras doenças. E roupas apertadas devem ser evitadas não somente pela transpiração, mas também pelo aumento da fricção e irritação da região.

O mercado de produtos íntimos tem investido em sprays que oferecem uma sensação prolongada de frescor e proteção contra odores. No entanto, é preciso ter cuidado com algumas substâncias desodorantes. Um bom banho já resolve.

Bichão e Outra cabeça (Aneliza Ceribelli).
(Gabriel Diogo).
Abaixo, Instrumento, Tora e Zangado (Guilherme Manzi), Cenoura (Sttenio Costa) e Chapeleta (Rodrigo Lauria).

E as crianças?

NOTA DO EDITOR: As estatísticas de violência sexual infantil feita por pessoas dentro de casa ou conhecidos é alarmante. Portanto, a higiene genital de uma criança deve ser feita de forma respeitosa e com atenção.

Enquanto a criança com pênis ainda não tiver autonomia e a higiene não ter sido ensinada adequadamente, os cuidadores (que podem ser os pais ou outro responsável) devem limpar a região do prepúcio sem forçar ou puxar, principalmente nos bebês. No caso de ser necessário puxar o prepúcio, sugerese que seja feito com bastante delicadeza ou pelo pediatra, já que, quando puxado indevidamente, pode rasgar a pele, podendo cicatrizar incorretamente e ser necessária uma cirurgia posterior. A secagem é fundamental com o mesmo cuidado para evitar umidade em excesso na região.

A limpeza deve ser cuidadosa, mas não obsessiva, sendo realizada pelo menos uma vez ao dia em crianças que já não usam fraldas, por exemplo. No entanto, no caso dos bebês que usam fralda, deve-se limpar a região genital todas as vezes que se troca a fralda.

Campanha Novembro Azul

Dados do INCA informam que um homem morre a cada 38 minutos devido ao câncer de próstata no Brasil. Quase 30% dos casos oncológicos no homem são deste tipo, ficando atrás somente do câncer de pele nãomelanoma.

Tradicionalmente, a campanha mundial Movember – originária da Austrália e transformada em Novembro Azul pelo Instituto Lado a Lado pela Vida – enfatiza a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata, alertando para a necessidade de acompanhamento da saúde pelos homens, de cuidarmos uns dos outros. A conscientização passou de um problema pontual (câncer de próstata) para um problema sistêmico (falta de cuidado geral).

Porém, faço aqui uma crítica a não inclusão explícita de pessoas trans na discussão. Se é uma campanha somente relacionada ao câncer de próstata, devemos incluir as mulheres trans; se é uma campanha sobre a saúde do homem, devemos incluir os homens trans. O site do INCA diz que a próstata é uma glândula que “só o homem possui” e isso reverbera de forma negativa nas políticas públicas e ações assertivas para redução de preconceitos por identidade de gênero. Muitas mulheres trans que estão em um processo disfórico intenso não se relacionam bem com seus genitais, o que pode levar aos poucos cuidados ou até à mutilação. Os profissionais da saúde precisam se atualizar para atender adequadamente e respeitosamente todos aqueles que se incluem no espectro da campanha.

Perigoso (Pri Nadolny).
Cogumelo (Cris Gomes), Colosso (Alê Pachon), Documento (Thiago Fagundes), Envergado (Albert Mazuz), Fedegoso (Thiago Egg) e Ferramenta (Carlos Golob).
Fino (Toten Dias), Ganso (José Carlos Lollo), Lalau (Gustavo Pedrosa), Lendário (Tadeu Siqueira), Minhoca (Fabrizio Lenci) e Misterioso (Zeca Forehead).
Invertebrado (Adriano Vespa), Jacarandá (Naima Almeida), Majestoso (Luciano Perna), Mangueira (Samir Sagioneti), Molenga (Dimology) e Monstro (ImageMakers).
Mandioca (Bernardo Seixas), Pica das Galáxias (Fabiana Salomão), Pinto (Varella),
Pecaminoso (André Morbeck), Pepino (Renata Antunes) e Trozoba (Pevê Azevedo).

Lave o Dito Cujo

Em 2020, o Instituto Lado a Lado pela Vida, em parceria com os criativos Leonardo Telles, Guilherme Serato, Marcelo Marui e Saulo Vinheiro lançou o projeto Lave o Dito Cujo, que durante os 365 dias do ano publicou ilustrações de diversos artistas do Brasil e também do exterior, no Instagram, sempre jogando com o humor do vocabulário brasileiro para o pênis. O objetivo deste projeto inovador e provocativo foi conscientizar os homens sobre a importância da higiene correta do órgão genital como forma de prevenção do câncer de pênis. As artes deste artigo foram retiradas do perfil de Instagram do projeto.

Afinal, já lavou o dito cujo hoje? 8=D

Rola (Gabriel Bueno).

Contos do Falo

Tempo total: 1min28segs

Protagonista: Tatuado_roludo

Coadjuvantes: Mulher e Homem

(Tatuado_roludo diz ter 26 anos e morar em uma pequena cidade do sul do país, usa uma camiseta larga, cáqui ou cinza, e uma bermuda estampada em vinho e creme, porta um relógio esportivo com pulseira de metal. A Mulher é muito branca, com cabelos longos e pretos, traja um vestido preto abaixo do joelho e com uma fenda lateral, sob o vestido um forro ou blusa do qual só aparecerá parte na metade final da cena, e sapatos cor de vinho. O Homem também é branco e está totalmente vestido, com calça jeans e camisa tipo pólo, azul-clara, usa relógio de pulso e filma ou fotografa a cena com uma pequena câmera ou celular)

(Cenário: interior com paredes amarelo-pálidas, chão de ladrilhos cinza-claros, mesa para computador, escura, em formato de L, sobre a mesa um par de algemas prateadas, um notebook ligado e alguns livros ou manuais empilhados; cai da lateral da mesa uma toalha ou equivalente, com estampa de desenhos gráficos; cesto de lixo, muitos fios da mesa para o rodapé e da mesa para o teto; o foco mais forte de luz é sobre os livros ou manuais)

Conto modificado do escritor e artista visual Jozias Benedicto, originalmente publicado no livro “Estranhas criaturas noturnas” (Ed. Apicuri, Rio de Janeiro, 2013), finalista do Prêmio SESC de Literatura 2012/2013.

(Áudio: gemidos da Mulher, eventualmente sons de palmadas do protagonista na Mulher; quando estes sons principais se reduzem, ouve-se ao fundo uma voz feminina vinda provavelmente de uma locutora da televisão que está ligada fora da cena)

Cena 1: Tatuado_roludo penetra a Mulher, que está de costas para ele, apoiada sobre a mesa, com o vestido levantado até a altura da cintura. Gemidos, palmadas, tapas. O Homem se aproxima, acaricia os lábios da Mulher que geme, e começa a filmar ou fotografar. (sem cortes para a Cena 2)

Cena 2: Tatuado_roludo, sem interromper o ato de penetrar a Mulher, levanta seu vestido até o meio das costas, consegue-se ver o forro ou blusa sob o vestido. O Homem sai de cena, como para conseguir distância de foco para filmar uma panorâmica, retorna à cena, sai de cena de novo. (sem cortes para a Cena 3)

Cena 3: Tatuado_roludo retira seu membro intumescido de dentro da Mulher, que se vira para ele, se ajoelha, no canto esquerdo da cena e inicia uma desesperada felação. Ele a levanta e a beija, com sofreguidão, enquanto isso sua bermuda cai e vemos uma tatuagem na coxa direita, um rosto feminino com um sorriso inocente. Após o beijo, leva a Mulher de novo até a mesa, ela agora se senta sobre a mesa com as pernas bem abertas, é a deixa para que o Homem retorne à cena, sem sua câmera ou celular, se ajoelhe e inicie a fazer sexo oral na Mulher. (sem cortes para a Cena 4)

Cena 4: Tatuado_roludo se aproxima dos demais personagens, coloca seu membro ereto sobre a barriga da mulher, bem próximo ao rosto do Homem que continua a fazer sexo oral na Mulher. Tatuado_roludo beija a Mulher enquanto esta manipula seu membro, próximo do rosto do Homem que continua a fazer sexo oral nela, metodicamente, minunciosamente, incansavelmente. Não há clímax.

Crônicas Fálicas

Cartografia do falo e do vazio

O prazer nunca é inocente. Surge como promessa, mas cobra pedágio em carne, em alma, em coração.

Na busca pelo falo – não só o órgão, mas metáfora de poder, de inteireza, de algo que acreditamos nos completar – atravessamos territórios de sombra. Não se encontra apenas um corpo: encontra-se o vazio tentando se preencher, a fissura sonhando em ser muralha. O gozo é breve. O vazio, persistente.

Pagamos caro: com a vida, quando a vulnerabilidade nos coloca em mãos erradas; com a saúde, quando a noite é mais rápida que a prudência; com o coração, quando o fogo que acendemos não encontra combustível no outro.

Há quem busque o prazer como quem gira o tambor de uma roleta russa. Entramos em becos sem nome, em corpos sem rosto, em lugares sem coordenadas – entregues à fagulha que incendeia por instantes. O risco é a moeda de troca. O desconhecido, a adrenalina. No fundo, sabemos que flertamos com a morte –mas a vida nunca pareceu tão viva quanto no limite entre o perigo e o gozo.

Não buscamos apenas prazer nessas travessias: buscamos a vertigem de existir em estado máximo, quando corpo, prazer e perigo se tocam na mesma explosão.

A era digital apenas multiplicou nossos becos: aplicativos que cabem na palma da mão, guetos, banheiros, cinemas, clubes, festas que oferecem aquele escuro quase anônimo – porque ainda sabemos quem somos, e quase sabemos o que buscamos.

Mas o prazer, ao abrir portas, também expõe nossas entranhas. Somos navegadores em mares incertos: cada corpo uma ilha, cada olhar um farol que tanto pode guiar quanto naufragar. A paixão, às vezes, não passa de uma bússola quebrada.

E mesmo assim seguimos. Entre o risco e o vazio, escolhemos sempre o risco. O corpo insiste em lembrar que está vivo. E viver, afinal, nunca foi seguro – nem deveria ser. Desejar e ser desejado é a centelha que move o que chamamos de existência.

O prazer, essa substância necessária, é luz que persegue e consome. Não significamos o antes, nem o depois — mas mergulhamos no durante como se ali estivesse o sentido de tudo.

Que brindemos, então, à busca. Ao caminho, às paradas incendiárias, às bocas que nos revelam, aos corpos que nos confundem, às vozes que nos prometem. Brindemos ao risco que nos mantém pulsando. Porque no fim, em cada fagulha, o que procuramos – mesmo sem admitir – é um amor: não o amor romântico de novela, mas o porto improvável onde prazer e cotidiano se tornam possíveis. Um amor que, paradoxalmente, é também risco – e ainda assim, seguimos a buscá-lo.

Crônica de Hilton Soubhia Jr.

O CANSAÇO DE SER ALGUÉM

O “EU” NÃO EXISTE SEM O “NÓS”

Diante das feridas gays do não-dito, do não-poder, do ter que esconder o gesto, o olhar, o toque... a cultura ocidental atravessada pelo capitalismo tardio nos influenciou a pensar EGO como uma entidade individualizada que precisa se afirmar na estética, na autoestima anabolizada, no poder financeiro, no sexo performático, na disputa e na ironia. Esse “ego aprendido” tenta ser o mais interessante, desejado e livre possível, mas tudo não passa de uma batalha vazia de quem é ou pode mais.

Enquanto estamos tentando constantemente fortalecer nosso “EU” fragmentado pelos resíduos de sobreviver a uma sociedade homofóbica e em constante colapso, perdemos o senso de pertencimento e internalizamos formas de consumo e investimento em si como melhores maneiras de curar as dores.

A hipervalorização do sexo performático e da estética é a máscara de um vazio coletivo, o eco de um “EU” que não se reconhece fora do espelho digital: cada um exibindo ou sofrendo por não conseguir mostrar seu melhor recorte, seu torso, sua promessa de prazer.

COM VOCÊ Por Rigle Guimarães

O que acontece se, ao invés de buscar o gozo do “EU”, construirmos outros SENTIDOS?

Enquanto nós tentamos “encontrar a nós mesmos”, povos originários, por exemplo, buscam reencontrar o equilíbrio com o todo. O que no Ocidente aprendemos a chamar de EGO – essa estrutura que separa o “eu” do “outro” – na cultura indígena simplesmente não existe dessa maneira. É com essa visão decolonial que podemos aprender a desmontar parte do nosso narcisismo moderno.

Quando estamos centrados nas próprias dores, tendenciamos a querer confirmar que o nosso sofrimento é sempre o maior, mais legítimo e profundo, e, sem perceber, transformamos nosso sentir em competição emocional: “os outros não sofrem como eu”, “ninguém entende o que eu passo”, “a minha dor é diferente”.

Um caminho possível é sair do drama egocêntrico e entrar no drama humano, aquele em que todos sangramos um pouco, ainda que de jeitos diferentes, uns mais, outros menos, mas por isso mesmo podemos nos reconhecer uns nos outros.

Modelo: Anônimo. Foto: autorretrato

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