Expresso da Linha n.º 4 - 10 de Fevereiro de 2014

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Tribuna

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Opinião

Opinião

Daniela Oliveira Associação

Sara Fumega

Sonha, Faz e Acontece (Lisboa)

Associação Dínamo (Sintra)

Como queres ser quando fores grande?

A participação é um lugar estranho

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onheci o Arruá no último sábado, numa das rondas que a Sonha, Faz e Acontece fez pelo país, na distribuição de material escolar e de roupa aos estudantes do Príncipe que temos por cá. Está em Tomar há 2 anos, esteve em Torres Novas outros 3, o que significa que desde há 5 combate o frio e a incerteza com a coragem de quem sonha voltar à terra Natal e ser político no Príncipe. Conheci empreendedores sociais no último mês. Encontrei-os numa reportagem do El País, numa lista da Forbes e nos episódios do CNN Heroes. Mas conheci-os sobretudo na incubadora que é África, por se destacarem nos programas de desenvolvimento, nas instituições não governamentais e nas ruas de Lagos, na Nigéria, onde fui parar no meu novo desafio profissional, que me vai levar a vários países em desenvolvimento. Conheci África no último semestre. Na minha primeira grande aventura no continente pelo qual todos se apaixonam, consegui perceber o que ia lendo nos artigos com que me cruzava: ninguém, aqui na Europa, conhece África, sem que alguma vez lá tenha ido. Pintei o meu quadro nesse dia: as cores que me descreviam, os cheiros que me forçavam a sentir, os ritmos que sempre me obrigam a imaginar, as pessoas que nunca tinha conhecido e até as histórias que até ali só tinha ouvido. Trouxe comigo o poder imensurável da idade e deixei que o conceito de Bill Drayton, o tal de “empreendedorismo social”, sobrevoasse a minha cabeça em loop. Deixei-o pousar quando fiquei certa de que existe na juventude uma obrigação que não se consegue cumprir noutra fase da vida. Que seja egoísmo ou qualquer outro palavrão aplicado ao vício de gerar mudança e transformação social - e ao de ver resultados. Que seja realização pessoal se for essa a motivação principal dos protagonistas. Para mim é por em prática a capacidade de inovação, o idealismo do sonho e a ingenuidade de que se consegue mudar o mundo.

Aliada à generosidade e à maturidade que vamos conquistando, é a fórmula principal para encontrarmos o nosso papel na sociedade. Até pode ser uma moda passageira ou uma tendência enfadonha, mas o empreendedorismo social dá um sentido aos teus “vintes-e-poucos” e é uma obrigação dos teus “trinta-e-muitos”. Acho que o Arruá sente o mesmo que eu. E na Sonha, Faz e Acontece apostamos nos estudantes do Príncipe em Portugal porque acreditamos que eles são os futuros criadores de mudança na ilha. Perguntam-nos muitas vezes por que decidimos trabalhar no Príncipe quando os portugueses vivem um momento difícil; explicamos que vivemos em Portugal mas que sonhamos com o mundo. Que as respostas às causas sociais não se dão apenas em frente à porta mas em todo o bairro. Que os valores que nos guiam e que o pesado rótulo que nos colocamos nos impele a sonhar mais alto – e mais longe. Que os mapas não mostram a distância mas apenas o caminho para lá chegar. Que decidimos promover a educação onde não existe acesso a ela. Que nos dedicamos aos jovens porque somos jovens como eles. Que, sempre que lá vamos, damos muito de nós, mas trazemos muito deles. Como dizia Manuel Forjaz, há uns dias, no seu programa na TVI24, estamos a fazer a pergunta errada às crianças: deve perguntar-se “como querem ser quando forem grandes”. É o perfil que nos distingue e não a nossa profissão. Eu quero ser como os empreendedores sociais, sejam lá eles quem forem. E ainda me falta muito para ser grande.

Na minha primeira grande aventura no continente pelo qual todos se apaixonam, consegui perceber o que ia lendo nos artigos com que me cruzava: ninguém, aqui na Europa, conhece África, sem que alguma vez lá tenha ido

ropecei na participação quase sem querer. Isto foi há poucos anos. Agora sei que é um direito fundamental da cidadania, que é muito mais do que votar nas eleições ou a dar opinião quando sou chamada a fazê-lo. Aliás, quase nunca sou chamada a fazê-lo, mas há cerca de 4 anos decidi experimentá-lo, esse tal direito que por vezes mais parece uma obrigação. Comecei sem dar por isso, num local perto de casa porque estava desempregada e não dava para ir muito longe. Para muitas pessoas a Tapada das Mercês é um lugar estranho. De carro, só lá passa quem está de passagem, talvez para escapar a qualquer fila de trânsito dos movimentos pendulares. De comboio os passageiros olham pela janela com pena de quem vive em apartamentos enterrados no subsolo de uma selva de prédios. A pé, toda a gente anda apressada e a olhar de lado para os convívios nas esquinas dos prédios. Mas a cada dia eu ia descobrindo um bairro onde para além do cimento floresciam ideias, viviam pessoas motivadas, simples, mas com sonhos, ou talvez só com o desejo de participar. Com o tempo o bairro tornou-se num mundo inteiro para mim, cheio de oportunidades e aprendizagens, e assim que decidi mergulhar mais nele dei por mim a implementar um projeto de um ano, talvez demasiado ambicioso para os 8 jovens que nele se envolveram. Criámos uma Rede para a Participação Juvenil de Sintra, realizámos dois encontros com jovens e toda a comunidade que com eles trabalha, criámos uma Carta de Recomendações para os decisores políticos do concelho entenderem melhor a participação juvenil. Ao mesmo tempo tentava encontrar espaço na agenda para não perder uma reunião dos vários grupos que trabalhavam em prol do bairro.

Vi moradores dedicados a unir culturas, mulheres numa luta incansável pelos seus direitos e afirmação na sociedade, e jovens com projetos ousados a tentar mudar o mundo em Sintra. Não estava nos meus planos, nem sequer cheguei a pensar que um dia viria a ser dirigente de uma associação juvenil. Mas o convite foi feito e não demorei muito tempo até dizer o “sim”. Tudo na Dínamo me fazia sentido: a educação para os direitos humanos, a educação para a cidadania democrática, a forma inovadora de trabalhar com os jovens, mas sobretudo a bandeira da participação juvenil. Ao mesmo tempo que tinha a oportunidade de praticá-la, de vários autores aprendi que uma sociedade só se realiza totalmente quando todos estão empenhados nela, que o Homem enquanto ser eminentemente político quer intervir nos assuntos que lhe concernem, e que a verdadeira capacitação e responsabilização das pessoas acontece quando todos sentimos que a nossa voz é importante. Acredito que os jovens, com a sua capacidade de sonhar são capazes de “acordar o dormitório”, de fazer a diferença mesmo nos lugares mais estranhos. Porque a participação, tal como o amor, também é precisa.

A cada dia eu ia descobrindo um bairro onde para além do cimento floresciam ideias, viviam pessoas motivadas, simples, mas com sonhos, ou talvez só com o desejo de participar

Errata: Por lapso, na última edição, o escritor Eduardo Nascimento foi identificado como presidente do Círculo Artístico e Cultural Artur Bual, cargo que não ocupa, apesar de fazer parte da direcção. O presidente é Alves Dias, a quem também pedimos desculpa pela incorrecção.

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segunda-feira

10 de Fevereiro 2014


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