Catálogo 12-2010 ExposicõesFBP

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A pintura encontra no sentimento do amor as condições da sua própria génese, aquilo que a torna possível. Segundo Plínio o Antigo, a pintura teria tido origem aquando da partida de um jovem soldado para a guerra. Uma noite, antes de se juntar ao regimento, o jovem visita pela última vez a sua amada que, ao olhar a sombra do soldado reflectida na parede, começa a desenhar a sua silhueta, de modo a guardar uma imagem daquele que amanhã não estará mais presente. Seria esta a função primeira das artes picturais: acumular os traços, preservar a memória daquilo que o nosso olhar já não alcança. Depois de vários anos a pintar os povos africanos, num registo que combinava a exuberância cromática e diversos padrões decorativos, Pascale Maguerez concentra-se agora numa única figura, que as diversas séries a que deu origem deixam entrever a indelével proximidade afectiva. Redução temática a que faz corresponder no plano formal a opção pelo bicromatismo. Os trabalhos agora apresentados retomam assim a génese mítica do acto de pintar, ao tornarem indistinguíveis a arte e a vida, a matéria pictural e a memória de que se fazem os dias. Blanchot afirmava que o desejo é a distância tornada sensível: na pintura de Pascale Maguerez o desejo prescinde da distância e vai buscar à justaposição fotográfica de pontos de vista, e aos hábeis contrapontos rítmicos, o testemunho pictural de uma afinidade electiva. A preto e branco, como numa história de outros tempos, muito antiga.


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